Já há pelo menos quatro décadas, O Incrível Hulk é um dos personagens mais populares da Marvel Comics. Que coisa mais improvável: um monstro bestial, de pele verde, dotado de uma raiva infinita e uma força descomunal ser tão popular no grande público, inclusive, entre as crianças. Tamanha popularidade que, no Brasil, nasceu a expressão “verde de raiva” em referência ao gigante esmeralda; e seu nome virou um tipo de adjetivo, em expressões como “é um Hulk” ou “forte feito o Hulk”. Na última década, seu retorno aos cinemas só fez o alter ego de Bruce Banner ficar mais popular ainda, embora agora, tenha que dividir os louros com outros heróis, em particular, seus colegas dos Vingadores.

Este post, com um Dossiê Especial do HQRock sobre a trajetória do Hulk nos quadrinhos foi originalmente escrito em 2012 no contexto do lançamento de Os Vingadores, o épico do Marvel Studios que reuniu nos cinemas pela primeira vez a equipe formada por Capitão América, Thor, Homem de Ferro e o próprio Hulk. Mas, desde então, foi atualizado. Ele faz parte de uma série com Dossiês com aqueles membros originais do cinema.

A série traz Dossiês com a trajetória nos quadrinhos de Viúva Negra, Gavião Arqueiro e do Homem de Ferro e Thor , somando-se ao já existente do Capitão América. Se quiser saber mais do Hulk no contexto geral dos Vingadores, veja o dossiê da equipe aqui.

Então, construa sua bomba gama, vire um monstro verde e saia destruído tudo, ficando cada vez mais forte quanto mais fique com raiva e conheça toda a trajetória do Incrível Hulk nas histórias em quadrinhos, com alguns comentários rápidos a outras mídias. Quer saber como foram suas histórias, quem as escreveu e os segredos de bastidores? Pois siga conosco!

De Monstro a Herói

O Nome Hulk já havia sido usado outras vezes por Stan Lee e Jack Kirby quando a dupla decidiu criar a história de um monstro cinza (isso mesmo, cinza!) extremamente forte na qual se transforma acidentalmente o genial cientista Bruce Banner. Mas uma vez que The Incredible Hulk foi lançado, em 1962, o sucesso do monstro levou a se consolidar como um dos mais populares da Marvel.

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O Hulk na arte pintada de Alex Ross.

Apesar de ser um monstro antissocial, o Hulk, curiosamente, terminou sendo membro-fundador não apenas dos Vingadores, mas também dos Defesores, outro supergrupo dos anos 1970.

Quando ganhou uma série de TV com atores nos anos 1970, o antiherói se tornou o mais popular personagem da Marvel Comics depois do Homem-Aranha e sua revista viveu alguns anos de altas vendas. Depois, a febre passou, mas o golias esmeralda continuou querido no coração dos fãs e bastante conhecido mundo afora.

Seus filmes-solo não emplacaram, mas sua popularidade garantiu a presença do Hulk em Os Vingadores e o personagem foi realmente um grande destaque do filme-evento que se tornou a terceira maior bilheteria da história do cinema na época em que foi lançado, ultrapassando US$ 1 bilhão de arrecadação e mudando para sempre os filmes de super-heróis com sua consolidação do Marvel Cinematographic Universe (MCU). Um imbróglio com a Universal Pictures impediu que o Hulk fosse bem explorado nos cinemas, mas continuou aparecendo nos filmes dos Vingadores e, em seguida, nas séries do Disney+.

Subproduto da Guerra Fria

O Universo Marvel foi criado dentro de um contexto muito específico de Guerra Fria, ou seja, a guerra ideológica entre os Estados Unidos e União Soviética, que nunca saíram em conflito direto entre si, mas promoveram muitas e muitas guerras menores com outros países sob sua influência. Esse pano de fundo teve grande importância para as origens do Hulk como personagem, também, mas se somou à situação específica da Marvel Comics naqueles inícios dos anos 1960.

É preciso entender que o mercado de quadrinhos vinha tentando se recuperar da maior crise que vivera em sua história até então… As HQs viveram seu auge nos tempos da II Guerra Mundial, em que as revistas de Superman, Batman (ambos da DC Comics), Capitão Marvel (hoje conhecido como Shazam, então, propriedade da Fawcet Comics) e Capitão América (da Marvel) vendiam mais de 1 milhão de unidades todos os meses. Mas findo o conflito, em 1945, os super-heróis entraram em decadência quase imediatamente em favor de novos gêneros, como terror, faroeste, policial e romance.

Mas com o início dos anos 1950, uma velha questão ganhou mais força: a pretensa má influência das HQs na formação da juventude (embaladas no horror dos pais com a violência, nudez e morbidez das revistas de terror) e atingiu o apogeu com o livro A Sedução do Inocente do psiquiatra Fredric Wherthan, de 1954, que acusava os quadrinhos de serem os responsáveis pela delinquência juvenil dos EUA, o que derrubou as vendas das revistas e colocou a indústria inteira em cheque. Para se ter uma ideia, a editora que conhecemos hoje como Marvel, chamava-se Timely Comics nos anos 1940 e, com a crise no início dos anos 1950, mudou de nome para Atlas Comics (como recuperação de imagem), mas a queda das vendas foi tão grande que a empresa quase foi à falência em 1957 e demitiu todos os seus artistas, num evento que ficou conhecido como o grande colapso, passando a trabalhar apenas com escritores e desenhistas free-lancers e com Stan Lee acumulando os cargos de editor-chefe, diretor de arte e principal roteirista. Tudo para cortar custos.

Após uma comoção da sociedade, uma investigação no Congresso e a criação de um órgão de autocensura para fiscalizar o conteúdo das histórias (o Comics Code Authority/ CCA) e garantir que a leitura fosse “segura” à juventude; lentamente a população foi reconquistando a confiança nas HQs e a as vendas foram crescendo de novo, permitindo que os anos 1960 fossem outra época dourada dos quadrinhos: a Era de Prata.

Entre o fim dos anos 1950 e o início dos 60, a DC Comics deu a largada com uma linha nova de heróis renovados e a criação da Liga da Justiça, que ampliaram as vendas da Distinta Concorrente. Enquanto isso, a antiga Timely-Atlas ainda vivia basicamente de revistas genéricas de faroeste e terror comandadas pelo editor-chefe Stan Lee. Mas o sucesso da rival motivou a criação de novos super-heróis.

Stan Lee e Jack Kirby em 1965: principais arquitetos do Universo Marvel.

Então, Stan Lee se uniu a Jack Kirby e criaram o Quarteto Fantástico, que estreou em Fantastic Four 01, de novembro de 1961 e deu partida ao Universo Marvel: era um quadrinho diferente, pois misturava o estilo de histórias de monstro típicas da editora (o grupo sequer usa uniformes nessa primeira edição) com uma abordagem extremamente dramática e o desenvolvimento altivo de personagens, cada qual com uma personalidade, cheia de humanidade e falhas. Os membros – os irmãos Johnny e Sue Storm, o namorado desta, Reed Richards, e o amigo Ben Grimm – brigavam o tempo todo e tinham atitudes de arrogância e orgulho proporcionais aos seus atos de heroísmo.

A capa de “Fantastic Four 01”, de 1961, por Lee e Kirby: marco zero do Universo Marvel.

Era algo novo nos quadrinhos de super-heróis, cujo padrão era a monotonia da DC Comics, onde os heróis eram infalíveis, modelos de bondade sem defeitos. E sem humanidade. E indistintos uns dos outros, pois todos eram perfeitos. Mas não tinham personalidade.

No Quarteto de Lee e Kirby, Richards era inteligente e frio, o que o tornava presunçoso; Johnny era arrogante e convencido; Ben era esquentado e atormentado; e Sue era sensata, mas insegura. Era uma forma nova de escrever super-heróis que não passou despercebida pelos leitores. E foi um sucesso.

Isso abriu as portas para novos empreendimentos da recém rebatizada Marvel Comics no mesmo estilo e o projeto seguinte de Lee e Kirby para a nova linha da Marvel foi justamente O Incrível Hulk.

Um Monstro Quebra Tudo!

Assim, como a “primeira família”, o monstro raivoso também estreou em sua própria revista, The Incredible Hulk 01, de maio de 1962. Como a Marvel ainda era uma editora pequena (que somente então voltava a crescer), o título era bimestral. Stan Lee e Jack Kirby já havia usado o nome “Hulk” para outro personagem pouco tempo antes, outro monstro, mas era um termo tão bom que o escritor (que também era o editor-chefe da editora) decidiu reciclar.

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O Hulk do filme, com o rosto de Mark Ruffalo.

Em inglês, a palavra hulk significa originalmente algo grande e maciço. Um bom termo correspondente em português seria “bólido”. Hulk era usado para designar barcos gigantescos que ficavam permanentemente ancorados e serviam geralmente como armazéns ou prisões. Mas pelo fator estacionário, os cascos acumulam muitos sedimentos, como algas e moluscos, dando-lhe uma aparência rugosa, de modo que hulk também era associado a um sentido de textura, algo mucoso. No fim das contas, os dois sentidos juntos dão uma boa ideia do que é o incrível Hulk.

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O Hulk na coloração cinza de “The Incredible Hulk 01”, de 1962, por Stan Lee e Jack Kirby.

Tal qual no Quarteto Fantástico, a trama daquela edição 01 não era o típico conto de super-herói, reforçando o caráter “diferente” da Marvel no mercado. Carregada de drama, a história mostrava o tímido e franzino Dr. Bruce Banner prestes a testar sua maior invenção: a bomba de raios gama (g-bomb). Vemo-lo apaixonado por Betty Ross, que também gosta dele, mas ambos são tímidos demais; e ela é a filha de seu patrão, o colérico General Thaddeus “Thunderbolt” Ross, do Exército dos EUA, que comanda uma base secreta no deserto do Novo México. (A base será batizada anos depois de Los Diablos Base, mas era referida nas histórias originais simplesmente como Base do Deserto).

Lee e Kirby mostram a tensão nos momentos anteriores ao primeiro testa da bomba gama, e que o assistente de Banner, chamado Igor, é um espião soviético disposto a sabotar o experimento. Para piorar tudo, na hora do teste, Banner percebe que há um garoto na área proibida e pede para que a contagem regressiva cesse, indo tirar o menino de lá. Porém, pensando que pode se livrar do maior cientista dos EUA, Igor mantém a contagem. Lá fora, Banner percebe que a contagem não parou e leva o garoto, Rick Jones, até uma vala de proteção, mas enquanto salva o menino, é atingido pela explosão!

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Bruce Banner se transforma em Hulk pela primeira vez: texto de Stan Lee e arte de Jack Kirby.

Mas Banner não morre! Levado para uma casamata, onde é submetido a exames médicos, e, enquanto se recupera, quando anoitece, se transforma em uma monstro: cresce de tamanho, fica muito mais musculoso e bruto, e a sua pele numa horrível cor cinza (isso mesmo, cinza, não verde!) e sai enlouquecido. Rick Jones presencia o momento e tenta ajudar o seu salvador, mas o bruto cinza se comporta de modo selvagem e só quer saber de ir embora.

Batizado de Hulk por um soldado do exército, o monstro sai destruindo tudo em seu caminho e sua força é demonstrada quando, por exemplo, destrói um Jeep com as mãos nuas. O monstro também sequestra Betty Ross, mas não a faz mal, que enxerga nele “uma tristeza, quase como se estivesse pedindo ajuda”, como diz ao seu pai. A ameaça da filha já cria uma animosidade férrea de Thunderbolt Ross com o monstro.

Betty é consolada por seu pai após o primeiro encontro com o Hulk.

Mas a trama se desenvolve: o espião Igor age sob o comando de um cientista deformado chamado Gárgula, que vai até os EUA para sequestrar o tal monstro. Usando uma forte dardo anestésico, ele captura o Hulk e Jones e os leva à União Soviética. Só que ao cruzar o globo, se faz sol e o monstro reverte à forma de Banner, o que surpreende o Gárgula, que fica intrigado, por também ser um monstro e sonhar em voltar a ser um homem normal. Sendo um cientista de bom caráter, Banner descobre uma forma de curar o cientista soviético usando radiação, ainda que ao custo de seu intelecto avantajado. Em troca, o curado Gárgula envia Banner e Jones de volta aos EUA, um gesto que lhe custa a própria vida, morto por seus companheiros.

Essa trama brincava com elementos essenciais da época: o medo de uma hecatombe nuclear, o que pode explicar o seu sucesso inicial, além de toda a subtrama da Guerra Fria. Lee e Kirby também definem alguns elementos básicos do que é o Hulk, com sua força avantajada e intelecto confuso, ainda que sua transformação ocorra somente quando chega à noite, com ele revertendo à forma de Bruce Banner quando amanhece.

Outro detalhe interessante sobre as origens do Hulk está em sua cor. Lee e Kirby pensaram num monstro da cor cinza, o que lhe dava um aspecto terrível e assustador, mas naqueles tempos, não era fácil conseguir cores escuras e um problema de colorização na edição 01 fez com que, em alguns quadrinhos, o personagem terminasse saindo em variações de cinza claro e escuro e até preto. Em outros quadrinhos, sua cor chegou a ficar vermelha e verde. Tendo em vista isso, para a edição 02, Stan Lee definiu que o Hulk seria verde, que era uma cor mais fácil de conseguir no arcaico processo de coloração da época e, a partir de então, o Hulk virou o gigante esmeralda.

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O Hulk na arte de Jack Kirby e Steve Ditko.

Lee tinha uma grande preocupação com a cronologia, mas ficou definido que o Hulk sempre fora verde. Nas reedições seguintes dessa história, o Hulk foi repintado como verde, mas em 1985, o escritor e desenhista John Byrne criaria uma história em que definia que o Hulk tinha sido originalmente cinza e se tornou verde pouco a pouco. Esta característica é a oficial nos dias de hoje, embora não tenha sido adotada nos cinemas. E falaremos mais sobre isso bem lá adiante.

Os Criadores

Vamos abrir um parênteses breve para os criadores do gigante esmeralda: a dupla invencível, Stan Lee e Jack Kirby.

Nascido Stanley Lieber em 1922, em uma família judia, ele assumiu o nome Stan Lee logo quando começou a escrever quadrinhos. Garoto prodígio, foi contratado pela Marvel aos 17 anos, como faz tudo da editora (office-boy). Uma prima dele era casada com Martin Goodman, o dono da editora, e tendo em vista que o menino tinha jeito para escritor, decidiu-lhe dar uma chance para começar de baixo. Lee ficou como assistente do então editor-chefe Joe Simon e do diretor de arte Jack Kirby, que criaram o Capitão América, primeiro personagem de grande sucesso da editora. Já no número 3 da revista do Sentinela da Liberdade, em 1941, Lee estreou como escritor e foi progressivamente assumindo outros roteiros. Quando Simon e Kirby saíram da Marvel, em 1942, Lee foi posto como editor-chefe enquanto Goodman “buscava alguém mais qualificado”, mas o fato é que o garoto de apenas 19 anos ficou mesmo no cargo. E por 30 anos!

Stan Lee e sua esposa.

Na Era de Ouro dos anos da guerra, Lee também foi um dos principais roteiristas da Marvel e ciou alguns de seus primeiros personagens, além de escrever o Capitão América e outros personagens. Mas viveu a maior parte de sua primeira metade da vida como um editor algo frustrado, em uma editora que enfrentou crise após crise, e passou por momentos muito difíceis nos anos 1950, até o ponto de pensar em desistir quando lhe chegou a oportunidade de dar uma virada na vida, aos 39 anos de idade, e começar o Universo Marvel propriamente dito, o que lhe valeu o apelido (autorreferendado) de The Man (“o caro”).

Jack Kirby nos anos 940

Seu principal parceiro na empreitada foi Jack Kirby, nascido Jacob Kurtzenberg em uma família judia da região “barra pesada” do Brooklyn, em Nova York, em 1917, que veio de uma família pobre, aprendeu a desenhar sozinho e começou sua carreira na animação, antes de migrar para a então nascente indústria de histórias em quadrinhos, trabalhando para várias editoras antes de fazer um nome na Fox já ao lado de seu primeiro parceiro, Joe Simon. A dupla Simon & Kirby encantou leitores e editores com seus textos dinâmicos e suar arte explosiva e foram contratados por Martin Goodman para comandar a novíssima Timely Comics (o primeiro nome da Marvel), em 1939.

Kirby foi o diretor de arte da Marvel naqueles primeiros anos, enquanto Simon era o editor-chefe, e a dupla também criou o Capitão América, em 1941, que se tornou o maior sucesso da editora. Mas Goodman pagava pouco e Simon e Kirby começaram a produzir para outras editoras em segredo – fazendo muito sucesso no Capitão Marvel (o Shazam) na Fawcett Comics – e foram demitidos. A dupla seguiu para a DC Comics, onde fizeram sucesso com Guardião e Sandman, mas principalmente, com os Boys Commandos, uma HQ de guerra. Kirby terminou convocado à II Guerra e atuou de verdade no conflito, entre 1943 e 44, e quando voltou à vida civil, a febre dos super-heróis passou, então, Kirby criou o gênero das histórias de romance, que foi outro grande sucesso. Daí, o apelido the King of Comics, o Rei dos Quadrinhos.

Kirby como militar e sua arte no Capitão América ao fundo.

Os anos 1950 foram difíceis, com a crise do mercado e várias empreitadas inconclusas, outra passagem pela DC, e por fim, a volta à Marvel em 1958, agora trabalhando com Stan Lee em histórias de faroeste, primeiro, e depois, em histórias de monstros. Agora, Lee não era mais um moleque assistente de Kirby, mas o editor-chefe e principal roteirista da editora, e isso tornou a relação dos dois um pouco complicada desde sempre. Mas eles conseguiram produzir um material muito bom e explodiram em 1961, com o lançamento do Quarteto Fantástico.

Também é impossível não mencionar o Método Marvel de criação de quadrinhos: como Stan Lee tinha que escrever a maior parte das revistas da editora – e fazer isso fora do horário comercial, pois neste atuava como editor-chefe – ele precisou criar uma estratégia especial para dar conta da tarefa. Assim, Lee entregava ao desenhista uma breve sinopse da história (algo entre dois parágrafos ou duas páginas de texto) e cabia ao desenhista criar os detalhes da trama por meio de uma narrativa visual ao qual Lee retornava para fazer os diálogos e os recordatórios.

Trabalhando com um gigante como Kirby, muitas vezes, Lee nem chegava a fazer uma sinopse prévia, e o próprio Rei dos Quadrinhos criava a trama através de seus desenhos, cabendo a Lee apenas a parte textual posterior. Isso significa, também, que não raras vezes, a ideia original e o credito maior das histórias era de Kirby, com Lee em segundo plano, ainda que ambos fossem essenciais à dinâmica que criaram.

E como criaram! Lee e Kirby foram criadores de Quarteto Fantástico, Hulk, Homem-Formiga, Vespa, Thor (ao lado de Larry Lieber), Homem de Ferro (ao lado de Larry Lieber e Don Heck), Nick Fury, Vingadores, X-Men, Pantera Negra, Inumanos, além de seus personagens coadjuvantes e vilões, como Loki, Doutor Destino, Magneto, Kang, o conquistador, e muito e muito mais.

Gigante Esmeralda

Personagens dos quadrinhos não nascem prontos, mas vão se desenvolvendo aos poucos. Perceba que o Hulk não é tão massivo em sua estreia (ele chega até a manter os sapatos de Banner na primeira vez que aparece!), mas tem uma aparência bem mais agressiva e maior quando de sua segunda aparição. Mas seu visual – incluindo o fato de ficar sem camisa, apenas com as calças rasgadas – só aparecerá mesmo na sua quinta revista. Ou seja, o personagem ia sendo desenvolvido história a história.

O Hulk continua a se definir em The Incredible Hulk 02, que dá um passo seguinte em um tema também muito comum à época: alienígenas. Na trama, uma raça de homens-sapos tenta invadir a Terra e seu caminho se cruza com o do nosso monstro verde. A história mostra Rick Jones ainda andando com Bruce Banner em dívida por ter salvo sua vida (e com culpa por ter ajudado a transformar o cientista em um monstro), e o cientista descobre uma caverna na qual improvisa um laboratório secreto e cria uma cela para conter seu alter-ego, com as paredes rochosas e uma porta de concreto de três metros de espessura.

Reprisando em algum sentido a trama da aventura anterior, os alienígenas estão atrás do Dr. Banner, que é a maior mente científica do planeta, mas ao abduzi-lo, nas trevas do espaço, ele se transforma no Hulk e ataca a nave, que cai próximo à Base do Deserto e Banner é encontrado nos escombros e acusado de traição. Mas o cientista se engaja em derrotar os ETs, usando um novo projetor de raios gama para derrubar outras naves e o Hulk, claro, também dá a sua força. Sem saber que o monstro e o cientista são a mesma pessoa, Ross retira a queixa contra Banner.

Um Hulk relativamente inteligente e malvado aparece pela primeira vez. Guarde isso para o futuro. Arte de Jack Kirby com tintaria de Steve Ditko.

Essa história traz um elemento interessante à época, pois é mostrado que o Hulk tem um intelecto, ainda que dominado pela raiva e por uma postura mesquinha, quase maligna. Por exemplo, quando o monstro se vê na nave alienígena, logo pensa que pode usar aquela tecnologia para o seu proveito, e com isso, “deixar de ser caça e se tornar caçador” e tomar o mundo. Isso é importante porque é a primeira aparição desse tipo de personalidade do Hulk que terá grande reverberação nas HQs de 20 anos depois, como veremos lá na frente.

E esse traço de personalidade logo desapareceria, pois não teria continuidade.

Outro detalhe importante é que a edição 02 trouxe o artista Steve Ditko fazendo a tintaria (cobrindo o lápis de Kirby com tinta nanquim, um procedimento que no Brasil chamamos de arte-final). Ditko estava apenas firmando seu nome na Marvel – ele seria o cocriador do Homem-Aranha muito em breve – e seu principal papel era (naquele momento) auxiliar Kirby. Mas Ditko realmente adicionava ranhuras e dava um senso de profundidade muito interessante à arte de Kirby, como pode ser visto na gravura do rosto do Hulk ali de cima.

The Incredible Hulk 03 traz não uma, mas três aventuras do monstro! Na primeira, o general percebe o vínculo de Rick Jones com o golias verde e cria uma armadilha para atrair o garoto e fazer o Hulk entrar dentro de uma nave de teste e, simplesmente, mandá-lo embora para o espaço sideral. O plano dá certo e o Hulk chega à estratosfera, onde recebe uma carga extra de radiação cósmica – aquela mesma que deu origem aos poderes do Quarteto Fantástico – mas a nave termina por cair de volta no deserto. Contudo, o excesso de radiação tem dois efeitos: o Hulk permanece ativo mesmo durante o dia e seu intelecto regride ao de uma fera bestial, não muito maior do que o de uma criança bem pequena e extremamente raivosa.

Esta história também é importante por mostrar pela primeira vez um dos poderes mais duradouros do Hulk: a capacidade de dar enormes saltos, com quilômetros de altura e extensão, que lhe permitem se mover rapidamente em longas distâncias. Essa habilidade era uma “homenagem” (provavelmente involuntária, ou melhor, tomada de empréstimo) ao Superman, que em suas histórias não voava, mas saltava tal qual o Hulk passou a fazer).

A aventura também trouxe um elemento bizarro: por causa do excesso de radiação, que também atingiu Rick Jones, o garoto passa a controlar a mente do Hulk.

A segunda história era uma precoce recontagem da origem do Hulk. Ainda que curta, o artifício mostra que havia uma leva nova de leitores interessados na revista que não tiveram acesso ao número 01 numa época em que as republicações eram praticamente inexistentes.

O Mestre do Picadeiro e seu Circo do Crime na splash page (página de apresentação) da terceira história de Hulk 03.

A terceira aventura introduzia um dos grupos de vilões mais recorrentes da Classe D da Marvel: o Circo do Crime, uma trupe de circo que usa poderes e habilidades circenses para cometer crimes, e é liderada pelo Mestre do Picadeiro, que possui um chapéu capaz de hipnotizar as plateias e roubá-las. Por idiotas que fossem, o Circo do Crime combateria todo mundo da Marvel, dos Vingadores e Thor ao Homem-Aranha.

Na edição 04, de novembro de 1962, o general Ross testa uma nova arma, um míssil congelante, que espera usar no Hulk e manda seu exército caçar o monstro, o que leva a um confronto breve, mas o gigante verde ainda sob o comando mental de Rick Jones o segue até o laboratório secreto de Banner em uma caverna, onde o jovem analisa o projetor gama criado pelo cientista e, finalmente, usa no monstro, que reverte à forma humana. Bruce estuda novamente sua criação e percebe que pode usá-la para induzir suas transformações e usar a força do Hulk para o bem (como um tipo de super-herói, pela primeira vez).

A oportunidade aparece quando há um incêndio em uma fazenda e Rick e Bruce usam o disruptor, o que faz com que o Hulk apareça, mas diferente dessa vez: mais ou menos imbuído da mente de Banner, ainda que um pouco mais brutal e menos articulado. Mas o plano dá certo e ele salva o dia.

A segunda história da revista mostra uma ameaça alienígena pousando no deserto e ameaçando a humanidade, mas logo descobrimos que são apenas agentes soviéticos se passando por ETs e um homem usando uma grande armadura de batalha para se passar por Mongul. Vendo a ameaça pela TV, Bruce usa o disruptor para se transformar no Hulk e vai combatê-los, logo percebendo o logro e acabando com todos eles.

Esta é a primeira vez que o Hulk bate as palmas das mãos para produzir uma onda de choque contra seus oponentes, um golpe que vai virar uma das armas do golias verde dali em diante.

Na edição 05, de novo temos duas histórias do Hulk. Na primeira, o general Ross traça um novo plano para caçar e destruir o gigante esmeralda e coloca justamente Bruce Banner à frente da assessoria científica para tal, e a ação se dá com a invasão de Tyrannus, o líder de um reino que vive secretamente nos subterrâneos da Terra (um local batizado anos mais tarde de Subterranea) e que se mantém vivo por milênios por causa da Fonte da Juventude que brota sob seu domínio, que sequestra Betty Ross e mobiliza Banner a usar outra vez o Projetor Gama para se transformar no Hulk e resgatá-la das profundezas da Terra.

E, na segunda história, mais um episódio típico da Guerra Fria, quando um militar chinês chamado general Fang toma o poder em uma cidade chamada Llhasa e ameaça a ilha vizinha de Formosa, deixando o mundo à beira da III Guerra Mundial. Banner pensa que o Hulk é o único que poderia detê-lo e vai até lá fazer isso – mas sua ausência não passa desapercebida pelo general Ross e sua filha Betty que se perguntam, por motivos diferentes, o que está acontecendo com o cientista e onde ele está? Banner inventa que tirou férias rápidas nas Bermudas, mas Betty não fica convencida.

The Incredible Hulk 06, de março de 1963, lançava dois alertas discretos aos leitores: primeiro, só traz uma única aventura do monstro, com um número menor de páginas; segundo, a arte não é realizada por Jack Kirby, mas por seu “assistente” Steve Ditko, inclusive, na capa, ainda que o roteiro continue creditado a Stan Lee.

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Capa de “Hulk 06”, última edição da primeira fase. Capa de Jack Kirby, arte interna de Steve Ditko.

Na trama, como sempre labiríntica, chega à Terra outro alienígena ameaçador chamado Mestre dos Metais, que ataca a Base do Deserto; depois, a Rússia; e depois, Washington, DC. Após uma rápido confronto com o exército, o Hulk retorna ao laboratório secreto na caverna e usa o projetor de raios gama para voltar a ser Banner, mas algo dá errado: embora sua pele volte ao normal, Bruce permanece muito maior e musculoso do que o normal. Após o primeiro ataque do alien, outra vez, Banner usa o projetor para se transformar no Hulk, mas algo dá errado de novo: seu corpo muda e cresce, mas não apenas ele mantém o seu intelecto integralmente, como também seu rosto permanece como o de Bruce – um indicativo claro que as transformações induzidas no gigante esmeralda estão começando a cobrar um preço.

Coisas estranhas começam a acontecer… Arte de Steve Ditko.

Receoso de que qualquer um irá reconhecer seu rosto no corpo do Hulk, Banner usa uma máscara de látex com a expressão do monstro e vai à luta contra o Mestre dos Metais, que tem a habilidade de manipular os metais, liquefazendo um tanque para se transformar numa gaiola, por exemplo, o que faz nosso herói ser derrotado. O exército tenta capturar o monstro e um soldado percebe que está usando uma máscara e quando a retira… suspense!… está o rosto normal do Hulk.

Quando o Mestre dos Metais parte para sua conquista mundial, Rick Jones usa um equipamento de rádio (eram os anos 1960 e não existia internet, lembrem!) para conectar uma rede de jovens que possa trocar informações rápidas e ajudar o mundo, nascendo a Brigada Juvenil (Teenage Brigade), um grupinho que remete aos grupos juvenis criados por Jack Kirby em sua carreira pretérita (como os Boy Commandos e os Boy Ranchs, ambos na DC Comics) – elemento que meio que comprova que Kirby teve participação na história, seja no roteiro, seja nos layouts para Ditko (provavelmente os dois), embora sem ser creditado.

Hulk versus Mestre dos Metais por Steve Ditko.

A Brigada Juvenil auxiliar Banner a reunir uma série de artefatos para deter o vilão e quando o Mestre dos Metais ataca Washington, o Hulk intervém armado de um imenso míssil que o alien não consegue alterar (porque é feito de plástico) e o golias verde ameaça exterminá-lo se não desfazer todo o seu mal e for embora, o que revela o vilão como um covarde que acata tudo, sem saber que é um blefe e o tal míssil não funciona. Uma mostra das vantagens do intelecto de Banner sobre o domínio do Hulk.

A ação heroica do Hulk em Washington lhe rende um Perdão Presidencial. O primeiro que recebe, mas não o último! E os leitores podem imaginar que o Mestre dos Metais seria reciclado de algum modo como o vilão Magneto dos X-Men.

Monstro Sem Revista

A trama parou aí e The Incredible Hulk foi cancelada. É preciso pensar que, no início de 1963, a Marvel ainda era uma editora pequena (em franco crescimento) e tinha um contrato leonino de distribuição de suas revistas com a empresa Independence News, que ironicamente pertencia à DC Comics, sua maior rival. O contrato era restritivo e permitia que a Marvel publicasse apenas apenas 8 revistas por mês nas bancas. Por isso, a revista do golias verde era bimestral, pois esse artifício permitia à editora ter 16 revistas publicadas. Portanto, era um espaço disputado.

O Hulk por Steve Ditko.

E The Incredible Hulk não vinha vendendo tão bem, ao mesmo tempo em que a história do Homem-Aranha, publicada em Amazing Fantasy 15, de agosto de 1962, (por Stan Lee e Steve Ditko) se mostrou a revista mais vendida daquele ano, e o publisher (e proprietário) da Marvel, Martin Goodman, decidiu exterminar a publicação do gigante esmeralda para dar lugar a uma revista própria para Peter Parker. E The Amazing Spider-Man 01 chegou às bancas em seu lugar, comandada por Lee e Ditko.

Mas Lee e Kirby adoravam o Hulk e, de imediato pensaram numa estratégia de trazê-lo de volta às bancas.

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O primeiro confronto entre Hulk e Coisa ocorreu em “Fantastic Four 12”, de 1963. Arte de Jack Kirby e texto de Stan Lee.

Uma maneira de mostrar que o Hulk prosseguia existindo era colocá-lo dentro de outra das revistas da Marvel, algo que Stan Lee e Jack Kirby fizeram de modo magistral fazendo o Hulk entrar numa batalha contra o Quarteto Fantástico, em Fantastic Four 12, publicada no mesmíssimo março de 1963 em que sua última revista foi às bancas. Foi uma tacada de mestre da dupla, porque: 1) Fantastic Four era a revista de maior sucesso da Marvel naqueles tempos; e 2) Lee e Kirby sabiam que um confronto entre eles, em particular do Hulk contra seu equivalente, o Coisa, iria dar o que falar entre os leitores e manteria o personagem sendo comentado por vários meses seguintes.

Outro ponto a destacar é que esse foi um dos primeiros crossover de personagens da Marvel, ou seja, personagens de uma revista migrando para outra. Só não foi o primeiríssimo, porque no mesmo mês de março de 1963, o Quarteto Fantástico aparecia em destaque na capa de Amazing Spider-Man 01.

O Hulk e o Coisa se encontram pela primeira vez, em Fantastic Four 12. Arte de Jack Kirby.

A trama de Fantastic Four 12 não prossegue exatamente do ponto em que The Incredible Hulk parou, apenas se aproveita da mesma ambientação, com Bruce Banner usando o projetor gama para se transformar, por exemplo. Na trama, o general Ross vai a contragosto buscar o auxílio do Quarteto Fantástico para capturar o Hulk (e o perdão presidencial?), e a chegada do time ao deserto do Novo México, claro, resulta em um choque colossal entre Senhor Fantástico, Mulher-Invisível, Tocha Humana e o Coisa contra nosso gigante verde. Até que descobrem que os infortúnios recentes da Base do Deserto são fruto de um agente soviético infiltrado chamado Destruidor, o que gera uma união entre a primeira família e o golias esmeralda.

Com isso, Reed Richards e companhia terminam percebendo que o Hulk não é uma força do mal, e sim, alguém trágico e mal compreendido, e vão embora.

Sem dúvidas a tática de Lee e Kirby deu certo e a empreitada ainda serviu para apresentar o personagem a um grande número de leitores que jamais o havia lido. E ele não tardaria a voltar.

Os Vingadores

Quando Martin Goodman pedira a Stan Lee criar um grupo de super-heróis para bater de frente com a Liga da Justiça, em 1961, Lee e Jack Kirby criaram um time totalmente novo de personagens, pois a Marvel não tinha nenhum super-herói uniformizado em publicação naquela época. Mas passados apenas dois anos, Lee, Kirby, Ditko e alguns outros artistas já haviam criado um pequeno punhado de heróis próprios da Marvel, então, já era possível reuni-los em um grupo.

E assim nasceu os Maiores Heróis da Terra, a reunião de Homem de Ferro, Thor, Hulk, Homem-Formiga e Vespa!

Avengers 01 cover by Jack Kirby 1963
Capa de Avengers 01 por Jack Kirby.

The Avengers 01, de setembro de 1963, por Lee e Kirby, mostra uma trama em sequência às aventuras de Thor na revista Journey Into Mystery (onde fora criado por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby, baseados na Mitologia Nórdica), na qual seu meio-irmão e arqui-inimigo Loki consegue escapar de sua prisão mística e vem a Midgard (a Terra) em busca de um plano para matar o deus do trovão, vendo o Hulk em ação e tendo a ideia de usá-lo como isca. Daí, o deus da mentira cria uma ilusão que faz as pessoas pensarem que o gigante esmeralda atacou um trem e isso cria uma comoção nacional.

Os heróis se unem contra Loki, por Lee e Kirby.

Rick Jones mobiliza sua Brigada Juvenil para interceptar o Hulk e Loki garante que a mensagem de rádio chegue aos ouvidos de Thor, que pensa que a comunicação é para ele e vai atrás. Mas como efeito colateral, a ação do deus da mentira permite que Tony Stark, Hank Pym e Janet Van Dyne também escutem e também partam em missão.

O Homem de Ferro fora criado por Stan Lee, Larry Lieber, Jack Kirby e Don Heck e era publicado na revista Tales of Suspense; enquanto Homem-Formiga e Vespa foram criados por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby na revista Tales to Astonish.

Nascem os Vingadores!

Então, os heróis encontram o Hulk disfarçado trabalhando como uma atração de circo no deserto – isso mesmo – e engatam uma luta breve com o monstro, mas logo, Thor percebe o dedo de Loki nisso tudo, e o leva à batalha, que é vencida com o esforço conjunto do grupo e os heróis decidem permanecerem unidos como uma equipe fixa, os Vingadores.

Hulk versus Vingadores em Avengers 02. Arte de Jack Kirby.

Mas Lee e Kirby não gostavam de mesmice e, desde o início, a intenção era tornar o Hulk um fator instável à revista dos Vingadores. Assim, Avengers 02, de novembro de 1963, mostra o time enfrentando o Fantasma do Espaço, que troca de lugar com os heróis, assumindo sua aparência e enviando-os temporariamente para o Limbo (uma dimensão perdida no espaço-tempo).

Primeiro quebra-pau de verdade entre Hulk e Thor.

E tal artifício deixa claro que os demais heróis não confiam no Hulk, o que motiva ao monstro sair na porrada com eles de novo, e tendo uma luta um pouco mais detida com Thor.

Um Hulk rejeitado abandona a equipe.

Chateado com a incompreensão dos “fracotes”, o Hulk decide deixar o grupo naquela edição mesmo, mostrando que estabilidade não é o forte dos Vingadores.

Mas o monstro era um bom chamariz, então, mesmo sem ser mais um membro oficial, lá está ele de novo em Avengers 03, de janeiro de 1964, quando os heróis saem em batalha contra Namor, o Príncipe Submarino – um herói criado em 1939 por Bill Everett na primeiríssima revista da Marvel e que fora bastante popular nos anos 1940, porém, após anos desaparecido é reencontrado pelo Quarteto Fantástico (em Fantastic Four 03, de 1962) e percebe que sua civilização subaquática, a Atlântida, foi destruída por testes nucleares, então, se volta contra a humanidade.

Escapando de um primeiro confronto com os Vingadores, Namor cruza o caminho com o Hulk e, bem ao estilo Marvel, os dois saem em combate, mas percebendo as semelhanças trágicas entre os dois, o atlante propõe uma aliança contra aqueles heróis, e lá vão os Vingadores terem que lutar contra a dupla. No fim, o Hulk também se sente usado pelo Príncipe Submarino e vai embora. (Hulk e Namor teriam um grande futuro pela frente, como veremos).

Mas esta edição deixou um legado, pois embora Bruce Banner estivesse se transformando no Hulk e vice-versa exclusivamente pelo uso do projetor gama em suas aparições mais recentes, em Avengers 03 ocorre pela primeira vez a transformação de Banner em Hulk por causa de estresse ou raiva, o recurso que se transformará no futuro no meio mais famoso e estabelecido dessa transformação.

Avengers 04, de março de 1964, não traz o Hulk, e sim, o grupo encontrando o seu substituto: o Capitão América, que é resgatado depois de passar décadas congelado desde o fim da II Guerra Mundial! O Capitão América fora criado por Jack Kirby e Joe Simon em 1941 e foi o maior sucesso da Marvel nos anos 1940 – tendo entre os seus escritores o jovem Stan Lee em início de carreira – até ser cancelado devido às vendas baixas em 1949, e cuja tentativa de retorno em 1953-54 esbarrou na campanha anti-quadrinhos da época e fracassou.

Seu retorno foi anunciado com estardalhaço e foi um sucesso imenso, ao mesmo tempo em que adicionava ao time uma liderança forte e um personagem mais experiente do que todos os outros em atos heroicos, à exceção de Thor (que tinha milhares de anos de idade).

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Mais uma vez contra o Quarteto Fantástico, por Lee e Kirby.

Em seguida, o golias verde reencontrou o Quarteto Fantástico, desta vez em uma ensandecida batalha no meio de Nova York, sendo o primeiro encontro daquela equipe com os Vingadores, que vão ajudar, como pode ser visto nas clássicas Fantastic Four 25 e 26, de abril e maio de 1964, ainda por Stan Lee e Jack Kirby. Na primeira, o Hulk está novamente no deserto, sendo perseguido pelo exército, mas o monstro escapa e adormece, revertendo à forma de Bruce Banner, que busca por Rick Jones para lhe ajudar, mas o garoto não está por lá (pois está em Nova York, com os Vingadores). Estar sozinho no deserto, perdido e sem ajuda causa um grande desespero no cientista que termina se transformando no Hulk de novo, que segue até seu laboratório na caverna e lá descobre que foi substituído pelo Capitão América nos Vingadores.

Hulk e Coisa têm um segundo round. Arte de Jack Kirby.

Furioso, o monstro decide ir até Nova York se vingar, mas é confrontado pelo Quarteto Fantástico, com Tocha Humana, Mulher-Invisível e Coisa sucessivamente lutando e sendo derrotados pelo monstro.

A poderosa batalha de Hulk e Coisa em Nova York por Jack Kirby.

Se os fãs acharam a luta entre Hulk e Coisa muito curta e contida um ano antes, foram recompensados em FF 25: são páginas de puro deleite em que Jack “O Rei” Kirby mostra sua famosa habilidade de batalhas dinâmicas e esses dois colossos destruindo a cidade. É um clássico!

Vitorioso, contudo, o Hulk segue seu caminho.

Fantastic Four 25 trouxe três curiosidades. Além de ser a segunda vez em que Banner vira o Hulk por estresse, o escritor Stan Lee cometeu um erro crasso ao chamar Banner de “Bob” em um dos recordatórios. Os leitores notaram isso e uma carta sobre o tema foi publicada na edição 28 daquela revista, na qual Lee endereçou o leitor afirmando que o nome completo do herói era Robert Bruce Banner – o que justificaria o uso de Bob – e, dali em diante, esse realmente se tornou o nome oficial do cientista, embora sempre chamado de Bruce.

A terceira coisa é que esta é a primeira vez que se dá a entender que quanto mais raiva o Hulk sente, mais forte ele fica. Essa que é uma das características primordiais do personagem até hoje seria oficializada mais ou menos um ano depois, como veremos.

Hulk versus Vingadores em Fantastic Four 26, por Kirby.

A batalha prossegue em Fantastic Four 26, com o Coisa e o Tocha Humana revidando contra o Hulk, que novamente os vence e vai até a Mansão dos Vingadores, que aguardam por ele. Enfrentando o time completo – adicionados pelo Capitão América – o Hulk não consegue vantagem e busca fugir, sendo interceptado em meio a um prédio em construção pelos Vingadores e pelo Quarteto Fantástico (agora, reagrupado e completo), numa titânica batalha dos dois grupos contra o gigante esmeralda.

Uma pena essa batalha estar nas páginas de Fantastic Four e não Avengers, mas é puro delírio. Arte de Jack Kirby.

De novo, são páginas e páginas de puro deleite nas mãos de Jack Kirby. O destaque maior – me perdoem os donos da casa – é do Hulk contra os convidados Vingadores, em uma batalha que segue o estilo do artista, que mostra que cada quadro tem uma sequência, num efeito muito cinematográfico.

Lá também está Rick Jones, que vinha acompanhando os Vingadores, (e Thor nos informa que o Capitão América vem treinando o rapaz para agir ao seu lado – como um tipo de substituto para Bucky, que então, era dado como morto) e, buscando ajudar seu amigo, joga uma capsula de radiação gama na boca do Hulk, que termina por reverter à forma de Bruce Banner no meio de um salto e desaparece no Rio Hudson.

Mas ele estará de volta imediatamente a seguir, em Avengers 05, do mesmo maio de 1964: agora, enquanto os Vingadores se recuperam da batalha com o Hulk (e o Capitão América continua a treinar Rick Jones), Banner regressa suas atividades na Base do Deserto, onde vai investigar uma misteriosa rocha que emergiu do solo. É fruto do ataque dos Homens-Lava (que já tinham enfrentado Thor antes) e os Vingadores se reúnem para detê-los, e Banner, ao vê-los, é novamente acometido de estresse e se transforma no Hulk, que vai outra vez atrás de acabar com seus ex-amigos.

Mas usando a inteligência e com o Gigante forçando o Hulk contra os Homens-Lava, os Vingadores saem vitoriosos e vão embora.

Depois disso, o Hulk ficou um longuíssimo tempo se se envolver diretamente com os Vingadores, ainda mais na revista própria do time.

E a tour do Hulk pelos títulos alheios continuava: ele está de volta Amazing Spider-Man 14, de julho de 1964, por Stan Lee e Steve Ditko, na qual temos a primeira aparição do vilão Duende Verde que arma um plano mirabolante para levar o Homem-Aranha até o deserto da Califórnia, e lá, os oponentes entram em uma caverna e encontram o Hulk. Dessa vez, era apenas um cameo (uma rápida participação especial) mais para lembrar aos leitores de que o gigante esmeralda estava por aí.

A última dessas participações especiais nessa fase se deu na aventura solo da dupla Gigante e Vespa em Tales to Astonish 59, de setembro de 1964, por Stan Lee no texto e Dick Ayers na arte. Na trama, ainda preocupados com o Hulk, Hank Pym e Janet Van Dyne vão ao deserto prestar seu auxílio ao time do general Ross, mas são seguidos pelo vilão The Top, que tenta usar o monstro verde contra o casal heroico, mas no fim, claro, o Hulk termina por ajudá-los a vencer o inimigo.

Nova Casa, Nova Fase

A aparição na aventura de Gigante e Vespa era apenas uma artimanha de Stan Lee para “apresentar” o Hulk aos leitores de Tales to Astonish, pois o editor-chefe da Marvel iniciava a partir dali uma estratégia para burlar a falta de espaço da editora nas bancas: dividir a revista entre duas atrações especiais. Tales to Astonish publicava há dois anos as aventuras de Hank Pym (primeiro como Homem-Formiga e, depois, como Gigante, e unindo-se à Vespa) e a partir de seu número seguinte (o 60º), a revista passaria a ter duas atrações: Gigante e Vespa na primeira história e o incrível Hulk na segunda, cada qual com 11 páginas – mantendo o mesmo preço de 12 centavos!

Hulk Tale of Astonish 60 cover 1966
Capa de “Tales to Astonish 60” de 1966 por Jack Kirby: volta de histórias próprias.

Não foi uma estratégia isolada e Stan Lee fez o mesmo com as outras revistas de antologia (ou seja, histórias variadas) da Marvel: Tales of Suspense passou a ser dividida entre o Homem de Ferro e o Capitão América; e Strange Tales passou a ser dividida entre o Doutor Estranho e Nick Fury, agente da SHIELD. Assim, apesar do número pequeno de revistas, a Marvel marcava uma presença mais forte nas bancas, com mais personagens publicados.

Tales to Astonish era uma revista lançada pela Marvel, em setembro de 1958, especializada em histórias de monstros – a maioria delas por Stan Lee e Jack Kirby. Inicialmente bimestral, se tornou mensal na edição 11 (setembro de 1960) e na edição 27 (janeiro de 1962) publicou uma singela história na qual o cientista Hank Pym desenvolve um soro para diminuir de tamanho e se torna alvo das formigas de sua casa. Era uma história dramática com toques de terror, mas Lee e Martin Goodman perceberam que ela vendeu bem mais do que as outras, então, em vista do lançamento da nova linha de super-heróis – então, com Quarteto Fantástico, Hulk, Thor e Homem-Aranha (que foi a primeira leva da Era Marvel – Lee e Kirby decidiram transformar Pym em um super-herói também, nascendo o Homem-Formiga em Tales of Astonish 35 (setembro de 1962).

Hulk versus Gigante em Tales to Astonish 59. Arte de Dick Ayers.

A partir daí, o Homem-Formiga (que mudou para Gigante na edição 49) se tornou a atração principal da revista e aparecia em todas as capas até que Tales to Astonish 60, de outubro de 1964, passou a dividir a capa em duas, dando destaque também às novas aventuras solo do Hulk.

Temos que admitir que, apesar da introdução do personagem e do estabelecimento dos preceitos básicos, a primeira fase do Hulk em seu título solo não foi realmente memorável e nem fez sucesso, e Lee e Kirby só acertaram a mão quando colocaram o gigante esmeralda contra os demais heróis da Marvel, nessa segunda fase nos títulos alheios. A questão com a novíssima fase de aventuras próprias era compor um ambiente mais interessante para a dinâmica do cientista que se transforma em monstro.

Nessa nova fase, Stan Lee não mudou realmente o status quo do personagem, mas parece ter dimensionado melhor as coisas, aprofundou o universo do Hulk, estreitando as relações com Rick Jones, tornando a relação com Betty Ross mais turbulenta, aumentando o ódio do General Ross pelo monstro e criando alguns vilões importantes, especialmente o Líder, que se tornaria o principal oponente do “herói” nos anos seguintes; e o Abominável, aquele que se tornaria seu igual em força.

Banner atormentado, Ross e Betty em Tales to Astonish 60. Por Lee e Ditko.

Aparentemente, ter tornado a transformação de Banner em Hulk através da raiva ou do estresse – como se desenvolveu nas suas aparições mais recentes – deu mais dinâmica às histórias, que deixaram de ser confinadas à passagem noite-dia como nas primeiras histórias ou a estapafúrdia estratégia de Banner se transformar deliberadamente no monstro. Afinal, por que alguém faria isso, ainda mais quando não tem o controle da criatura depois da transformação?

Fazer Banner se transformar via raiva ou estresse dava a possibilidade de explorar melhor o fator maldição dessa condição: o drama de um cientista brilhante que muda para uma criatura bestial e incontrolável que vai paulatinamente destruindo sua vida. E esse passou a ser o elemento essencial do personagem.

Mas como Stan Lee gostava de impor limitações claras aos seus personagens, esse ciclo de histórias coloca a curiosa situação em que o excesso de excitação transforma Banner no Hulk, mas o mesmo pode acontecer ao contrário, ou seja, muita raiva ou muito cansaço terminam fazendo o Hulk reverter à forma humana.

A temporada que se inicia com TA 60 mantém os roteiros de Stan Lee, mas a arte passa para Steve Ditko, que naquele ponto já era uma das estrelas da Marvel, responsável pela cocriação de Homem-Aranha e Doutor Estranho e também desenhando histórias do Homem de Ferro. Essas histórias mostram as consequências do Hulk na vida do Banner, com suas ausências na Base de Mísseis da Força Aérea (como a Base do Deserto também passa a ser chamada) fazendo Betty Ross se preocupar e buscar deliberadamente se aproximar de Bruce, pedindo que lhe confidencie o que está acontecendo, o que ele rejeita; enquanto isso gera suspeitas no general Ross, que passa a considerar a possibilidade de Banner ser um espião, o que é reforçado pelo constante ataque à base de agentes soviéticos como é o caso nessa sequência de histórias.

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Primeira aparição do Líder na arte de Steve Ditko.

Na TA 61, o major Glenn Talbot chega à base para investigar justamente isso e, logo, começa a suspeitar de um envolvimento de Banner com o Hulk, ao mesmo tempo em que começa a disputar a afeição de Betty; e na TA 62 somos introduzidos ao Líder, aquele que se tornará o principal vilão clássico do gigante de jade. A trama já define sua origem: um simples operador de laboratório que, ao ser bombardeado por raios gama, desenvolveu um cérebro gigante (que tornou sua cabeça desproporcional) e uma inteligência incrivelmente avançada. Era o contraponto perfeito à força bruta do golias verde.

É possível notar, ainda, que a ideia de um cientista deformado com cabeça grande e extremamente inteligente remetia diretamente ao Gárgula, mas foi o Líder que ficou para os anais da história.

Na trama, descobrimos que é o Líder quem infiltrou um espião na base, e depois, envia o Camaleão (um vilão criado por Lee e Ditko nas aventuras do Homem-Aranha). As ações do Líder e do Camaleão aumentam as suspeitas, culminando com Banner sendo preso em TA 63; mas, na TA 64, Rick Jones tenta convencer o cientista a revelar que é o Hulk, o que ele nega, pois teme que isso seja usado como uma arma pelos inimigos do país, então, Jones usa seu cartão de membro honorário dos Vingadores para ir até o Presidente dos EUA (retratado como Lyndon Johnson) e lhe conta a verdade, o que resulta em Banner ganhando outro Perdão Presidencial.

Mas isso não elimina as suspeitas de Talbot e um novo ataque de agentes soviéticos e a captura de Banner por eles só piora as coisas em TA 65, com a edição 66 fazendo o Hulk esmagar os soviéticos em sua própria terra (um gozo pros americanos da época), e o número 67 mostrando o monstro fugindo até a Mongólia, onde Banner é localizado pelos militares e Talbot é enviado para resgatá-lo, mas o ataque de bandidos faz surgir o Hulk que decide voltar para casa aos saltos, deixando o major desmaiado para trás.

Banner preso por traição. Arte de Steve Ditko.

Com Banner de volta para casa na edição 68, o cientista é preso de novo (acusado de traição), mas o presidente sabe da verdade e o liberta de outra vez, mandando-o para um importante teste nuclear sob a responsabilidade de Talbot, que não confia nele, mas agora, o Líder ataca e consegue sequestrar o monstro, sendo a última edição com a arte de Steve Ditko. Nunca foi revelado exatamente porque Ditko saiu, mas provavelmente, o artista queria mais tempo para se dedicar ao Homem-Aranha, cuja as histórias ele também roteirizava.

O Fim da Era Kirby

No número 69, de julho de 1965, Stan Lee prossegue no roteiro e a arte retorna às mãos de Jack Kirby. O rei dos quadrinhos não estava desocupado: naquela altura, desenhava Quarteto Fantástico, Thor, X-Men, Vingadores e Capitão América, mas usava sua capacidade de desenhar rápido para tal, embora é visível que o gigante verde não era sua prioridade no momento, infelizmente. A trama mostra Banner enviando um código Morse de socorro e o Hulk devastando o laboratório do Líder até os militares chegarem e encontrarem o cientista aparentemente morto, mas na edição 70, Rick Jones sequestra o corpo e o leva para o laboratório escondido na caverna do deserto, onde o bombardeia de radiação, com Banner virando o Hulk e mantendo seu intelecto, mas percebendo que irá morrer se voltar ao estado normal.

Tales to Astonish 70 mudou um pouco seu status, pois deixou de publicar as aventuras de Gigante e Vespa em favor das novíssimas aventuras solo de Namor, o Príncipe Submarino, comandadas por Stan Lee e Gene Colan. Dali em diante, Namor e Hulk dividem a revista.

Continuando, o Hulk com a mente de Banner vai à Base do Deserto escondido e presencia Betty e Talbot se aproximando um do outro, mas o Líder ataca com um robô gigante e a grande batalha ocorre no número 71, quando os militares o destroem com um poderoso míssil, e Hulk foge com Rick Jones, mas o exército os cerca no laboratório secreto e o general Ross ordena um ataque aéreo, mas na edição 72, o monstro é salvo pelo Líder, que o teleporta à sua base na esperança de forjar uma aliança.

Os militares não encontram o corpo do monstro e pensam que ele morreu, e o Líder tenta estudar o Hulk para saber porque ele ficou inteligente, curando o gigante esmeralda de sua condição de saúde e, no número 73, enviando-o ao planeta do Vigia (o alienígena que registra os eventos na Terra, que aparecia nas histórias do Quarteto Fantástico), para colher a Ultimate Machine e o Hulk combate o Amphibion que também quer a arma; mas no número 74, o Hulk vence e leva o artefato de volta ao Líder, que ao tentar usá-la, termina sendo morto por ela, encerrando o longo arco do vilão.

O Hulk é salvo da destruição pelo Líder. Arte de Jack Kirby e Mike Demeo.

Kirby não tinha condição de se dedicar integralmente às aventuras do golias verde e, portanto, nas edições 71 e 72 fez apenas os esboços de layouts à lápis e a arte foi finalizada por Mike Demeo (que fazia a tintaria das aventuras) e no número 74 o recurso foi repetido, agora, com Bob Brown finalizando o desenho. O recurso do layout era uma forma de Kirby, efetivamente, criar a história por meio de seus esboços, definindo a trama e “ensinando” como fazer as cenas de ação, o que tornava mais simples àqueles que viriam finalizar o desenho (neste caso, Demeo e Brown e em seguida outros), que se ocupavam em detalhar as figuras e os cenários, mas sem precisar criar a trama em si, até que Stan Lee vinha por último para adicionar os diálogos e os recordatórios.

Identidade Pública

Jack Kirby desenha sua última aventura solo do Hulk em Tales to Astonish 75, de janeiro de 1966, mas continuou fazendo os layouts por alguns números adiante, começando na edição 76, na qual Gil Kane fez a arte a partir dos esboços de Kirby. Na trama desses dois números, enquanto o gigante esmeralda vai ao futuro enfrentar as ameaças do Rei Arrkam e do Executor (o inimigo de Thor e dos Vingadores, mas aqui em uma versão futura), Rick Jones é preso por Glenn Talbot e Ross e pressionado a revelar o que sabe sobre o monstro.

Então, vem a histórica edição 77, com Kirby nos layouts e John Romita na finalização, na qual Talbot interroga Rick fingindo que quer o bem ao rapaz e ao monstro, e o jovem, pensando que o amigo está morto, por fim, cede à pressão e revela ao militar que Bruce Banner é o Hulk. Talbot, claro, logo passa adiante a informação ao seu superior, o general Ross, acabando com a identidade secreta do “herói”, mantida desde o início.

Rick Jones revela que Bruce Banner é o Hulk. Capa de Jack Kirby.

Foi um ato corajoso de Lee e Kirby, pois com isso, o Hulk se tornou o primeiro dos super-heróis da Marvel (e do mainstream em geral) a revelar sua identidade secreta. Foi um gesto muito fora da curva para um personagem que realmente era fora dos padrões. E foi um ato isolado: as identidades secretas continuaram a ser um elemento fundamental dos heróis Marvel até o fim do século com raríssimas exceções.

No número 78, enquanto a Base do Deserto sofre outra sabotagem nas mãos de um espião infiltrado chamado Konrad Zaxon, Rick conta o segredo para Betty Ross, iniciando um novo capítulo no bromance dela e Banner. Esta edição também inicia a temporada de 7 números no qual Kirby faz os layouts e a finalização é assumida por Bill Everett, artista da velha guarda que criara Namor, o Príncipe Submarino em 1939. Ironicamente, apesar de sua maior criação estar sendo publicada na mesma revista – com arte de Gene Colan – Everett (que também fora o cocriador do Demolidor um par de anos antes) trabalhou com o Hulk.

Em seguida, vêm duas outras edições de transição – o número 79 com uma batalha algo gratuita entre o Hulk e Hércules (o herói da mitologia grega que foi introduzido ao Universo Marvel nas aventuras de Thor e se tornou até um membro dos Vingadores, na época) e o número 80, com o retorno do vilão Tyrannus e seu reino subterrâneo, agora em guerra com outro vilão das profundezas, o Toupeira (oponente do Quarteto Fantástico), no que resulta no sequestro de Rick Jones, Betty Ross e Glenn Talbot, e no Hulk tendo que salvá-los.

Capa de Bill Everett.

Então, na edição 81, Stan Lee, Jack Kirby e Bill Everett dão início a um arco de histórias mais elaborado, no qual o monstro verde se vê em volta com as ações de uma organização terrorista chamada Império Secreto (o que a conectava às aventuras solo de Nick Fury, Agente da SHIELD, publicadas em Strange Tales), que contrata o vilão Bumerangue (que faz sua estreia) enquanto o general Ross desenvolve o Míssil Orion especialmente para matar o Hulk. Como de praxe, o Bumerangue sequestra Betty Ross, o que leva à batalha com o Hulk no número 82, e o confronto mais direto com o Império Secreto no número 83, que também mostra a rivalidade entre os líderes da organização (em especial o Número 2 e o Número 9 – mimetizando em alguma medida os filmes de 007 que mostravam tal nomenclatura nos líderes da SPECTRE).

O último número da dobradinha Kirby-Everett, a edição 84, de outubro de 1966, contou com o adicional de Gene Colan na arte e as ações do Império Secreto levando o Hulk para Nova York e o plano de lançar o Orion Missil na cidade. Everett migrou das histórias do Hulk para as de Namor (sua criação) na mesma revista.

Kirby no fim dos anos 1960: principal artista e criador da Marvel.

E também, a edição representou o número final de Jack Kirby nas aventuras do Hulk, encerrando o envolvimento direto de seu cocriador com o personagem. Depois disso, Kirby jamais voltaria a trabalhar de verdade com o Hulk, ainda que tenha feito uma ou outra imagem promocional ou capa. Contudo, em sua estada, Kirby definira todos os elementos básicos do visual do gigante de jade e sua marca continuaria a viver em praticamente todos os artistas que se seguiram, ainda que cada qual tenha acrescentado seu toque pessoal.

A saída dele só foi possível porque, após meses de dificuldade de Stan Lee em encontrar um artista capaz de tocar de verdade o título, finalmente encontrou tal figura em John Buscema, artista que começava a brilhar na Marvel e, logo, assumiria o comando dos Vingadores e se tornaria um dos maiores desenhistas da história da Marvel. Sua estada seria curta.

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Capa de “Tales to Astonish 87”, por Gil Kane. A arte interna era de John Buscema.

John Buscema estreou em Tales to Astonish 85, dando prosseguimento ao arco, com Lee, na qual um espião chamado Gorki tenta derrubar o míssil em Nova York e o Hulk tenta impedir, até que o mostro salva a cidade na edição 86, mas precisa lidar com o despertar de um dos Humanoides do Líder: um artefato especial capaz de bater de frente com a força do monstro e chamado Hulk-Killer. A grande batalha transcorre na edição 87, de janeiro de 1967, na qual Rick Jones também revela ao público, via a imprensa que cobre o evento, o segredo do Hulk. O jovem faz isso como uma forma de impedir que Ross use o míssil para matar o monstro.

Então, se até este momento o segredo de Bruce Banner era ainda algo privado, de conhecimento de poucos – o presidente, Jones, Ross, Betty e Talbot – agora, atingia o grande público e a comunidade de super-heróis como um todo. No entanto, numa era em que não existia internet e a notícia andava devagar via jornais impressos e TVs, as histórias das décadas seguintes iam explorar continuamente que as pessoas comuns raramente (quase nunca) reconheceriam Banner quando o encontrassem, que conseguiria sempre se manter incógnito no meio da multidão.

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O Abominável aparece na capa de “Tales to Astonish 91”, por Gil Kane.

A estratégia de Rick dá certo, pois no número 88, o Presidente dos EUA (que já sabia do segredo há um tempo, lembram?) ordena que se descubra uma cura para Banner e uma outra anistia ao Hulk porque ele salvou Nova York do míssil e do Hulk-Killer, enquanto o Bumerangue tenta uma revanche. Esta edição encerra o primeiro ciclo de Buscema na arte, mas o arco continua, agora, com arte de Gil Kane (que já tinha esporadicamente realizado a arte do número 76), um desenhista da DC Comics, que havia sido cocriador do Lanterna Verde Hal Jordan e também desenhava histórias de Flash, Mulher-Maravilha e Batman.

O Hulk versus Abominável na arte de Gil Kane.

Lee e Kane colocam o Hulk contra o Estranho, um alienígena superpoderoso que aparecera em X-Men 11 e 18, que tenta escravizar o monstro e usar sua força. Tentando escapar dele, na Tales to Astonish 90, de abril de 1967, o Hulk volta à Base do Deserto depois de vários meses e Bruce Banner pensa em cometer suicídio ao sobrecarregar o projetor gama com suficiente radiação para matá-lo, mas a base é sabotada por outro espião, Emil Blonsky, que é atingido pelo disparo no lugar de Banner e se transforma em um monstro verde chamado Abominável, e a batalha com o Hulk na edição 91 mostra que o vilão é até mais forte do que o Hulk, que é derrotado no primeiro round e consegue vencer apenas na segunda luta. No fim, o Estranho reaparece e como o Abominável é mais forte, decide levá-lo consigo para executar o seu plano.

A Chegada de Marie Severin

Arte de Marie Severin.

A partir de Tales to Astonish 92, as histórias do Hulk passaram a ser desenhadas por Marie Severin, uma das primeiras mulheres a ter destaque na indústria de quadrinhos dos EUA. Nascida em East Rockaway, em Nova York, em 1929, e crescendo no Brooklyn sob uma criação católica, sua família tinha um pé nas artes, pois seu pai, John, era designer. Por isso, ela e seu irmão, também John, estudaram artes e ela até chegou a cursar o prestigioso Pratt Institute, que abandonou para focar no trabalho. Ela iniciou sua carreira bem cedo, desenhando para uma companhia de seguros em Wall Street até que seu irmão John Severin a levou para a editora EC Comics, em 1949, para atuar como colorista.

O bom gosto dela para as cores fez sua fama e Severin se tornou a principal colorista da EC, uma editora famosa por suas histórias violentas e de terror que foram muito populares na passagem dos anos 1940 para 50 e contribuíram muito à perseguição dos quadrinhos que ocorreu naquela época, como já mencionamos.

Marie Severin, uma das primeiras mulheres a ter destaque na inústria dos quadrinhos.

A comissão de investigação do Senado e o Comics Code Authority levaram ao fim da EC em 1954, então, Severin passou um tempo na Marvel (então, chamada Atlas) até o colapso de 1957, quando foi demitida e voltou a trabalhar com ilustração em Wall Street, no Federal Reserve Bank.

A capa (esq.) do Pink Floyd e a arte original de Marie Severin para o Doutor Estranho.

Ela regressou à Marvel no início dos anos 1960, trabalhando mais no aspecto editorial e, às vezes, na coloração, até que assumiu as histórias do Doutor Estranho em 1967, substituindo Bill Everett (que, por sua vez, tinha substituído o cocriador Steve Ditko). Inclusive, uma bela ilustração de Severin mostrando Stephen Strange contra o Tribunal Vivo terminou sendo usada na capa do álbum A Saucerful of Secrets, do Pink Floyd, em 1968.

Do Doutor Estranho, Severin saltou para o Hulk, e depois, também trabalharia com vários outros personagens, como Capitão América, Conan e Demolidor, tanto na arte das histórias quanto nas capas. Uma curiosidade é que, apesar do irmão dela, John Severin, ser um artista de tintaria, quem fez o nanquim em seus desenhos foi Herb Trimpe, alguém que teria um longevo envolvimento com o monstro verde, como veremos. O roteiro continuava com Stan Lee.

Hulk versus Surfista Prateado por Marie Severin.

A trama prossegue, com Bruce Banner buscando por uma cura, enquanto é perseguido pelas autoridades e termina por encontrar, e confrontar o Surfista Prateado, que na edição 93, usa seus poderes para ler a mente do Hulk e, ao perceber o sofrimento da maldição de Banner, tenta usar seu poder cósmico para curá-lo, mas não consegue.

Hulk e Alto Evolucionário. Arte de Marie Severin.

A edição 94 dá início a uma trilogia com o vilão Alto Evolucionário, que surgiu nas histórias do Thor e tinha como objetivo evoluir a raça humana e outras espécies de animais à sua perfeição. Ele quer usar o Hulk para deter seus Homens-Animais, os Cavaleiros da Wundagore, que se voltaram contra ele, e usa caçadores humanos com armas especiais para colocar o Hulk em uma nave e levá-lo ao planeta Wundagore II (Wundagore originalmente era uma montanha na Trânsia, um país fictício da Europa Oriental), onde tenta evoluir Banner no número 95, mas o gigante esmeralda atrapalha seus planos, ajuda os insurgentes e o Alto Evolucionário termina usando sua arma em si mesmo, evoluindo 100 milhões de anos e se tornando um tipo de deus, que usa seus novos poderes para teletransportar o Hulk de volta à Terra na edição 96.

Arte de Marie Severin.

Outra trilogia vem em seguida, quando o Hulk conhece um grupo organizado chamado A Legião dos Relâmpagos Vivos que fazem amizade com ele, ao mesmo tempo em que o major Glenn Talbot é designado por Ross para investigar o grupo e descobre que eles são terroristas; então, no número 98, o Hulk e os Relâmpagos atacam a Base do Deserto, mas as coisas mudam de figura quando os terroristas sequestram Betty Ross. Na edição 99, eles contam com a ajuda de Talbot e Betty vê Banner se transformar no Hulk pela primeira vez, ficando tão chocada que desmaia. No fim, o Hulk explode a base dos Relâmpagos Vivos com uma série de mísseis e todos pensam que o monstro morreu.

Tales_to_Astonish_Vol_1_100
Bela capa de “Tales to Astonish 100” por Marie Severin.

Mas claro que não, e na Tales to Astonish 100, de fevereiro de 1968, o Mestre dos Bonecos (The Puppet Master) – um vilão do Quarteto Fantástico que domina a mente das pessoas ao construir marionetes com a aparência delas – decide se vingar de Namor, o Príncipe Submarino, usando o Hulk. Se até ali a revista publicava uma história do Hulk e outra de Namor, pela primeira (e única) vez, este número comemorativo uniu os dois personagens em uma única aventura, com 22 páginas, e com a equipe criativa do monstro verde, ou seja, Lee e Severin, que desenha uma batalha colossal entre os dois nas proximidades de Miami, na Flórida.

Hulk versus Namor por Marie Severin.

Também vemos Betty Ross dividida entre seu amor por Banner e o medo pelo Hulk e a consciência de que ele pode ser uma ameaça; ao mesmo tempo em que Glenn Talbot também está dividido entre sua missão de capturar o Hulk e magoar a mulher que ele ama.

Uma Nova Revista Própria

Se a Marvel era uma empresa pequena quando lançou The Incredible Hulk 01, isso já não era verdade seis anos depois, com os personagens da editora rivalizando com os da DC Comics nas bancas, tendo ganho uma série de desenhos animados e, por causa de seu conteúdo dramático, abordagem mais humana dos personagens e ideias malucas, sendo comentados nas universidades dos Estados Unidos e até pela crítica literária séria. Contudo, ainda existia um obstáculo nesse processo todo: o contrato com a Independence News que limitava o número de revistas em banca da Marvel.

O Stan Lee superstar de 1968.

Mas o contrato acabou no fim de 1967 e, imediatamente, a Marvel inundou as bancas com novas revistas. Os personagens que eram publicados em pares nas revistas de antologia, ganharam suas próprias casas, nascendo ali as revistas The Invencible Iron-Man, Captain America, Doctor Strange, Nick Fury, Agent of SHIELD, The Submariner e The Incredible Hulk.

Porém, na época existia um tipo de incentivo à manutenção das numerações das revistas e títulos com numeração alta passavam uma ideia de confiabilidade e qualidade – afinal, é difícil em qualquer mercado editorial manter uma revista publicada por muito tempo, não é mesmo? Então, cada personagem principal das revistas de antologia herdou a numeração da publicação original e esse foi o caso do Hulk. Por isso, a nova The Incredible Hulk prosseguiu com a numeração de Tales to Astonish, começando, portanto, no número 102.

Namor ganha sua revista própria em 1968. Arte de John Buscema.

Isso criou uma situação estranha e confusa, pois para fins de catálogo, a “nova” revista do Hulk foi considerada como a continuação de seu primeiro volume, lançado em 1962 (o volume 2 de The Incredible Hulk só seria lançado em 1999, quando a revista teve sua numeração zerada pela primeira vez). Porém, tendo em vista que a temporada original da publicação teve apenas 6 edições, e o Hulk foi publicado de modo contínuo em Tales to Astonish por 41 edições, chega-se somente ao número 47. E mesmo que fossem incorporadas as aparições em outras revistas (o que não é possível para fins de catálogo), ainda se ficaria muito distante do número 102 em que a revista “continuou”.

Mas isso foi feito e, portanto, a revista do gigante esmeralda é retomada em The Incredible Hulk (vol. 1) 102.

Capa da edição final de Tales to Astonish. A figura do Hulk é de Marie Severin, mas o restante é arte de Jack Kirby.

Buscando um Lugar

A transição de Tales to Astonish para The Incredible Hulk trouxe o início de uma nova fase e algumas experimentações criativas. Começa na derradeira Tales to Astonish 101 na qual, novamente querendo vingança contra seu meio-irmão e seu pai, Loki sequestra o Hulk para Asgard e o faz lutar contra Heimdal e os Três Guerreiros, pois Thor está ausente.

É o fim de Tales to Astonish.

A icônica capa de Marie Severin para Incredible Hulk 102.

A trama continua na nova The Incredible Hulk (vol. 1) 102, de abril de 1968, começando não somente uma nova revista, mas uma nova força criativa: o roteirista Gary Friedrich, um jovem escritor que estava em ascensão na Marvel. Com isso, Stan Lee tentava passar o bastão adiante e essa se tornou a primeira história – e temporada – do Hulk sem ser assinada por seu cocriador. O personagem também voltou a ser publicado em histórias de 22 páginas, ao contrário da metade disso na fase anterior.

Na trama, após cair em um abismo sem fundo transformado em Bruce Banner, nosso herói é capturado pela dupla de vilões Encantor e Executor, que também usam o Hulk como artifício de sua vingança, embora, também tenham que enfrentar o monstro verde. Irritada, Encantor usa sua magia para simplesmente matar o Hulk, cabendo ao todo-poderoso Odin usar seus poderes para ressuscitar o golias esmeralda. Mas sem entender nada, ele sai destruindo tudo e um Odin decepcionado pela falta de gratidão manda o Hulk embora de seu reino.

Gary Friedrich tentou deixar as coisas mais interessantes, então, na edição 103, faz o Hulk regressar a Nova York e Banner encontrar o apartamento de Rick Jones, onde assiste à TV e vê o Hulk ser considerado uma ameaça. Quando Rick chega, com Betty Ross, ele aponta uma arma para Banner, que tenta convencer o velho amigo de que ainda é um amigo. Mas eles são atacados pelo Parasita Espacial numa grande batalha no estádio dos Yakees, e ao fim, Banner é preso pela polícia, mas termina involuntariamente solto da prisão pelo Rino (vilão do Homem-Aranha) que tem seus poderes ampliados pelos espiões soviéticos para capturar o Hulk, na edição 104. O monstro, claro, luta contra Rino, que termina morto, e vai embora carregando Betty Ross consigo.

Bela capa de Marie Severin.

Esta edição terminou a curta fase de Friedrich, pois aparentemente, Stan Lee achou que o escritor não encontrou “a pegada” que o editor-chefe queria para o título. Então, seguem-se duas edições de transição, coescritas por Roy Thomas (o braço direito de Lee na redação da Marvel), ao lado de Bill Everett, na primeira, e Archie Goodwin, na segunda. Nas tramas, o número 105 traz os soviéticos usando um monstro, o Elo Perdido, contra o Hulk, enquanto Betty Ross tenta convencer o gigante esmeralda a fugir, e Rick Jones se une a Glenn Talbot para criar uma nova arma capaz de detê-lo, e dá certo, com o disparo transformando-o em Banner, novamente.

Na edição 106, enquanto prossegue a batalha com o Elo Perdido, o Hulk é sequestrado pelos soviéticos liderados por Yuri Brevlov, o correspondente a Nick Fury dos russos, que o levam à Rússia. Fury e a SHIELD vão atrás, ainda que também desejosos de eliminar o Hulk. Este número também foi importante porque em meio aos eventos da edição, Rick Jones se tornou o novo parceiro do Capitão América, como o novo Bucky, algo que ocorreu paralelamente na revista Captain America 109. A parceria seria breve e, depois disso, Rick passou a ser retratado como um músico de rock em busca de desenvolver sua carreira e se envolvendo nas aventuras do Capitão Marvel. Por causa disso, Jones ficaria um longo período afastado das histórias do Hulk.

Icônica capa de Jim Steranko, com adições de Marie Severin.

Enquanto essas edições chegavam às bancas, saiu também The Incredible Hulk Special 01, em outubro de 1968, o equivalente à revista especial anual do personagem, como era tradição na Marvel. Essa revista trouxe uma épica aventura de 48 páginas do Hulk ao lado dos Inumanos, quando o vilão Maximus articula um plano para colocá-los um contra o outro. O roteiro foi de Gary Friedrich e a arte de Marie Severin, e além da trama em si, a revista marcou por sua capa absolutamente icônica, realizada por Jim Steranko, novo artista sensação da Marvel, que desenhava as aventuras de Nick Fury e também teve uma passagem por Capitão América. Contudo, Steranko desenhou um Hulk bestial, com expressão de raiva, suor na testa e veias dilatadas na testa e no pescoço; algo que Stan Lee achou agressivo demais, e por isso, comissionou Severin para modificar a arte e redesenhar o rosto do monstro.

A Chegada de Herb Trimpe

Gary Friedrich regressou uma última vez para a The Incredible Hulk 107, de setembro de 1968, trazendo a estreia solo do desenhista Herb Trimpe, que até então, fazia o nanquim à arte de Marie Severin (e já tinha dividido a arte na edição anterior). Herbert “Herb” Trimpe nasceu em 1939 em Peekskills, no Estado de Nova York, desde cedo se interessando por arte e desenho. Ele ingressou na Marvel Comics em 1967, como funcionário da redação, porém, logo, começou a fazer a tintaria de Nick Fury, Agent of SHIELD e do Hulk. Trimpe teria uma longa temporada de sete anos como desenhista do gigante esmeralda.

Herb Trimpe desenhou o Hulk por 7 anos.

Embora tenha feito algumas boas capas da revista e ilustrado momentos importantes (como veremos), é preciso dizer que a arte de Trimpe era um pouco desengonçada e ele tinha problemas com movimento de suas figuras; mas aparentemente, tinha uma boa base de fãs e era benquisto na redação. Outro ponto a salientar é que Trimpe investiu em dar um rosto mais bestial ao Hulk, com uma aparência simiesca que iria influenciar bastante os demais ilustradores do gigante de jade.

A Temporada Derradeira de Stan Lee

No número 107, enquanto o Hulk combate Yuri Brevlov e seus agentes soviéticos e conta com a ajuda de Nick Fury e a SHIELD na Rússia, o golias verde escapa e termina parando na China, onde o Mandarim tenta lhe usar como um artifício para ganhar poder e causar o caos, pensando em forçar a China a sair em guerra contra os EUA, causando a hecatombe nuclear, enquanto o Mandarim pensa em governar quem sobrar. Essa batalha prossegue na edição 108, quando Fury e Brevlov terminam unindo as forças para ajudar ao Hulk a deter o Mandarim.

A capa é creditada a Herb Trimpe, mas parece notório que a figura do Mandarim foi embelezada por John Romita.

O número 108 também marcou o retorno de Stan Lee aos roteiros. O editor aparentemente não achou que Friedrich ou Thomas tivessem “acertado” com o gigante esmeralda, e decidiu retomar a condução das histórias enquanto encontrava alguém que julgava apto a substituí-lo. Esse regresso de Lee, contudo, não rendeu uma boa fase. O escritor-editor estava bem mais empenhado em escrever seus outros títulos – Quarteto Fantástico, Thor, Capitão América, Homem-Aranha – e levava as aventuras de Bruce Banner apenas a toque de caixa para manter o fluxo, e diferente daquela temporada em Tales to Astonish, esta nova fase não rendeu nada de extraordinário. Ao contrário: andou em círculos e repetições.

Arte de Trimpe e Severin.

Nas tramas, Lee e Trimpe colocaram o Hulk de volta à China – em sequência direta daquela história dos Inumanos – e usando o disparo de um míssil para sair em busca de outro lugar e terminar caindo na Antártica, onde está a Terra Selvagem – um misterioso lugar em que os dinossauros ainda vivem – e interagir com Ka-Zar e seu tigre dentes de sabre Zabu, na edição 109; passar à 110 onde enfrentam um robô alienígena chamado Umbu, resultando na morte de Bruce Banner por radiação; e o cientista sendo revivido pela tecnologia alienígena superior do Mestre da Galáxia no número 111; e (repetindo a trama daquela outra história do Alto Evolucionário) na 112 o Hulk reforçar um levante contra o maligno governante, que morre, e a princesa local lhe oferecer abrigo, Banner negar e ir para casa.

Arte de Trimpe.

Na edição 113, Banner regressa à Base do Deserto após um bom tempo, e ele tem uma boa conversa com Betty Ross, que revela ainda estar apaixonada por ele, mas claro, o cientista é perseguido pelos militares, e ainda atacado pelo Homem-Areia (inimigo do Homem-Aranha e do Quarteto Fantástico); seguindo à 114 quando o Mandarim aproveita a oportunidade para se aliar ao outro vilão e usar o Hulk ao seu favor, e com o general Ross e o major Glenn Talbot usando uma nova arma que consegue derrubar o monstro.

Na 115, Banner está preso, mas Ross e Talbot precisam pensar em uma forma de conter o Hulk, então, o Líder aparece – revelando que não tinha morrido em TA 75 – e oferecendo ajuda para criar uma prisão especial ao monstro. Apesar dos terríveis crimes pretéritos do vilão, estranhamente, os dois militares concordam e o Líder pensa que prender o Hulk o livrará de seu único empecilho em seus planos de dominação mundial. Na 116, Betty Ross descobre os planos do Líder – ele quer causar uma guerra nuclear entre EUA e URSS e governar quem sobrar (sim, exatamente o mesmo plano do Mandarim poucas edições antes) e Talbot se une a ela para tentar impedir, enquanto Ross se recusa a acreditar. Talbot lidera o exército contra o vilão e Betty liberta o Hulk, que precisa lutar contra o Super-Humanoide do Líder.

Arte de Trimpe.

No número 117, Betty consegue fazer o Hulk voltar a ser Banner para que impeça os mísseis da base que o Líder disparou contra a Rússia. Usando seus dotes científicos, ele consegue derrubar o primeiro, mas o vilão dispara um segundo, então, Banner vira o Hulk para destruí-lo e a explosão lança o monstro no oceano, enquanto o Líder escapa.

A edição 118 começa com Lady Dorma, namorada de Namor, encontrando Banner ferido e boiando no mar, levando-o à Atlântida para curá-lo, no que o Hulk se envolve nas conspirações do reino submarino e numa batalha gratuita contra o Príncipe Submarino; então, no número 119, via mar, o Hulk chega ao fictício país de Costa Salvador, no Mar do Caribe, apenas para descobrir que o lugar foi dominado por Maximus e a Liga dos Inumanos Malignos e ensejar uma batalha que envolve os militares, com general Ross e Glenn Talbot tentando libertar a ilha; passando à 120, uma edição de transição, em que a batalha com os militares prossegue, e o roteiro é dividido entre Stan Lee e Roy Thomas.

É o fim da temporada de The Man à frente do golias verde e a passagem de bastão para seu principal discípulo.

De Volta aos Trilhos: Roy Thomas

No fim, Stan Lee encontrou seu substituto no lugar mais óbvio: seu braço direito Roy Thomas. Nascido em 1940, em Jackson Missouri, Thomas estudou História e Sociologia e se tornou um membro ativo do fandom – a comunidade organizada de fãs – que passou a se mobilizar nos anos 1960 e a criar fanzines de grande circulação, organizar clubes com redes de correspondência (sim, por carta, não havia internet naqueles tempos) e a promover as primeiras convenções de quadrinhos.

Roy Thomas foi um dos maiores escritores de HQs dos anos 1960 e 70.

Por causa disso, Thomas foi convidado por Mort Weisinger (editor das revistas do Superman) a trabalhar como seu assistente na DC Comics em 1965, e Thomas deixou seu emprego de professor de inglês para embarcar no sonho de trabalhar com HQs, mas ficou apenas alguns dias no novo trabalho, por causa do temperamento de Weisinger, um homem conhecido por abusar psicologicamente de seus empregados. Então, o jovem de 25 anos telefonou para Stan Lee, que o convidou a uma reunião e o contratou como assistente.

Logo, logo, Thomas estava assumindo os roteiros de revistas secundárias da Marvel (o que incluía os X-Men) e, passado no teste, foi designado para títulos importantes, como os Vingadores. Rapidamente, Thomas se tornou o principal roteirista da editora depois de Lee, e seu braço-direito na redação. Quando chegou ao gigante esmeralda, Thomas já comandava os Vingadores, Namor, Doutor Estranho, Demolidor, os X-Men e, em breve, lançaria a versão em quadrinhos de Conan, o Bárbaro (adaptando os contos literários de Robert E. Howard). Em suas mãos, o Hulk ganhou mais foco e voltou a se desenvolver como personagem, depois de algum tempo rodando em círculos.

Roy Thomas estreou como roteirista solo em The Incredible Hulk 121, de novembro de 1969, mantendo Herb Trimpe na arte, numa trama na qual o Hulk termina na Flórida, perseguido pelos militares e presenciando o surgimento de Glob, um tipo de predecessor do Monstro do Pântano. Agora, Banner está empenhado em encontrar uma cura para si e descobre que Reed Richards (o Sr. Fantástico do Quarteto Fantástico) teria descoberto um procedimento, e na edição 122 vai a Nova York, e claro, termina se envolvendo numa luta contra o Coisa.

Na 123, Banner complementa o experimento Richards o aplica o procedimento e Banner não fica realmente curado, mas agora, pode controlar a mente do Hulk e as transformações. É a primeira vez em que o cientista realmente passa a controlar seu alter-ego. Na nova condição, Banner pede a mão de Betty Ross em casamento e ela aceita. O general Ross perdoa Banner e abençoa a união, mas pede que o genro o auxilie em uma missão arriscada de transportar um novo veículo militar ultra-avançado, pois seus poderes podem ser úteis. Mesmo não querendo mais se transformar no monstro, Banner aceita e, claro, o Líder reaparece e rouba o veículo – o Módulo Mortal (que vira a arma-símbolo do vilão) – e o confronta.

Na luta, Banner perde o controle da raiva e percebe os riscos de ficar se transformando no Hulk e decide nunca mais o fazê-lo, nem que sua vida fique em risco. Na edição 124, de fevereiro de 1970, ocorre a cerimônia de casamento de Bruce e Betty, na casa do general Ross, mas o Líder sequestra o corpo comatoso do Rino e o devolve à vida e restituí sua armadura e poderes, e o vilão interrompe a cerimônia antes do “sim”, destruindo a casa e mandando Ross para o hospital.

O casamento de Bruce e Betty não se realiza.

Não satisfeito, o Líder ainda dispara uma nova versão do projetor gama em Banner, que se transforma no velho Hulk selvagem e perde o controle que tinha ganho. Betty chora desesperada e Glenn Talbot lhe jura que irá se vingar do Hulk a qualquer custo.

No número 125, apesar da grande decepção – ou talvez até por isso – Banner se oferece para pilotar uma nave para interceptar um meteoro radioativo que vem em direção à Terra, no que parece uma missão suicida, mas no fim das contas, o “meteoro” é na verdade o Homem-Absorvente que volta ao planeta após uma batalha contra Thor.

Na época em que Roy Thomas assumiu a revista do Hulk, ele comandava também o título do Doutor Estranho ao lado de Gene Colan, porém, a revista estava com vendas baixas e terminou cancelada em Doctor Strange 138, de novembro de 1969, deixando sua trama inacabada. Então, Thomas usou um artifício típico da Marvel de usar outras revistas para amarrar as pontas, por isso, a trama do mago supremo prossegue em Submariner 22, de fevereiro de 1970, por Thomas e Marie Severin; e dali, saltou para The Incredible Hulk 126, de abril de 1970.

Assim, a história do Hulk o mostra encontrando um culto que sequestra Banner para usá-lo para enviar o gigante esmeralda para a dimensão dos Undying Ones – a quem o Doutor Estranho vinha combatendo e estava preso por lá. Os heróis se unem para lutar contra o vilão Night Crawler (que anos depois seria rebatizado de Dark Crawler para diferenciá-lo do futuro membro dos X-Men, Noturno). Uma mulher do tal culto termina ajudando a dupla, Barbara Norris, que termina a aventura presa naquela dimensão.

Ao fim da história, Banner e Strange regressam para Nova York e o mago supremo decide se afastar de suas atividades por um tempo, o que serve como um encerramento (provisório) da saga do Doutor Estranho. De qualquer modo, essa aventura – que envolveu Hulk, Doutor Estranho e Namor – seria um tipo de prelúdio à formação dos Defensores, conforme veremos um pouco mais adiante.

A edição 127 traz o retorno de Tyrannus, que continua em guerra com o Toupeira e suas civilizações subterrâneas, e Tyrannus envia seu braço forte, Mogol, contra o Hulk, e a batalha causa terremotos e ameaça atingir a Falha de San Andrés, uma falha geológica que corta a Califórnia e que poderia afundar a região no Oceano Pacífico. Por causa disso, no número 128, em junho de 1970, os militares pedem ajuda dos Vingadores (que também eram escritos por Thomas) para conter o Hulk, com o monstro saindo contra a equipe que tinha como membros Pantera Negra, Golias, Feiticeira Escarlate, Visão e Mercúrio, sendo mais uma vez que o golias verde enfrenta seu ex-grupo, mas agora, em sua própria “casa” editorial.

No número 128, o Líder tenta novamente se vingar do Hulk e retrocede à sua forma humana, Samuel Sterns, que não tem lembranças de que foi o vilão, mas guiado por seu inconsciente, trabalho como caminhoneiro e dá carona a Bruce Banner na Califórnia, obtendo informações que o leva à resgatar o corpo do Glob e usá-lo contra o Hulk. Esta edição também inaugura uma nova logomarca da revista, com letras mais finas e lateralizadas, substituindo aquela de letras com tijolos criada por Jack Kirby.

Rick Jones troca de lugar com o Capitão Marvel, por Thomas e Kane.

Roy Thomas também escrevia a revista do Capitão Marvel e a usou para uma participação especial do Hulk, como uma estratégia para aumentar as vendas de Mar-Vell. Uma coisa curiosa sobre essas aventuras cósmicas é que Captain Marvel 17 mostrou uma mudança total de status quo, quando Mar-Vell é exilado na Zona Negativa (uma outra dimensão surgida nas aventuras do Quarteto Fantástico) e fica preso lá, e encontra uma forma de voltar à nossa dimensão usando seus braceletes quânticos para trocar de lugar com Rick Jones, retratado agora como um compositor de folk rock em busca de estabelecer sua carreira musical.

Por isso, em Captain Marvel 20 e 21, Thomas e Gil Kane mostram Bruce Banner indo à sua alma-matter, a Universidade do Deserto, no Novo México, continuando sua busca por cura, e termina reencontrando Rick e, claro, lutando contra o Capitão Marvel. (Apesar do esforço de Thomas, a revista do herói kree se encerrou provisoriamente naquela última edição, antes de retornar com outro time criativo).

Banner e Hulk são separados pela primeira vez.

Mas a trama prossegue em The Incredible Hulk 130, na qual com a ajuda de um velho colega (que na verdade tenta sabotar o experimento por ciúmes da genialidade de nosso herói), Banner usa um aparelho chamado Gammatron que termina por separá-lo do Hulk, como duas entidades distintas.

Jim Wilson será o melhor amigo do Hulk ao longo dos anos 1970.

Os militares – com Ross e Talbot – tentam se apossar o monstro, e na edição 131, o Hulk conhece o jovem afroamericano Jim Wilson, com quem faz amizade e passa a ajudá-lo – ocupando a função que Rick Jones desempenhava nas antigas aventuras. O Homem de Ferro também interfere, e Banner e Hulk terminam reunidos.

Na 132, Ross, Talbot e Betty ficam preocupados porque mesmo adormecido e com tranquilizantes, o Hulk não volta a ser Bruce Banner e Jim Wilson termina sequestrado pela HIDRA que quer fazer uma lavagem cerebral no Hulk e usá-lo como seu peão, e Jim termina baleado, o que deixa o Hulk louco, mas na 133, o general Ross convence o Hulk a entregar o rapaz para que possam tratá-lo num hospital, só que os militares atacam assim mesmo e o monstro foge, indo parar no porto e em um navio, onde dorme no porão de carga e termina levado à Morvania, um país fictício da Ásia onde entra em confronto com o ditador Václav Draxon, e na 134, o Hulk ajuda involuntariamente ao movimento de resistência e confronta a lendária criatura chamada Golem.

Na 135, em janeiro de 1971, o monstro é atacado por Kang, o Conquistador, vilão tradicional dos Vingadores, que quer se vingar do grupo viajando no tempo e garantindo que nunca existam, e usa o Hulk para isso, para enviá-lo ao ano de 1917, na I Primeira Guerra Mundial, para matar um antepassado de Bruce Banner, o que o faria deixar de existir no presente, o que o gigante esmeralda até aceita, pois não entende que ele e Banner são a mesma pessoa, mas o plano não dá certo pela intervenção do herói Águia Fantasma (personagem criado por Gary Friedrich e Herb Trimpe e membro do panteão de super-heróis daqueles tempos criados retroativamente pela Marvel). Esta edição marcou a estreia de Sal Buscema fazendo o nanquim sobre o lápis de Trimpe, e seria um artista com longo envolvimento com o Hulk, como veremos adiante.

As edições 136 e 137 trazem Roy Thomas dividindo o roteiro com Gerry Conway, e a arte ainda com Trimpe, e mostram Banner acordando (de sua viagem no tempo) na Alemanha e entrando em contato com a OTAN para regressar aos EUA, escoltado por Ross e Talbot, e descobrir que Betty teve um colapso nervoso por causa de seu desaparecimento. Em Nova York, Banner termina abduzido pela nave alienígena Andrômeda para auxiliar Xeron e Cyber na luta contra o poderoso Klaatu, e o Hulk descobrindo que o Abominável viaja com eles (após ter se libertado do Estranho em consequência das histórias do Thor). Emil Blonsky não perde a oportunidade de se vingar e a história termina com os dois lutando no espaço e caindo na atmosfera terrestre.

Zé Ramalho e o Hulk

The Incredible Hulk 138, de abril de 1971, promoveu um curiosíssimo episódio para os brasileiros, ainda que totalmente à parte da Marvel em si. Na abertura da revista, um inspirado Roy Thomas usa o trecho de um poema de W.B. Yeats para descrever a sensacional reentrada na atmosfera do Hulk (caindo do espaço da edição anterior) e se transformando em Banner. Infelizmente, a arte meio desengonçada de Trimpe não faz jus ao texto e ao que é sugerido, mas é um grande efeito.

Professor de inglês e literatura, Thomas sempre usava citações literárias em suas histórias e nesta trouxe os versos do poeta inglês, como se vê nos recordatórios da versão brasileira acima e abaixo. No Brasil a história foi publicada em O Incrível Hulk 01, da editora EBAL, em 1972, e foi lida pelo jovem compositor Zé Ramalho, fã de quadrinhos, que chegou ao sucesso nacional em 1977.

No auge da carreira, Zé Ramalho lançou o álbum Força Verde em 1982, e a faixa título trazia justamente os seguintes versos:

Ainda há pouco/ Era apenas uma estrela / Uma tocha antes do mergulho/ Agora, ele aparece/ Sua irá é imensa/ E você precisa saber se há algo que possa acalmá-lo outra vez, Hulk!/ Os pássaros/ A lua cheia, o céu leitoso/ E todas as formas da natureza/ Formaram a grandeza do homem/ E lágrimas/ Condenado como Ulisses/ E como Príamus/ Morto com seus companheiros…

Não demorou para que os fãs de quadrinhos reconhecessem que aquilo era praticamente uma reprodução literal da tradução brasileira do poema de Yeats que ilustra aventura do Hulk – que é creditada ao poeta na edição original da Marvel. No Brasil, não. Mas o fato é que Ramalho se apropriou do texto e foi processado por plágio, declarando posteriormente que ele queria creditar a autoria dos versos (a Yeats e a Thomas), mas a gravadora CBS não quis, pois isso implicaria em permissões e demora que poderia atrasar o lançamento do álbum.

O escândalo estampou as páginas da revista Veja na época, mas o processo não foi adiante e a polêmica ficou esquecida. Mas Força verde, a canção, é uma singela homenagem – ainda que torta – ao Hulk, numa época em que o personagem estava muito popular pelo sucesso de sua série de TV, como falaremos mais adiante.

Jarella: O Grande Amor

Para além da futura polêmica com Zé Ramalho, The Incredible Hulk 138 mostrava Banner sentindo falta de Betty e indo visitar Jim Wilson no hospital e descobrindo que Betty também está lá, mas o Homem-Areia é outro que está lá por ter sido parcialmente transformado em vidro em sua última aparição na revista. Sabendo que precisa de uma transfusão de sangue, o vilão descobre que Betty tem o mesmo tipo sanguíneo e força uma transfusão, o que resulta na garota sendo transformada em vidro. Ela passará algumas edições nessa condição.

Na edição 139, o Líder novamente se oferece para auxiliar na captura do Hulk, e Ross e Talbot aceitam, e o vilão usa uma série de projeções mentais para “atacarem” o gigante esmeralda, uma desculpa para mostrar quadros do personagem enfrentando a grande maioria de seus principais oponentes recentes, como Abominável, Rino, Glob, Homem de Ferro etc., mas Jim Wilson ajuda e o vilão é aparentemente morto.

Segue-se, então, a mais importante aventura que o Hulk teria na década de 1970. Sabendo que o aclamado escritor de ficção científica Harlan Ellison era um grande fã dos quadrinhos da Marvel e do Hulk em particular, Roy Thomas conseguiu convencê-lo a produzir uma história do personagem. Ellison aceitou e criou um plot para que Thomas desenvolvesse em detalhes e isso resultou em uma história publicada em duas partes na revista dos Vingadores e do Hulk.

Harlan Ellison: aclamado escritor de ficção científica.

Nascido em Cleveland, Ohio, em 1934, Ellison também fora um membro ativo do fandom da ficção científica em sua juventude, mas foi um prodígio que publicou sua primeira história em 1949, serializada no jornal Cleveland News (naquela época, os jornais publicavam histórias de tamanho médio – maiores do que um conto, mas menores do que um romance – em capítulos diários, tal qual os folhetins brasileiros do século XIX), o que lhe abriu as portas para escrever para a EC Comics e para muitas revistas de ficção científica, virando um autor extremamente prolixo – nada menos do que 100 contos foram publicados apenas entre 1955 e 1957!

E logo começou a escrever romances também e, a partir de 1962, começou a trabalhar em Hollywood, fazendo roteiros para filmes e séries de TV, como The Outer Limits e The Man from UNCLE. Um episódio escrito por Ellison para a série Star Trek The city in the edge of forever – foi aclamada como o melhor do programa original. Parte de sua obra mais conhecida foi produzida nos anos 1960, como os contos Repent, Harlequin, said the Ticktockman, A boy and his dog e I have no mouth, and I must scream.

Capa de Sal Buscema.

A trama assinada por Ellison e Thomas, com desenho de Sal Buscema, se inicia em Avengers 88, na qual atendendo ao pedido de ajuda do Falcão (Sam Wilson), o Capitão América leva os Vingadores (Thor, Homem de Ferro e Golias) a um estranho ritual vodu na Louisiana, que cultua os Deuses Sombrios do passado, e terminam cruzando o caminho com um membro de uma raça insectoide chamado Psyklop que quer encolher o Hulk para estudá-lo e usar seu poder para fortalecer os tais deuses; mas a intervenção dos Vingadores termina por deixar o gigante esmeralda tempo demais sob o raio encolhedor e ele “desaparece”.

Furioso, Psyklop termina por teletransportar os Vingadores para Nova York sem lembranças do confronto. Mas onde está o Hulk?

Descobrimos na lendária The Incredible Hulk 140, de junho de 1971, por Ellison, Thomas e Trimpe, que tem o fabuloso título de The brute… that shouted love… at the heart of the atom! O gigante esmeralda está em uma terra estranha que, na verdade, é um mundo subatômico do microverso chamado K’ai, e após lutar contra um javali gigante, chega a uma cidade em que as pessoas possuem pele verde como a dele.

As pessoas de início temem a ferosidade do Hulk, mas quando o monstro encontra a rainha do lugar, a bela Jarella, ela o entende de imediato, percebendo que por debaixo daquela fera havia um homem sensível. Aclamado como um herói, mas sem entender a língua que falam, Jarella, que comissiona os mágicos a tornar possível a comunicação entre eles.

O primeiro encontro entre Hulk e Jarella: amor à primeira vista.

Como efeito do feitiço, Bruce Banner passa a controlar a mente e o corpo do Hulk e ele e Jarella se apaixonam e passam um tempo juntos, com nosso herói impedindo a eclosão de uma conspiração contra a rainha por seu primo vilanesco Lorde Visis. Outra vez provado seu valor, Jarella convida o Hulk a ser seu consorte e governar K’ai, mas o Psyklop finalmente descobre o paradeiro dele e o traz de volta à Terra. Um belo texto poético de Thomas mostra Jarella chorando uma lágrima sentida enquanto seu amor parte nas mãos daquele demônio gigante.

Esse amor continuaria a ecoar nos anos que viriam.

Pskyklop leva o Hulk de volta, deixando uma triste Jarella para trás.

O processo de voltar o Hulk ao seu tamanho natural – ou a distância de K’ai – eliminam o feitiço e o golias verde volta a ser um ser bestial e atacar com fúria Psyklop, que é derrotado e punido pelos Deuses Sombrios. Mas tanto Banner quanto Jarella ficam apaixonados e tristes por estarem agora separados. Para sempre?

Mas o que Banner apaixonado por Jarella significa para a coitada de Betty Ross? Logo descobriremos…

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A introdução de Leonard Samson em “Incredible Hulk 141”.

A edição 141 traz outra adesão importantíssima ao cânone do personagem: o surgimento do Dr. Leonard Samson, o Doc Samson. Na trama, os militares conseguem capturar o Hulk com armas de gás – nesta fase o gás era a única coisa que detinha o monstro – e novamente investem em uma cura, dessa vez, conduzida pelo psiquiatra Leonard Samson, que experimenta um processo vinculando a canalização das emoções e a sucção de radiação do corpo de Banner. Para o cientista, ele poderia usar a radiação gama tirada do Hulk e também curar Betty Ross, que até ali continuava em sua forma de vidro.

O Dr. Leonard Samson antes de sua transformação.

O procedimento é aparentemente bem sucedido, Betty volta ao normal e o Hulk converte a Banner, mas Samson não resiste a extrair um pouco do poder do Hulk para si e se inunda da radiação gama retirada do gigante de jade, e como resultado, se transforma num ser musculoso e longos cabelos verdes, com força apenas um pouco menor do que a do nosso herói.

Hulk e Doc Samson lutam pela primeira vez, por Thomas e Trimpe.

Samson fica decidido a se tornar um super-herói e até desenvolve um uniforme para si, e claro, Ross lhe usa para lutar contra o Hulk. Além disso, Samson e Betty Ross começam a se aproximar, saem juntos e chegam até a trocar alguns beijos ao longo das seis edições seguintes; como se Thomas quisesse deixar claro que Banner não era o único a dar seus pulinhos de cerca na conturbada relação dos dois.

Segue-se, então, uma estranha história, no número 142, de agosto de 1941, na qual o Hulk termina em Nova York e um casal de socialites chamados Reginald e Malicia Parrington decidem realizar um evento beneficente em homenagem ao golias verde, reunindo os ricaços e famosos da cidade para doarem dinheiro ao Hulk?! A filha do casal, Samantha Parrington se opõe e pede que o esforço seja realizado em prol do Movimento Feminista, mas o casal prossegue o seu intento, o que deixa o Hulk confuso, afinal, o que ele vai fazer com aquele dinheiro?

No meio disso tudo, aparece a vilã Encantor, que decide se vingar do Hulk pelo o que ocorrera em Asgard (40 edições antes!) e transforma a jovem Samantha na reencarnação da lendária Valquíria e a joga contra o Hulk numa luta equilibrada, mas o monstro vence, Samantha retrocede ao normal e o Hulk vai embora.

Duas coisas interessantes sobre essa edição estranha: o plot de Roy Thomas na verdade era baseado num evento da vida real! Sempre antenado ao que ocorria em sua época, ele “adaptou” o livro Radical Chic & Mau-Mauing the Flak Catchers do célebre escritor Tom Wolfe, lançado no ano anterior, que narra a insólita ocasião em que o compositor Leonard Bernstein e sua esposa, Felicia Montealegre organizaram uma festa beneficente para o grupo dos Panteras Negras (a organização afroamericana que pregava a luta armada), sendo daí que nasceu a expressão radical chic.

A outra questão, mais mundana, é que esta é a primeira aparição da Valquíria, uma personagem que teria próxima vinculação com o Hulk nos anos seguintes, como veremos.

Os Defensores

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A estreia dos Defensores, em 1971. Capa de Neal Adams e arte interna de Ross Andru.

Paralelamente à sua revista principal, o Hulk estrelou também outra revista ao longo de praticamente toda a década de 1970: os Defensores. Era um grupo meio incomum criado por Roy Thomas em Marvel Feature 01, de dezembro de 1971, numa história desenhada por Ross Andru e uma bela capa de Neal Adams.

Na verdade, a trama dava sequência àquela aventura de mais de um ano antes que transcorrera da cancelada revista do Doutor Estranho para as de Namor e Hulk Então, Marvel Feature retoma a ameaça dos Undying Ones e sua dimensão, aliado ao fato de que como Stephen Strange havia se aposentado do cargo de Mago Supremo da Terra (em The Incredible Hulk 126), seu inimigo Barão Mordo estava tentando ocupá-lo. De volta à ação, o Doutor Estranho se reúne com Hulk e Namor e enfrenta a ameaça.

Tal evento foi pensado, inicialmente, como um tipo de teste com o público – e algo bombástico para começar uma nova revista de antologia para explorar personagens que não tivessem seus próprios títulos. A resposta dos leitores foi calorosa e as cartas inundaram a redação para que a editora prosseguisse a aventura daqueles heróis reunidos.

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Capa de “Defenders 02” por Sal Buscema.

Então, nesse ínterim, Roy Thomas, se tornou o Editor-Chefe da Marvel em substituição a Stan Lee, que fora promovido ao cargo de Publisher da Marvel e também, seu vice-presidente. Thomas precisou redirecionar suas atividades ao comando da redação da editora e abandonou várias das revistas que escrevia, mas decidiu criar uma revista própria para aquele novo grupo, estreando The Defenders 01, menos de um ano depois, em setembro de 1972, porém, com roteiros de Steve Englehart e arte de Sal Buscema.

Os Defensores originais tinham, além do Hulk, o Dr. Estranho e Namor, o Príncipe Submarino, mas logo na edição 02 ganharam um novo membro, na figura do Surfista Prateado, e logo em seguida, a nova heroína Valquíria, na edição 04. Inclusive, para deixar tudo mais amarrado, essa nova Valquíria é o espírito da lendária guerreira asgardiana unido não ao corpo de Samantha Parrington (que a encarnou meses antes em sua estreia), mas no corpo de Barbara Norris, a garota que ajudou Strange e o Hulk em Incredible Hulk 126 e terminou presa na dimensão dos Undying Ones.

Incrível painel de Sal Buscema em Defenders 02 com a introdução do Surfista Prateado no não-time.

Este quinteto consistiu no núcleo da equipe ao longo dos anos seguintes, quando as histórias abordavam os Defensores como um “não-time”, ou seja, eram apenas heróis reunidos para uma missão comum, sem o status de um grupo oficial, como eram, por exemplo, os Vingadores. Isso era no mínimo irônico em vista que o tal “não-time” manteve seu núcleo base a maior parte do tempo e se manteve sendo publicado por mais de 100 edições!

Hulk versus Thor na Guerra Vingadores-Defensores, por Steve Englehart e Sal Buscema.

A dupla Englehart e Buscema produziu apenas as nove primeiras edições, que incluíram o famoso arco The Avengers-Defenders War, na qual um vilão articula um bombástico confronto entre os Vingadores e os Defensores, e rendeu uma das mais famosas batalhas do Hulk contra o Thor; mas Englehart achou cansativo demais escrever os dois grupos ao mesmo tempo e optou por permanecer apenas com os Vingadores, e Len Wein assumiu o título na edição 12, de setembro de 1973, ainda com Sal Buscema na arte, e criou A Gangue da Demolição (um dos grupos de vilões mais fortes da Marvel) e incluiu o Falcão Noturno (ex-membro do Esquadrão Supremo, que combateu os Vingadores) no não-time.

Montagem com os membros dos Defensores: Valquíria, Guardiã Vermelha, Falcão Noturno, Surfista Prateado, Gárgula, Fera, Namor, Hulk, Doutor Estranho, Felina, Filho de Satã e Lea.

Após a breve temporada de Wein, Steve Gerber assumiu The Defenders a partir do número 20, de junho de 1974, ainda ao lado de Buscema, e permaneceu por um tempo maior, até a edição 41, de novembro de 1976, no que é considerado como o apogeu do não-time. Essa primeira fase da revista trouxe um grande número de membros rotativos, como Gavião Arqueiro (edição 07), o já citado Falcão Noturno (edição 14), Luke Cage (edição 17), Daimon Hellstrom, o Filho de Satã (Giant-Size Defenders 02) e Hank Pym/ Jaqueta Amarela (edição 23), enquanto Doutor Estranho, Hulk e Valquíria eram os membros fixos mais constantes e Namor e Surfista Prateado iam e vinham ao sabor dos ventos.

Em termos criativos, vários outros roteiristas contribuíram para a revista, como Gerry Conway, David Anthony Kraft, Steven Grant e J.M. DeMatteis; enquanto Sal Buscema deixou a revista na edição 41 e foi sucessivamente substituído por Keith Giffen, Ed Hanningan e Don Perlin. Já em 1983, DeMatteis e Perlin mudaram o status da equipe a partir da edição 125, na qual Hulk, Dr. Estranho, Surfista Prateado e Namor deixam o time para dar lugar a uma nova formação, os Novos Defensores, com Fera, Anjo, Homem de Gelo (três ex-membros dos X-Men), Gárgula, Nuvem, Serpente da Lua e a veterana Valquíria.

Apesar do Hulk se manter como membro e chamariz da revista até o início dos anos 1980, realmente, pouca coisa em The Defenders teve real impacto em sua revista solo ou em sua cronologia, e na verdade, as aventuras do não-time eram tomadas quase como algo à parte, levando a situações estranhas como o fato de Hulk e Surfista Prateado compartilharem a publicação em várias ocasiões, mas o alienígena jamais encontrar Bruce Banner até uma edição futura de The Incredible Hulk. Em Defenders, o foco era apenas no monstro verde.

Uma Fase de Instabilidade Criativa

Antes mesmo de assumir o cargo de editor-chefe, Roy Thomas começou a se afastar aos poucos da revista do Hulk, começando uma longa temporada (de 16 meses!) em que a revista do gigante de jade ficou desprovida de um roteirista realmente fixo, ainda que a arte tenha prosseguido na maior parte do tempo com Herb Trimpe para garantir alguma unidade. Embora Thomas tenha permanecido como editor da revista, para proporcionar um direcionamento mínimo (o que, inclusive, permitiu alguns eventos importantes acontecerem), o avanço da trama e dos personagens ficou um pouco entravado pela mudança constante de escritores.

Começa em The Incredible Hulk 143, de setembro de 1971, na qual Thomas se une ao desenhista Dick Ayers para mostrar o Doutor Destino (arqui-inimigo do Quarteto Fantástico) sequestrando o Hulk para a Embaixada da Latvéria (o país ao qual é monarca) e o exército indo atrás, mas Victor Von Doom envia um avançadíssimo robô que se passa pelo Hulk e é derrotado pelos militares, que pensam que mataram o monstro. Então, na edição 144, com roteiro de Thomas e Gary Friedrich e arte de Ayers, Destino leva o Hulk à Latvéria (um país fictício do Leste Europeu) para explorar seu poder, mas é traído por sua amante Valéria, que ajuda o monstro a se libertar. Enquanto nos EUA, Ross Talbot descobrem que o “Hulk” é apenas um robô. (O Hulk-Bot teria inúmeras outras aparições no futuro).

A nova base de operações do general Ross: Project Greenskin, mais tarde conhecida como Base Gama.

No número 145 (por Thomas, Len Wein e Trimpe), o golias verde está pulando a esmo pela Ásia em busca de voltar para casa, e é atacado quando invade a Rússia, o que o direciona ao sul, indo parar no Egito, onde encontra alienígenas que usam robôs gigantes para lutarem entre si. Esta edição também traz a estreia da Project: Greenskin (depois, mais conhecida como Base Gama), novo palco de operações do general Ross e de Glenn Talbot para caçar e curar o Hulk, localizada no noroeste do estado do Novo México, algo que deixa Betty preocupada, pois suspeita que ambos querem matar seu amado. Este número marca o início de um breve período em que a revista passou a ter o dobro das páginas habituais.

Na 146 (por Thomas, Gerry Conway e Trimpe), vemos que Jim Wilson quer ir embora da base, porque não se sente confortável por lá, mas antes disso, vê o Líder invadindo a instalação e armando um plano para substituir Ross e Talbot e poder matar o Hulk. O Líder está aleijado em consequência de sua derrota anterior. Enquanto isso, o Hulk está em Israel e enfrenta o exército de lá, terminando por reconhecer um avião americano e se pendurar em sua asa para voltar para casa.

Uma sobrecarga de raios gama retira os poderes de Doc Samson.

Na 147, de janeiro de 1972, temos duas histórias. Na primeira, Conway e Trimpe mostram o Hulk lutando contra o Líder e, na tentativa de ajudar, Doc Samson perde os seus poderes, o que o deixa bastante desapontado; e na segunda, um conto mais prosaico, Thomas e Trimpe mostram o Hulk vendo uma miragem no deserto que ele pensa ser uma cidade (e parece uma viagem de ácido do gigante verde).

Na 148, uma dupla de novos escritores aparece, Archie Goodwin e Chris Claremont (a futura estrela que revolucionaria os X-Men, aqui bem no início da carreira), ao lado de Trimpe, mostram os militares conseguindo capturar o Hulk (com gás) e o levarem a outro cientista que acha que tem a cura: o Dr. Peter Corbeau, mas o procedimento não dá certo, e para piorar, Jarella consegue se transportar à Terra para pedir ajuda a Banner para deter a ação do Lorde Visis, que envia o assassino Fialan para matá-los. O Hulk derrota Fialan e Jarella volta ao seu mundo, mas isso deixa o coração de Bruce pesaroso, achando que K’ai é o seu lugar, não a Terra.

Hulk versus Destrutor dos X-Men.

Goodwin continua no roteiro pelas edições imediatamente seguintes. Na 149, enquanto o Hulk luta contra o Inheritor – uma das criações do Alto Evolucionário – Ross e Talbot tentam outra cura em Banner, que não está mais confiante de que esses procedimentos irão funcionar; e na 150, o Hulk consegue escapar da Base Gama e se surpreende ao encontrar uma garota de cabelos verdes dirigindo pelo deserto. Na escuridão, ele pensa que é Jarella, mas na verdade, é Lorna Dane, a Polaris, membra dos X-Men, que está numa missão de “resgate” ao companheiro Alex Summers, o Destrutor, que deixou o time (por ciúmes da relação dela com o Homem de Gelo). Há de lembrar que naquela época, os X-Men estavam com sua revista cancelada e só apareciam ocasionalmente nas revistas dos outros.

Após uma luta contra os dois mutantes, o Hulk é deixado inconsciente e volta a ser Banner, mas quando Betty pega Bruce nos braços, ele murmura “Jarella, eu te amo”, o que deixa a jovem aturdida. Por causa do ocorrido algumas edições antes, Glenn Talbot sabe quem é Jarella, mas num rompante de ombridade, diz a Betty (a quem ele ama) que é Banner quem tem que esclarecer isso para ela.

A conversa entre Bruce e Betty ocorre no número 151, que celebra os 10 anos de publicação do Hulk. A garota fica triste e desolada ao saber que seu amor ama outra mulher e a tensão termina por fazer Banner virar o Hulk. Mas Betty e Talbot conseguem acalmá-lo e o convencem a segui-los no jipe até a base. O monstro concorda e vai aos saltos, mas no meio do caminhando, enquanto Betty e Talbot conversam, ele a consola e os dois terminam por se beijar. O ato desperta sentimentos confusos no Hulk e ele decide ir embora. Banner depois descobre que Hank Pym (o Homem-Formiga e Gigante) irá realizar uma palestra na Universidade George Washington, em Washington, DC, e decide ir até lá para ver se ele encontra uma forma de encolhê-lo de volta a K’ai, mas o evento é cancelado.

Hulk fora de controle em meio ao Quarteto Fantástico, Demolidor e Homem-Aranha, na arte de Dick Ayers.

Vem então a explosiva The Incredible Hulk 152, de junho de 1972, (que comemora as 50 edições da revista), um épico narrado por Gary Friendrich, Steve Englehart, Dick Ayers e Herb Trimpe, no qual os militares novamente capturam o Hulk e decidem levá-lo a julgamento. Como estão na Costa Oeste, próximos a San Francisco, solicitam que Matt Murdock (secretamente o Demolidor) defenda o golias verde, e os embarcam em um avião rumo a Nova York. Mas no voo, vendo que Banner está muito depressivo – ele pede para ser condenado, pois acha que a pena de morte lhe seria melhor do que continuar com sua maldição – solicita a Ross a diminuição dos sedativos que o controlam.

Mas a medida tem o efeito esperado: próximo ao pouso, Banner se transforma no Hulk e passamos à edição 153 (agora, assinada por Friedrich, Thomas, Ayers e Trimpe), na qual o monstro enfrenta as forças conjuntas do Quarteto Fantástico, Demolidor e Homem-Aranha, e é detido pela nova arma de Reed Richards: o Nega-Gamma. O gigante esmeralda é acorrentado em titânio e levado a julgamento, e Murdock tenta anular a audiência, pois o Hulk é incapaz de entender o que está acontecendo, mas o juiz não aceita e prossegue o julgamento até que Richards pede autorização do júri para usar o Nega-Gama para curar o monstro. Com a permissão, ele experimenta, mas dá tudo errado, o Hulk fica furioso, se liberta e foge.

O Hulk volta a K’ai.

Archie Goodwin retorna para mais algumas edições, e na 154, vemos Betty refletir sobre sua situação, entre a decepção com Bruce, o rápido lance com Samson e o repentino interesse em Talbot, enquanto Banner chega ao laboratório de Hank Pym, que lhe confidenciou onde guarda a Fórmula Pym que poderá encolhê-lo até K’ai, mas o local é atacado pelo Camaleão, que quer roubar um experimento com vírus, e o Homem-Formiga revida, enquanto o Hulk toma o soro. Então, na 155, o mostro encolhe e vai atravessando uma série de dimensões, sendo colhido pelo The Shaper of Worlds (um vilão que apareceria outras vezes no futuro) para viver uma fantasia de um mundo em que os Nazista venceram a guerra; antes de prosseguir sua jornada até K’ai, na 156, em que Banner-Hulk novamente se une a Jarella e, outra vez, a ajuda a retomar seu reino das mãos do Lorde Visis, mas depois disso, o efeito da Fórmula Pym passa e o Hulk cresce de novo e retorna à Terra.

Betty Ross e Glenn Talbot se descobrem apaixonados.

Mas enquanto isso acontece, vemos que Betty e Talbot estão de férias em um resort, e curtindo o bom momento, o major a pede em casamento! E ela aceita!

Então, na 157, de novembro de 1972, enquanto Betty e Talbot preparam seu casamento na Base Gama, Jim Wilson decide ir embora, porque se sente como se estivesse traindo sua amizade com Bruce. Mas aproveitando a aparição do Hulk em Nova Jersey, o Líder domina o corpo comatoso do Rino para lutar contra o gigante esmeralda, num plano para enviá-los ao casamento e atrapalhar tudo. Ross fica sabendo, mas faz segredo, tentando garantir a felicidade da filha; e Hulk e Rino terminam na nave do Líder em direção ao deserto.

Talbot e Betty se casam.

Mas na 158 (agora com roteiro de Roy Thomas e Steve Gerber – arte prossegue com Trimpe), o Hulk danifica a nave que parte para o espaço descontrolada rumo à órbita do Sol, mas é atraída pela gravidade da Contra-Terra, o planeta artificial criado pelo Alto Evolucionário (em substituição à fracassada Wundagore II). Sem atrapalho, Betty e Talbot se casam e Banner termina a história à bordo de uma nave sem rumo dentro do espaço profundo.

Seria o fim da história de Bruce e Betty? Veremos…

Mas foi o fim da longa fase intermediária de quase um ano e meio em que o Hulk patinou entre roteiristas circundantes.

A Fase de Steve Englehart

Quando Roy Thomas ascendeu ao cargo de editor-chefe da Marvel, deixou para trás muitos títulos – inclusive dos Vingadores – e precisou que outros assumissem a tarefa. E no caso dos “maiores heróis da Terra”, a responsabilidade coube a Steve Englehart, o mesmo escritor que havia iniciado a revista dos Defensores. Englehart se mostrou tão hábil – sua temporada nos Vingadores e no Capitão América estão entre as melhores HQs dos anos 1970 – que logo abocanhou várias revistas da Marvel, inclusive, a do gigante de jade.

Steve Englehart: um dos maiores escritores de quadrinhos dos anos 1970.

Nascido em 1947, em Indianápolis, Indiana, Englehart estudou psicologia na Wesleyan University e iniciou sua carreira nos quadrinhos como assistente do desenhista Neal Adams, fazendo desenhos e tinta nanquim; mas como queria escrever, começou a fazer ghost writer para o amigo Gary Friedrich quando este precisava de descanso, em revistas da Marvel como as histórias de Nick Fury. Após ser testado na linha de terror com algumas histórias, Englehart foi designado pelo editor Roy Thomas a comandar as novas aventuras solo do ex-membro dos X-Men Fera, em Amazing Adventures, no que foi muito bem sucedido. Daí, saltou para Defensores, Vingadores, Doutor Estranho, Capitão América e Hulk.

O Coronel Armbruster: contraponto a Ross.

A fase com o golias verde começa em The Incredible Hulk 159, de janeiro de 1973, mantendo Herb Trimpe na arte, introduzindo o coronel John D. Armbruster, novo assistente do general Ross na Base Gama, apresentando um militar mais boa praça e simpático em contraponto ao irascível Thunderbolt.

O Abominável conta ao Hulk que Betty e Talbot se casaram, por Englehart e Trimpe.

Vemos que Banner consegue entender a tecnologia da nave em que estava preso e a redireciona à Terra, onde travará um embate com o Abominável, que maliciosamente, diz ao Hulk que Betty e Talbot se casaram e que estão de férias nas Cataratas do Niágara, o que faz o monstro raivoso correr para lá; ainda que na edição 160, o Hulk se dê conta de que não sabe onde isso fica, mas ao se transformar em Banner, este consegue lembrar da informação e aluga um avião para ir até lá. Transformado em Hulk, chega ao local, mas Glenn Talbot sagazmente decide se esconder e consegue levar Betty para um “passeio” de modo que a garota sequer fica sabendo que seu ex-namorado (e quase marido) andou por lá, enquanto sobra ao Hulk lutar contra o Tubarão-Tigre, um vilão de Namor.

Na 161, Englehart aproveita para fazer uma conexão com o seu primeiro título – as aventuras do Fera em Amazing Adventures – e mostra uma aventura em que, enquanto o Hulk zanza pelo Canadá enfrentando o exército, ele identifica uma local ao qual quanto mais próximo chega, mais fraco fica, e vai investigar, cruzando o caminho com Hank McCoy e sua namorada, Vera Cantor, que foram para lá ajudar o Mímico, ex-membro dos X-Men, que está com os poderes descontrolados e absorvendo a força de tudo ao seu redor.

Hulk contra o Fera (ex-X-Men).

No fim das contas, o Mímico percebe que vai destruir o mundo se continuar assim e, ao se deixar absorver a radiação gama do Hulk, termina por morrer.

O Hulk na revista do Homem-Aranha na bela arte de John Romita.

Foi nesse período no Canadá que o Hulk fez uma participação especial na revista do Homem-Aranha, em Amazing Spider-Man 119 e 120, pela dupla genial Gerry Conway e John Romita, na qual Peter Parker é enviado pelo Clarim Diário para cobrir a perseguição dos militares ao gigante de jade, e também, resolver algumas questões pessoais, aproveitando para ajudar a confrontar o monstro.

Na The Incredible Hulk 162, temos a primeira aparição do Wendigo, o monstro lendário que nasce da maldição de quem come carne humana (ou seja, comete ato de canibalismo), o que vitimou o pobre Paul Cartiers; e na 163, quando o Hulk chega ao Polo Norte descobre uma base secreta de agentes soviéticos infiltrados liderada pelo Gremlin, um cientista deformado de baixa estatura e cabeça enorme – e se isso lhe parece familiar é porque ele é o filho do Gárgula, que ajudou o Hulk em sua primeira aventura e se sacrificou para salvar Bruce Banner, mas Gremlin pensa que o golias verde matou seu pai.

Essa edição foi importante porque deu início a um subplot que duraria mais de um ano, começando com o general Ross liderando uma missão para atacar a base soviética e terminar sendo capturado pelos russos, o que terá uma série de consequências.

Depois de duas edições enfrentando o Capitão Omen e o Infra-Mundo, na 166, de setembro de 1973, vemos a estreia de outro vilão clássico do Hulk: o ser de pura energia e consciente Zzzax, que é derrotado pelo monstro ao lado do Gavião Arqueiro, que tinha deixado os Vingadores e, em sequência à esta aventura, ingressaria brevemente nos Defensores. Aliás, é importante frisar que essas histórias de Englehart faziam bastante referências ao não-time, já que ele escrevia ambas as revistas, e foi a única época em que isso aconteceu, pois como já dissemos, na maior parte do tempo, as histórias dos Defensores corriam quase como num mundo paralelo.

Nesta aventura, também vemos o major Glenn Talbot organizando um revide contra os russos em uma arriscada missão para resgatar Ross, no que é bem sucedido nessa parte; porém, o próprio Talbot ficaria prisioneiro por lá, uma situação que se estenderia por um bom tempo (mais de 20 meses!).

Na 167, cabe a Ross dar a triste notícia à filha de que seu marido “morreu” (era o que eles pensavam na época) e a garota fica tão desesperada que tem um colapso. Jim Wilson encontra o Hulk em Nova Jersey e diz para Banner as más novidades, e o cientista decide visitar Betty no hospital em Nova York, mas quando ela o vê, tem um ataque de fúria e diz que lhe odeia! Ao mesmo tempo, temos um ataque de MODOK, que usa suas rajadas mentais para ampliar o ódio dela ao ex-noivo.

Então, na 168, controlada por MODOK, Betty se desfaz de suas roupas e vai embora, e o vilão a transforma em um monstro alado que dispara rajadas de radiação gama: a Harpia. Enquanto isso, Jim Wilson consegue furar o bloqueio policial e levar o Hulk escondido para Nova Jersey à casa de sua namorada, Talia, mas ela fica bastante infeliz de ter o monstro por lá, o Hulk percebe e decide ir embora, o que o leva ao confronto com a Harpia.

Enquanto essas coisas se desenrolam, o Pentágono avalia os fracassos recentes do general Ross, e o destitui do comando da Base Gama, entregando a liderança do Projeto Greenskin ao seu subordinado imediato, o coronel Armbruster.

Na 169, após uma acirrada batalha, o Hulk vence a Harpia, e a reconhece como Betty Talbot, decidindo levá-la consigo, mas os dois são tragados por um tornado artificial que os leva a uma cidade acima das nuvens, uma ilha flutuante, que era o local do povo-pássaro, a raça do Red Raven (um herói da Marvel dos anos 1940 que aparecia ocasionalmente nas histórias modernas) que está esvaziada e ocupada apenas pelo Bi-Beast, que ajuda Banner a curar Betty e voltá-la ao normal, mas MODOK os localiza e os ataca, o que leva o Bi-Beast involuntariamente a ativar a autodestruição da cidade.

Com Betty nos braços, Banner aceita o seu destino, mas o chão se abre e o (ex?)casal cai para a morte certa no vazio do céu.

Quer dizer, não para o Hulk, não é mesmo? Na 170 (assinada por Englehart ao lado de Chris Claremont), Hulk e Betty pousam em uma ilha remota habitada por monstros, mas ela é resgatada por helicóptero dos militares e o gigante esmeralda consegue ir escondido na nave. Na 171 (agora por Englehart e Gerry Conway), Betty chega à Base Gama e é recepcionada pelo pai e os dois têm uma conversa tensa, mas o Abominável e o Rino unem as forças e atacam a instalação, fazendo-os reféns, enquanto o Hulk consegue derrotá-los.

Mas ao mesmo tempo, o Abominável foi capaz de ativar uma sequência de bombas de autodestruição e, enquanto estão encarcerados, são ajudados por Jim Wilson e a namorada Talia, e seguindo as instruções de Ross via rádio, Jim consegue desativar as bombas no último segundo. No fim, Ross reconhece a ajuda do Hulk e lhe estende a mão em gesto de amizade, e o monstro está para aceitar quando é atacado pelos militares sob as ordens de Armbruster.

Ross fica furioso pelo o que considera um desperdício, pois se perdeu uma oportunidade única de criar um laço de amizade com o golias verde. Os gesto demonstra que, apesar de seu temperamento mais tranquilo, Armbruster termina sendo muito mais agressivo em relação ao Hulk do que Ross (talvez por não ter uma “história” com o monstro como o outro), uma característica que só iria aumentar nos meses seguintes.

E assim, termina a breve, mas interessante temporada de Englehart.

Roy Thomas e Gerry Conway Passam um Tempo

A edição 172 ainda credita Englehart como coautor, mas a trama é desenvolvida mesmo por Roy Thomas e Tony Isabella, ainda com Herb Trimpe na arte, na qual, insatisfeitos com as ações de Armbruster; Ross, Betty, Jim e Talia vão embora da base, e o coronel traz de novo o Dr. Peter Corbeau para dar um fim no gigante de jade. Dessa vez, o cientista pretende jogar o Hulk em uma outra dimensão, mas o experimento dá errado e traz de volta o Fanático (Juggernault – vilão dos X-Men) de seu exílio extradimensional.

Armbruster lidera o exército contra o Hulk e o Fanático.

O vilão chega até a criar uma aliança com o Hulk e o ajuda a se libertar de uma poderosa prisão criada para ele, mas no fim das contas, os dois saem em confronto e o Fanático é derrotado com a ajuda dos X-Men (Professor X, Ciclope e Garota Marvel). Vale lembrar: naquela os mutantes estavam sem revista, pois suas aventuras tinham sido canceladas e essa trama se conecta com a revista do Capitão América e a Saga do Império Secreto, também escrita por Englehart.

Thomas assina sozinho, ao lado de Trimpe, as edições 173 e 174, na qual Banner escapa dentro de um navio e vai parar no meio do teste de uma Bomba H e lutando contra o Cobalt-Man (outro vilão dos X-Men), o que os leva à Austrália, onde Banner e Betty têm outra conversa tensa, e o Hulk termina em uma explosão nuclear em órbita e todos pensando que o monstro morreu.

Nesta capa, a arte de Herb Trimpe é embelezada pela interferência de John Romita.

Mas na 175, de maio de 1974, o Hulk cai em Attilan, a terra dos Inumanos, e Banner é recebido com honras pelo rei Raio Negro e é convidado a embarcar com eles na Arca Espacial que construíram para saírem em exílio na Contra-Terra, onde poderiam viver em paz. Banner pede para pensar um pouco, mas é atacado por Inumanos ordinários e o Hulk causa uma grande destruição. Irritado, Raio Negro usa suas poderosas rajadas sônicas para deter o golias verde e, como punição, decide enviá-lo sozinho na Arca Espacial sem rumo no espaço sideral.

Na época em que essa história foi feita, Roy Thomas deixou o cargo de editor-chefe da Marvel, cansado das questões burocráticas e de lidar com o ego inflamado dos jovens escritores-sensação (que ele ajudou a revelar), e decidiu voltar a apenas escrever, ainda que tenha permanecido como um poderoso editor-assistente que cuidava das próprias revistas. Mas o fato é que se havia planos para Thomas continuar com o Hulk esses não se completaram e ele se afastou (ou foi afastado) da revista.

Dessa forma, Gerry Conway assume o título por três edições enquanto encontram um novo nome. Na primeira, a 176, a Arca Espacial não fica sem rumo, mas ao contrário, cai no local originalmente destinado: a Contra-Terra, onde o Hulk se envolve numa guerra civil entre os New-Men (a nova raça criada pelo Alto Evolucionário) e os adoradores de Adam Warlock contra as forças do vilão Man-Beast; numa trama que dava prosseguimento às aventuras do herói cósmico que havia sido canceladas em Warlock 08, de dezesseis meses antes.

Na 177, o Man-Beast usa seus poderes mentais para controlar o Hulk e o faz derrotar Warlock, que é preso e executado; mas ele ressuscita após três dias na 178 (agora, com o roteiro dividido entre Conway, Thomas e Isabella), e derrota o vilão. No fim, Warlock pede que as pessoas vivam em paz e ascende aos céus dizendo que irá atrás de salvar as estrelas. Se tudo isso parece familiar a você é porque, realmente, essas histórias de Warlock traziam um paralelo entre o herói cósmico e Jesus Cristo e a pegada hippie-cosmic-super-hero-new-wave permaneceria quando o herói retornasse com suas aventuras pouco tempo depois nas mãos do escritor e desenhista Jim Starlin.

Começa a Fase Len Wein

Em seguida, a revista passou às mãos de Len Wein, que já tinha escrito o golias esmeralda em The Defenders, além de coescrevê-lo na própria revista ao lado de outros. Também advindo do fandom e parte da mudança rumo à maturidade da Era de Bronze, Wein tinha começado a carreira no fim da década anterior na DC Comics, especialmente na linha de terror – onde criou o Monstro do Pântano – mas também escreveu Liga da Justiça e Superman, antes de ir para a Marvel, na qual começou em títulos como os Defensores.

Praticamente ao mesmo tempo em que Wein assumia comando de The Incredible Hulk, ele terminaria assumindo o cargo de Editor-Chefe da Marvel, em substituição a Thomas e manteve a produção do gigante verde concomitante à nova função, e ainda iria assumir o principal título da Marvel, The Amazing Spider-Man, em 1975.

Em termos criativos, Wein manteve o artista Herb Trimpe no comando da arte do Hulk e comandaria uma longa temporada, de mais de quatro anos, trazendo uma necessária estabilidade aos rumos do gigante de jade. O longo tempo permitiu a Wein desenvolver os personagens em arcos mais interessantes e experimentar coisas novas.

Wein e Trimpe abrem sua temporada em The Incredible Hulk 179, de setembro de 1974, com uma triste e dramática história na qual o Hulk volta à Terra e cai no Canadá, onde reencontra o Elo Perdido, a criatura radioativa que enfrentou nos primeiros números de sua nova revista, e agora, ganhou o nome de Lincoln e até aprendendo a falar e escrever um pouco; mas Banner termina descobrindo que, sem querer, a criatura está envenenando radioativamente a família que lhe adotou. Tentar apresentar isso gera mal entendido e um confronto; mas no fim, o Hulk vai embora enquanto o Elo Perdido continua a contaminar sua nova família.

Foi um começo forte e apenas um aperitivo para o lançamento bombástico que viria logo em seguida: um dos personagens mais importantes e famosos dos quadrinhos foi criado na revista do Hulk – Wolverine, o futuro membro dos X-Men.

Os esboços originais de John Romita para o visual de Wolverine…

Segundo uma entrevista que deu recentemente, Roy Thomas estava nos últimos dias de seu cargo de editor-chefe quando solicitou que Len Wein criasse um super-herói canadense chamado Wolverine. A questão é que a Marvel tinha uma enorme base de fãs no Canadá naquela época – e o fato do Hulk viver cruzando a fronteira e ter aventuras por lá era um afago a esse público – e Thomas percebeu que não havia um herói daquele país. Como era muito comum nomear personagens a partir de animais, escolheu “wolverine” uma fera típica das terras boreais e passou a missão para Wein, afinal, que melhor lugar para o personagem estrear, senão na revista do gigante de jade?

Esboço original de Wolverine por John Romita.

Wein pensou em um herói que fosse um tipo de agente secreto do governo – porque era uma forma de criar um motivo mais crível para o confronto – e Thomas designou o desenhista John Romita, o diretor de arte da Marvel, para criar o visual de Wolverine – um imput sobre a qual Thomas e Wein não tiveram nenhuma interferência. Romita criou um herói de uniforme de tons animalescos, de baixa estatura (pois o animal de referência é bem pequeno) e dotado de letais garras saltadas dos punhos. Thomas criara o metal adamantium nas histórias dos Vingadores e Wein o escolheu para compor o material das afiadas lâminas.

Herb Trimpe não criou Wolverine, mas foi o primeiro a desenhá-lo.

A trama se desenvolve por meio de trechos de três edições e começa em The Incredible Hulk 180, de outubro de 1974, por Wein e Trimpe, na qual, ainda no Canadá, o golias verde cruza novamente o caminho do Wendigo e a batalha colossal decorrente chama a atenção das forças militares que na última página da história designa seu principal operativo especial para acabar com isso: a Arma X, Wolverine.

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A estreia de Wolverine em “Incredible Hulk 181”, de 1974. Arte de Herb Trimpe com retoques de John Romita.

Com ferocidade, autoconfiança e ironia, Wolverine ataca como um raio no meio da batalha dos dois titãs, no número 181, e sua habilidade com suas garras o colocam como um oponente à altura do Hulk, mas a instabilidade do Wendigo termina por deixa a luta inconclusa. Wolverine ainda aparece brevemente no início da edição 182, mas deixou uma impressão duradoura nessa estreia.

Wolverine já foi apresentado como mutante e foi incorporado ao plano que Thomas e Wein elaboravam na época de criar uma nova geração dos X-Men, pois o time tinha tido a revista cancelada por baixas vendas anos antes. Os novos X-Men estreariam no verão de 1975, contendo Wolverine, em Giant-Size X-Men 01, por Wein e Dave Crockum.

De volta ao número 182, Hulk prossegue sua batalha com os militares canadenses, mas o foco é novamente uma história humana: perambulando, o gigante esmeralda encontra um velho andarilho tocador de gaita chamado Crackerjack Jackson, que acolhe o monstro, lhe dá comida e até lhe ensina (pela primeira vez!) a escrever o próprio nome. É nessa ocasião que o Hulk come feijão pela primeira vez e esse se torna o seu alimento favorito dentre todos, nessa fase de suas histórias. O homem vai visitar o filho que está na cadeia, mas ele fugiu da prisão preso por um corrente a outro prisioneiro, encontram um alienígena que lhes dá superpoderes, nascendo a dupla Martelo & Bigorna; e um confronto que termina na morte de Crackjack.

Em paralelo a tudo isso, o major Glenn Talbot faz uma “espetacular” escapada de sua prisão na Sibéria e regressa à Base Gama para os braços de sua esposa, Betty, embora o agora seu superior, o coronel Armbruster, fique desconfiado de seu comportamento.

O Hulk volta aos EUA via Chicago e reencontra o monstro de energia Zzzax na edição 183; mas as coisas acontecem de verdade a partir da 184, quando Banner retorna à Base Gama, mas é recebido de forma agressiva por Armbruster, que dispara um tiro no cientista. Banner é capturado e é iniciada um novo processo para livrá-lo do Hulk; mas ao mesmo tempo, designa um cientista para investigar Talbot, porém, um espião mata o médico e apaga os dados do computador.

Banner agressivamente feito prisioneiro por Armbruster e Ross.

Na 185, Banner e Betty se reencontram e, novamente, têm uma conversa tensa, na qual Bruce se queixa de ser tratado como um animal de circo e que não tem amigos – algo que magoa a sra. Talbot amargamente. Outrossim, é organizada uma visita presidencial à Base para celebrar o heroísmo de Glenn Talbot que é, na verdade, um espião soviético disfarçado, e não o verdadeiro militar, e no fim, aproveita a oportunidade para tentar matar o presidente. Armbruster, que descobrira há pouco toda a verdade ao conseguir resgatar os resultados do computador, aparece para impedir e derruba o impostor, que explode uma bomba, levando à sua própria morte e a de Armbruster.

Na 186, o outro espião infiltrado se revela – o Devastador – e ataca a base, o que resulta na libertação do Hulk, enquanto os médicos descobrem toda a verdade sobre o falso Talbot; o que torna seu resgate um questão de honra ao país. Daí, nos números 187 e 188, a SHIELD intervém, com Nick Fury liderando a missão pessoalmente, na qual Banner decide ir escondido para ajudar, mas claro, termina se transformando no Hulk e atrapalhando um pouco; saindo em um novo confronto com as forças de Gremlin, e no fim das contas, ajudando a encontrar o verdadeiro Talbot, que sofreu lavagem cerebral e acredita ser o espião que lhe substituiu. Na ação de resgate, o militar é salvo, porém, sua mente é afetada e ele volta para casa em estado catatônico.

Clay Quartermain: representante da SHIELD na Base Gama.

Essas edições introduziram na revista o personagem Clay Quartermain (advindo das histórias de Fury), que a partir daqui se torna o representante da SHIELD na Base Gama e nas operações relacionadas ao gigante esmeralda. Quartermain será um personagem importante pelos 15 anos seguintes.

O Hulk é deixado para trás na Sibéria, o que é uma oportunidade para Wein contar outra daquelas suas histórias mais humanas e menos super-heroísticas. Na edição 189, de julho de 1975, o gigante de jade encontra uma pequena vila gelada onde é acolhido por Katrina, uma jovem cega que “enxerga” o Hulk como ele é, sendo bondosa com ele e até lhe oferecendo seus amados feijões cozidos. Mas a vila é assolada por “demônios”, que são na verdade os Moloides do Toupeira.

As histórias seguintes exploram o Hulk tentando voltar para casa, com a 190 e 191 mostrando ele enfrentando o exército soviético e entrando em um outro confronto com o The Shaper of Worlds e seu discípulo Glorian e com a participação perversa dos Homens-Sapo, aqueles mesmos aliens da distante The Incredible Hulk 02, de 1962; e a 192, o Hulk enfrenta uma ameaça mística na Escócia. As três edições mostram o drama de Betty Talbot, que precisa lidar com seu marido catatônico, até que o pai dela, general Ross, decide levá-lo à Base Gama para tratamento com o Dr. Leonard Samson, que começa a ajudar, mas diz que a cura só poderá vir com a ajuda do Hulk.

Leonard Samson ganha seus poderes de novo, por Wein e Trimpe.

O monstro verde embarca num navio na edição 193, se mete em confusão e o afunda, mas chega a nado em Nova York, o que motiva uma ação dos militares para pegá-lo, enquanto Samson tenta usar o Gammatron em Talbot, e o experimento dá errado, resultando numa explosão de raios gama. Samson consegue salvar Talbot, Betty e Ross ao custo de ser pegue na explosão – mimetizando sem querer o acidente de Banner – o que resulta nele recuperando seus poderes e voltando a ser o cientista de cabelos verdes e força quase similar ao Hulk.

Hulk versus Samson na edição 193, por Wein e Trimpe.

Esta edição também marcou o fim da longuíssima temporada de Herb Trimpe como desenhista da revista depois de nada menos que 7 anos! O artista partiria para outras aventuras, em especial, desenhando o Capitão Britânia, ao lado de Chris Claremont, num personagem criado especialmente para a Marvel UK, a divisão da empresa no Reino Unido. A saída de Trimpe não deve ter sido tão tranquila, pois a arte da edição 193 sequer chegou a ser finalizada e precisou de retoques de John Romita, o diretor de arte da Marvel. A capa também foi de Gil Kane e Romita e inaugurou um período em que o clássico artista emprestou seus talentos para as capas do Hulk, quase sempre ao lado de outros parceiros.

Sal Buscema: um dos maiores artistas da Marvel em todos os tempos.

A Chegada de Sal Buscema

O substituto de Trimpe foi o glorioso Sal Buscema, que já era então um dos principais ilustradores da Marvel, com passagens por Vingadores, Capitão América e Defensores, onde – como vimos – desenhou os 41 primeiros números da revista do time ao qual o Hulk era um dos protagonistas. O golias verde era o personagem favorito de Buscema, irmão caçula de John Buscema, e Sal teria um vínculo muito duradouro com o personagem: seria o principal ilustrador da revista pelos próximos 10 anos, batendo o recorde de artista que por mais tempo desenhou o Hulk em sua história.

Bruce Banner se transforma no Hulk na bela arte de Sal Buscema.

Dono de uma arte estilizada, de traços retos e expressivos, Buscema foi uma incrível adesão ao universo do gigante de jade. Investiu nas emoções dos personagens via expressões faciais e um Hulk cheio de movimento (bem diferente do imobilismo desengonçado de seu antecessor) e, principalmente, quadros muito dinâmicos mostrando com clareza a força do anti-herói, especialmente quando atinge um oponente ou destrói uma estrutura, como veremos logo adiante.

Sua composição de linhas quadradas poderia conferir um elemento semicaricatural em alguns momentos, mas ele compensava isso com ótimo storytelling, tanto nas cenas de ação quanto naquelas mais calmas, de desenvolvimento dos personagens.

A fase de Buscema ao lado de Wein começou em The Incredible Hulk 194, de dezembro de 1975, na qual enquanto o Hulk enfrenta uma série de homens-insetos, o Abominável reaparece na Base Gama (após ter ficado inconsciente ao léu no deserto desde a edição 171!) e o general Ross o convence de que implementou uma bomba em sua cabeça e que ele precisa caçar o Hulk ou irá explodir. Os dois titãs se encontram na Flórida na edição 195, mas na 196, Emil Blonsky consegue convencer o golias verde de se unir a ele contra os militares, tomando o Centro Espacial, mas Ross usa Betty para enviar uma mensagem de vídeo e sensibilizar o monstro, o que dá certo e o Hulk se volta contra o Abominável, que aparentemente morre em uma poderosa explosão.

A edição 196 também inaugura uma logo ligeiramente nova para a revista.

Betty se reaproxima de Samson e o beija.

Nos números 197 e 198, o Hulk cruza o caminho com o seu velho conhecido Glob, mais o Homem-Coisa, que estão sendo manipulados pelo Colecionador, clássico vilão dos Vingadores em uma aventura espacial, mas cujo evento mais importante é Betty Taltbot estar triste e deprimida por que seu marido está catatônico em uma cama hospitalar e termina encontrando consolo nos braços de Leonard Samson, reativando brevemente o caso que tiveram no passado. Os dois se beijam e são testemunhados em segredo por Clay Quartermain.

Capa de Rick Buckler e John Romita.

Na edição 199, Quartermain convence Nick Fury a deixar a SHIELD ir atrás do Hulk e uma grande batalha tem início entre a agência, o golias verde e o Dr. Samson, que é derrotado, mas implora por uma segunda chance e, então, consegue capturar o monstro.

Gabe Jones, general Ross e Clay Quartermain liberam Doc Samson contra o Hulk, por Wein e Buscema. Note a referência ao filme Tubarão no letreiro do cinema.

A batalha entre o gigante de jade e seu “amigo” de longos cabelos esmeraldas é uma primeira amostra da capacidade de Sal Buscema em criar grandes cenas de ação que envolvam fúria, força e destruição. E era apenas o início do deleite proporcionado pelo artista nos anos vindouros.

Nick Fury, Clay Quartermain, general Ross e Dr. Samson discutem capturar o Hulk. Por Wein e Buscema.

Enquanto isso, vemos Betty visitar Talbot e lhe pedir perdão por sua infidelidade, ainda que ele nem possa ouvi-la; e passamos para The Incredible Hulk 200, de junho de 1976, na qual com a anuência de Banner, desenvolve um procedimento no qual um elmo encefálico garante ao cientista o controle do corpo do Hulk e o encolhe de tamanho para ir até o cérebro de Talbot resolver o bloqueio elétrico que lhe mantém catatônico.

É uma missão arriscada em tudo e Banner recebe o reconhecimento disso por Quartermain e até do general Ross, enquanto Betty agradece o gesto altruísta de ajudar o marido dela com um beijo na boca do ex-noivo.

Banner controla o Hulk para salvar Glenn Talbot.

Seja pelos impulsos elétricos do cérebro ou por pura viagem, Banner-Hulk termina por imaginar vários de seus principais oponentes passados, o que é uma forma de celebrar o ducentésimo número. No fim das contas, uma reação em cadeia faz o Hulk perder o controle das emoções e encolher mais ainda até desaparecer dos instrumentos de Samson.

Mas o resultado esperado é atingido: o major Glenn Talbot desperta depois de ter estado catatônico desde o seu resgate (na edição 188), depois de estar capturado pelos inimigos desde o número 166. Dá pra ver que os roteiristas não queriam mesmo facilitar o casamento de Betty Ross, não é mesmo?

Capa de Rick Buckler e John Romita.

Esta edição também marca o momento em que Len Wein deixa o cargo de editor-chefe da Marvel, que passa às mãos de Marv Wolfman, outro roteirista. A despeito disso, Wein continua a escrever e editar a revista do Hulk. E a do Homem-Aranha.

E o Hulk? Encolhendo pelo microverso, o gigante de jade termina em um mundo meio medieval na qual é alistado pelo mago Shamu-Shan para combater o maligno bárbaro Kronak. O nome e a aparência do guerreiro lembram mais que demais de Conan, o bárbaro, que curiosamente era publicado em quadrinhos pela Marvel. Qual o sentido dessa homenagem?

A Morte de Jarella

O arco de histórias seguintes, contudo, traria um dos eventos mais trágicos da história de Hulk, um ato dramático decisivo que culminou na morte daquela que parecia o par perfeito e o grande amor ao amaldiçoado Bruce Banner.

Linda capa de John Romita.

Você sabe o que acontece toda vez que o Hulk encolhe de tamanho, não é mesmo? Ele vai parar em K’ai, onde reencontra a amada Jarella, na edição 202. Como sempre, a rainha está em um momento difícil: prestes a ser sacrificada pelo próprio povo como uma benefício ao “deus da montanha” para que este cesse com os terremotos que abalam aquele planeta. O Hulk consegue salvar sua amada e com ela vai à tal montanha em busca do tal deus, apenas para descobrir que se trata de um embuste armado por Psyklop, que quer se vingar daqueles seres de peles verdes.

Enquanto isso, na Terra, o Dr. Samson diz a Betty e Talbot que precisa realizar uma cirurgia cerebral no major para extrair o tecido no qual o Hulk encolheu, pois haveria o risco do monstro voltar a crescer e explodir Glenn por dentro.

Na 203, Psyklop usa seus poderes hipnóticos para voltar o Hulk contra o povo de K’ai, mas com a ajuda de Jarella e do Conselho Mágico, conseguem frustrar os planos do vilão, que termina morrendo na batalha. Vitoriosos e pacificados, Jarella propõe o Hulk em casamento para que ambos governem o planeta juntos, e o monstro aceita! Mas enquanto isso acontecia, Samson realizou de forma bem-sucedida a cirurgia de Talbot e bombardeia o tecido com o reverso do raio de encolhimento, o que resulta no Hulk e Jarella serem transportados de volta à Terra.

Mas no processo, o tecido cerebral de onde vieram é esmagado e Samson não tem como enviar a rainha de volta para K’ai. Jarella está presa à Terra.

Isso dar a oportunidade de Banner e Jarella viverem o seu amor em tranquilidade pela primeira vez, ainda que a edição 204 traga a estranha aventura coescrita por Wein e Herb Trimpe (de volta brevemente) e desenhada por este, na qual o Dr. Kronos propõe a Banner viajar de volta no tempo e mudar o passado para que ele não se transforme no Hulk. Mais estranho ainda, Banner concorda e regressa ao dia da explosão da bomba gama, ocupando seu jovem corpo e mudando os eventos para que não seja pegue pela explosão, porém, isso resulta em Rick Jones sendo morto, e Banner reverte a mudança para o curso normal.

Jarella salva a vida de uma criança…

Wein e Buscema retornam na The Incredible Hulk 205, de novembro de 1976, na qual a lua de mel feliz de Banner e Jarella em Santa Fé é interrompida pelo ataque gratuito do Cripto-Man, um robô muito poderoso comandado por um cientista louco anônimo (que fora derrotado em Thor 174). Na luta – mimetizando a morte do capitão George Stacy (pai de Gwen Stacy) na revista do Homem-Aranha sete anos antes – Jarella salta para livrar uma criança dos destroços de um prédio desabando e é esmagada.

… e termina morrendo nos braços do Hulk. Por Wein e Buscema.

O Hulk a resgata, mas ela já está além da ajuda e diz que nunca pertenceu a nosso mundo e que foi feliz, morrendo em seus braços!

O Hulk fica desesperado, destrói o Cripto-Man – o que resulta também na morte do cientista – e carrega sua amada até a Base Gama, onde demanda Leonard Samson a salvá-la. Samson faz o melhor que pode, mas Jarella é declarada morta. De novo em desespero, o golias verde parte no encalço do Doutor Estranho para ajudar com a magia onde a ciência falhou.

Capa de Dave Crockum e John Romita. A figura do Hulk nesta imagem (com uma expressão alterada para um sorriso) foi usada como material publicitário por muitos e muitos anos.

Então, no número 206, o Hulk vai a Nova York em busca do Santum Sactorum e termina confrontando a polícia, ao mesmo tempo em que Betty tenta conversar com Talbot, que está depressivo e atormentado depois de sua catatonia, tendo terríveis pesadelos à noite, mas é incapaz de se abrir e conversar com a esposa.

Realmente, Betty não vivia um casamento feliz.

Betty e Talbot têm sérios problemas conjugais.

Em Nova York, o Quarteto Fantástico e os Vingadores não estão disponíveis para parar o Hulk e agora? Aparecem, então, os Defensores! E passamos à edição 207, no que é a primeira real participação do não-time na revista do gigante esmeralda, que já acumulava quatro anos de histórias publicadas em The Defenders.

Era uma participação especial interessante, ainda mais porque tanto Wein quanto Buscema tinham boa experiência trabalhando com aqueles personagens.

Capa de Crockum e Romita.

Enfurecido e incompreendido, o Hulk confronta seus amigos, Doutor Estranho, Valquíria, Águia Noturna e Guardiã Vermelha, levando a uma acirrada batalha nos subúrbios de Nova York, mas o furioso monstro leva a melhor, até que o Águia Noturna consegue convencê-lo de que são amigos. Mais calmo, o Hulk explica sua situação e Strange usa sua forma astral para ir até a Base Gama e, em acordo com Samson e Ross, examina o corpo de Jarella. Mas nem a magia opera milagres ou pode vencer a morte e Estranho diz ao amigo que não há nada o que fazer.

O Hulk chora e é consolado pelo ombro de Valquíria, mas no fim, pede para ficar sozinho e vai embora. É uma cena triste e tocante, mostrando mais uma vez que a despeito de sua pouca inteligência, o Hulk tem coração. No fim, ele se ergue com uma expressão fria e vai embora, mostrando que o gigante de jade não é apenas fúria, mas também pode ser dominado pela depressão.

Valquíria tenta consolar seu amigo Hulk.

Outra boa sacada de Wein e Buscema.

E seria um ponto de virada para o personagem também, pois o lugar de Jarella não seria preenchido tão cedo.

Uma Vida Normal (?) para Bruce Banner

Len Wein aproveitou a morte de Jarella para dar uma reviravolta completa na vida do Hulk. Embora o padrão dos super-heróis da Marvel fosse ter uma identidade secreta (e lidar com os atrapalhos que ela traz) e viver em Nova York, essa abordagem nunca havia sido testada no golias verde e o escritor decidiu tentar.

Então, The Incredible Hulk 208, de fevereiro de 1977, por Wein e Buscema (mas com as capas agora assumidas pelo sensacional desenhista filipino Ernie Chan, com um traço lindíssimo e que ficaria cerca de um ano), “muda tudo”, dando início a uma fase totalmente nova: acordando em um beco em Nova York, Bruce Banner recorda a morte de Jarella e decide não mais se tornar o Hulk e se afastar da Base Gama, do deserto e de sua antiga vida. Encontrando cheques de viagens em seus bolsos, ele compra roupas novas e decide alugar um apartamento para encontrar um emprego e ter uma vida normal.

Usando o nome Bruce Roberts ele consegue um quarto no apartamento no Low East Side de Manhattan (uma zona empobrecida), administrado pela bela April Sommers, com quem faz logo amizade. Não conseguindo um emprego após várias tentativas, April (que quer receber o aluguel) lhe dá uma força e arranja com um amigo um trabalho em uma construção.

April Sommers acolhe Bruce Banner sem saber nada de seu passado e lhe ajuda.

Ao mesmo tempo, Wein dá gatilho a várias outras subtramas que irão se desenvolver pelos dois anos seguintes! Primeiro, vemos Jim Wilson fugindo de Los Angeles perseguido por uma misteriosa ameaça; e na Base Gama, Leonard Samson encontra um andarilho amnésico que é acolhido. E Betty Talbot e seu marido continuam com problemas conjungias e sem conseguir se relacionar depois que ele passou tanto tempo preso na Rússia e, depois, catatônico. O general Ross (em prol da felicidade de sua filha) até tenta conversar com o major Talbot, mas este rejeita essa invasão de privacidade.

E no campo das ameaças, um misterioso grupo de seres superpoderosos chamados Aqueles que Têm Poder sequestram e contratam o Homem-Absorvente para pegar o Hulk. Esse trio misterioso advinha das histórias que Wein escrevera em Marvel Team-Up, a revista que mostrava o Homem-Aranha ao lado de outros heróis da editora. Os vilões surgiram no número 15 daquela revista, em 1973.

Arte de Ernie Chan, com adicionais de John Romita.

Daí, tudo se desenvolve: na The Incredible Hulk 209, Banner começa seu trabalho na construção civil e gosta do esforço físico; mas o Homem-Absorvente localiza Bruce e o ataca, ele vira o Hulk e destrói o prédio, acabando com o emprego dele. Ao mesmo tempo, descobrimos que Jim Wilson é perseguido por um grupo chamado Conspiração e, na Base Gama, Betty e Talbot decidem dar um tempo em seu relacionamento.

Capa de Ernie Chan.

Na 210, para seu desgosto, Banner é convocado pelo Doutor Druida (um herói místico da Marvel daqueles tempos) para combater a ameaça do mago Maha Yogi, cujo braço direito é um fortão chamado Mongu – que tem a mesma aparência do ser com esse mesmo nome que aparecera na edição 04, de 1962 (!), mas curiosamente, não tem nenhuma relação: aquele era um robô usado por espiões soviéticos, este um alienígena. Enquanto isso, vemos Glenn Talbot indo embora da Base Gama para se afastar de sua (ex)esposa – e o personagem ficaria fora do ar por um bom tempo, pela primeira vez desde que fora introduzido em 1966. O casamento de Betty e Talbot conhece aqui o seu fim e jamais será retomado.

E os “sumiços” e mistérios de Banner chamam à atenção de April Sommers, que começa a achar que seu inquilino guarda algum segredo sombrio. Na edição 212, ela questiona Bruce sobre isso e ele só dá evasivas, enquanto Betty arruma suas coisas e também vai embora da Base Gama, deixando apenas uma carta para seu pai indo em busca de ter uma vida apenas sua, depois de perceber que guiara sua existência pelos homens de sua vida e não por ela mesma.

Jim Wilson é perseguido pelo Constrictor enquanto pede ajuda a Bruce Banner.

E Jim Wilson finalmente encontra Bruce em Nova York, mas é atacado pelo Constrictor (vilão que faz sua estreia), envidado pela misteriosa Conspiração. No número 213, vemos Betty morando escondida em alguma cidade não-revelada dos EUA e adotando um visual diferente, com longos cabelos loiros. Essa seria a sua aparência pelos anos vindouros, mas ela, tal qual Talbot, também ficaria fora do ar por um bom tempo. Na cidade, a SHIELD envia o Quintronic-Man, um gigantesco robô controlado por cinco pilotos, para pegar o Hulk, mas o monstro leva a melhor.

A notícia da batalha chega ao Jack of Hearts (um herói surgido na revista The Deadly Hands of Kung-Fu, da linha de artes marciais da Marvel) que luta contra o Hulk na edição 214. Antes disso, Bruce leva Jim Wilson para seu apartamento, e novas suspeitas disparam em April Sommers, e uma discussão acalorada com Bruce, mas ela é distraída pela chegada de Kropotkin, o Grande, um mágico de teatro que ocupava o quarto de Banner antes e foi expulso por não pagar o aluguel. Por incrível que pareça, Kropotkin permanecerá aparecendo nas histórias por um tempo, como um tipo de trambiqueiro e alívio cômico.

Após a batalha da edição anterior, na 215, Jim leva Bruce de volta para o apartamento, e há outra confusão com April e Kropotkin, mas o cientista é capturado por um raio trator do Aeroporta-Aviões da SHIELD, que precisa de sua ajuda para combater uma nova versão do Bi-Beast que sequestrou a nave e põe em perigo não somente o general Ross e Clay Quartermain, mas a usar o arsenal atômico da nave. O Hulk luta com a fera na edição 216, vence e termina caindo da altíssima altitude.

Meriam, outro amor perdido, por Wein e Buscema.

A 217 mostra outro daqueles contos mais humanos de Wein, quando o Hulk acorda numa praia e Banner termina encontrando uma trupe de circo formada apenas por freaks, à exceção de uma belíssima mulher chamada Meriam. Há uma conexão imediata entre eles, e quando o Circo do Crime ataca e Banner vira o Hulk, a atração continua. Mas no fim, o Hulk descobre que a mulher é uma sereia e que está morrendo por estar há muito tempo longe d’água. Ele a leva de volta ao oceano e os dois se despedem dolorosamente, o que dá ao monstro uma nova sensação de perda amorosa.

Tecnicamente, essa edição encerrou a fase de Len Wein, porque embora ele tenha continuado a assinar as revistas por mais um punhado de edições, percebe-se claramente uma ruptura e um estágio de “suspensão”, como se esperando algo acontecer. Provavelmente, isso tinha haver com turbulências na redação da Marvel, com o mandado de Archie Goodwin como editor-chefe chegando ao fim e, possivelmente, problemas dele (ou da direção da editora) com o próprio Wein.

Outra belíssima capa de Ernie Chan.

Mas o fato é que The Incredible Hulk 218, de dezembro de 1977, é claramente uma edição de intervalo: com o roteiro dividido entre Len Wein e Roger Stern (que era o assistente de edição da revista) e arte de Keith Pollard e George Tuska, numa trama na qual o Hulk mal aparece, e vemos Doc Samson tirar uma semana sabática para refletir sobre seus problemas e terminar lutando contra o Rino.

Capa de Ernie Chan.

As edições 219 e 220 trazem o retorno de Sal Buscema à arte e o roteiro continua dividido entre Wein e Stern (Wein continua creditado como editor da revista, também), e vemos Banner acordar na Europa e voltar de navio para casa, trabalhando no convés, até que uma trupe de piratas ataca o barco e o envolve na disputa de uma tecnologia avançada de raios gama e à base subaquática que pertencera ao Capitão Omen, usada agora pelo Capitão Barracuda e seus homens. O Hulk é duas vezes atingido por essa arma e isso terá consequências nas edições seguintes.

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A bela arte de Arnie Chan em “Incredible Hulk 220”.

Ao mesmo tempo, o general Ross regressa à Base Gama e descobre que a filha partiu, o que o deixa furioso.

Encerra-se assim, a temporada de mais de quatro anos de Len Wein à frente de The Incredible Hulk, trazendo estabilidade, sucesso e bom desenvolvimento ao monstro de jade nos meados da década de 1970. O roteirista-editor, ex-editor-chefe, parece ter enfrentado problemas imediatos com o novo editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, porque Wein abruptamente deixou tanto a revista do Hulk quanto a do Homem-Aranha, deixando subtramas ainda não resolvidas.

Sucesso na TV

Ao mesmo tempo em que a revista mudava de direção, estreava a série de TV da CBS baseada no Hulk.

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Hulk e Banner por Lou Ferrigno e Bill Bixby: grande sucesso na TV.

Na época, Stan Lee era o publisher da Marvel e também seu vice-presidente, e uma de suas funções era negociar o licenciamento dos personagens, conseguindo uma parceria com a Universal Television para licenciar vários personagens da Marvel. Coube ao produtor Kenneth Johnson liderar a produção de uma série baseada no Hulk na rede CBS. A abordagem do programa era mais “humana” (para justificar o baixo orçamento) e realista, com o monstro verde sendo bem mais forte do que um humano normal, mas dentro de parâmetros contidos.

Johnson contratou o simpático Bill Bixby (bem conhecido do público americano pela série Meu Marciano Favorito) para viver o Dr. Banner, mas trocou seu nome para David em vez de Bruce. Se construiu uma lenda de que o produtor achava o nome “Bruce” muito gay, mas isso provavelmente não é verdade: Johnson explicou outras vezes que queria evitar a aliteração (repetição de iniciais em nomes), que era um vício dos quadrinhos.

Encontrar o monstro verde foi um pouco mais difícil: o primeiro escolhido seria o futuro astro Arnold Schwarzenegger, então Mister Universo, mas ele não era alto o suficiente; então, foi escolhido o ator Richard Kiel, que era muito alto, e ficaria logo famoso no papel de Jaws em 007 Contra o Foguete da Morte (1979). Kiel chegou a iniciar as filmagens, mas a despeito da altura, não tinha um físico realmente destacável e foi dispensado, ainda que uma única cena dele como o Hulk apareça brevemente no Piloto.

Johnson, então, contratou o fisioculturista Lou Ferrigno, que tinha o corpo estrutural e também era alto para fazer o papel. Ferrigno era submetido a três horas de maquiagem, que incluía a pintura de todo o seu corpo, próteses na testa e nariz (para fazê-lo mais monstruoso) e uma peruca. Por motivos de segurança (e seguro de filmagens), ele usava uma sapatilha na maioria de suas cenas, que eram disfarçadas para parecer que ele estava descalço. Seu porte físico, porém, o obrigava a realizar praticamente todas as suas cenas de ação e perigo, em vez de recorrer a dublês.

Todavia, como não era um ator, ainda que o Hulk não falasse e apenas grunhisse e rosnasse o tempo todo, a voz do monstro era dublada por Ted Cassidy, um ator muito alto que sempre fazia papel de monstros e tinha uma voz bem grave. Cassidy também fez a narração de abertura da série, repetida a cada episódio, mas ele morreu em fevereiro de 1979, e Charles Napier fez a voz do Hulk nas temporadas finais.

Na trama do programa, o cientista David Banner havia perdido a mulher e o filho em um acidente de carro e tentara, inutilmente, erguer o veículo para salvá-los; e ficou obcecado com o fato de que algumas pessoas despertam um tipo de “força extra” quando num momento de grande fúria ou desespero. Daí, faz um experimento com raios gama que dá errado e o transforma numa criatura bestial, superforte e verde quando fica com raiva. Dado como morto, Banner roda o interior dos EUA em busca de uma cura, enquanto é perseguido por um jornalista sensacionalista e se mete em confusão em todos os lugares.

Fazer um programa sobre o Hulk era uma proposta tão ousada na época que, apesar de já haver algumas séries de super-heróis no ar (Mulher-Maravilha e Shazam fizeram sucesso nos anos 1970), o programa do gigante de jade foi primeiramente testado para ver se era viável. Assim, enquanto a maioria das séries nos EUA estreia no mês de setembro para uma temporada completa, The Incredible Hulk foi lançado primeiro como um filme para TV de 120 minutos exibido em novembro de 1977; seguido por uma sequência The Return of the Incredible Hulk (mais tarde, rebatizado de A Death in Family) duas semanas depois. (Vários países exibiram ambos nos cinemas, inclusive, o Brasil).

Como ambos foram bem recebidos, a série ganhou sua primeira temporada com 10 episódios exibidos a partir de março de 1978. O programa foi um enorme sucesso e foi garantida uma segunda temporada padrão, com 22 episódios; seguindo-se a terceira com 23 episódios, respectivamente, em 1978-79 e 1979-80. A quarta temporada teve 18 episódios e a quinta apenas 7, se encerrando em maio de 1982.

The Incredible Hulk, a série, deixou um legado duradouro, marcou uma geração e tornou o golias verde um dos personagens mais famosos da Marvel.

O seriado foi o único dos vários que a Marvel tentou lançar – Homem-Aranha, Capitão América e Dr. Estranho também tiveram suas tentativas e Mulher-Hulk e Demolidor & Viúva Negra chegaram a ser planejados – que deu certo. E sua revista se beneficiou disso.

Uma Segunda Revista

Na esteira do preparo da série de TV, a Marvel se adiantou para tentar expandir o público do gigante de jade e investiu na criação de uma segunda revista do personagem, mas dentro da linha magazine da editora, ou seja, revista com um formato maior do que o comics tradicional e em preto e branco, pretensamente direcionadas ao “grande público” ou ao público adulto, que não era aquele fiel seguidor das revistas coloridas de super-heróis.

Arte pintada por Ken Barr.

É preciso lembrar que, ao longo dos anos 1970, se consolidou nos EUA um mercado dessas revistas magazine em preto e branco voltadas ao público adulto e era uma fatia de mercado importante. A Marvel investiu pesado no segmento, criando desdobramentos de sua própria linha, como foi célebre em The Deadly Hands of the Master of Kung-Fu, magazine em preto e branco do Mestre do Kung-fu (ou Shang-Chi) que foi publicada em paralelo à revista mensal colorida no formato comics do personagem, em meados daquela década. Porém, a publicação mais célebre do formato magazine foi The Savage Sword of Conan, a adaptação do personagem literário de Robert Howard, que também tinha uma versão comics em paralelo. O sucesso do comics de terror The Tomb of Dracula, por exemplo, também rendeu a magazine Dracula Lives!.

E então, o Hulk entrou no meio…

The Rampaging Hulk 01 foi lançada em janeiro de 1977 como uma revista bimestral, mantendo as características do formato magazine: maior e com mais páginas, uma capa pintada (geralmente, muito bonita) e miolo em preto e branco. Inicialmente, a publicação foi comissionada ao roteirista Doug Moench (que viraria um célebre escritor do Batman no futuro) e com arte do relativamente novato Walt Simonson (que teria aclamada carreira como escritor e desenhista). A pintura da capa nas primeiras edições foi de Ken Barr.

A ideia dos editores da Marvel era que as histórias de Rampaging se passassem no intervalo entre The Incredible Hulk 06 (de março de 1963) e a retomada de suas aventuras solo dois anos depois em Tales to Astonish 60, mas com ênfase no início do período, antes do monstro verde participar da fundação dos Vingadores (Avengers 01, como já vimos, estreou em setembro de 1963). Porém, de imediato, os fãs da editora notaram uma série de inconsistências, pois naquelas velhas aventuras, o Hulk andava com uma sunga roxa e era bastante fluente, falando num dialeto das gangues das grandes cidades do leste, mas sua abordagem em Rampaging é do Hulk com calças rasgadas e falando “Hulk esmaga”, que vem do desenvolvimento posterior do personagem.

A editora não se deu ao trabalho de resolver esse problema logo de imediato.

Na trama do número 01, Moench e Simonson mostram o velho contexto: o Hulk está no deserto sendo perseguido pelos militares e contando com a ajuda de Rick Jones, até ir parar na Europa, na Itália para ser mais preciso, e topar com uma invasão alienígena dos Krylorians, cuja sub-trama irá movimentar toda essa primeira fase do novo título. E Banner e Jones conseguem a ajuda de uma outra alienígena: Bareet, que será sua companheira de aventuras nos números seguintes.

Arte de Earl Norem.

Apesar de pretensamente direcionado para o grande público que não lia comics, o andamento das coisas parecia muito “tradicional” na revista, e no número 02, seguindo o estilo Marvel, o Hulk cruza o caminho com os X-Men, e na edição 03, com uma bela capa pintada por Earl Norem (que será o principal capista da revista), temos a volta do Mestre dos Metais, o vilão que o gigante verde enfrentou naquela The Incredible Hulk 06, de 1963, e que agora vinha contratado pelos Krylorians para um revide.

A edição 04 foi um precoce “número de férias”, com o roteiro assumido por John Wagner e a arte por Jim Starlin, na qual o Hulk enfrenta outra ameaça alienígena, na figura de Chen k’an; mas o roteirista Doug Moench retorna para o número 05, agora com a arte de Keith Pollard, na qual o Hulk enfrenta Namor, o Príncipe Submarino, seu (futuro?) companheiro de Defensores, que teve uma bela capa pintada por Jim Starlin. As tramas trouxeram outras ameaças nas edições 06 e 07, com o número 08 trazendo a arte de Herb Trimpe (de volta brevemente ao personagem), que trouxe um (primeiro?) confronto do Hulk com o Homem de Ferro, que gera o envolvimento dos outros heróis que formarão os Vingadores (Thor, Homem-Formiga e Vespa), já que a história explicitamente se passa antes dos eventos de fundação do supergrupo, uma trama que prossegue à edição 09, agora com arte de John Buscema, que encerra o arco dos Krylorians e a primeira fase da revista. No fim, derrotados os aliens, o Hulk vai embora e deixa Rick Jones e Bareet para trás, com a moça bastante triste por causa disso.

Mas ter uma outra revista meio que no mesmo estilo de The Incredible Hulk pretensamente voltada para o grande público adulto não estava mesmo funcionando, então, a Marvel decidiu mudar os rumos.

Àquela altura, já era agosto de 1978, e a série de TV do Hulk era um enorme sucesso, então, o editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, tomou a edição de reformar o título magazine completamente, agora, em cores, com um novo título chamado apenas The Hulk! e com tramas que – ainda que pretensamente passadas no Universo Marvel – mimetizavam o estilo do programa, ou seja, mostrando Banner como um andarilho, cada número em um local diferente, enfrentando (quase sempre) ameaças ou situações mais mundanas (com a viagem alienígena da fase anterior).

Apesar da mudança, The Hulk! 10 (isso, a numeração anterior foi mantida) manteve Doug Moench nos roteiros, mas agora, com arte de Ron Wilson. A trama da história mostrava (ao estilo da TV), Banner chegando em uma pequena cidade e indo trabalhar em uma mina, ainda que explicitamente, a aventura se passasse exatamente entre as páginas 8 e 9 da revista The Defenders 61 dos comics tradicionais. Também como uma forma de marcar a mudança, a revista trazia uma entrevista com o ator Bill Bixby, que interpretava Banner na TV.

O fluxo prosseguiu e a edição 12 trouxe uma entrevista com o fisiculturista Lou Ferrigno, e o número 15 até trazendo um crossover discreto (e inteligente) entre o Hulk e o Cavaleiro da Lua, que também tinha suas aventuras publicadas na revista (falaremos disso mais adiante – pois ambos eram escritos por Moench), enquanto o número 16 trazia uma reportagem sobre as várias produções da Marvel para a TV, mas com destaque para a do Homem-Aranha.

O número 19 trouxe excepcionalmente a arte de Gene Colan e a republicação da segunda história de The Incredible Hulk 147, por Roy Thomas e Herb Trimpe, com aquela viajante história em que o gigante de jade alucina sobre uma cidade no meio do deserto e ela se dissipa, uma trama que cabia no estilo de The Hulk!.

A edição 20 trouxe Ron Wilson de volta à arte e uma entrevista com Ken Johnson, o principal produtor da série de TV, mas a revista encerrava um ciclo, pois as vendas – que foram satisfatórias a partir do número 10, começaram a declinar rapidamente, então, a instabilidade atingiu o título, em busca de um novo rumo. A edição 21 teve arte de Bob McLeod, Ron Wilson desenhou a 22, e o número 23 trouxe uma trama do editor-chefe Jim Shooter com arte de John Buscema (uma bela capa pintada por Walt Simonson), além de dar início à publicação de uma segunda história, aqui por Roger Stern (falaremos dele a seguir) e arte de Brent Anderson.

Bela arte de Walt Simonson.

A edição 24 trouxe texto de David Anthony Kraft (que fazia a revista dos Defensores) e arte de Gene Colan mais uma reportagem sobre como era feita a maquiagem de Lou Ferrigno, o que rendeu uma capa pintada de Joe Jusko retratando a performance do ator, e o número 25 estabelecendo as duas histórias por HQ, a primeira por Bill Flamegan e Gene Colan e a segunda pela escritora Lora Byrne e arte também de Colan, que se torna o desenhista fixo da publicação.

Pintura de Joe Jusko a partir do visual de Lou Ferrigno na série.

Então, o número 26 traz três histórias desenhadas por Colan, a primeira escrita por J.M DeMatteis (outro que estava iniciando sua carreira na Marvel) e as outras duas por Lora Byrne, enquanto The Hulk! 27, de junho de 1981, encerra o título, de novo com duas histórias por Colan, com texto de Byrne e DeMatteis.

Lindíssima arte de Sal Buscema com pintura de Joe Jusko.

As vendas que tinham sido boas a partir do número 10 decaíram rapidamente, ainda mais quando a série de TV também começou a perder a popularidade, e a revista foi cancelada. Mas haveria um pequeno desdobramento dessas aventuras no futuro…

Ah, e para não deixarmos de falar… bem no estilo das revistas magazine, The Rampaging/The Hulk era uma publicação do tipo mix, ou seja, trazia outras histórias de outros personagens, como as velhas publicações. Assim, os primeiros números traziam (além de pin-ups e outros pequenos bônus – como galeria de vilãos ou de personagens femininas, por exemplo) histórias do obscuro personagem Ulysses Bloodstone (que envolviam uma joia mística), até a morte do herói no número 08. A edição 09 trouxe uma aventura de Shanna, the She Devil.

Capa da última edição de The Hulk, por Joe Jusko (claramente influenciada por Sal Buscema), homenageia a primeira aparição do Superman em Action Comics 01.

Após a revista ser rebatizada como The Hulk!, a partir do número 11, houve a publicação das aventuras do Cavaleiro da Lua, um personagem mais associado ao lado de terror da Marvel, com as tramas também escritas por Doug Moench (que fazia as do Hulk) e arte inicialmente de Gene Colan, antes de passar ao sensacional Bill Sienkiewiczs no número 13, prosseguindo até o número 20, e no seguinte, passando às aventuras de Dominic Fortune, por Dennis O’Neil e Howard Chaykin até o fim da publicação.

A Fase de Roger Stern

De volta à tradicional The Incredible Hulk, com o fim abrupto da fase de Len Wein em meio aos conflitos com o então novo editor-chefe da Marvel, Jim Shooter, a revista foi parar nas mãos de Roger Stern, que então, era o editor assistente do título.

Nascido em Noblesville, Indiana, em 1950, Roger Stern era mais um membro do fandom (ou seja, da comunidade de fãs) que migrou para a condição de criador. Ele e Bob Layton (futuro escritor e desenhista) criaram o fanzine CPL, em 1970, que se tornou bastante popular e chegou a ser publicado pela Charlton Comics (a terceira maior editora de HQs dos EUA na época). Quando seus colegas de fandom começaram a ganhar espaço na indústria – como Marv Wolfman e o próprio Wein – Stern começou a escrever histórias para a Marvel de modo esporádico, em 1975. No ano seguinte, se tornou editor assistente e assumiu a editoria da revista The Incredible Hulk. Quando Wein deixou a revista, novo editor-chefe da Marvel, Jim Shooter (que tinha iniciado no cargo há apenas algumas semanas) comissionou que o próprio Stern assumisse o título.

Shooter bem sabia da capacidade de escritor de Stern, porque este tinha escrito como ghost writer algumas histórias de Shooter na DC Comics.

Roger Stern estreou oficialmente em The Incredible Hulk 221, com data de capa de janeiro de 1978, após três edições dividindo os créditos com Wein e continuou exatamente do ponto em que o anterior parou, fechando as pontas deixadas inacabadas e as desenvolvendo. Apesar de ter inserido muitas ideias e bons desenvolvimentos na sua temporada de dois anos à frente do monstro, Stern deu muita atenção às narrativas deixadas por seu antecessor. A capa era de Ernie Chan e a arte interna de Sal Buscema. Como Stern era anteriormente o editor assistente da revista, deixou esse cargo, que passou primeiramente para Archie Goodwin, antes de passar a Al Migrom, que passaria bastante tempo na coordenação de The Incredible Hulk dali em diante. Migrom era também ilustrador, de modo que ele assumiu a maioria das capas dessa fase.

Na edição 221, em consequência de sua aventura submarina anterior, Banner é resgatado no mar por um navio que o envia a Nova York, onde reencontra April Sommers, que foge assustada ao vê-lo, então, Jim Wilson lhe diz que teve que contar a moça que ele era o Hulk depois de ter sido capturado pela SHIELD (seis edições antes). Isso basicamente encerra o inconcluso arco de Bruce com April que poderia ter engatado um romance nas mãos do escritor anterior.

Agora, não: o Hulk confronta o Arraia, um herói submarino que usa um traje especial e era um dos trocentos novos e pequenos personagens da Marvel nos anos 1970. Contudo, Banner percebe algo diferente: ele controla a transformação do Hulk – uma consequência da radiação ao qual foi bombardeado na aventura anterior. E esse controle parecia crescer cada vez mais.

O número 222 é estranhamente um precoce intervalo, com uma história de tom de terror, coescrita entre Len Wein e Jim Starlin e desenhada por este. Na trama, a assustadora trama em que o Hulk encontra duas crianças perdidas no meio da floresta e descobre que o irmão delas é um monstro canibal, e o Hulk no fim termina indo embora, deixando os infantes e seu irmão para trás. Parecia uma história de arquivo, talvez algo pensado para um anual, e a Marvel publicou para dar mais tempo a Stern e Buscema organizarem suas histórias.

A temporada de Stern na revista, portanto, começou para valer a partir de Incredible Hulk 223, de maio de 1978, com arte de Sal Buscema, quando Bruce Banner percebe que ficou curado de sua maldição por causa da descarga de radiação das edições anteriores e, por isso, decide voltar à Base Gama. Porém, o mendigo que havia sido acolhido na Base Gama nos números anteriores se revelou ser o vilão Líder, que tomou o controle da instalação, fazendo o Capitão Bowman, o General Ross, Doc Samson e Bruce Banner como reféns, enquanto vemos Jim Wilson caindo na estrada em busca de seu velho amigo verde.

Belíssima arte de Ernie Chan.

Com o Líder anunciando planos de dominação mundial, Samson e Ross tentam convencer Banner a se tornar o Hulk de novo e acabar com o vilão, na edição 224, mas o cientista se recusa e, em vez disso, usa o velho Hulk-Robô para atacar o Líder e seu Módulo Mortal, mas o embuste é descoberto e a conexão neural entre Banner e o robô termina ferindo mortalmente o cientista quando a máquina é destruída. Samson luta para mantê-lo vivo na edição 225 e, como último recurso, bombardeia Banner com raios gama, mas não há resultado algum e ele morre na frente do psiquiatra e do general Ross. Morre? Claro que não, o Hulk desperta e Samson o provoca, deixando-o furioso e lutando contra o Líder, que é morto, mas o gigante esmeralda não está satisfeito e ataca o psiquiatra de cabelos verdes.

Hulk enfrenta Sócrates: conhece-te a ti mesmo! Arte de Sal Buscema.

A edição 226 traz um toque sentimental e reflexivo: após Hulk vencer Samson, ele foge e vai parar na Universidade do Deserto, um local em que o monstro lembra ter lutado contra o Capitão Marvel no passado, mas que foi a universidade em que Banner estudou e o golias verde também recorda do jovem Banner apaixonado e namorando uma garota chamada Sally. Enquanto o Reitor da instituição tenta encarar o Hulk, o monstro fica atormentado ao ver uma estátua de Sócrates com os dizeres “Conhece-te a ti mesmo” e a destrói, mas tão impactado pela mensagem, termina revertendo a Banner com a cabeça do filósofo nas mãos. Poético, não? Jim Wilson e Samson chegam ao local também.

Uma boa sacada vem a seguir: em Incredible Hulk 227, escrita por Stern com a ajuda de Peter Gillis, Samson leva Banner de volta à Base Gama e decide fazer uma terapia com o Hulk e analisá-lo pela primeira vez (pois já tinha feito isso com Banner). Dando uma dose altíssima de um calmante contaminado com radiação gama, Samson consegue que Banner se transforme em Hulk, mas se mantenha calmo e deitado em um divã de ferro, na qual consegue acessar à mente do monstro por meio de uma máquina especial.

Hulk versus Banner no plano mental. Arte de Sal Buscema.

Com isso, Samson mergulha na psiquê do Hulk e percebe como o monstro nada mais é do que a manifestação dos medos, da raiva e da frustração de Banner desde a infância, mas o Hulk chega a lhe dizer que, após a explosão da bomba gama, ele ficou “livre”, o que faz o psiquiatra perceber que Banner e Hulk são duas entidades separadas. Mas como efeito do tratamento, o Hulk subjuga Banner, aliado ao fato de Samson perceber que errou a dose do calmante radioativo e o monstro verde não regredirá à forma humana por semanas!

Continuando essa história, temos The Incredible Hulk Annual 07, de outubro de 1978, na qual Stern divide o roteiro com John Byrne, que também desenha a aventura. Byrne vinha da mesma geração do fandom que tomou o controle dos quadrinhos na Era de Bronze e se tornaria um dos maiores escritores-desenhistas da época, dono de uma arte muito bonita.

Belíssima arte de John Byrne no Annual 07.

Na trama, o Hulk o cruza o caminho com Anjo e Homem de Gelo, dois ex-membros dos X-Men e dos Campeões (e que seriam futuros membros dos Novos Defensores), para enfrentar o Molde Mestre, o mais poderoso dos Sentinelas (os robôs gigantes caçadores de mutantes), descobrindo que esse modelo era a fusão da inteligência artificial original com o cientista Stephen Lang, que morrera em uma aventura dos X-Men (em Uncanny X-Men 100, do ano anterior).

De volta à revista mensal, a edição 228 dá início a outro ciclo, trazendo de volta Betty Ross (ainda com seu visual loira de cabelos longos), que está separada de Glen Talbott, e vê o pai, o general Ross, dar uma entrevista descontrolada na TV, ensandecido de raiva, e ela pensar que não o vê assim desde a morte da mãe. Mas enquanto Samson continua a tratar do Hulk, uma certa Dra. Karla Sofren consegue emprego na Base Gama, e logo descobrimos que ela é ninguém menos do que a vilã Rocha Lunar.

Arte de Herb Trimpe.

Ao longo do número 229, após ser flagrada pelo Hulk tentando roubar artefatos da base e entrar em confronto com ele, Sofen manipula a todos (Samson e Ross) para fazer crer que o monstro verde está descontrolado e é bem sucedida. Quando Sofen é encurralada pelo Hulk e se transforma na Rocha Lunar, Ross chega a ver tudo, mas fica tão chocado pela traição dela que sofre um colapso nervoso e desmaia. Por sua vez, Samson pensa que o gigante esmeralda está atacando a “inocente” doutora e pensa que o Hulk é mesmo um monstro que merece ser perseguido. O Hulk vai embora outra vez.

A edição 230 é um “número de férias”, com o roteiro ficando com Elliot S. Maggin (famoso roteirista do Superman) e a arte de Jim Mooney (que também trabalhou na DC com Batman e Supergirl, mas fez vários trabalhos na Marvel, notadamente, com o Homem-Aranha), que contam uma história na qual um alienígena com aparência de inseto abduzindo o Hulk para dissecá-lo.

Hulk versus Rocha Lunar e Doc Samson. Arte de Sal Buscema.

O ciclo de Stern e Buscema prossegue no número 231, movimentando a trama: enquanto o Hulk vai à Califórnia e encontra o hippie Fred Sloan e é acolhido por ele; a Base Gama passa ao comando de Doc Samson (que não quer o cargo) e sofre uma visita dos senadores Andrew Hawk e Eugene K. Stivak como um tipo de vistoria, em vista dos fiascos recentes com destruição e a fuga do Hulk.

Esse número conecta a revista do Hulk com a grande trama da Corporação, uma organização criminosa secreta que vinha agindo nos bastidores do poder como uma conspiração e que se desenvolvia em várias revistas da Marvel – um típico de recurso incentivado por Jim Shooter – como Capitão América e Homem-Máquina. Era uma releitura da saga do Império Secreto, que o escritor Steve Englehart havia desenvolvido na revista do Capitão América apenas alguns anos antes e uma forma de reciclar a ideia.

Logo na edição 231 descobrimos que o senador Stivak é conhecido como Kugger e é o líder da Costa Oeste da Corporação e que ele sabe que a doce Dra. Karla Sofen é a Rocha Lunar. Daí, quando as notícias de que o Hulk está na Califórnia chegam à Base Gama, ele articula para que ele mesmo, Jim Wilson e Sofen partam num jatinho para lá, supervisionar a ação das autoridades.

Icônica capa de Ron Wilson para Captain America 230.

Então, em um efeito relativamente raro para a época, a trama salta inteira para uma outra revista: Captain America 230, de fevereiro de 1979, traz argumento de Roger McKensie, roteiro de Roger Stern e arte de Sal Buscema e Don Perlin, resultado da fusão das equipes criativas das duas revistas, e trazem uma trama na qual o Capitão América vai à prisão de Alcatraz junto com o remanescentes da equipe de superagentes da SHIELD (que tinha sido infiltrada pela Corporação), com Marvel Man e Vamp, em busca do Falcão, que estaria lá, numa base escondida da organização criminosa. Ao mesmo tempo, Kugger usa a Rocha Lunar para simular suas próprias mortes na queda do jatinho e seguirem com o plano, conseguindo capturar Fred Sloan e o Hulk, que tentavam escapar disfarçados na kombi do hippie.

Todos se reúnem em Alcatraz e numa grande batalha na qual Vamp se revela uma agente da Corporação e vira um monstro (Annimus) que ataca o Capitão América e o Hulk.

De volta à Incredible Hulk, o número 232 traz Roger Stern dividindo o roteiro com David Michelinie, e arte de Sal Buscema, para mostrar a Corporação matando Kugger por seu fracasso e Curtiss Jackson se tornando o novo líder, enquanto o Capitão América e o Hulk vencem os vilões, mas Jackson foge num módulo submarino e o Hulk usa o mesmo túnel de fuga para ir embora.

Arte de Al Migrom.

Na edição 233, o Hulk resgata Fred Sloan e vão embora, enquanto o Marvel Man tenta detê-lo. Na Base Gama, o agente Jasper Sitwell (antigo coadjuvante das histórias do Homem de Ferro e da SHIELD) atualiza Samson, Hawk e Clay Quartermain sobre tudo: Kugger, a Corporação e que a Dra. Karla Sofen é a Rocha Lunar; o que reforça a ideia de Hawk de que a Base Gama precisa de uma reestruturação completa, o que gera uma tensão com Samson, que não quer o cargo. Após prestar seu depoimento, Marvel Man vai embora, assumindo o nome Quasar (ele será um membro dos Vingadores na década de 1990).

Glenn Talbot e Betty Ross se reencontram no México. Para o quê?

E enquanto vemos Betty Ross e o major Glenn Talbot se reunirem na Cidade do México para um “evento” misterioso, acompanhamos Sloan levar o Hulk à casa de uma amiga em Berkeley, perto de San Francisco, e fica surpreso quando os dois já se conhecem: ela é Trish Starr!

Hulk com Fred Sloan e Trish Starr. Arte de Sal Buscema.

Na edição 234, Trish conta a sua história: sobrinha do vilão Egghead, ela foi salva pelo Homem-Formiga em Marvel Feature 05, o que a fez se mudar para Nova York em busca da carreira de modelo e terminar namorando o Águia Noturna, membro dos Defensores, se tornando uma coadjuvante daquela revista (a partir de Defenders 21), até que um ataque do Egghead, explodindo o carro deles, resultou nela perdendo o braço esquerdo. Enquanto foi apoiada por Hank Pym, agora como Jaqueta Amarela, o olhar de pena de Águia Noturna para ela fez os dois terminarem e ela voltar à Califórnia, se envolver com misticismo e ser dominada por uma entidade maligna chamada Shazanna (em Defenders 41) e ser salva pelo Doutor Estranho.

Lembrando que os Defensores tinham Hulk, Doutor Estranho e Namor como membros originais e outros heróis mais rotativos, de modo que toda essa ambientação de Trish envolvia o golias verde, também.

Uma curiosidade é que a revista mostra os amigos hippies de Sloan e Starr rejeitando o Hulk, o que faz a dupla refletir sobre “o fim do sonho” e porque a geração que mudou tanto os anos 1960 não conseguiu fazer o mesmo pelos 70, o que devia ser mais uma angústia de Stern do que de qualquer personagem. Ademais, a edição mostrava a Corporação continuar sua ação: usam um falso Homem-Máquina para sequestrar Trish, como vingança pela interferência do herói em Machine Man 08, e fazer o Hulk ir atrás dele.

Hulk versus o Homem-Máquina, por Sal Buscema, em Incredible Hulk 235.

Isso ocasiona em duas edições explosivas – os números 235 e 236 – com um grande quebra-pau entre o Hulk e o Homem-Máquina, até que na edição 237, Aaron Stack (ou X-51) percebe o que está acontecendo ao acessar a mente do Hulk e conduzir os eventos para que o monstro, a despeito de sua fúria, o ajude a ir atrás da Corporação. Contudo, com Curtiss Jackson, Trish e Jim Wilson (que tinha sido sequestrado por Kugger lá atrás lembram) em um prédio na (fictícia) cidade de Central City, na Califórnia (cidade de origem de Reed Richards e onde surgiu o Quarteto Fantástico) terminam levando um Hulk totalmente ensandecido indo ao resgate de seus amigos e, juntando o conflito com o Homem-Máquina e a Corporação, terminar por destruir metade da cidade. No fim, Jackson é preso – pondo fim ao arco da Corporação – e o Homem-Máquina hipnotizar o Hulk e enviá-lo para bem longe.

As consequências dão início a um outro arco, na edição 238, de agosto de 1979, na qual o presidente dos EUA (desenhado como Jimmy Carter) visita as ruínas de Central City e conversa com o senador Hawk e o agente da SHIELD Clay Quartermain, que estão lá para supervisionar as ações do Hulk, e o presidente os convida a segui-lo no Air Force One; enquanto o Hulk desperta no Canadá, mas retorna aos EUA indo parar no Monte Rushmore (aquele com as estátuas gigantes de quatro presidentes do país).

Central City depois do Hulk. Por Sal Buscema.

Então, finalmente descobrimos o que Betty Ross e Glenn Talbot estão fazendo no México: foram assinar seu divórcio e ela descobre sobre o colapso do pai e sai correndo para ir embora. Talbot se dá conta de que perdeu tudo por causa de Banner e o Hulk e fica possesso.

Glenn Talbot fica possesso por Banner.

Então, a ação: o misterioso grupo de seres poderosos chamados Aqueles que Detêm o Poder (ou apenas Eles para encurtar) aparecem de novo e observam o Hulk ao mesmo tempo em que um criminoso chamado Escaravelho Dourado parte ao encalço do gigante verde. E passamos ao número 239, na qual Doc Samson decide ir embora da Base Gama e leva consigo o catatônico general Ross, seu paciente. Ao mesmo tempo, o exército encurrala o Hulk em Rushmore, mas mal começa a batalha, o monstro é abduzido pela nave do Escaravelho Dourado, que usa a energia gama para alimentar o veículo e disparar até os Andes, onde irá em busca da mítica cidade de El Dorado numa missão associada aos misteriosos Eles.

Bruce Banner em El Dorado. Arte de Sal Buscema.

Claro, que dá tudo errado, com o Hulk se libertando, destruindo a nave e caindo, mas de fato, a dupla aterrissa em El Dorado e são recebidos por Tulak, que na edição 240 explica que o Hulk é um tipo de salvador aguardado por uma antiga profecia e o Hulk é apresentado a Eles, um trio formado por Rey, Des e Lann; enquanto vemos Betty chegar à Base Gama em busca do pai, mas ele já não está mais lá; e sabemos que Fred Sloan está sendo pago por uma editora para escrever um livro sobre o Hulk e Trish Starr atua como sua secretária.

Betty Ross cede depoimento para Clay Quartermain sobre a condição de seu pai, que não via desde que fora embora da Base Gama 30 edições antes.

Na edição 241, o arco inicia seu clímax, com Eles apresentando a Chama Eterna para o Hulk e, como forma de irritá-lo, revelando-lhe que o corpo de sua amada Jarella está armazenado na Base Gama para estudos; e ficamos sabendo dos planos nefastos do grupo que quer usar a força do Hulk para aumentar seu poder. Porém, quando Jack Smith, o Escaravelho Dourado, desperta e percebe que El Dorado é toda construída em ouro, ele percebe que seu sonho de riqueza é inútil, pois se o mundo souber que a cidade – que é inteiramente construída em ouro – realmente existe, o valor do ouro no mercado internacional vai simplesmente reduzir a quase nada.

Hulk versus Tyrannus em El Dorado. Arte de Sal Buscema.

Essa constatação lhe deixa irado para se vingar do Hulk por ter acabado com seu sonho, mas ao presenciar as ações de Eles, termina se unindo ao golias esmeralda para ajudá-lo. Mas com ambos subjugados, o ancião Des se revela como sendo o velho vilão do Quarteto Fantástico Tyrannus (que também enfrentara o golias verde na Incredible Hulk 05, de 1963), soberano do submundo da Terra, e mata os outros dois membros e absorve seus poderes, iniciando um grande confronto com o Hulk, que prossegue pela edição 242.

Até que, na edição 243, de janeiro de 1980, Roger Stern divide os créditos com Steven Grant, para o encerramento do arco, com o Hulk vencendo Tyrannus com a ajuda do Escaravelho Dourado e o povo de El Dorado os teletransportando para Nova York. O Hulk, então, tenta acertar as contas com o vilão, que busca fugir, mas termina sendo preso pela dupla Luke Cage e Punho de Ferro, enquanto o Hulk parte para o interior. Na Califórnia, Betty Ross cede uma entrevista para o livro de Fred Sloan e Trish Starr lhe comunica que conseguiu que ele participe do Programa de Mike Douglas, que terá participação do cantor e compositor Rick Jones, que é outra pessoa que ele quer entrevistar. Enquanto isso, na Base Gama, Clay Quartermain vai embora, enquanto o senador Hawk o apresenta ao novo diretor do complexo: o promovido coronel Glen Talbott, que está imbuído de completo ódio contra o Hulk e sua missão é deter o monstro a qualquer custo!

A nova diretriz da Base Gama por Glenn Talbot: deter o Hulk a qualquer custo. Por Roger Stern e Sal Buscema.

A edição 344 é outro número de férias, com Steven Grant e Carmine Infantino contando uma aventura do Hulk contra It, o Colosso de Pedra em Los Angeles; e a Incredible Hulk Annual 08, traz novamente Roger Stern unindo forças com John Byrne (dessa vez apenas nos roteiros) com arte de Sal Buscema e trazendo uma luta do Hulk contra o Sasquatch, membro da Tropa Alfa – que Byrne criara em sua temporada nos X-Men ao lado de Chris Claremont. Esta história é importante, porque mostra Banner sendo acolhido por uma garota e ao ver que o Hulk e seu mundo podem estragar tudo o que lhe cerca, aquele momento de paz, ele pega uma espingarda e pensa em se suicidar. Esse caráter suicida de Banner seria explorado no futuro.

Contudo, o arco com Tyrannus e o Anual encerram a rica temporada de Roger Stern à frente do golias esmeralda. Stern deu dinâmica à revista e trouxe algumas discussões interessantes, sobre a crise moral dos anos 1970 e um mergulho na psiquê de Bruce Banner, trazendo não somente o aspecto do suicídio (que falaremos mais em breve), mas as sementes das ideias acerca da origem real do monstro, relacionando aos traumas da infância e juventude do cientista e o fato de Hulk e Banner serem mesmo duas entidades distintas.

Uma Nova Fase de Ouro: Bill Mantlo

A edição seguinte já trouxe o substituto Bill Mantlo, que ficaria os cinco anos seguintes à frente do título, a maior parte ainda com Sal Buscema na arte.

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A longa parceria entre Bill Mantlo e Sal Buscema é um dos períodos mais clássicos do Hulk.

Nascido no Brooklyn, em Nova York, em 1951, Mantlo estou na High School of Arts and Design e cursou faculdade da Cooper Union School of Arts, se especializando em pintura e fotografia. Foi um colega de faculdade que o levou a trabalhar na Marvel em 1974 como colorista, pintando as histórias dos heróis que tanto amava. Mas apenas alguns meses depois, ao ver o editor Marv Wolfman desesperado porque uma das histórias que coordenava iria ficar fora do prazo, Mantlo lhe entregou um roteiro para publicar como uma história fill-in. Contudo, Wolfman ficou tão impressionado com a qualidade que Mantlo se tornou o roteirista fixo da tira Sons of Tiger, publicada em The Deadly Hands of Kung-Fu, na qual criou, ao lado do desenhista George Perez, o Tigre Branco, primeiro super-herói latino dos quadrinhos.

Mantlo em 1978.

Logo em seguida, Mantlo assumiu alguns títulos secundários, como The Champions (os Campeões), e Marvel Two In One (com aventuras do Coisa e outros convidados a cada número) em 1976, antes de pegar Marvel Team-Up (que trazia histórias do Homem-Aranha com outros heróis da editora), e se dar tão bem que saltou para Peter Parker: The Spectacular Spider-Man, em 1977. Em 1978 e 1979 ele iniciou seu trabalho mais conhecido com Os Micronautas e Rom, o cavaleiro espacial, duas licenças de brinquedos que a Marvel publicou em revistas com bastante sucesso na época, com 58 e 74 edições, respectivamente.

A longa temporada de Bill Mantlo durou das edições 245 à 313, entre 1979 e 1985, e manteve Sal Buscema na arte, pois já trabalharam juntos com sucesso em Peter Parker: The Spectacular Spider-Man, revista secundária do Homem-Aranha. Como Buscema era um artista rápido, ao mesmo tempo, Mantlo e Buscema também trabalharam juntos na revista de Rom. Aliás, uma questão curiosa é que, num típico arranjo editorial, Mantlo trocou de lugar com Roger Stern, com este assumindo a revista de Peter Parker, e Mantlo tomando seu lugar com Bruce Banner.

A fase de cinco anos de Mantlo à frente do Hulk foi aclamada como um dos melhores momentos do monstro em todos os tempos, com roteiros ágeis e vinculados com o mundo real, e teve três grandes arcos. O primeiro foi uma série de histórias em que o Hulk sai viajando pelo mundo, por isso alguns o chamam de Turnê Mundial, o que o coloca nos cenários mais improváveis. Nesse percurso, o autor e Sal Buscema também criaram muitos personagens, como a heroína israelense Sabra e o grupo de vilões Alienígenas (U-Foes, no original). Os outros seriam o Cientista Hulk e A Saga da Encruzilhada, mas falaremos deles mais adiante.

Arte de Rick Buckler.

Mantlo começa em The Incredible Hulk 245, de março de 1980, exatamente do ponto em que a fase anterior terminara: Fred Sloan aparece no Programa Mike Douglas ao lado de Rick Jones (o velho parceiro do Hulk, mas que também acompanhou as aventuras dos Vingadores, Capitão América e Capitão Marvel), com os dois defendendo o Hulk das acusações de ser um selvagem destruidor. O próprio Capitão Marvel aparece para dar um alô, mas quando eles vêm pela TV o Hulk atacar a Base Gama, o guerreiro Kree parte para lá voando.

Glenn Talbot extravassa seu ódio usando a Mandroide contra o Hulk. Por Mantlo e Buscema.

O Hulk está em disparada contra a Base Gama porque descobriu a algumas edições atrás que os militares guardam lá o corpo de Jarella, a mulher que ele amou (e morrera quarenta edições antes) e que jurou que iria enterrá-la em seu reino, com seu povo. Mas o ataque é a oportunidade perfeita para o coronel Glenn Talbot se vingar dele, e o militar usa uma das poderosas armaduras Mandroide da SHIELD, mas claro, ela não é o suficiente para deter a força do ensandecido monstro e Talbot está prestes a ser morto quando o Capitão Marvel chega.

O Hulk luta com o Capitão Marvel pelo corpo de Jarella.

Porém, já na edição 246, os poderes cósmicos de Mar-Vel lhe permitem perceber o que o Hulk quer e que o objetivo de Talbot é apenas matar o Hulk e se vingar, então, o guerreiro Kree faz um acordo de que os militares lhe entreguem o corpo de Jarella e deixem o Hulk ir embora, o que Talbot finge aceitar. O Hulk se apossa do cadáver preservado de sua amada e Talbot usa um aparelho para enviá-lo ao mundo subatômico de K’ai, mas destrói a máquina em seguida, “prendendo para sempre” o golias esmeralda lá. Enquanto isso, vemos que Samson e Ross estão em uma cabana de caça no Colorado, com o primeiro cuidando da saúde mental do segundo.

No número 247, o Hulk chega a K’ai, é acolhido pelos habitantes – que o consideram rei – e ficam felizes, honrados e emocionados de que o golias verde cumprira sua promessa de trazer o corpo de Jarella para ser enterrado lá. Mas K’ai vive tempos difíceis, com o declínio de sua tecnologia e uma seca que deixou uma única floresta fértil em um vale, mas na qual ninguém que entrou vivo saiu de lá. O Hulk decide ir mesmo assim, para enterrá-la lá e após ser atacado por todos os seres vivos da floresta, inclusive, as plantas, descobre que o lugar é guarnecido pelo Jardineiro.

Arte de Michael Golden.

Então, ficamos sabendo, na edição 248 que o Jardineiro é portador da Joia da Alma, que antes pertencera a Adam Warlock, e que não permite nenhum outro ser vivo consciente na floresta que não ele próprio, mas o Hulk insiste, luta, é derrotado, se converte de volta em Banner, e ele também volta à floresta para cumprir sua missão, vira o Hulk de novo e, no fim, na luta com o Jardineiro termina por lhe arrancar a Joia e lançá-la no centro do planeta.

O Hulk cumpre sua missão e enterra a amada e um “milagre” acontece, com uma flor brotando imediatamente sobre a sepultura. Tocado, o Jardineiro percebe seu próprio erro e como forma de se redimir, se propõe a ajudar K’ai e manda o Hulk de volta para a Terra.

Na edição 249, Sal Buscema cumpre um pequeno intervalo de férias e é substituído por Steve Ditko, que retorna ao personagem num período em que fazia alguns trabalhos para a Marvel. Ele mostram o Hulk enfrentando Jack Frosty/Nevasca, ex-vilão do Homem de Ferro e que agora procura viver um vida calma e isolada no subterrâneo. Enquanto isso, Betty, Sloan e Rick vão ao Colorado visitar Samson e Ross, mas não os encontram na cabana, pois a dupla saiu para caçar e se deparam com uma coisa que não é humana, e a edição termina em suspense com o trio de amigos do Hulk vendo um Centauro invadir a cabana.

Arte de Al Migrom.

Então, Sal Buscema volta para ele e Bill Mantlo apresentarem a edição comemorativa de The Incredible Hulk 250, de agosto de 1980, que se tornou uma das melhores histórias já escritas sobre o golias esmeralda. Na trama, o Hulk chega a uma cidadezinha rural tranquila do Sul chamada Liberty, onde está situada uma base científica que o monstro já visitara no passado, chamada Tranquility Base, e se transforma em Bruce Banner, mas em um ambiente tranquilo e acolhedor, o cientista é abrigado pela viúva Clare Mundy e sua filha Mary Beth, com quem passa a viver em troca de trabalho na fazenda; mas no fim das contas, termina se envolvendo romanticamente por algumas semanas.

Banner encontra uma família em Clare Mundy e sua filha. Por Mantlo e Buscema.

Até que o Surfista Prateado encontra Banner e percebe que a sua energia gama pode ser a chave para romper a barreira invisível que lhe confina na Terra, criada por Galactus quando o traiu na sua primeira história lá atrás em 1966. Lembre, o Surfista foi parceiro do Hulk nos Defensores até não tanto tempo antes… Então, um desesperado Surfista encontra Banner e suga sua radiação gama, mas a intervenção tira todo aquele equilíbrio e tranquilidade que Banner manteve nas semanas anteriores e ele vira o Hulk de novo, é visto pelos habitantes da cidade e Clare descobre que ele é o monstro.

No fim, o Surfista leva o Hulk para o espaço e, sugando sua radiação, consegue romper a barreira e singrar livre o espaço pela primeira vez em anos; todavia, Banner cai desolado rumo à Terra, e o Surfista percebe que não pode deixá-lo morrer, então, retorna e deixa Banner num campo. O alien percebe que poderia repetir o procedimento e conseguir a liberdade, mas então, entende a grande tragédia que causou na vida de Banner movido por seu egoísmo e desespero, fica arrependido, e jura que não irá mais interferir da vida dele, indo embora, deixando Banner desolado por ter conhecido a paz e a felicidade e isso ter sido tirado dele.

Um soco no estômago, não?

Ao mesmo tempo em que a edição comemorativa estava nas bancas, também circulou The Incredible Hulk Annual 09, novamente com a arte de Steve Ditko, mas o roteiro desta vez por Doug Moench.

Arte de Rick Buckler.

Em seguida, após alguns números de transição – com o confronto com o 3D-Man (edição 251) e o fechamento do arco na cabana de caça de Leonard Samson (edições 252 e 253), com o Hulk enfrentando os Changelins novamente (que ele e o Homem-Aranha haviam encontrado em Marvel Team-Up 53 a 55, de 1977, uma história de Mantlo e John Byrne); a temporada de Bill Mantlo entrou em um de seus momentos mais fortes, um longo arco que os leitores e críticos chamam às vezes de Turnê Mundial, na qual o golias verde dá uma volta completa no globo.

Tudo começa com The Incredible Hulk 254, de dezembro de 1980, na qual enquanto vaga pelo deserto, o Hulk enfrenta pela primeira vez os Alienígenas (péssima tradução brasileiras para o nome U-Foes, expressão em inglês que é um trocadilho de UFOs [Objetos Voadores Não-Identificados] com “you foes” [“os inimigos de vocês”]). O time de vilões se tornaria um tradicional oponente do Hulk e sua origem era uma homenagem ao Quarteto Fantástico, com um grupo de cientistas inescrupulosos tentando mimetizar o acidente que deu origem à “primeira família” da Marvel, e o quarteto Vector, Ironclad, Vapor e X-Ray ganhando poderes mais relacionados a propriedades químicas, mas ao mesmo tempo, relacionados aos poderes do Quarteto.

Arte de Rick Buckler.

É uma edição memorável, com uma grande batalha encarniçada do Hulk contra os vilões, dando bastante espaço para os amplos painéis arrebatadores de Sal Buscema, e os U-foes aparentemente sendo mortos. Em seguida, a edição 255 mostra o Hulk perigosamente chegando em Nova York, o que alarma as autoridades e provoca uma grande batalha contra o Thor, reprisando um pouco o espírito da célebre história de sete anos antes, da Guerra Vingadores-Defensores.

Arte de John Romita.

No fim, o monstro escapa e adormece escondido no porão de carga de um navio que o leva para Israel, onde Banner desperta no número 256, o que causa uma grande confusão, um confronto com as autoridades israelitas e a intervenção da heroína Sabra (Ruth Bat-Sedaph), que estreia de verdade e é creditada a uma colaboração de Mantlo e Buscema com Belinda Glass, enquanto John Romita desenhou a capa (o que alguns insistirem que foi ele quem criou o visual).

Talbot questionado pelo Congresso, por Mantlo e Buscema.

Nessa mesma edição, vemos o coronel Glenn Talbot comparecendo a uma comissão de investigação do Congresso dos EUA sobre a Base Gama, no que resulta o Governo considerando o projeto um fiasco completo e fechando a instalação – um evento importante, interrompendo a ação da base que esteve presente desde a primeira aventura do Hulk – , o que deixa Talbot completamente louco ao ponto de roubar um artefato especial que havia construído, o Vagão de Guerra, uma nave superpotente projetada especialmente para exterminar o gigantes esmeralda, e partir em uma missão sozinho de vingança, como já vemos na edição 257, enquanto o Hulk chega à Arábia Saudita e confronta dois demônios antigos – Gog e Mangog – e ver nascer um novo herói, o Cavaleiro Árabe, que empunha uma espada e um tapete mágicos. Ao mesmo tempo, vemos Rick Jones preocupado com a questão: se não há mais Base Gama, quem irá cuidar do Hulk? Então, ele vai atrás dos Vingadores em busca de ajuda.

Nas edições 258 e 259, o Hulk chega ao Afeganistão – país que havia sido invadido pela União Soviética pouco tempo antes – e o ataque do exército vermelho o leva à Zona Proibida, região da Sibéria que foi acometida de um grande desastre radioativo (antecipando Chernobyl em cinco anos!) e que descobrirmos estar relacionado aos poderes de Presence, namorado da Guardiã Vermelha (heroína que foi parte dos Defensores pouco tempo antes), ambos membros dos Super-Soldados Soviéticos (Darkstar, Vanguarda, Dínamo Escarlate e o estreante Ursa Maior), que são enviados para deter a ameaça e manipulados pelo vilão Doutor Phobos. As notícias viajam o mundo e Rick Jones pede ao Capitão América para os Vingadores irem lá, mas o herói diz que não pode, pois o grupo teve uma atuação controversa na União Soviética pouco tempo antes; mas Glenn Talbot leva seu Vagão de Guerra para lá, mas não encontra o Hulk, apenas cria um incidente internacional ao confrontar os russos.

Talbot versus Hulk, por Mantlo e Buscema.

No fim, o Hulk foge e aparece no Japão na edição 260, de junho de 1980, na qual atrapalha as filmagens de um filme-catástrofe chamado Dragon Over Tokyo, que é realizado à força pelo diretor Sanshiro Sugata, que acha a produção desrespeitosa aos valores do seu país. Mas tudo fica pior, quando o Hulk é encontrado por Talbot, que o ataca com seu Vagão de Guerra e a acirrada batalha termina por ativar um vulcão extinto no Monte Kuroishi. O golias verde ainda simpatiza com uma estátua de jade de Buda, que Sugata luta desesperadamente para salvar da lava, e a põe em lugar seguro, e o evento termina com a morte de Talbot e a destruição de seu veículo.

É um evento importante, pois Talbot tinha sido um personagem coadjuvante e oponente de destaque do monstro verde desde as aventuras de Tales to Astonish, nos últimos 14 anos. Sem falar que era ex-marido de Betty Ross. Seu arco dramático de alguém honrado (mesmo que equivocado) até um sujeito raivoso, fora de controle e absolutamente obcecado pelo Hulk era uma amostra do efeito do gigante de jade em seus oponentes e um ciclo que iria se repetir com outros, como Ross, como veremos.

No número seguinte, a edição 261, mostra o Hulk chegando a nado na Ilha de Páscoa, no meio do Pacífico, e encantado com a paz do lugar, decide descansar por lá, mas o Homem-Absorvente está lá também, após sua derrota pelos Vingadores (em Avengers 183 e 184), com a mente desestabilizada após ter se transformado em água, o que gera um confronto e Creed se transformando em uma ilha rochosa após absorver as propriedades de Páscoa.

Arte de Al Migrom.

Bruce Banner finalmente acorda nas praias da Califórnia na edição 262, e é acolhido por uma mulher chamada Glazier que transforma pessoas em estátuas de vidro e vive em uma mansão de vidro, oportunidade para Mantlo contar uma história mimética ao conto do Rei Midas, que transformava tudo o que tocava em ouro, e o mesmo acontece com o vidro de Glazier. Curiosamente, este número teve duas histórias e a segunda mostra um confronto contra os Espectros (tradução brasileira para Dire Wraits), os monstros especiais perseguidos por Rom, o herói que Mantlo e Buscema também produziam paralelamente em sua própria revista na época.

Este arco da Turnê Mundial, embora pareça bastante episódico para os padrões atuais – em que as tramas são bem mais interconectadas de edição para edição – na verdade é um deleite ao leitor sensível, pois mesmo nas situações mais fantasiosas, Bill Mantlo está fazendo uma leitura do mundo naquele momento, fazendo críticas e criando situações a partir de temas como o conflito político-religioso na Palestina, a invasão do Afeganistão pela União Soviética, o uso perigoso da energia atômica, o conflito ético-cultural do Japão em contato com o mundo ocidental, a reflexão sobre a obsessão de Talbot e, por fim, uma sensível leitura do conto do Rei Midas. Quadrinhos de altíssima qualidade.

A Mulher-Hulk

Enquanto Bill Mantlo publicava o seu primeiro ciclo de aventuras com o Hulk, um evento transcorria paralelamente com a criação da Mulher-Hulk, um evento que terá apenas uma pequena influência nas histórias do gigante verde, mas não podemos deixar de mencionar.

Existia uma razão meramente comercial para a criação da Mulher-Hulk (She-Hulk, no original): como desdobramento ainda do sucesso da série de TV do Hulk – no ano de 1979 ainda com altíssimos índices de audiência – o publisher, vice-presidente da Marvel e produtor executivo do programa Stan Lee percebeu que a CBS poderia muito bem criar um derivado (spin-off) da série, focado em uma versão feminina do monstro verde. Havia antecedentes: a mesma emissora produziu O Homem de 6 Milhões de Dólares e, com o sucesso, criou o derivado A Mulher-Biônica. Ademais, séries de heroínas estavam em moda, como Mulher-Maravilha e A Poderosa Ísis, então, Stan Lee sabia o que estava fazendo.

Lee já vinha conscientemente estimulando a Marvel a ampliar o leque de heroínas nos anos 1970, o que levou ao surgimento de inúmeras personagens, como Colleen Wing, A Gata (que depois virou a Tigresa), Felina (Hellcat), Valquíria (que já vimos aqui), as Filhas do Dragão e algumas derivativas, como Miss Marvel (hoje Capitã Marvel – versão feminina do Capitão Marvel), a Mulher-Aranha e, por fim, a Mulher-Hulk.

Lee estava mesmo certo: o produtor da série de TV, Ken Johnson, depois disse numa entrevista que os planos para a temporada 5 do show era ter a irmã de Banner sofrendo de uma doença que somente a transfusão do sangue dele poderia salvá-la, e com isso, ela se transformaria numa versão feminina do monstro verde, mas os episódios nunca foram filmados, porque a série foi cancelada antes disso após uma mudança na direção da CBS.

Para garantir que os direitos da personagem fossem da Marvel (e não da CBS), Lee correu para publicar às pressas essa versão da Mulher-Hulk, então, produzido a toque de caixa, The Savage She-Hulk 01 chegou às bancas em novembro de 1979, com roteiro do próprio Stan Lee e a bela arte de John Buscema, o irmão mais velho de Sal. A trama não é tão mal: fugindo pelo país como sempre (provavelmente em meio à Turnê Mundial), Bruce Banner vai a Los Angeles pedir a ajuda de sua prima advogada Jennifer Walters, que até aquele ponto jamais fora citada nas aventuras do monstro verde.

Jen é filha de William Morris Walters, o xerife do condado de Los Angeles, que fora casado com Elaine Banner, irmã do pai de Bruce, portanto, sua tia, embora Elaine morreu em um acidente de carro quando Jen tinha 17 anos. Tímida e baixinha, Jen é uma boa advogada e sua ação incomoda o chefe criminal Nicholas Trask, que decide matá-la em um atentado justo quando Bruce está lá. Ela está à beira da morte no hospital, perdendo muito sangue, e Banner, num ato de desespero faz uma transfusão de sangue para ela, inadvertidamente contaminando o sangue dela com radiação gama, o que resulta que, quando ela se recupera no hospital e os criminosos vão tentar finalizar o serviço, ela se transforma numa mulher verde, alta e superforte. A Mulher-Hulk.

Porém, diferente de seu primo, a Mulher-Hulk não perde o controle de sua mente ou de seus atos, sendo apenas um pouco mais raivosa e extrovertida do que quando em seu estado normal de Jen Walters. Lee e Buscema fizeram apenas o primeiro número da revista, que foi assumida por David Anthony Kraft (que escreveu os Defensores) com arte de Mike Vosburg, mas o título realmente não encontrou seu ponto e foi cancelado na edição 25, de março de 1982.

Daí, após aparecer em vários títulos da Marvel, ela terminou se tornando membra dos Vingadores em Avengers 221, de julho de 1982, escrita por Roger Stern, e ficou um tempo com os maiores heróis da Terra até que ao fim da maxissérie Guerras Secretas (falaremos dela adiante), ela terminou se tornando membra do Quarteto Fantástico em Fantastic Four 265, de abril de 1984.

Banner Controla o Hulk

De volta a The Incredible Hulk, com o fim da Turnê Mundial, o arco de histórias seguinte de Bill Mantlo e Sal Buscema lida com o reencontro de Banner com Betty Ross e Rick Jones e o trio trabalhando juntos para tentarem se livrar do Hulk. É um momento interessante, pois é a primeira vez que Bruce e Betty se reaproximam em muitíssimo tempo (desde que ele se apaixonara por Jarella, em Incredible Hulk 140; o que contribuiu para ela ser jogada nos braços de Glenn Talbot e os dois casarem na edição 158). E, ainda assim, Mantlo não faz isso durar muito.

Começa na The Incredible Hulk 263, de setembro de 1981, na qual, com as notícias de que o Hulk está na Califórnia, Rick Jones e Betty Ross voam para lá, e o aeroporto de Los Angeles é atacado pelo mutante Avalanche (membro da Irmandade de Mutantes), mas isto termina por reuni-los com Bruce Banner e eles saem se escondendo nas cavernas do deserto, na edição 264, na qual Jones usa os novíssimos comunicadores sem fio que o Homem de Ferro lhe deu em sua estada recente com os Vingadores, e monta uma nova Brigada Juvenil (aquele grupo de adolescentes que se comunicam via rádio das histórias dos anos 1960); mas eles são localizados pelo vilão Night Flyer, que está agindo ao mando do Corruptor, que quer dominar a mente do Hulk.

Arte de Al Migrom.

Então, tal qual Mantlo homenageou o Quarteto Fantástico com a origem dos U-Foes, faz o mesmo com os Vingadores e um novo grupo de heróis, os Rangers. Na edição 265, a Brigada Juvenil envia um pedido de socorro aos Vingadores, mas a maquinaria do Corruptor consegue enfraquecer o sinal, que só chega mais ou menos até o Arizona, mas é ouvido por heróis terciários da Marvel que atuam no meio-oeste: Flama (Firebird), Night Rider, Shooting Star, Texas Twister e Lobo Vermelho (Red Wolf), que ajudam a derrotar o vilão e, em seguida, decidem permanecer juntos como um grupo fixo de heróis. Ao fim da batalha, Bruce e Betty fazem um pacto de pôr um fim definitivo no Hulk, algo que Rick no fundo não concorda, porque acha que o golias verde pode ser uma força do bem.

As duas edições anteriores, também mostram que a morte de Glenn Talbot agindo sem permissão no Japão e com um veículo roubado, causou um grande incidente internacional e o Governo dos EUA decide retomar alguma frente de ação sobre o Hulk, o que faz com que o general Ross saia da reserva e volte à ativa, agora trabalhando no Pentágono, ao mesmo tempo em que lhe é dito de que não haverá refinanciamento à Base Gama.

Arte de Al Migrom.

Então, na edição 266, Bruce, Betty e Rick vão ao velho laboratório secreto que Banner usava nos seus primeiros tempos de Hulk, em busca de encontrar uma cura para sua maldição, porém, ao chegarem lá, o vilão Alto Evolucionário está usando a instalação, usando uma energia para de-evoluir a vida ao redor do local, o que transforma Betty e Rick em Dryopithecus africanus (um homídio ancestral da raça humana de milhões de anos atrás). Banner é imune ao processo e quando o Hulk confronta o Alto Evolucionário, descobre que o plano do vilão é destruir a própria armadura para cometer suicídio, o que no fim das contas consegue, desevoluindo até virar uma gosma protoplasmática.

Hulk destroça a armadura do Alto Evolucionário na dinâmica arte de Sal Buscema.

No número 267, vemos a volta de Glorian e do Shaper of Worlds que hipnotizam uma cidadezinha do deserto exibindo-lhes seus sonhos; e na edição 268, enquanto o gigante esmeralda luta contra o Pária, há um conflito entre Bruce e Rick, porque o garoto insiste na força positiva do Hulk, enquanto Banner quer se livrar para sempre. Mas também há problemas entre Bruce e Betty, pois ela quer um envolvimento amoroso – ela quer transar, diríamos hoje – e Bruce diz que não pode se comprometer com ela até finalizar sua missão. Putz!

A mesma questão se repete na edição 269, quando Bruce e Betty têm um momento “romântico” vendo as estrelas na noite, e de novo, ela leva um fora dele; e o Hulk luta contra um grupo de alienígenas, o que termina com o gigante esmeralda fazendo uma pequena “turnê” pelo espaço nos números seguintes. Assim, na edição 270, enquanto o Hulk enfrenta o Abominável e dá uma surra homérica no vilão, Rick comete uma grande estupidez ao disparar em si mesmo o disruptor gama (a arma que Banner usava para provocar sua transformação no monstro quando era necessário nos primeiros tempos), ficando às portas da morte por envenenamento radioativo.

Seu objetivo era transformar a si mesmo em um novo Hulk, de modo a manter o potencial bem do golias verde. Uma ideia que terá consequências no futuro não tão distante.

The Incredible Hulk 271, de maio de 1982, era uma edição celebrativa de 20 anos de publicação do golias verde e Bill Mantlo preparou uma história especial, inteiramente baseada na canção Rocky Raccoon dos Beatles. A canção, composta por Paul McCartney, foi lançada no The White Album, de 1968, e narra uma história meio de faroeste do herói do título para lutar contra um vilão e resgatar sua amada. Mantlo transformou tudo isso em uma epopeia espacial.

O hoje popular Rocket Raccoon estreou numa história do Hulk. Arte de Al Migrom.

Assim, ele mudou o nome do herói para Rocket Raccoon (sim, ele mesmo, o herói hoje famosíssimo pelos Guardiões da Galáxia) e criou a história na qual o Hulk cruza o caminho desse aventureiro espacial que tem como parceiro Wal Rus (uma brincadeira com walrus/ morsa, que vem de outra canção dos Beatles: I am the walrus, de 1967), que viajam na nave Rakk’n’Ruin (sacaram?) contra o vilão Judson Jakes, que está atrás de um artefato cósmico chamado Bíblia de Gideon e sequestrou Lylla, a namorada do herói-guaxinim, nomes e situações inspiradas na canção da banda britânica. Uma loucura divertida e que terminou criando toda uma nova ambientação que seria reutilizada pela Marvel Comics no futuro e ao cinema também.

Mantlo batizou a história de Now somewhere in the black holes of Sirius Major there a lived boy named Rocket Raccoon, que é uma alteração da primeira frase da canção, que cita originalmente as Black Hills de Dakota.

Bereet é (re)introduzida.

Em paralelo, vemos a (re)introdução da personagem Bereet, uma bela alienígena que é fascinada pelo heróis da Terra e produziu uma série filmes fictícios sobre o Hulk – que quando são mencionados trazem quadros das histórias do gigante esmeralda na revista The Rampaging Hulk/The Hulk, que àquela altura, já tinha deixado de ser publicada mais de um ano antes – e que, agora, teve a ideia de produzir um documentário sobre o monstro.

Como vemos, desde o início, a Marvel (via Shooter e Mantlo) decidiu acabar com o imbróglio cronológico da revista magazine e os tornou (a partir daqui) não-canônicos. Assim, todas aquelas aventuras dos 27 números de Rampaging/Hulk passaram a ser consideradas como os filmes ficcionais criados por Bereet em seu planeta, não somente aquele arco das edições 01 a 09 (na qual ela participou como personagem), mas tudo até a edição 27.

Na trama de The Incredible Hulk 271, ao chegar à Terra, Bereet é interpelada por Betty para que ajude Rick, que está morrendo de envenenamento radioativo, e Bereet fica em dúvida, pois isso eliminaria sua “objetividade” no documentário; contudo, termina por suar sua tecnologia mais avançada para salvá-lo.

O Hulk regressa à Terra na edição 272, e após esse interlúdio galáctico, dá-se início outro arco de histórias baseado em Bruce Banner assumindo integralmente o controle da mente do Hulk. Mantlo replica um recurso já usado por Roger Stern antes dele: como o gigante esmeralda recebeu uma dose maciça de radiação em sua aventura no espaço, isso altera sua dinâmica de transformação. Dessa vez, Banner percebe que ao se transformar, mantém sua consciência e o controle do corpo do Hulk, ao mesmo tempo em que nota que a fúria do monstro tem sua utilidade ao se ver no meio de uma batalha do Sasquatch (membro do grupo heróis canadenses Tropa Alpha) e o velho Wendigo.

Na edição 273, Banner-Hulk encontra uma trupe de alienígenas insectoides que roubam trigo de uma cidadezinha e, de imediato, se propõe a ajudar as pessoas, terminando por descobrir que o plano dos extraterrestres é, em troca, doar à cidade um tipo especial de grão que poderia acabar com a fome no mundo, mas foi arruinado pela ação equivocada do herói; num conto moralista de “cuidado com as aparências” (algo que sem dúvida ressoa no próprio Hulk) elaborado por Mantlo.

Betty discute com Bereet.

Na edição 274, Betty guia Bereet até à desativada Base Gama, onde haveria mais recursos tecnológicos para salvar Rick; ao mesmo tempo em que Banner-Hulk salta pelo território dos EUA em busca de reencontrar seus amigos no Novo México. No caminho, vê um trem prestes a sofrer um acidente em uma ponte danificada e tenta ajudar, mas Banner ainda não controla totalmente a força de seu corpo e cria algumas dificuldades, aliada à percepção de que as pessoas temem terrivelmente a presença do Hulk.

Banner e Betty Ross são supreendidos pelo retorno dos U-Foes. Por Mantlo e Buscema.

Banner chega ao seu velho laboratório no número 275, e como Betty e Rick não estão lá, logo supõe que foram à Base Gama, onde se junta a Bereet no esforço de salvar o garoto, mas são atacados pela vilã Jackdaw, que está ao comando de uma figura misteriosa e ativa uma arma guardada na instalação: um robô gigante chamado Megalith. Porém, ao mesmo tempo, os U-Foes se recompõem e atacam a base na edição 276, quando vencem o Hulk (Banner não tem a ferocidade necessária para sobrepô-los) e o levam sequestrado; enquanto Bereet, Betty e o já curado Rick vão atrás, e, no número 277, conseguem impedir os vilões de televisionarem a execução do Hulk.

Rick Jones e Bereet gostam que Banner continue como o Hulk, mas Betty, não.

Em meio a isso tudo, a determinação de Bruce em se manter como o Hulk agora que o controla definitivamente põem um fim no seu quase-romance com Betty, que não aceita essa condição e prefere que Bruce se livrasse do Hulk para sempre.

Uma das pouquíssimas capas do Hulk feitas por Sal Buscema.

Então, temos uma grande virada em The Incredible Hulk 278, de dezembro de 1982: Banner vai a Nova York onde pede a ajuda do Quarteto Fantástico para conseguir uma anistia ao Hulk, agora que ele controla o monstro. Daí, é articulado que o defensor público Matt Murdock (que secretamente é o Demolidor) faça uma petição em Washington, DC. Percebendo que pode lucrar com isso, o Líder – o misterioso vilão que atuou nas sombras três números antes – promove uma invasão alienígena na hora, e o Hulk-Banner se une aos Vingadores e ao Quarteto Fantástico para impedi-los, e ao fim, o golias verde é aclamado um herói!

Coisa e Alicia entregam a estátua de adamantium ao Hulk. Arte de Mark Gruenwald.

Em consequência, na edição 279 – que é excepcionalmente ilustrada por Mark Gruenwald – é promovida uma grande homenagem ao Hulk no Central Park, com Banner recebendo o Perdão Presidencial e ganhando uma estátua de adamantium feita pela artista Alicia Masters. Infelizmente, agora, que Banner está convencido do ponto de vista de Rick de que pode usar o Hulk para o bem, Betty decide ir embora, pois não está disposta a continuar vivendo ao lado do gigante esmeralda.

É um evento triste, pois a maneira como Mantlo fez Banner tratar Betty, com frieza e até um pequeno toque de desprezo, não fez jus à história que os dois tiveram antes. Ainda que podemos notar que os escritores anteriores – como Roy Thomas, Steve Englehart ou Len Wein – também não hesitaram em jogar Bruce nos braços de qualquer outra garota que não fosse Betty, como Jarella ou April Sommers. Embora tivesse casado com Glenn Talbot, naquele ponto a moça já estava divorciada ou viúva. Não sabemos se o fato da personagem ter sido casada era um impeditivo à moralista sociedade da época (portanto, uma imposição editorial), mas é fato que, após mais esse “fora” Betty Ross ficaria outro longo período afastada das páginas da revista.

Banner e Bereet terminam se envolvendo amorosamente.

Com Betty ausente, a edição 280 mostra Banner e Bereet saindo para jantar e iniciando um romance (outra demonstração que ele não tinha mesmo mais nenhum coração em relação a Betty) até que o Líder reaparece e sequestra Rick Jones e a garota-alien, o que obriga Banner a pegar um Quinjet (o jato dos Vingadores), já no número 281, e ir ao espaço até o Omnivac, o asteroide artificial do vilão, mas de novo, a incapacidade de Banner de acessar a fúria do Hulk o impede de vencer os humanoides do vilão, e declarando-se vencedor, o Líder os envia de volta à Terra.

Hulk e Mulher-Hulk juntos por Al Migrom.

No número 282, Banner e seus amigos se mudam para a Mansão dos Vingadores e pesquisa ao lado do Homem de Ferro para localizar onde está o Omnivac, antes de o Hulk precisar se unir à sua prima, Jennifer Walters, a Mulher-Hulk (na primeira vez que os dois personagens interagem na revista do herói), para combater o Arsenal. Mas isto é apenas um embuste elaborado pelos Vingadores para mostrar a Banner que ele pode acessar à raiva do monstro sem perder o controle e se beneficiar do incremento de força. Mais preparado, no número 283, Banner-Hulk termina por liderar os Vingadores num ataque ao Omnivac, mas o Líder não está lá e todos os heróis desaparecem, exceto Bruce e Jen.

Hulk lidera os Vingadores numa homenagem à capa de Avengers 04.

Então, na edição 284, Banner descobre que o Líder enviou os Vingadores de volta no tempo e ele e a Mulher-Hulk usam a máquina do vilão para resgatá-los, encontrando o Capitão América em meio à II Guerra Mundial, em 1944; o Gavião Arqueiro e Homem de Ferro nos tempos de Robin Hood no século XII; Thor no meio dos Vinckins, no século VIII; por fim, chegando à longínqua pré-história, onde o Líder está usando a Vespa e os poderes da Capitã Marvel para bombardear a vida com radiação gama e mudar a história da humanidade. Mas a reunião dos Vingadores é capaz de vencer o vilão, que termina aparentemente morto num mar de lava.

Essas duas edições foram importantes por mostrar o Hulk ao lado dos Vingadores, o grupo que ele ajudou a fundar (neste ponto já 20 anos antes) e mostrar um pouco do potencial que o personagem tinha para interagir com os maiores heróis da Terra. E, de fato, por um curto período de tempo daqui em diante, o gigante de jade iria mesmo interagir com aqueles personagens.

Tudo dá tão certo que a Vespa, então líder da equipe, convida o Hulk para regressar oficialmente aos Vingadores, mas embora Banner fique lisonjeado, prefere se dedicar à pesquisa dos potenciais positivos da radiação gama para a humanidade. Então, uma nova fase começa em The Incredible Hulk 285, de julho de 1983, na qual Banner inaugura o Northwind Observatory, nas Catskills Montains, no norte do estado de Nova York, onde irá realizar suas pesquisas. Contudo, um dos equipamentos enviados pelo Homem de Ferro traz em si o vilão Zzzax, que é derrotado pelo intelecto de Banner e uma ajudinha de Doc Samson. A história também estabelece que Bereet parte para Hollywood para finalizar seu documentário.

Arte de Ron Wilson.
O Hulk controlado por Banner.

Na edição 286, o Hulk viaja no tempo de novo: dessa vez, para o futuro, onde encontra Kang, o conquistador – um dos maiores inimigos dos Vingadores – que promove um tipo de jogo na qual o “Herói do Dia” (um cidadão comum diariamente sequestrado) precisa enfrentar uma série de perigos, no que Banner tenta ajudar, mas o pobre coitado ainda acaba sendo morto. A trama era uma releitura do conto O Soldado do Amanhã, do aclamado escritor de ficção científica Harlan Ellison (aquele que escreveu o conto original de Jarella), mas isso não saiu creditado na revista, o que mobilizou uma ação reparatória ao autor (que como pagamento ganhou a assinatura de todas as revistas Marvel pelo resto da vida).

Banner conhece Kate Waynesboro. Por Mantlo e Buscema.

A trama volta para o Northwind Observatory na edição 287, na qual Banner ganha sua assistente, Kate Waynesboro, que descobrimos ser uma agente da SHIELD infiltrada para vigiar de perto o cientista-monstro, mas também, é uma real admiradora do trabalho científico de Banner. E logo que começam a trabalhar, outro tipo de afinidade começa a surgir entre os dois. Falando nisso, vemos que Bereet está lançando seu documentário com imenso sucesso em Hollywood, mas ao mesmo tempo, a garota alienígena está aflita por estar se rendendo ao aspecto comercial do cinema em vez de perseguir ambições artísticas mais altas. Infelizmente, seu arco se encerra aqui.

Bereet encerra seu arco esmagada pelas engrenagens de Hollywood. Por Mantlo e Buscema.

E a ação? O velho MODOK invade as instalações do Projeto Pégasus do Pentágono e descobre que o general Ross está manipulando o Abominável – que caiu de volta à Terra – para derrotar o Hulk definitivamente. Vendo que ambos têm um interesse em comum, Ross permite que MODOK leve o Abominável consigo para executar o plano, algo que transcorre ao longo da edição 288, pois Emil Blonsky está traumatizado da surra que levou do Hulk algumas edições antes e não quer enfrentá-lo.

Após vermos a relação de Banner e Waynesboro rapidamente evoluir romanticamente na edição anterior, o número 289 mostra o cientista descobrir a verdade sobre sua assistente, mas ela consegue provar que seus sentimentos e admirações são verdadeiros a despeito de sua missão. Em meio a isso, o Abominável ataca o laboratório e o general Ross leva sua filha Betty até lá para lhe mostrar “o fim do Hulk”, mas esse gesto termina provando que o militar cometeu um ato de traição, o que deixa a garota furiosa, dizendo que está é a última vez que o pai interfere na vida dela. Betty também fica triste ao perceber que Bruce nutre sentimentos por Kate.

Falando nisso, o Abominável sequestra Kate e, na edição 290 a leva para o Maine, numa base da facção da IMA liderada por MODOK, e o vilão se encanta pela cientista e a transforma numa versão feminina de si mesmo, a Ms. MODOK, mas a ação do Hulk a reverte ao normal. O drama do general Ross prossegue pela edição 291, quando o militar contempla o suicídio por ter sua carreira destruída por sua obsessão pelo monstro verde.

O número 292 traz um pequeno interlúdio, com Banner e Kate indo ao México visitar um cientista e terminarem encontrando o Circo do Crime e o Homem-Dragão, mas o mais importante é que Bruce tem um pesadelo e acorda gritando, o que é o início de um tópico importante às edições seguintes.

O número 293 é outro interlúdio, com mais uma daquelas histórias humanas típicas de Mantlo: Bruce e Kate chegam ao Aeroporto de Nova York e, enquanto são cercados pela imprensa, um homem armado tenta matar o cientista-herói. Enquanto trabalha no Edifício Baxter no laboratório de Reed Richards (e tem outro pesadelo, dessa vez, atacando o Quarteto Fantástico), Banner descobre que seu pretenso assassino é um homem atormentado que teve a vida destruída após o Hulk arrasar a cidadezinha em que vivia e ele perder sua família. Então, ele visita o homem e, depois, ele é libertado em condicional e Kate o leva à sua cidade, onde testemunha que o Hulk-Banner está reconstruindo a cidade com as próprias mãos.

Na Incredible Hulk 294, abril de 1984, um chefe criminoso chamado Max Stryker (que nos números seguintes passará a ser chamado de Hammer) contrata o Bumerangue para sequestrar Kate Waynesboro e forçar Banner a curá-lo de um câncer em estado terminal. O Hulk vai a Nova York atrás de Kate, mas termina encontrando uma grande estrutura metálica no Central Park que o teleporta para o Mundo Bélico onde ocorrerão as Guerras Secretas, publicadas na maxissérie Secrets Wars, em 12 capítulos publicados entre 1983 e 1984, por Jim Shooter e Mike Zeck.

Guerras Secretas.

Na trama do evento, um ser poderosíssimo chamado Beyonder transporta os principais heróis e vilões da Marvel para um mundo alienígena para que lutem uns contra os outros, num típico movimento oportunista com a mera finalidade de vender uma linha de bonecos. Mas ao longo dos 12 episódios da saga vemos gradativamente Bruce Banner ir perdendo o controle de sua personalidade sobre o Hulk e, na edição final, o gigante esmeralda é gravemente ferido na perna.

Então, The Incredible Hulk 295 já mostra Banner regressando do evento – o que em termos cronológicos parece ter durado uma quinzena de dias – e imediatamente partindo para continuar sua missão de resgatar Kate das mãos do Bumerangue, mas a garota percebe de imediato que há algo diferente: o Hulk está mais raivoso, descontrolado e selvagem, lembrando pouco o controle de Bruce sobre o monstro. Nessa condição, vence facilmente o vilão e leva Kate de volta a Northwind Observatory, apenas para encontrar Max Hammer usando a tecnologia gama para curar outras pessoas doentes; o que deixa Banner desesperado, pois não se sabe os efeitos a longo prazo do procedimento, que não estava pronto para testes.

Como resultado, Hammer se transforma em um monstro e o Hulk precisa enfrentá-lo, passando à edição 296, quando Rom, o cavaleiro especial aparece e usa sua arma de absorção de radiação para desfazer a contaminação de Hammer e das outras pessoas. Mas o Hulk está selvagem de novo e, na tentativa de acalmá-lo, Kate termina sendo atingida pelo monstro, que percebe o que fez e fica desesperado, indo embora.

O quadrinho de apresentação à esquerda da capa, que mostrara o Hulk com roupa de laboratório nas edições anteriores, nesta edição, exibe o golias verde derrubando o tubo de ensaio que era exibido usando e os números seguintes o mostrariam gradativamente rasgando suas vestes.

Bela capa de Bill Sienkiewicz.

Na edição 297, a nova situação é estabelecida: o Hulk está de novo selvagem ao ponto de em seus saltos pelo país destruir uma cidadezinha e nem se dar conta. Um elemento interessante é que, para representar essa nova abordagem de um Hulk não apensas enraivecido, mas totalmente fora de controle, Mantlo comissionou a Sal Buscema a desenhá-lo ainda mais monstruoso, o que o artista fez de modo magistral, com um visual muito mais feroz, que, infelizmente, não foi captado por Al Migrom nas capas.

A SHIELD envia um time para detê-lo, liderado pelo agente Gabe Jones e Kate Waynesboro vai junto; e vemos o Hulk parando para descansar, dormir e tendo um sonho ruim, no qual descobrimos que o vilão Pesadelo – tradicional oponente do Doutor Estranho – está manipulando os sonhos de Banner há cinco edições e resultando em seu descontrole mental. Por meio do sonho, Pesadelo lhe informa que o Doutor Estranho pode lhe ajudar, dando uma “missão” ao Hulk.

Hulk nem reconhece Kate na edição 299, pondo fim ao romance dos dois.

Na edição 298, a equipe de Gabe Jones enfrenta o Hulk de novo e é novamente derrotada, e dessa vez, o Hulk praticamente nem reconhece Kate, lhe batendo de novo, e demonstrando à cientista que o homem que ela amava não existe mais. Por fim, o Hulk chega a Nova York no número 299 (com o fabuloso título Strange Days have found us, tirado da canção Strange days da banda The Doors), novamente enfrentando o time de Jones e Waynesboro, e vencendo, e encontrando o Doutor Estranho, que rapidamente percebe a ação de Pesadelo. Usando seus poderes místicos, Strange consegue resgatar a mente de Banner, mas o cientista fica tão desesperado pelo o que está acontecendo que comete um suicídio psíquico, desaparecendo e deixando o monstro verde como uma criatura totalmente irracional, sem mente.

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“Incredible Hulk 300” dá início à saga da Encruzilhada: psicologia, psicodelismo e tramas oníricas.

Chega então à histórica The Incredible Hulk 300, de outubro de 1984, na qual o Hulk está completamente fora de controle, destruindo a cidade, e um verdadeiro batalhão de heróis vem confrontá-lo: Demolidor, Homem-Aranha, SHIELD, Punho de Ferro, Luke Cage, os Vingadores (Starfox, Feiticeira Escarlate, Visão, Capitã Marvel, Thor) e todos são paulatinamente derrotados até que o Doutor Estranho não vê outra opção a não ser exilar o Hulk na Encruzilhada das Dimensões, um lugar fora do espaço e do tempo no qual não poderá machucar ninguém.

Incrível batalha do Hulk contra os Vingadores, por Mantlo e Buscema.

Com essa edição que mostra uma das maiores batalhas já travadas pelo gigante esmeralda, Bill Mantlo e Sal Buscema encerram não apenas um arco ou ciclo, mas toda uma era do personagem.

A Saga da Encruzilhada

Em seguida, tem início o último arco de histórias de Bill Mantlo à frente da revista: A Saga da Encruzilhada, publicada entre Incredible Hulk 301 e 313, na passagem de 1984 para 1985. A estada do monstro verde em uma outra dimensão, ou melhor, o encontro impreciso de várias dimensões, a Encruzilhada da Eternidade, foi uma ruptura total com o status quo do personagem e um grande feito de experimentação que durou exatamente um ano. Mantlo colocou o Hulk quase sem mente, saltando de dimensão em dimensão, de bizarras ameaças outras, aparentemente aleatórias, mas ao mesmo tempo, usou esse recurso como uma viagem de autoconhecimento do monstro e um mergulho em sua psiquê atormentada, que resultou na revelação de que Bruce Banner tinha sofrido violências físicas constantes de seu pai, Brian Banner, algo que se tornou fundamental ao personagem dali em diante.

O Hulk na Encruzilhada: arte de Sal Buscema.

Começa na edição 301, que apenas define o cenário da Encruzilhada da Eternidade e suas “regras” – num lugar em que as dimensões coexistem, o Hulk pode atravessar uma quantidade infinita de portais e pousar em realidades e mundos diferentes, ao mesmo tempo em que o Doutor Estranho (que o monitora nesta primeira aventura) instalou um tipo de feitiço de gatilho no qual, se a criatura se sentir ameaçada, ela retorna de volta para a Encruzilhada. Essa primeira edição também apresenta o Puffball Colective, um ser coletivo que fica bastante intrigado com o Hulk e busca conhecê-lo, servindo como companhia ao monstro.

Muitos dos oponentes do Hulk na Encruzilhada eram mais fortes do que ele. Arte de Sal Buscema.

A história-símbolo da fase da Encruzilhada, curiosamente, não foi publicada na revista mensal, mas em The Incredible Hulk Annual 13, na qual Mantlo trabalha com o desenhista Allan Kupperberg (mais conhecido por seu trabalho com a Supergirl na DC Comics), e mostram o Hulk sendo atacado por uma raça de criaturas simbiontes que se anexam à coluna cervical de seus hospedeiros e passam a dividir seu corpo e mente, mas o ser que se uniu ao Hulk termina criando uma afetividade por ele e se voltando contra a própria espécie até que, num ato de suicídio, se desconecta do golias verde, deixando o monstro, mesmo sem mente, tocado pelo o que ocorreu.

Ao mesmo tempo, os números 302 e 303 mostram o Hulk indo parar num mundo medieval com criaturas de pele verde enfrentando outras de pele vermelha, e o monstro descobrindo que apesar das criaturas serem esguias, as de pele vermelha são muito mais fortes do que ele. Como um toque de “familiaridade” para o leitor, as edições 304 e 305 mostram os U-Foes terminando por parar na Encruzilhada também e o Hulk lutar contra eles, recebendo ajuda do Puffball Collective, a quem passa a considerar aliados, enquanto damos uma excepcional passada na Terra para ver o Doutor Estranho aparecendo em uma Comissão do Congresso dos EUA sobre o que aconteceu com o gigante esmeralda. Essas duas revistas também marcam a estreia do magnífico Mike Mignola na arte das capas.

Bela arte de Mike Mignola.

Nas edições 306 e 307, o Hulk reencontra os piratas especiais da nave Andrômeda (que encontrara lá atrás em Incredible Hulk 136 e 137), o que termina numa reviravolta e na morte de todos; passando ao número 308 onde o Puffball Collective leva o golias verde ao seu próprio mundo e se revela como um vilão que quer explorar o monstro, o que leva ao nosso herói combater os demônios N’Garai (que surgiram em Uncanny X-Men 143). Esta última edição também é importante porque é a primeira aparição da Tríade, três seres “psíquicos” que passam a ajudar o Hulk: Guardiã, Duende e Glow, levam o Hulk a um planeta desértico atrás de comida no número 309.

A edição 309, de julho de 1985, trouxe o fim da longuíssima temporada de Sal Buscema na arte do gigante esmeralda. Foram 10 anos de deleite artístico, mas o desenhista agora queria outros desafios, e migrou para uma nova revista dos Eternos e, depois, para a revista do Thor. Mas o fato é que Buscema deixou o título por problemas profissionais com Bill Mantlo, que segundo o artista, se tornou muito demandativo em relação à arte e a ficar insatisfeito com o material do desenhista, o que, por bem, Buscema solicitou a ser tirado da revista. Uma pena. Era o fim de uma era.

O Hulk na arte de Mike Mignola.

Na edição 310, o Hulk e a Tríade vão parar em outro mundo medieval e o gigante esmeralda impede que uma mulher cor de bronze seja sacrificada, o que o coloca em confronto com um povo alienígena liderado por um alquimista terráqueo – um escocês advindo do século XVIII – que se mantém vivo bebendo sangue; e no processo, Bruce Banner reaparece pela primeira vez desde que cometeu “suicídio psíquico” várias edições atrás. Após desestabilizar totalmente aquela realidade, o Hulk regressa à Encruzilhada no número 311.

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A expressiva arte de Mike Mignola à serviço do Hulk em “Incredible Hulk 311”.

A arte foi assumida brevemente por Bret Blevins na edição 310 e passou às mãos de Mike Mignola no número 311, artista que já vinha fazendo as capas da revista e estava relativamente no início da carreira, mas se tornaria um dos grandes nomes da indústria dos quadrinhos e seria o criador do Hellboy na Dark Horse Comics alguns anos depois.

O Hulk ganha uma das melhores e mais importantes histórias em sua longa trajetória em The Incredible Hulk 312, de outubro de 1985, por Bill Mantlo e Mike Mignola. Na trama, enquanto busca uma saída da Encruzilhada e vemos as consequências psíquicas do retorno de Bruce Banner, a Tríade navega pelas memórias do cientista e, então, somos apresentados pela primeira vez à infância de Bruce. E é aterrorizante!

A infernal vida doméstica do pequeno Bruce Banner, por Bill Mantlo e Mike Mignola.

Mantlo cria uma história incrível na qual o pai de Bruce, Brian Banner, é um cientista que atuava na pesquisa de radiação em Los Alamos, no deserto americano, e quando sua esposa Rebecca engravida, ele se dá conta do terrível risco de que sua exposição à radiação pode ter consequências na criança. Um histórico de alcoolismo somado ao azar de Rebecca ter um parto difícil, quase indo a óbito, destravam uma crise paranoica em Brian Banner, que passa a surrar a mãe e a criança, e a chamá-lo de monstro, o que Mantlo deixa claro que enche o pequeno Bruce de fúria – fúria esta que resultará na raiva incontrolável do Hulk, retomando aquela “dica” deixada lá atrás por Roger Stern de que o Hulk é uma “entidade” separada de Banner.

Bruce espancado pelo pai, por Mantlo e Mignola.

O clímax dessas memórias ocorre quando o pequeno Bruce tem uns cinco anos de idade e ganha um presente de montar de sua mãe no Natal. De manhã cedo, o menino corre para os brinquedos e começa a montá-lo, o que desperta o horror em Brian Banner ao notar que é um artefato indicado para crianças de 12 anos e Bruce o montou sem sequer olhar o manual de instruções. Brian grita que uma criança normal jamais poderia fazer isso, que Bruce é um monstro, algo inumano, um mutante, e a intervenção de Rebecca, resulta em ambos levando uma surra.

Bruce adulto enfrenta seu pai, por Mantlo e Mignola.

As memórias avançam no tempo e, dessa vez, Mantlo não entra em detalhes, mas vemos uma confrontação entre Bruce e Brian sobre o túmulo de Rebecca, dando a entender que Brian matou a mulher num ataque de fúria e chantageou emocionalmente o filho para depor a seu favor no tribunal, o que resulta numa pena leve e Bruce sendo institucionalizado em parte de sua adolescência.

Até então, não houvera grandes reflexões sobre o passado de Banner e a adesão de Mantlo, bem no final de sua temporada, se tornou um ponto crucial da personalidade de Banner-Hulk dali em diante e seria bastante explorado pelos autores seguintes, em especial Peter David, como veremos mais adiante.

Faltava, então, encerrar A Saga da Encruzilhada, e na edição 313, Banner assume o comando do Hulk para buscar uma saída dali, resultando neles cruzando diversas dimensões diferentes e até se lançar ao vazio do “espaço” até que Banner é encontrado pelo espírito de Walter Langkowski, o Sasquatch, da Tropa Alfa (com quem o Hulk já lutara duas vezes, lembra?). Tendo “morrido” na Terra, a mente de Langkowski vagava como um espírito pela Encruzilhada em busca de um corpo e tenta ocupar o do Hulk, mas o resultado disso é inesperado: o Hulk termina se transportando à Terra, aparecendo na base da Tropa Alfa, o que gera um confronto imediato.

É o fim da longa temporada de Bill Mantlo, depois de cinco anos, 69 edições e mais 4 anuais, o que o tornou o escritor que mais tempo trabalhou com o Hulk naquela época. É bastante tempo e o escritor queria novos desafios, assim, aceitou a proposta do escritor e desenhista John Byrne de trocar seu lugar na revista da Tropa Alfa, os super-heróis canadenses.

Sendo ele próprio canadense, Byrne criara a Tropa Alfa como coadjuvantes dos X-Men, em 1977, mas o sucesso dos personagens motivou a Marvel a lançar uma revista própria do time sob o comando dele, algo que Byrne aceitou a contragosto. O autor sempre revelou que não sabia muito bem o que fazer com os personagens fora do contexto dos X-Men e, àquela altura, estava ansioso para deixar a revista. Como soube que Mantlo queria o mesmo com o Hulk propôs uma troca. E assim, Mantlo entrou no Hulk por meio de uma troca e saiu por outra.

Byrne assumiu o golias verde a partir de Incredible Hulk 314, de 1985.

A Fase de John Byrne

John Byrne era então a maior estrela da Marvel, com passagens vigorosas como desenhista dos Vingadores e Capitão América e com grande sucesso escrevendo e desenhando o Quarteto Fantástico. Além disso, Byrne e o escritor Chris Claremont tinham criado a melhor de todas as fases dos X-Men.

John Byrne em 1985.

Nascido em Walsall, em Staffordshire, na Inglaterra, em 1950, John Byrne descobriu os super-heróis através da série de TV do Superman de George Reeves quando tinha 6 anos de idade, e em seguida, começou a ler as esparsas republicações britânicas do material da DC Comics, mas quando tinha 8 anos, sua família emigrou para o Canadá, onde teve contato com o material direto dos EUA e conheceu a Marvel Comics a partir de Fantastic Four 05, de 1962, por Stan Lee e Jack Kirby, virando um profundo fã do material da editora. Desenvolvendo escrita e desenho, Byrne chegou a cursar a universidade do Alberta College of Arts and Design, que não concluiu, mas no começo dos anos 1970 começou a ter seu material publicado na rede de fanzines que circulavam entre os fãs de quadrinhos, o que chamou a atenção da editora Charlton Comics, onde publicou seu primeiro material profissional, em 1975.

Aquele trabalho chamou à atenção do escritor Chris Claremont, que o indicou aos seus editores na Marvel quando perdeu o desenhista com quem trabalhava em Iron Fist (Punho de Ferro), e a dupla produziu a metade final da temporada daquela revista, em 1976, com Byrne desenhando The Champions (Os Campeões), entre 1977 e 78, ao mesmo tempo em que fez a arte em 17 números de Marvel Team-Up, revista que sempre trazia o Homem-Aranha ao lado de um convidado especial, sendo o primeiro personagem do primeiro escalão com o qual se destacou. Trabalhando nesta revista ao lado de Bill Mantlo primeiro e, depois, Chris Claremont, de novo, Byrne terminou sendo a escolha natural para assumir a arte de X-Men, em 1977, com a dupla produzindo histórias definitivas, como A Saga da Fênix Negra e Dias de um Futuro Esquecido, até 1981. Dotado de velocidade, Byrne fez trabalhos paralelos nos Vingadores (com David Michelinie) e no Capitão América (com Roger Stern), além daqueles anuais do Hulk que já falamos. Byrne assumiu pela primeira vez os roteiros e desenhos sozinho na Tropa Alpha, e após sair dos mutantes, produziu uma extensa temporada em Quarteto Fantástico, que é uma de suas obras magnas, entre 1980 e 1986.

Dessa forma, quando Byrne assumiu a revista do Hulk, em 1985, sua chegada foi anunciada com estardalhaço e era esperado que o escritor desenhista desse uma levantada na publicação (e nas vendas) tal qual fizera em todos os títulos que trabalhara até ali. E isso aconteceu. Mas foi por muito pouco tempo: sua temporada duraria apenas seis edições!

Segundo o próprio Byrne disse em entrevistas, quando trocou com Mantlo para assumir The Incredible Hulk, o artista-sensação teve uma reunião com o editor-chefe Jim Shooter na qual apresentou sua visão do personagem e o que queria desenvolver no título, no que foi recebido calorosamente. Mas a partir do momento em que iniciou o trabalho, Shooter começou a discordar com tudo o que apresentava e o clima ficou muito tenso. O novo editor de Hulk, Dennis O’Neil, precisou fazer um trabalho de mediação entre o artista e o chefe, mas as relações ficaram muito tensas.

Mas no lado criativo, Byrne começou chutando a porta e deixando os leitores de boca aberta: The Incredible Hulk 314, de de dezembro de 1985, chegou às bancas com uma arte belíssima, privilegiando quadros grandes que mostravam o tamanho e o volume do Hulk de um modo raras vezes vistas até ali, com o traço normalmente bonito do artista estando simplesmente espetacular. A trama era apenas introdutória: o gigante verde tinha acabado de voltar à Terra depois da aventura na Encruzilhada e é avistado pulando pelo norte dos EUA, notícia que chega ao Dr. Leonard Samson, que regressou ao seu trabalho como professor na Universidade Northwestern, em Chicago, e claro, parte imediatamente para tentar localizá-lo.

Mas, além de uma recapitulação da origem do monstro, somos reapresentados a Betty Ross da maneira mais improvável possível: ela, que passara os últimos anos afastada das aventuras em um local ignorado, está novamente de cabelos castanhos, mas bem curtos, e vivendo maritalmente com um típico cafajeste latino chamado Ramón! Mas ela também ouve as notícias do retorno do Hulk…

Samson consegue localizar o Hulk nos desertos do meio-oeste e tem uma colossal batalha com o gigante de jade, belamente desenhada por Byrne, mas percebe que o monstro, que deveria não ter mente, está tendo alucinações – e até murmura a palavra “Banner”! – e as ilusões são as desculpas ideais para o escritor usar um velho clichê Marvel e mostrar a criatura trocando golpes com inimigos clássicos, como Fanático, MODOK, Rino, Abominável e Líder; o que permite Samson derrotá-lo. Mas e agora?

Antes de responder a essa pergunta, Byrne lançou nas bancas a surpreendente The Incredible Hulk Annual 14, que se passa entre os primeiros quadros daquela edição de estreia. Numa trama adulta e surpreendente, Byrne apenas faz o roteiro, deixando a arte para uma despedida mais digna de Sal Buscema (maravilhoso!), na qual um grupo de cientistas inescrupulosos sequestra o Hulk para realizar experimentos científicos que possibilitem o aperfeiçoamento do corpo humano ao custo de cobaias humanas. No fim são mortos por sua ganância em um conto duro de Byrne.

De volta ao título regular, as coisas começam a andar rápido em The Incredible Hulk 315, na qual Byrne mostra Samson de volta à recém-estabelecida Base Gama, realizando um experimento que – tomando a premissa lançada lá atrás por Roger Stern de que Hulk e Banner são entidades diferentes – simplesmente separa fisicamente o Hulk de Banner. Assim, a criatura verde vira um ser sem mente e menos perigoso (pelo menos é o que pensam), mas o cientista permanece em coma. Porém, vemos o retorno de Clay Quartermain, que assume o comando da base em nome da SHIELD e prende Samson em uma cela. Mas o psiquiatra resolve fugir quando descobre que o plano da agência é matar o Hulk, já que ele não tem mais mente.

Avengers - Hulks attack by john byrne
O Hulk encara as duas equipes de Vingadores… e ganha! A arte de Byrne em seu auge.

Samson consegue interceptar o comboio e liberta o Hulk, mas ao fazer isso, o golias esmeralda se revela uma fera ensandecida e sem freios que destrói todos os veículos e mata seus ocupantes. Um arrebentado e seriamente machucado Samson jura vingança ao mesmo tempo em que Betty Ross vai ao hospital visitar Banner. Na edição 316, a Mulher-Hulk também vai ao hospital e confia a tutoria de seu primo a Betty, e após um tratamento radical, Bruce recobra a consciência ao lado de seu antigo amor; ao mesmo tempo em que uma coalisão de Vingadores (da Costa Leste e da Oeste) – formada por Homem de Ferro, Magnum, Hércules e Namor chega para deter o Hulk, mas é atrapalhada por Samson (estreando um novo uniforme), que após alguns socos, convence os Vingadores a pegar ele mesmo o gigante verde.

Como se vê, Byrne estava reestabelecendo o status quo do Hulk em algo reconhecível à maioria dos fãs (com Betty, Samson, Quartermain, Base Gama, SHIELD…) após o longo “desvio” promovido pelas fases finais de Mantlo. Porém, não quer dizer que não haveria novidades: na edição 317, Banner está na Base Gama usando um uniforme azul derivativo da SHIELD, reunindo um grupo de cientistas talentosos, mas renegados para formar os Caça-Hulk, um time científico-operacional para eliminar o monstro: o líder, Samuel J. LaRoquette, Carolyn Parmenter, Graig Saunders, Armand Martel e Hideko Takata, personagens que seriam bastante importantes pelos anos seguintes.

O grupo está relutante de início, mas Banner se mostra meio calhorda dizendo que eles destruíram suas carreiras e não têm opção se não se unir a ele! Grande parte da edição é gasta com o desenvolvimento desses novos personagens – em particular LaRoquette e Parmenter, que tiveram um caso no passado – até que aceitem a missão; ao mesmo tempo em que Byrne nos brinda com outra batalha colossal de Samson e Hulk, acompanhada pela repórter Dianne Belamy, que desponta como um possível interesse amoroso do psiquiatra.

Hulk vs Doc Samson by John Byrne
Hulk vs. Doc Samson na arte exuberante de John Byrne.

Aqui, fica claro que Byrne vinha dando a Samson o mesmo tratamento daqueles que cruzam o caminho do Hulk: termina meio “contaminado” pela fúria do monstro e obcecado em destruí-lo ao ponto dele próprio sair do controle, tal qual já tinha acontecido com Ross e Talbolt no passado.

A edição termina com uma bomba! Bruce Banner pede a mão de Betty Ross em casamento!

Vale lembrar que os dois quase haviam casado muitos anos antes, antes da relação degringolar e ela parar nas mãos do já falecido Glen Talbott. Desde então, o relacionamento dos dois raramente viveu momentos de aproximação e, na verdade, podemos pensar que Banner várias vezes se mostrou meio “sem coração” em relação a Betty. Mas Byrne queria resgatar isso também, e ainda que tenha dotado Banner do típico temperamento meio frio de um cientista muito acima da média, mostrou também um sujeito mais humanizado no trato com Betty, com demonstrações de carinho e afeto, o que não era comum dele.

A edição 318 traz um dos mais famosos retcons da história do Hulk (que já mencionamos lá no início do post, lembra?): Byrne define que o Hulk surgiu cinza e menor (dotado de alguma inteligência e com uma personalidade mais “sacana”, falando num linguajar meio delinquente) em suas primeiras aparições (quando sua transformação era orientada pelo cair do sol), mas gradativamente foi se transformando no Hulk Verde (maior, mais forte, mais selvagem e com uma inteligência muito mais limitada, com frases típicas como “Hulk esmaga!”) cujas transformações são acionadas pelo estresse de Banner. A Marvel incorporou rapidamente a ideia e ela teria grandes implicações no futuro breve.

Mas o número 318 era para ser um ponto de virada dentro dos planos de Byrne: Samson localiza de novo o Hulk e sai em batalha contra ele até perceber que se trata de um robô (fica implícito que é aquele velho Hulkbolt do Doutor Destino, lembram dele?) que era para o treino dos Caça-Hulk, que estão em um maciço veículo de ataque. Mas em vista do estágio possesso de Samson, o time decide “treinar” contra ele, só que Laroquette – dono de uma personalidade também explosiva – começa a usar força letal de verdade, e no fim, o exercício tem uma resolução trágica: com o veículo destruído, Carolyn Parmenter termina sendo morta, para o desespero de LaRoquette, que jura vingança.

Tão obcecado que está, Samson mal sente o que ocorreu e prossegue em sua trilha contra o Hulk.

A edição termina, após uma longa reflexão, que recapitula o tumultuado relacionamento do par até ali, com Betty aceitando o pedido de Bruce.

Chegamos, então, à The Incredible Hulk 319, de maio de 1986, na qual o casamento de Bruce e Betty atrai dois outros velhos personagens do cânone há muito afastados: Rick Jones e o General Thaddeus “Thunderbolt” Ross. Cada qual com um objetivo. Rick chega para o casamento animado, refazendo a amizade que tivera com Banner tempos atrás e feliz pela união do casal, mas quando a cerimônia se realiza (na presença apenas de um pastor, do casal, Jones e Takata), o general Ross aparece vestido feito um mendigo, armado com uma pistola, possesso de ódio e disposto a matar Banner, na discussão que se segue, ele atira em Jones, mas o ferimento não é mortal, e Ross é confrontado, desmoralizado e humilhado por sua filha, caindo no choro. O pastor conclui a cerimônia na última cena da edição.

Ah, mas enquanto tudo isso acontecia havia ação: Laroquette e Saunders estão usando armaduras especiais para derrotar o Hulk e Samson outra vez cruza o caminho deles, atrapalhando tudo de novo. No fim, o Dr. volta um pouco a si e chega a salvar a vida de Laroquette. Mas o Hulk escapa. Um lance interessante que Byrne usa como artifício é colocar uma pequena igreja no fundo do cenário da batalha deles, e eles vão chegando cada vez mais perto de lá, induzindo os leitores a pensar que é lá onde está ocorrendo o casamento, mas quando o quarteto invade a pequena capela de madeira, ela está vazia! E abandonada.

Infelizmente, a temporada de Byrne encerra aqui mesmo. As brigas inflamadas contra Jim Shooter atingiram seu limite e o escritor-desenhista terminou por se demitir da Marvel depois de 10 anos de bons serviços (e a criação de um sem número de histórias clássicas), largando também o Quarteto Fantástico. Ele aceitou o convite da DC Comics para reformular o universo do Superman no cenário pós-Crise nas Infinitas Terras, o que o tornaria o artista mais aclamado da época.

De brinde pela partida, o leitor ganhou uma edição da revista Marvel Fanfarre 29, um título experimental da editora, na qual John Byrne constrói uma história feita exclusivamente de quadros de página inteira (o que traz uma arte espetacular!) na qual o Hulk encontra um chefe indígena no deserto que consegue acalmá-lo e é atacado pela dupla Martelo e Bigorna (lembram deles?), mas o velhinho mata a dupla de vilões, revelando que era o Carrasco do Submundo, um serial killer que matava apenas vilões ao longo das revistas da Marvel.

A saída de Byrne foi acompanhada do editor da revista, também, Dennis O’Neil, que também foi trabalhar na DC Comics e se tornaria o editor das revistas do Batman pelos 15 anos futuros.

O Hulk Cinza

O lugar de John Byrne foi ocupado pelo editor, desenhista e tinterista Al Migrom, que já havia sido editor da revista no passado, e naquele momento, aos 35 anos de idade, já tinha sido também editor das revistas do Homem-Aranha, e entre 1983 e 1986, ganhou destaque desenhado The Avengers, The West Coast Avengers e as séries Kitty Pryde & Wolverine e Secret Wars II. Ele migrou para os roteiros a partir de 1984, num arco na revista The Spectacular Spider-Man, e com a partida brusca de Byrne, o novo editor Bob Harras o designou a missão de cuidar do gigante de jade.

Al Migrom (dir.): de editor passou a roteirista e desenhista.

Mas os textos e a arte de Migrom era muito inferiores aos seus predecessores, o que fez as vendas da revista despencarem.

Mas vamos por partes… Migrom estreou na dupla função de roteiro e arte em The Incredible Hulk 320, e coube a ele amarrar as pontas soltas deixadas por Byrne e apontar o futuro e o que se diz é que ele seguiu em linhas gerais o que o artista britânico-canadense havia pensado para a revista: separados, Hulk e Banner começam a morrer e seus corpos a evanescer. O monstro verde sai na porrada outra vez com os Caça-Hulks e Samson e é confrontado de novo pelos Vingadores na edição 321. Ao mesmo tempo, Banner está quase morrendo no hospital e seu médico, o Dr. Fisher, percebe que a única forma de salvá-lo é reemergindo-no com o Hulk.

Os Vingadores precisam decidir se vão matar o Hulk ou não, em vista que ele está incontrolável e destruiu a cidadezinha de Jericó. Na edição 322, Betty fica na dúvida entre atender o desejo de seu marido (“o Hulk deve ser eliminado a qualquer custo”, o que implica em sua morte, ou salvá-lo?), e o gigante verde é derrotado, porque está ficando cada vez mais fraco, mas Betty chega à cena e pede aos Vingadores que não o matem e o salvem, e os Vingadores descobrem que uma maneira de reuni-los é o Visão usar seus poderes de intangibilidade para manipular as moléculas de Banner e Hulk e juntá-los, procedimento que dá certo na edição 323, com Betty acalmando o Hulk e ele revertendo a Banner.

Chegamos então ao que provavelmente seria o ponto de virada final planejada por Byrne na Incredible Hulk 324, de julho de 1986, na qual Leonard Samson convence a SHIELD de que pode recalibrar o tanque de nutrientes que separou Hulk e Banner e, agora sim, conseguir curá-lo, mas o Hulk desperta com uma fúria, inteligência e crueldade impressionantes e a SHIELD tenta contê-lo e derrubá-lo no tanque, mas o general Ross está disposto a sabotar o experimento para eliminar a criatura de vez, mexendo aleatoriamente nos controles e os destruindo e quando Rick Jones tenta impedi-lo é jogado no tanque também, junto com o Hulk.

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Al Migron traz o Hulk Cinza de volta!

O garoto sai ileso, mas o Hulk emerge diferente: menor e cinza, tal qual a criatura era em suas primeiras aparições segundo o retcon de Byrne. Mas logo ele se transforma em Banner e o cientista diz que não sente o monstro dentro de si e acha que está curado.

Começa um segundo ciclo no qual Migrom permanece apenas nos roteiros, e a arte migrando para o bom Steve Geiger por alguns números, que também fará a maior parte das capas dali em diante por um bom tempo. Na edição 325, todos estão desconfiados se Banner ainda é o Hulk ou não, e o cientista teme que – por ter “revertido” ao Hulk Cinza – possa se transformar na criatura ao cair da noite; ao mesmo tempo em que Betty está ansiosa para que ele seja liberado pelos cientistas e os dois possam finalmente sair em Lua de Mel e consumar seu casamento. Enquanto finalmente há o funeral de Carolyn Parmenter – com Samuel LaRoquette culpando Banner e Samson por sua morte – a Base Gama é atacada por um novo Hulk: mais magro, com cabelos longos e um tom de verde diferente do antigo, e o monstro captura Banner e o leva embora.

Boa capa de Steve Geiger.

O mistério não dura muito tempo: na edição 326, Banner vê o novo Hulk se transformar em Rick Jones e deduz que o amigo absorveu parte da energia gama dele após cair no tanque de nutrientes, o que explica porque ele mesmo reverteu à forma do Hulk Cinza mais fraco, pois perdera parte de seu poder. Decidido a curar Rick, eles decidem ir ao laboratório secreto de Banner no deserto (lembram dele?), enquanto a SHIELD tenta localizar a nova criatura e realiza um teste de injetar a energia de Zzzax no general Ross. Como resultado, o militar fica catatônico e o monstro de energia elétrica sai em busca de seu alvo. Quando a noite cai, tanto Banner quanto Rick se transformam em suas versões do Hulk e saem em combate até serem interrompidos por Zzzax, cujas rajadas fazem o Hulk Banner reverter à forma humana, e a batalha continua com o Hulk Jones pela edição 327, na qual Banner tenta apelar para a mente de Ross assumir o controle de Zzzax.

Incredible Hulk 328, de fevereiro de 1987, parece um número de férias, com Peter David assumindo brevemente o roteiro com arte de Dwayne Turner, num conto tipicamente sombrio daquela fase do autor (que tinha escrito histórias como A Morte de Jean DeWolff para o Homem-Aranha): enquanto Banner usa um jipe para voltar à Base Gama e comunicar que está bem, ele encontra um velho que pagou um supervilão chamado Fragmento para matar a si próprio, como um tipo de suicídio. O vilão aparece, Banner vira o Hulk, há uma batalha e o idoso tenta convencer Banner de que o suicídio é uma boa saída. Com o cientista (não pela primeira vez, lembram?) contemplando tirar a sua vida, ele percebe que o cabelo e a barba do idoso são falsas e que o idoso é ele mesmo! Com uma arma na mão, ele contempla o suicídio e decide que não fará isso e lutará por sua vida. Mas aquilo tudo aconteceu ou foi só uma alucinação causada pelo calor do deserto?

Era uma bela maneira de encerrar o tópico das pulsões suicidas de Banner que, àquela altura, já se desenvolviam por mais de uma década na revista.

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Capa de “Incredible Hulk 329”, por Al Migrom, traz o Hulk Jones. Nova versão do monstro não pegou…

Al Migrom volta ao roteiro e à arte na edição 329, na bizarra aventura em que Rick Jones encontra uma série de criaturas humanoides e inteligentes nas formas de cobras, lagartos, escorpiões, formigas, tatus, pássaros e até cactos e pedras: são os Outcasts, surgidos da primeira explosão gama e que vivem escondidos em um reino subterrâneo. Bruce os encontra, mas a SHIELD também e há uma batalha contra o Hulk Jones, resultando nos Outcasts irem embora de volta para seu esconderijo. Em paralelo, vemos que os Caça-Hulks são reativados – agora que há outra criatura verde por aí – sob a jurisdição da SHIELD e de Clay Quartermain.

Todd McFarlane: revolução nos quadrinhos.

A fase de Migrom se encerra na Incredible Hulk 330, de abril de 1987, que traz a arte de Todd McFarlane. Futuro desenhista sensação da Marvel (e criador do Spawn), o artista canadense era ainda um novato nos quadrinhos, tendo começado alguns anos antes numa linha de revistas alternativas da Marvel, depois teve uma passagem breve, mas de pequeno destaque, na DC Comics, onde desenhou Batman: Ano Dois e o crossover Invasão, e assumia sua primeira revista de “destaque” na Casa das Ideias com o gigante de jade… ops, cinza.

O período em que ficaria com o Hulk coincidiria com a ascensão de McFarlane como o maior astro da Marvel Comics.

Na estreia, Todd McFarlane também fez essa bela capa.

Na trama da edição 330, uma criatura bizarra (sim, esse termo de novo) chamada Nevermind – um tipo de cérebro vivo – domina a mente das pessoas ao saltar sobre suas cabeças, consumindo sua energia vital até a morte rápida, consegue chegar à Base Gama na esperança de dominar o Hulk e não ter mais que trocar de hospedeiro. O Hulk Cinza não aparece na trama, apenas o Hulk Jones, mas no fim, quem salva a situação é o general Ross, que, num gesto de busca de redenção, se deixa dominar pelo Nevermind para usar o resquício da energia de Zzzax ainda remanescente em seu corpo e fritar a criatura. O esforço é demais para o velho militar e Ross morre nos braços de sua filha.

Apesar da estranheza toda – e da repetição dos temas que Milgrom já tinha usado antes – a arte de McFarlane dá alguma dignidade à história: apesar de ter problemas com movimento e narrativa, o artista era bom em expressões faciais e seu estilo com ranhuras e muitos detalhes dava vida e destaque à HQ, como pode ser visto no visual medonho do Nevermind.

Junto com a vida de Ross, encerra-se também a fase de Migrom, que trouxe uma série de eventos importantes, mas nunca funcionou de verdade, seja porque seus roteiros não eram bem desenvolvidos, seja porque sua arte era muito ruim, sem profundidade, sem expressão e sem movimento. O troca-troca de artistas era apenas um indicativo de que o título não ia bem nas vendas e, na verdade, a revista ficara meio amaldiçoada após a partida de Byrne. Assim, ninguém na Marvel queria assumir o Hulk.

Então, a tarefa coube a alguém que não tinha opção.

Começa a Era Peter David

Coube ao escritor Peter David reformular a revista e transformá-la em um sucesso de vendas como nos velhos tempos. O HQRock já tem um post específico para detalhar a obra do escritor à frente do Hulk – leia aqui – mas vamos reapresentá-los dentro do contexto geral da obra do Hulk.

No início dos anos 1980, Peter David trabalhava no Departamento de Marketing da Marvel, mas tinha a ambição de ser escritor. Ele começou a oferecer roteiros aos editores e conseguiu publicar algumas histórias avulsas até que terminou ganhando a revista Spectacular Spider-Man (ironicamente) após Al Migrom ser demitido do comando por causa das vendas baixas. David pegou a oportunidade com unhas e dentes e criou uma assustadora história de clima sombrio, violento, realista e muito em pauta com a realidade dura dos anos 1980: a hoje superclássica A Morte de Jean DeWolff, em 1984, na qual o Homem-Aranha enfrenta um serial killer chamado Devorador de Pecados.

Peter David:> trajetória de sucesso em histórias com humor e temas sérios.

Mas depois de um tempo e de uma mudança editorial nos títulos do Homem-Aranha, os novos editores passaram a desgostar do trabalho sério e sombrio de David e ele foi demitido do título. Para não ficar sem trabalho, o editor-chefe da Marvel, Jim Shooter lhe ofereceu The Incredible Hulk, justamente por ser uma revista que nenhum outro roteirista queria: depois da lambança que foi a demissão de Byrne e a fase irregular de Migrom, as vendas tinham caído ao fundo do poço e o personagem estava em descrédito, lembrando ainda que a etapa final da fase anterior de Mantlo (A Encruzilhada), também não fora bem recebida. Ou seja, quando David chegou, The Incredible Hulk (à exceção dos poucos números de Byrne) vivia uma “má fase” há pelo menos três anos! Ou seja, uma bomba!

Mas David decidiu aceitar e revolucionar o título, fazendo-o se transformar em algo completamente novo, dinâmico e de qualidade.

Ele ficaria nada menos do que 12 anos ininterruptos à frente do Hulk, se transformando no escritor que por mais tempo comandou as histórias do golias verde em todos os tempos. E numa de suas melhores fases. E num dos grandes clássicos dos quadrinhos dos anos 1980 e 90.

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A estreia de Peter David nos roteiros em “Incredible Hulk 331”: seriam 12 anos à frente do título.

Tudo começa em Incredible Hulk 331, de maio de 1987, com Peter David mantendo (até porque não tinha escolha) o desenhista Todd McFarlane que estreara na edição anterior. Como já dissemos, McFarlane não era (nunca foi?) bom com storytellying ou movimento, mas há de convir que o artista canadense se esforçou bastante naquela edição, talvez entendendo-a como uma virada verdadeira do personagem. E de sua carreira! Sem dúvidas, sua arte está bem mais dinâmica e construída do que na ocasião anterior, embora ainda contido em padrões “mais comuns” exceto o incrível nível de detalhamento que dava à tecnologia eletrônica da Base Gama, às aeronaves e às rochas do deserto do Novo México. Nessa edição ele também fez um bom uso de perspectiva, como na cena em que o Hulk Jones golpeia uma das naves dos Caça-Hulks.

Vamos à trama: enquanto os Caça-Hulks travam uma batalha esganiçada contra o Hulk Jones (que se comporta estranhamente selvagem dessa vez), Banner sugere aos cientistas da Base Gama que ele deveria se transformar no Hulk para ajudá-los, o que deixa Betty extremamente abalada, ainda mais porque seu pai acabara de morrer. Para piorar, no clamor da batalha, que ele assiste de modo remoto na base, Bruce termina deixando escapar que o novo Hulk é Rick Jones, o que o deixa em uma situação extremamente desconfortável com a SHIELD. Também vemos o Hulk Jones atravessando a nave com os punhos e esmagando a perna de Samuel LaRoquette – o que fará o personagem passar a usar uma avançada cadeira de rodas por toda essa primeira etapa da fase de Peter David.

Então, percebemos que um dos maqueiros contratados para levar o corpo do falecido general Ross está agindo estranhamente. Por fim, Banner termina mesmo indo sozinho ao seu laboratório secreto no deserto e usando o velho disruptor gama para se transformar de novo no Hulk Cinza, mas quando o monstro aparece, ele revela que veio influenciando a personalidade de Banner para que ele fizesse aquela besteira e, agora, iria garantir que nunca mais voltaria à forma humana. Em um rápido monólogo, Peter David deixa claro que esse Hulk é extremamente sagaz e inteligente, dotado de uma personalidade “sacana”, talvez até maligna, e que seu objetivo supremo é não voltar a ser Banner.

Todd McFarlane desenha o Hulk Cinza pela primeira vez, num estilo ainda próximo de Al Migrom e Steve Geiger.

O visual do Hulk de McFarlane, contudo, ainda iria se desenvolver nas edições seguintes, mas nesta sua primeira aparição, ele produz algo como uma versão melhorada do Hulk Cinza de Al Migrom, e não da fera bestial e inumana que John Byrne apresentara naquele famoso quadrinho de meses antes (fortemente baseado nos primeiros tempos de Jack Kirby). O Hulk Cinza de McFarlane neste primeiro momento, portanto, era monstruoso, mas bastante humano. Isso logo iria mudar…

Por fim, a histórica edição 331 termina com o misterioso maqueiro – Samuel Sterns é o nome dele – aparecendo no laboratório secreto e revelando ao Hulk que 1) ele vai voltar a ser Banner ao nascer do sol e 2) que ele é o Líder! Rapidamente, Sterns explica que os anos fizeram o efeito da radiação gama diminuir em seu corpo, então, ele foi gradativamente perdendo sua inteligência avantajada até regredir ao estado de um homem comum. O diálogo não faz nenhuma referência ao Líder ter sido dado como morto naquela aventura do Hulk ao lado dos Vingadores.

E Stern faz uma proposta ao monstro cinza: o ajudará a se livrar do Banner e de Rick Jones se o ajudar a retomar o seu poder. O Hulk aceita.

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Na edição 332, Peter David explica a ligação do Hulk com a lua e define a psiquê do Hulk Cinza. (E um confronto entre os dois hulks também). Arte de Steve Geiger.

A edição 332 faz as coisas correrem rápido: durante o dia, LaRoquette encontra Rick Jones em sua forma humana caminhando no deserto e tenta matá-lo até ser impedido por Leonard Samson. Rick foge e vemos o Hulk e Stern usando a cela de rocha para manter Banner preso até o pôr do sol, quando ele volta a ser o gigante cinza. O Hulk usa um artifício mental para extrair de Banner o conhecimento necessário ao experimento que planejaram: extrair a energia gama de Rick e direcioná-la ao Líder.

Ao mesmo tempo, David usa o Líder para criar uma explicação científica às várias versões do Hulk até ali, o que visto em retrospecto é um retcon tão importante quanto aquele criado por Byrne: os raios gama interagem com os raios solares, que os inibem, de modo que a versão cinza, mais fraca, do Hulk só se transforma à noite porque a incidência solar é menor, ao passo que o Hulk verde não tinha esse problema porque sua radiação gama (e força) era muito maior. Como a lua reflete a luz do sol, o ciclo lunar interfere na personalidade do Hulk, de modo que o Hulk Cinza fica mais selvagem e mais capaz de influenciar as ações de Bruce Banner na Lua Nova, e se torna menos influente na Lua Cheia. É por isso, também, que o Hulk Jones tinha agido tão selvagemente na edição anterior e nesta, por causa da Lua Nova.

Também vemos Ramón, o ex-“marido” de Betty tentando falar com ela na Base Gama, enquanto ela está preocupada com o desaparecimento de Bruce, já que ninguém sabe ainda que ele voltou a ser o Hulk. No fim, vemos outra batalha entre Hulk Banner e Hulk Jones (com uma boa arte de McFarlane) e o procedimento planejado terminando em uma explosão que destrói o laboratório e a caverna.

Peter David, então, já dá o tom de como será sua nova fase na edição 333, uma das melhores dessa fase, justamente por sua humanidade. Na trama, o Hulk deixa Rick Jones sozinho na caverna e vai embora, saltando até uma cidadezinha onde cria um plano para que Banner não retome o controle e bebe toda uma loja de bebidas alcoólicas, fazendo Bruce passar o dia inteiro embriagado e incapacitado – o que o faz ser preso pela polícia local. Em paralelo, acompanhamos a história de uma mulher comum local, que embarcou em um casamento infeliz na qual apanha do marido e seu drama particular – tão real – ecoa de modo fantástico as situações de Banner e Betty. No fim, o “grande confronto” do Hulk é contra o xerife da cidade, justamente o marido abusador, que é morto a tiros pela própria esposa. O Hulk dá de ombros à situação e vai embora. Um chute no estômago!

Ah, e a história termina com Betty encontrando Ramón em um bar e indo embora com ele!

Gradativamente, McFarlane vai deixando o Hulk Cinza mais monstruoso.

O Hulk comete um erro na edição 334 (em outra das edições prosaicas de David) e só tem tempo de deixar Banner sozinho no topo de um agulhão de pedra de centenas de metros de altitude, mas ele é resgatado de lá e telefona para a Base Gama, contando apenas parte da história: de que foi sequestrado pelo Líder. De volta à base, tudo parece esclarecido, Rick Jones foi submetido a testes por Samson, Martel e Takata e considerado curado de suas transformações no Hulk. Mas fica sabendo do encontro com Betty e vai até à cidade encontrá-la, flagrando-na no hotel com Ramón (mas nós os leitores já sabíamos que eles apenas conversaram). Segue-se uma discussão e um confronto físico (entre Rick e Ramón) e Betty e Bruce têm uma dolorosa conversa sobre como a relação deles nunca teve amor, que ele nunca se dedicou a ela etc., meio como amarrando alguns dos comportamentos frios que Banner teve com ela desde sempre, mas em especial desde as histórias de meados dos anos 1970.

No fim das contas, Bruce concorda e ele e Betty têm a tarde de amor que deviam um ao outro desde o casamento (!) 15 números antes!!! Mas tudo pode piorar: o que nenhum deles percebeu é que o Horário de Verão está em vigor e que, por isso, estão atrasados uma hora, então, enquanto Bruce e Betty estão abraçados, ele se transforma no Hulk, que vai embora deixando-a machucada e o quarto destruído. O desenho de McFarlane mostra o casal apenas abraçado, mas o diálogo “Bruce, me abrace só mais uma vez” e as implicações das histórias futuras darão a entender que a transformação ocorreu quando o casal estava transando! Provavelmente essa era intenção de Peter David, que deve ter sido censurada pela Marvel.

Porém, dessa vez a edição tinha ação de verdade: vemos um sujeito misterioso contratando os serviços de uma criatura morta-viva chamada Meia-Vida e o Hulk confronta essa criatura que se alimenta da energia vital de seres irradiados por raios gama. O golias cinza consegue se desvencilhar e fugir, mas o que importa é a informação que o vilão lhe deu: ele se transformou naquilo numa explosão de uma bomba gama no ano anterior; mas na cronologia da Marvel já fazia alguns anos (uns 8 pelo menos) desde que Banner virou o Hulk. A bomba de Banner explodira no Novo México, mas a de Meia-Vida no Colorado. O que estava acontecendo?

Isso dá a Banner um motivo pelo qual lutar e o grande pano de fundo das tramas no segundo ciclo da primeira etapa de Peter David: o Governo dos EUA está produzindo novas bombas gamas e ele deve encontrá-las e destruí-las!

Todd McFarlane deve ter precisado de um tempo para por os prazos em dia, então, Hulk 335 foi quase um número de férias, com David no roteiro, mas o interessante John Ridgway creditado como “desenhista convidado”, noutra daquelas tramas mais mundanas (e sensacionais): o Hulk vai parar em outra cidadezinha onde ajuda uma mulher que ficou cega no ataque de um maníaco que vem aterrorizando a comunidade. O gigante cinzento encontra o maníaco que é alguém como ele: um homem comum que se transforma em um tipo de monstro no cair da noite (muito ao estilo de Jerkly & Hyde), mas o tal maníaco é morto pelo Hulk e sua contraparte humana fica em estado catatônico.

Fugitivos em Busca da Bomba Gama

O intervalo fez bem a McFarlane, pois sua arte retorna consideravelmente melhor e mais explosiva em The Incredible Hulk 336, de outubro de 1987, apresentando um Hulk maior, mais maciço e monstruoso, que deixou os leitores boquiabertos. A trama de David também encontrou um fio narrativo mais contínuo e as sementes plantadas até então se desenvolvem em uma das fases mais interessantes que o Hulk teve em sua longa trajetória.

Nessa edição, o encontro do monstro com o X-Factor (os membros originais dos X-Men) foi um bônus que deixou os leitores muito felizes. Na trama, sempre apresentando pessoas comuns e seus problemas, David mostra um sujeito testemunhar o Hulk demolir um prédio em Esparta, em Illinois, e se transformar em Banner. Com problemas financeiros e uma namorada grávida, pensando que Bruce é um mutante, o rapaz tenta “vender” Banner por uma recompensa para o X-Factor, que localizam (e ajudam) mutantes pelo país. Ciclope, Garota Marvel e Homem de Gelo vão ao local averiguar, mas quando chegam, Banner já foi embora em busca de pegar um trem antes do anoitecer, só que o Homem de Gelo vê Bruce na rua e acena para ele (afinal, o Homem de Gelo o conhecia das aventuras dos Defensores), só que Banner pensa que ele é da SHIELD e sai correndo. Indo atrás dele, o X-Factor é surpreendido pela selvageria do Hulk Cinza, que simplesmente quer acabar com eles.

A batalha dentro das instalações de uma gráfica ajudam esta a ser a edição mais bem desenhada de McFarlane desde que estreara: seus quadros mostram um Hulk colossal levando o X-Factor ao limite com uma boa coreografia de luta.

No fim, o Homem de Gelo (que está em uma fase com seus poderes descontrolados) termina incapacitando o Hulk dentro de um enorme e muito frio bloco de gelo. Ciclope entende que Banner estava fugindo da SHIELD e não queria contato com eles, mas se vê sem opções e entra em contato com a Base Gama para informar o que aconteceu.

Ah e ainda esquecemos de dizer: o início da edição 336 mostra os superiores de Clay Quartermain – apresentados como três homens engravatados de rostos encobertos nas sombras e ares malignos chamados Conselho Superior da SHIELD – afirmando que a missão é eliminar o Hulk e que Bruce Banner é “dispensável”, e no fim, que aquela é a oportunidade para Quartermain se redimir do completo fiasco que se tornou toda aquela operação.

Isso cria uma situação interessante, porque se tomarmos a primeira cena como ajustada cronologicamente ao resto da história, ele cria uma pequena confusão de roteiro. Afinal, até com certeza duas edições antes, ninguém sabia que Banner havia voltado a ser o Hulk e o número anterior – com o monstro agindo em uma pequena cidade – com certeza não trouxe isso à tona. Ou seja, o momento em que o X-Factor captura o Hulk e comunica a Base Gama é o verdadeiro momento em que (desde a edição 324, 12 meses antes!!!) é revelado que Banner voltou a ser o Hulk. Até então, o mundo de uma maneira geral pensava que ele tinha sido separado do cientista ou estava morto, como o X-Factor deixa bem claro.

Um rápido segundo round na edição 337, por David e McFarlane.

E passamos à edição 337, onde o X-Factor acompanha o traslado do Hulk até a Base Gama, no Novo México. Na chegada, o fato do Homem de Gelo ter esquecido de “recarregar” o bloco de de gelo no qual o Hulk está preso permite ao gigante acinzentado escapar e ter um breve confronto com os mutantes mais os Caça-Hulks e Doc Samson, o que permite uma vitória mais fácil dessa vez.

Os heróis se unem para escapar da Base Gama.

No entanto, ao perceberem que os planos da SHIELD são de simplesmente matar o monstro (junto a Banner), se revoltam, tendo como aliados Leonard Samson, Rick Jones, Martel e Takata, enquanto LaRoquette e os agentes da SHIELD atacam, liderados por um agente chamado Trump. A arte de McFarlane, neste caso, encontra um ponto de falha, depois do deslumbre do número anterior, demonstrando que o desenhista era melhor nos embates mais intimistas e a batalha de larga escala que o roteiro sugere não se efetiva nos traços, com o artista tendo dificuldades de expressar o exército da SHIELD contra os revoltosos. Ou ele teve menos tempo de fazer a edição.

No fim, descobrimos que Clay Quartermain se insubordinou contra seus superiores e explode a Base Gama, que fica completamente destruída no fim. É mais um fim dessa encarnação da base, presente desde as histórias dos anos 1970 (em substituição à original anterior) e esse cenário, de fato, ficará ausente pelas décadas seguintes.

O final da edição mostra que Martel e Takata decidiram ir embora – encerrando a participação deles na revista – e Samson é deixado para trás (soterrado nos escombros – e ele também amargará uma longa ausência da revista), mas Bruce, Rick e Clay decidem ir atrás das novas bombas gamas e destruí-las. Ficamos sabendo também que, até então, Bruce não sabia que Betty tinha ficado machucada no seu último encontro e vemos a moça indo embora do hospital e deixando um bilhete para ele, mas a camareira o joga fora.

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Hulk, Clay Quarterman e Rick Jones: a arte cheia de linhas de Todd McFarlane agradou demais o público.

Depois de tanta adrenalina, a edição 338 é quase um intervalo para mostrar a nova dinâmica do trio, que convencem o Hulk a ajudá-los (pois as explosões podem criar oponentes que irá enfrentar), enquanto ele luta contra uma entidade feminina de poderes psíquicos, numa trama de novo orientada por um personagem mundano, um camionheiro ranzinza e mal caráter. O número 339 é outra edição mais mundana, quando o trio foge da SHIELD (e do agente Trump) e encontra Alex Woolcot, um garoto de uns 100 anos com poderes de disparar poderosas rajadas de energia – que o próprio Peter David criara em uma história do Homem-Aranha (em Peter Parker: Spectacular Spider-Man 118, de setembro de 1986) – sendo uma oportunidade para nos lembrar que Bruce Banner fora abusado pelo pai na infância, retomando a trama criada por Bill Mantlo anos antes.

É a primeira vez que David toca nesse ponto que será crucial às suas histórias no futuro não tão distante. A trama é interessante por mostrar que o Hulk, afinal, tem coração, apesar de manter sua fachada de pura raiva e egoísmo, pois ao saber que o pequeno foi abusado pelo pai biológico, cria uma empatia por ele e os dois forjam uma aliança contra a SHIELD, que secretamente tutora o rapaz até perceberem que é melhor que a criança fique com seu pai adotivo mesmo do que a vida errante do Hulk.

Em seguida, vem aquele que é provavelmente o momento mais lembrado dessa fase: o épico confronto entre o Hulk e Wolverine, retomando a rivalidade dos dois personagens quase 200 números depois daquela primeira vez. Para muitos leitores, este encontro, ocorrido em Incredible Hulk 340, de fevereiro de 1988, é o melhor já produzido. O texto de Peter David brinca com Logan tentando segurar os seus impulsos, enquanto a arte de Todd McFarlane esbanja selvageria e inaugura um novo momento para o artista: a partir dali, ele assume não apenas o desenho, mas também o nanquim, deixando sua arte sem interferências de um terceiro. Além disso, McFarlane assume também as capas da revista, que até então ainda eram feitas pelo competente Steve Geiger. Essas novas capas espetaculosas ajudaram o artista canadense a se transformar na maior sensação da Marvel daqueles tempos e elevar as vendas do Hulk como há muito tempo não ocorria. Ah, e repare que McFarlane resgatou o logo da revista formada por tijolos, criado por Jack Kirby ainda nos anos 1960.

Na trama, há um crossover com o arco de histórias que se desenvolvia nas revistas dos X-Men, que eram naquele ponto o maior sucesso da Marvel. No arco A Queda dos Mutantes, um evento místico próximo a Dallas, no Texas, altera o clima e o humor das pessoas, e tanto o Hulk quanto Wolverine são afetados por isso. Os dois se encontram casualmente, cada qual em sua jornada, e o monstro cinza não resiste a tirar a desforra contra o velho rival, enquanto Logan luta para não ceder aos impulsos, mas termina se deixando levar por seu lado selvagem.

A batalha é pura desculpa para McFarlane exibir seus dotes espetaculares, em desenhos de quadros grandes, cheios de volume e ranhuras que deixaram os fãs sem fôlego.

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Selvagem confronto entre Hulk e Wolverine por Todd McFarlane.

No fim, a luta fica inconclusa e é interrompida por Clay Quartermain, com cada um seguindo seu rumo, com Bruce, Rick e Clay indo ao Kansas pedir ajuda ao irmão desse, Alan Quartermain, na edição 341, na localização das bombas, enquanto encontram um homem-touro chamado Selvagem. Há ainda uma menção à jornalista Diane Bellamy, que já não aparecia há bastante tempo.

A trama avança na edição 342, quando após algumas aparições sorrateiras nos números anteriores, finalmente temos um vislumbre dos planos do Líder, que deixa o Meia-Vida atacar o Hulk (apenas para sua diversão) e descobrimos que ele sequestrou Betty Banner e a dupla Samuel LaRoquette e Craig Saunders, pois esses dois últimos foram demitidos das forças da SHIELD por Nick Fury em pessoa, que aparentemente desmobiliza as forças lideradas pelo agente Trump.

No fim, duas coisas importantes: 1) Alan Quartermain descobre que foram produzidas 5 mil bombas gama pelo governo e que elas estão armazenadas num depósito subterrâneo próximo a Yuma, no Arizona; e 2) o Líder percebe que Betty está grávida!

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O reencontro do Hulk com Betty Ross: abordagem madura e ousada do relacionamento por Peter David. Arte de Todd McFarlane.

Então, num golpe de mestre, o Líder simplesmente solta Betty na frente do veículos deles, o que os leva a uma batalha contra um conjunto de robôs e o resgate da moça, na edição 343. Uma vez que a moça está reunida com eles de novo, no número 344, tem outra dolorosa conversa com Bruce e decide fazer algo impensado: ter uma conversa franca com o Hulk.

A cena dos dois é muito interessante, obrigando McFarlane a mostrar seus dotes fora das cenas de ação, enquanto David apresenta um texto incrível, com Betty mostrando como Hulk e Bruce têm muito em comum – o monstro até demonstra ciúmes do tal Ramón. No fim, ela revela que está grávida e o golias cinza faz as pazes com ela. Um ponto alto da longeva fase de David.

Ao mesmo tempo, vemos LaRoquette e Saunders devidamente equipados como dois peões do Líder: Rocha e Redentor, que invadem a instalação secreta do governo e roubam uma bomba gama.

Então, vem o clímax de toda essa primeira fase de Peter David: The Incredible Hulk 345, de julho de 1988, onde o Líder sequestra uma pequena cidadezinha chamada Midletown e ameaça de explodir a bomba gama lá, o que faz o Hulk tentar impedir seu plano, mas a ação de Rocha e Redentor o atrasa demais e o vilão dispara a bomba, aparentemente, matando o Hulk, LaRoquette, Saunders e todos os habitantes da cidade. Vale salientar que o aspecto humano de David permanece mesmo numa épica aventura como essa, com a trama dando foco a cinco moradores comuns da cidade, como o padre e uma dona de casa.

Um epílogo é apresentado na edição 346, na qual Todd McFarlane faz apenas os esboços e a arte é finalizada por Erik Larsen. Na trama, após uma semana, vemos Quartermain, Betty e Rick em uma Comissão Especial do Senado (a versão americana da CPI) pelos eventos que transcorreram da destruição da Base Gama até a explosão de Midletown, onde Clay divulga que recebera ordens para executar Bruce Banner e que isso teria sido o motivo de sua deserção; e sabemos que Betty pensa em realizar um aborto, mas termina desistindo, contando com o apoio de Rick, que pensa em escrever um livro sobre sua experiência com o Hulk.

No fim, a SHIELD organiza uma investigação para saber o que aconteceu e Nick Fury transfere Quartermain para trabalhar diretamente com ele em seu escritório. (Não muito tempo depois dessa história, foi lançada a minissérie Nick Fury vs SHIELD, escrita pelo então editor das revistas do Hulk, Bob Harras, e com arte de Paul Neary, na qual o diretor descobre uma maligna conspiração dentro da agência – por meio daquele Conselho obscuro – e se volta contra ela, precisando reformulá-la em seguida, mas nessa aventura, Clay Quartermain termina sendo morto).

O fim da história da edição 346 revela que o Líder está vivo e bem e ainda consegue resgatar um grupo de cinco sobreviventes da tragédia, agora, seres humanos irradiados de raios gama. Sim, aqueles 5 coadjuvantes da edição anterior.

O destino de Betty e Rick fica em aberto e demorará um bom tempo para vê-los de novo, assim como o Líder e seu plano. A edição tem cara de requiém – pela suposta morte do Hulk – e funciona como isso mesmo, encerrando a primeira fase de 15 meses que Peter David desenvolvera até ali.

A nova fase deixará tudo isso para trás e abrirá um cenário completamente novo e inusitado ao título.

É o fim da estada de Todd McFarlane na revista, também, que se transfere para fazer um enorme sucesso mundial no Homem-Aranha. E também se despede o editor Bob Harras, que passou a investir em sua carreira de escritor, inclusive, na revista dos Vingadores, embora continuasse como editor das revistas dos X-Men.

Joe Tira-Teima

Em The Incredible Hulk 347, de setembro de 1988, Peter David prossegue nos roteiros e inicia uma fase totalmente nova, meio apartada da anterior, e a arte é assumida por Jeff Purves, que tem um estilo complemente distinto de seu antecessor, o que gerou muita reclamação dos fãs. Filho de um militar americano da força aérea, Purves nasceu no Japão, em 1961, mas cresceu no Wyoming, nos EUA, estudante arte e história da arte, e terminou se especializando na animação, no qual trabalhou nos desenhos animados da Marvel Production dos anos 1980 e 90. Daí, que ele teve uma carreira apenas pontual nos quadrinhos e seu trabalho no Hulk foi o seu principal neste campo.

Na trama da edição 347, o tempo avança três meses e descobrimos que o Hulk está vivo (claro, quem achava que ele tinha morrido mesmo?) e vivendo escondido em Las Vegas, fazendo trabalhos como guarda-costas de um gangster local chamado Mickey Berenguetti (dono do Coliseum Cassino) e usando o nome de Joe Tira-Teima (Joe Fixit, no original).

Essa edição introduz rapidamente o novo status quo do gigante cinza numa ambientação bem mundana: o Hulk veste ternos finos e caros, chapéu e óculos escuros para se “disfarçar”, vive numa luxuosa suíte no topo do cassino, tem tudo do bom e do melhor e namora belas mulheres, sob a condição de “espancar algumas pessoas de vez em quando”. Na história, surge um rival para Berenguetti – que é apresentado como o típico mafioso de “bom coração” que detesta as drogas – na figura de Anthony Gold, um mafioso “do mal”, que tenta sequestrá-lo e requer a ação de Joe Tira-Teima, que facilmente surra todo mundo.

Ainda vemos que, como está de mal humor, “Joe” ganha de presente um encontro com uma bela ruiva, que sai de seu quarto pela manhã simplesmente extasiada – e a edição seguinte revela que ela é Marlo Chandler, é modelo e tem quase 1,90 m de altura! Mas também é revelado que, naquela manhã, após três meses, o Hulk sente a presença de Bruce Banner dentro de seu corpo pela primeira, o que lhe causa dor e um grande esforço para que seu lado humano não “saia” e estrague tudo.

Mas como chegamos até ali? Peter David escolhe fazer mistério, e a única informação que temos é um monólogo do Hulk consigo mesmo no qual diz apenas que precisa “agradecer a Gorsham e seus anões” por ter escapado da explosão e não mais se transformar em Banner. Mas o que isso significava? Demoraria algum tempo para descobrir…

Primeira aparição de “Joe Tira-Teima”, por Jeff Purves.

A mudança total de status quo, de ambientação e clima da revista foi um choque para os leitores – envolvidos na fluida trama anterior – mas nada os preparou para a mudança de desenhista: depois de toda a extravagância de Todd McFarlane, Jeff Purves entregava uma arte desengonçada, com movimento ruim e, simplesmente, muito feia mesmo. À exceção de Marlo, todos os personagens – incluindo o Hulk – eram deformados e estrábicos, num efeito horrível.

Não é possível entender como uma mudança desse tipo foi permitida pela Marvel, ainda mais porque as vendas tinham subido muito na etapa final de David-McFarlane, então, o título tinha força. Se era um experimento ou tal qual antes nenhum artista da casa quis assumir a revista, o fato é que a arte do Hulk mudou do vinho para o esgoto em um mês.

Outro exemplo da inacreditável arte de Purves. Repare no rosto do Hulk!

Há um pouco mais de fantasia na edição 348, quando o tal mafioso rival, Anthony Gold, contrata o Homem-Absorvente para matar o Sr. Tira-Teima e o Hulk tem um mau momento, porque o confronto ocorre durante o dia e sua pele começa a queimar por causa da influência do Banner adormecido. Tudo pode dar mal para seu disfarce, porque Creel o reconhece, mas o gigante cinza acaba com ele, despedaçando-o e jogando os pedaços num reservatório de água.

Talvez a Marvel e a nova editora do título, Bobbie Chase, tenham achado que a mudança promovida no título havia sido radical demais e comissionaram para que Peter David envolvesse suas histórias na de outros personagens mais populares para alavancar as vendas em baixa após a saída de McFarlane, daí que ocorre uma série de crossovers do Hulk com o Universo Marvel. Começa com o Homem-Aranha nas revistas Web of Spider-Man 44 e na Incredible Hulk 349, ambas escritas por Peter David (que havia sido roteirista do teioso por muito tempo) e desenhadas por Alex Saviuk e Jeff Purves, respectivamente. Na trama, é revelado que Gold é um representante da Maggia (uma supermáfia da Marvel), que ativa um grupo de supermercenários para se vingar do Sr. tira-Teima e o Homem-Aranha, de passagem por Las Vegas, termina envolvido no conflito. Marlo Chandler termina sendo uma causalidade e fica ferida em um dos ataques.

Hulk e Aranha se encontraram inúmeras vezes ao longo das histórias da Marvel, portanto, eram dois velhos conhecidos, e Peter Parker o reconhece, ficando confuso por achar, como todo mundo, que o Hulk morreu meses antes.

Logo em seguida, o Hulk é sequestrado pelo Doutor Destino, que o manipula para confrontar o Coisa e o Quarteto Fantástico em Fantastic Four 320, por Steve Englehart (lembram dele?) e Keith Pollard, no que resulta em uma grande batalha com o Coisa, que agora tem uma aparência mais ameaçadora – com pedras pontudas – e está mais forte do que o Hulk Cinza.

A batalha tem dois rounds, o primeiro na casa da Primeira Família, onde o Coisa se sai melhor (nos quadrinhos, como no futebol, quem joga em casa sempre tem vantagem), e o segundo em Incredible Hulk 350, por David e Purves, no qual o golias cinzento precisa reconhecer que não tem a força suficiente para bater frente à frente com o velho rival, e por isso, usa o cérebro: adotando técnicas de guerrilha, ele ataca e se esconde, e descobrimos que Ben Grimm não tem a velocidade nem a resistência do Hulk e vai se cansando até ser derrotado com um soco devastador. No meio de tudo isso, o Doutor Destino ainda usa o velho Hulkboot (verde) para confundir Grimm, mas no fim, o membro do Quarteto é mais um a conhecer o segredo da sobrevivência do Hulk.

E você pensa que acabaram os crossovers? Nada disso: já que está em Nova York, o Hulk resolve dar uma passadinha na Mansão dos Vingadores, seu velho time, apenas para descobrir que ela fora destruída – em eventos da revista da equipe já de um bom tempo antes – mas lá ele é flagrado pelo Fera, Hank McCoy (ex-membro dos X-Men, dos Vingadores, dos Novos Defensores e do X-Factor), que pede a ajuda do gigante cinzento em troca de não denunciar seu “retorno dos mortos” aos Vingadores.

É a deixa para o Hulk se envolver na Guerra do Alto Evolucionário, uma saga que transcorreu os anuais da Marvel naquele ano, dentro da política cada vez mais comum na editora de megaeventos conectados por várias revistas. Sua participação se dá em Avengers Annual 17, de novembro de 1988, justamente o capítulo final do arco, que tem duas histórias, a primeira com roteiro de Walter Simonson e arte de Mark D. Bright e a segunda por Mark Gruenwald e Ron Lim. Na trama, o vilão homônimo (lembram dele?) decide evoluir a raça humana à força disparando uma bomba genética na atmosfera terrestre e todos os heróis da Marvel se unem para impedir, resultando nos Vingadores vencendo o vilão com a ajuda do Hulk ao lado de heróis como Homem de Ferro, Hércules, Falcão, Fera e o Capitão América (usando um uniforme negro e o nome de apenas Capitão).

Por interessantes que fossem esses encontros com outros personagens da Marvel – e ele tenham servido efetivamente para tornar mais conhecida a versão Joe Tira-Teima do Hulk – houve um efeito indesejado nisso tudo: ver o personagem na arte de desenhistas muito superiores, como Keith Pollard e Mark D. Bright só diminuíram a qualidade dos feios desenhos de Jeff Purves, e qualquer novo leitor que tenha migrado daquelas aventuras para The Incredible Hulk, provavelmente ficou decepcionado e até assustado com a qualidade incrivelmente inferior do artista no título oficial do monstro.

O Hulk é transportado de volta ao deserto em Incredible Hulk 351, de janeiro de 1989, mostrando Marlo e as amigas chateadas com o desaparecimento de Joe depois que ela foi machucada e o Hulk ainda sentido os efeitos do sol em sua pele e indo dormir, sonhando, então, com o que aconteceu após a explosão da bomba gama seis edições antes: ele foi parar em K’ai, o mundo de Jarella, onde auxiliou o mágico Gorsham contra uma ameaça, que se estende à edição 352. Além de terem enviado uma estátua do Hulk para o lugar onde estava – sendo as cinzas que Rick Jones encontrara na edição 346 – em troca do favor, realizam um feitiço que submerge Banner na consciência do Hulk.

Mas o feitiço se mostra temporário, pois na passagem daquela para a edição 353, o Hulk referte à forma de Bruce Banner pela primeira vez em três meses (em termos cronológicos, e praticamente 8 edições!)! Bruce acorda atordoado e sem memórias das andanças recentes de sua contraparte, seu quarto é atacado por assassinos da Maggia e ele encontra um recado para ligar para Marlo, o que faz, dizendo que é “Bruce Bancroft”, meio-irmão de “Joe”. Num toque de humor que David começaria a imprimir cada vez mais na revista, Marlo duvida e, para confirmar, lhe pergunta qual é a cor de pele de Joe e onde fica uma marca de nascença em alguma parte íntima, o que deixa Bruce envergonhado, mas ele responde. (Na glande?).

A Maggia segue perseguindo Mickey Barenguetti enquanto Bruce é acolhido no apartamento de Marlo, e quando o caminho de todos eles se cruzam, o sol se põe e o Hulk aparece para salvá-los do perigo. Joe é interrogado por onde estava, mas não explica, enquanto passamos a edição 354, na qual o jogo de gato e rato de Bruce, Marlo e Joe continua, mas o Hulk empreende um ataque final às forças da Maggia que perseguiam seu patrão. Ao longo dessas duas edições vimos o manipulador de sonhos, Glorian (lembra dele?) atuando em Vegas e ele ataca no número 355, criando uma ilusão de um mundo perfeito para o Hulk, inclusive, sendo amado por Marlo e Betty!!! Mas Banner o ajuda a se livrar da ilusão.

A história mostra uma amizade algo desconfiada se desenvolvendo entre Bruce e Marlo, e como ele fala mal de “Joe”, ela pensa que ele está com ciúmes, mas no fim, Marlo presencia o Tira-Teima praticamente matar Glorian com as próprias mãos e fica horrorizada.

Mas o manipulador de sonhos está vivo na edição 356 e tenta “ajudar” ao Hulk outra vez, enquanto Marlo percebe que nunca viu Joe durante o dia, e a batalha contra Glorian termina envolvida numa bizarra trama com demônios, Satã e o Inferno na edição 357, na qual Glorian usa seus poderes para Berenguetti e Marlo terem visões assustadoras de Joe lhes atacando, o que mina a confiança de ambos nele. Então, Banner consegue emprego em uma usina nuclear de Yucca Flats, que fica próxima de Las Vegas, usando um bigode como disfarce, e Marlo dá um fora no Hulk.

Bela capa de John Byrne (saudades…).

Após uma luta com um demônio danificar o Coliseum Cassino, Berenguetti demite o Hulk na edição 358 e na 359 vemos a conclusão do arco com Satã tentando levar a alma de Glorian, o Hulk atrapalhando e o Shaper of the Worlds (o chefe de Glorian) aparecendo para dar uma mãozinha no fim. As vendas não iam bem e isso deve ter influenciado o fato dessa última edição ganhar uma bela capa de John Byrne – que voltava à Marvel após um bom tempo – destacando a cena da ilusão de Glorian na qual o Hulk enfrenta Wolverine, Coisa e Abominável.

Enquanto essas estranhas histórias eram publicadas, Joe Tira-Teima teve uma última aventura em crossover dentro de seu contexto original: Wolverine (vol.2) 07 e 08, começando em maio de 1989, com roteiro de Chris Claremont e arte de John Buscema (o irmão mais velho de Sal) mostravam um novo encontro do Hulk com seu rival Logan, porém, dentro de um contexto totalmente diferente: Berenguetti “empresta” Joe a um gangster amigo, que o envia para resolver um problema na (fictícia) ilha-nação de Madripoor (próxima à Indonésia), um local que é uma caricatura do terceiro mundo: uma cidade na qual não há distinção entre crime organizado e Estado e a desigualdade social é absurda. E Wolverine age lá, ironicamente também como um tipo de guarda-costas de um gangster “do bem”, usando a identidade de Caolho (Patch), porque na época os X-Men estavam também dados como mortos após os eventos de A Queda dos Mutantes e tinham base na remota Austrália.

No fim das contas, ao perceber que Tira-Teima é o Hulk, Logan decide se vingar pregando uma série de peças nele e usando a transformação em Banner para humilhá-lo, como por exemplo, enviar garotas para diverti-lo durante o dia e fazer seu avião voar na direção leste, rumo ao nascer do sol. Mas os dois terminam unindo forças contra um cartel de drogas.

Aventuras como essa mostraram o grande potencial que a ambientação incomum de Joe Tira-Teima teria para o Hulk, mas curiosamente, o criador Peter David apenas definiu tal situação e imediatamente começou a desmontá-la, jamais explorando realmente esse potencial. Em vez de manter tramas acerca do crime organizado e do efeito que o Hulk poderia ter nele, ocasionalmente, enfrentando seres mais poderosos, ao contrário, David optou por tramas muito estranhas como aquela do diabo e Glorian. Vá se entender.

Em resumo, apesar do grande potencial de Joe Fixit, esse arco relativamente longo terminou por ser um ponto baixo na carreira do Hulk, por sua arte ruim e por sua história.

Para efeitos práticos, isso encerra a fase de “Joe Tira-Teima” em Las Vegas. Um legado permanece, no sentido que o tal nome servirá de agora em diante como um tipo codinome para o Hulk Cinza de personalidade inteligente e sacana que temos visto nos últimos três anos de histórias.

Curiosamente, a edição 360 foi um número de férias que contou com a arte mais bonita de Dan Reed na capa e na história e o roteiro pelo ex-editor Bob Harras, na qual os irmãos (e entidades cósmicas) Pesadelo e Desespero se unem no propósito puramente sádico de atormentarem Betty Banner e temos a importante revelação de que ela sofreu um aborto e jaz num hospital guarnecida por Rick Jones. Era a primeira vez que esses dois personagens apareciam em 14 meses!

Mas David e Purves estão de volta em Incredible Hulk 361, de outubro de 1989, na qual novamente se recorre ao recurso (muleta) do crossover, com uma aparição do Homem de Ferro, prosseguindo a história advinda de Iron-Man 247 (com roteiro de David Michelinie e Bob Layton e arte deste último), onde o Hulk busca um rumo depois de perder sua boquinha em Las Vegas e termina se envolvendo na trama de Tony Stark contra a HIDRA para resgatar a Madame Máscara. A trama mostra Banner e Stark como velhos amigos – algo que não é lá muito coerente com a cronologia Marvel de então à parte algum retcon futuro – e a colaboração dos dois é planejada num ataque conjunto à Maggia e à HIDRA.

Na época, Stark estava em uma cadeira de rodas – por ter levado um tiro de uma ex-namorada possessiva – e Bruce tenta lhe animar o espírito dizendo que um dia ele vai correr e brincar com o filho ou filha dele, e quando se despedem, Stark não tem coragem de lhe dizer que, ao buscar informações sobre Betty descobrira que ela sofrera um aborto.

Essa edição tem um pequeno diferencial porque a arte de Purves sofre uma significativa melhora na medida em que o nanquim passa às mãos de Marie Severin (lembram dela?), que melhora o resultado final, dando um aspecto mais sólido e de feições menos deformadas aos personagens.

Purves foi retirado das capas, como mostra a edição 362 (com uma capa horrorosa de Kevin Nowlan), que traz uma história que faz um paralelo entre as vidas miseráveis de Bruce Banner e Jack Russell, o velho personagem dos anos 1970, Werewolf by the Night (Lobisomen) em duas batalhas noturnas. Entre elas, vemos o Hulk conseguir adiar em alguns poucos minutos a transformação em Banner (para encerrar a luta com o oponente) e também influenciar a personalidade de Bruce ao ponto que ele liga para Marlo e marca um encontro com ela na usina de Yucca Flats.

A garota sofre um pequeno acidente de carro e precisa pegar uma carona, o que a atrasa demais, e percebendo que está sendo manipulado pelo Hulk, quando ela liga para avisar o que houve, Bruce pede que ela não vá mais. Porém, isso só a faz querer ir mais ainda, mas ela só chega lá de noite e é atacada pelo Lobisomem. Magoado por ela o ter abandonado, Joe tira-Teima hesita um instante, contemplando a possibilidade dela ser esviscerada pelo rival, mas termina a salvando.

Quando os dois se reencontram e compartilham um momento de carinho, o Hulk fica emotivo e lhe diz que quase a deixou morrer e que o que ela amou era algo que estava dentro dele (Banner), mas não era ele, e com isso, se despede dela e vai embora, encerrando de vez o relacionamento que tiveram.

Mas esta não seria a última vez que veríamos Marlo…

Um Ciclo Intermediário

Terminada a Fase de Las Vegas e de Joe Tira-Teima como guarda-costas, a revista entra em um ciclo intermediário cuja grande saga é o arco Contagem Regressiva. A trama começa em The Incredible Hulk 363, de dezembro de 1989, ainda por David e Purves (mas com capa de Gene Colan), que se interliga à saga Atos de Vingança, que se move através de todo Universo Marvel com um grupo de vilões (Dr. Destino, Caveira Vermelha, Mandarim e Loki) organizando que vilões ataquem heróis que não estão acostumados com suas habilidades como forma de ganhar vantagem, e nesta edição, Dr. Destino coloca o Gárgula Cinzento (que transforma as pessoas em pedra) contra o Hulk, mas o monstro vence facilmente.

O mais importante é a subtrama que começa a se desenvolver: o cientista chefe da usina de Yucca Flats, Phillip Sterns revela que sabe quem Banner é e pede que lhe ajude em suas pesquisas, que em troca ele o ajudará a se curar do Hulk. Como o Dr. Sterns parece sincero, Bruce aceita e eles começam a discutir planos.

Arte de Walt Simonson.

A Contagem Regressiva começa oficialmente na edição 364 (com capa de Walt Simonson, que fará essas ilustrações nas edições seguintes), na qual um vilão encapuzado chamado Louco (Madman) convence o Dr. Sterns a injetar um veneno poderoso em Banner e ele o faz ao mesmo tempo em que o Abominável chega para roubar lixo radioativo e reconhece no ato Bruce Banner, mas a ação do veneno faz Bruce ter um ataque cardíaco e o Abominável o joga em uma máquina de raios gama e fica surpreso ao vê-lo como um Hulk Cinza e não verde – afinal, é a primeira vez que os inimigos se encontram desde a saga da Encruzilhada, mais de quatro anos antes, e o gigante cinza está em desvantagem por causa do envenenamento, mas ganha a batalha ao derramar o lixo tóxico na cabeça do Abominável e derreter a pele de seu rosto.

Hulk e Coisa têm uma boa conversa.

Depois da luta, o Hulk tem um ataque cardíaco e desmaia e passamos à edição 365, na qual ele acorda minutos depois e vai embora da usina antes que o Dr. Leonard Samson (de volta após 28 números) chegue para investigar, não acreditando que o Dr. Sterns não conhecesse Banner ou o reconhecesse. O Hulk vai parar em Phoenix, Arizona, onde tinha visto que Reed Richards estaria dando uma palestra, para pedir ajuda, mas termina saindo numa luta acirrada contra a namorado do Coisa, Miss Marvel, que assumiu uma forma feminina de Coisa.

Ironicamente, Ben Grimm está revertido à sua forma humana e quando as coisas acalmam, ele recebe tratamento de Richards e tem uma longa conversa com Grimm sobre a rivalidade deles ao longo dos anos, o que é um grande momento dos diálogos de Peter David.

Arte de Walt Simonson.

Richards descobre que ele foi infectado por um tipo de avançado vírus autoimune que impede seu corpo de curar-se e que embora vá morrer lentamente, irá matar Banner imediatamente. Passamos à edição 366, onde o Hulk está cada vez mais fraco, mas volta a Yucca Flats e interroga o aprisionado Abominável para descobrir quem o envenenou, e termina sendo teleportado à base do Líder, que aparece pela primeira vez em 20 números.

O vilão quer conversar, mas o Hulk tenta fugir (pois quer ir mais ao oeste, evitar o nascer do sol que o transformará em Banner e o matará), e o Líder joga seu novo time de operativos contra ele, com os sobreviventes da explosão de Middletown, que agora são seres gama-irradiados com superpoderes. Sem condições de vencer, o gigante cinza é beneficiado pela suspensão da batalha e o Líder lhe oferece um acordo: ele também teme o Louco e se o Hulk ajudá-lo a detê-lo, ele lhe diz o paradeiro de Betty Banner.

Esta é a última edição desenhada por Jeff Purves. O leitor deve ter percebido a imensa melhora de sua arte a partir do momento em que Marie Severin assumiu o tinteiro – e ela terminou redesenhando partes da arte, dando-lhe contornos mais sólidos e, em especial, refazendo as expressões faciais – mas ainda assim, o trabalho de Purves estava muito abaixo do padrão-Marvel. Sua arte é um ponto muito baixo na longa história do Hulk e ele não deixou saudades em ninguém.

Chegamos então ao último capítulo de Contagem Regressiva, em The Incredible Hulk 367, de março de 1990, ainda por Peter David, mas com arte de Dale Keown. Sem confiar no Líder, o Hulk finge ter um desmaio e o vilão sai da sala, então, o gigante cinza usa a inteligência de Banner para acessar ao computador e tentar descobrir onde Betty está, mas quando precisa usar uma senha, pensa no verdadeiro nome do Líder e lembra que é Samuel Sterns! Quando o vilão volta, o Hulk lhe ameaça matar dizendo que sabe que o Dr. Phillip Sterns tem algo a ver com ele.

O Líder diz que Betty está em Connecticut e lhe explica que Phillip é seu irmão e foi chantageado pelo Louco, que é alguém que se deixou bombardear de raios gama e tem poderes de mudar de forma. O vilão teleporta o Hulk para a casa de Phillip e ele descobre um laboratório subterrâneo secreto, deixando claro que Phillip é o Louco. Quando os dois se encontram, o vilão revela sua verdadeira forma: um ser maciço, de pele vermelha e apenas um olho. Mas o Hulk descobre onde o antídoto está e injeta o veneno no próprio Louco, que começa a morrer.

Mas o Hulk não consegue injetar o antídoto em si, porque sua pele é invulnerável, então, arriscando tudo, força uma transformação em Banner, que injeta em si o antídoto e funciona. Phillip Sterns implora a Bruce que lhe injete a cura também, mas Banner ignora o apelo e deixa o vilão para morrer.

Problemas com Múltiplas Personalidades

Dali em diante, após um longo período em que parecia não saber para onde ir, Peter David retoma os trilhos e parece ter um grande plano à sua frente e a revista entra em uma fase tão boa quanto aquela de McFarlane. Em The Incredible Hulk 368, de abril de 1990, a arte é de Sam Kieth, e Bruce vê a sua casa cercada pelos militares, que descobriram onde ele estava morando desde que deixara o Coliseum Cassino, ele derruba um guarda e rouba seu uniforme, se infiltrando entre os militares e saindo em busca de si mesmo, o que o leva até uma linha de trem, onde consegue fugir em um dos vagões, mas termina por ser encontrado e reconhecido pelo vilão Mr. Hyde, com quem tem uma breve luta.

Mas o mais importante é a subtrama que se inicia: em uma base secreta, um operativo mascarado chamado Prometeus é encarregado de um alvo e parte em um veículo veloz…

Para consolidar a nova fase e sua qualidade, The Incredible Hulk 369 traz a estreia de Dale Keown como desenhista oficial do título (ele tinha desenhado o último capítulo de Contagem Regressiva). Nascido no Canadá, em 1962, Keown era relativamente um novato nos quadrinhos, tendo trabalhado em uma editora pequena chamada Aircel Publishing, e o Hulk foi o seu primeiro grande trabalho. Ele não fez feio e chamou bastante à atenção, fazendo seu nome e ajudando a elevar novamente as vendas da revista. O fato de ser jovem, cabeludo e roqueiro o fez criar um vínculo com Rick Jones e Peter David parece ter sido sensível a isso, pois não apenas Rick começou a ser retratado com a aparência de Keown, como passou a ter algo de sua personalidade, conforme veremos.

A arte limpa e bonita de Dale Keown.

Na edição 369, a caça ao Hulk pelas autoridades continua, e agora, o Governo envia a Força Federal, um grupo que já fora conhecido como Irmandade de Mutantes, antigos inimigos dos X-Men. A líder Mística aparece na história, mas em outras cenas que não envolvem o Hulk diretamente: quem parte para confrontar o golias cinza é o trio formado por Blob, Pyro e Comando Escarlate, que atacam em uma cidadezinha da Carolina do Sul.

Peter David promove um gesto inesperado nas edições 370 e 371 com uma reunião dos Defensores originais, algo que não acontecia desde 1983! Na trama, o Hulk está a caminho de Connecticut para encontrar Betty, mas tem que parar em Nova York, porque o sol está nascendo, mas avista um fenômeno paranormal com eletricidade e terminam se reencontrando com o Doutor Estranho e Namor, o Príncipe Submarino no combate à uma entidade mística e maligna de um outro universo.

Curiosamente, todos os três estavam dados como mortos na época, e a reunião – ainda que breve e sem continuidade – foi bastante interessante uma pequena homenagem às suas histórias dos anos 1970. Também foi uma ótima oportunidade para Dale Keown demostrar suas habilidades, com um traço limpo, bonito e elegante, ainda que não perfeito, mas muito agradável aos olhos, tornando a revista dinâmica e interessante.

No fim, Bruce pede ajuda a Stephen Strange para localizar Betty e, tendo sido médico no passado, o Dr. Strange consegue encontrá-la via um amigo obstetra. Diferente de Tony Stark, Strange tem mais coragem e, finalmente, lhe dá a informação de que Betty sofreu um aborto e lhe dá o endereço completo de onde ela está e quando Bruce chega lá vê que é um convento e Betty está vivendo como um freira!

Uma grande reviravolta começa em The Incredible Hulk 372, de agosto de 1990, quando Bruce é impedido de entrar no convento, Betty decide ir embora e, no desespero de perdê-la, Bruce se transforma no… Hulk Verde. Sim, isso mesmo, o velho Hulk maior, mais forte e menos inteligente. Ele reencontra Betty e os dois saem fugindo juntos.

Na edição 373, o Hulk volta a ser cinza e descobrimos que Bruce, Verde e Cinza estão brigando pelo controle de sua mente no plano mental, mas o Hulk Cinza e Betty têm uma nova conversa e os dois chegam a um acordo, decidindo ir atrás de Rick Jones, que está fazendo uma turnê de sua autobiografia, Parceiro de Herói (Sidekick), e o encontram em Utah, mas são envolvidos por uma tentativa de invasão Skrull nas edições 374 e 375. O trio se reúne na casa de Rick, no número 376, e – terrível coincidência – terminam descobrindo que ele está namorando com Marlo Chandler, o que deixa Betty terrivelmente enciumada ao saber da história, ao mesmo tempo em que vemos que Bruce está lutando terrivelmente para manter os dois Hulks brigando sobre controle.

O estresse da discussão em torno de Marlo termina por fazer Bruce começar a se transformar, alternando entre o Cinza e o Verde ou os dois ao mesmo tempo até apagar sob a forma de Banner. Então, Leonard Samson aparece dizendo que pode ajudá-lo.

Na histórica The Incredible Hulk 377, de janeiro de 1991, Leonard faz uma profunda terapia com Bruce e retomamos os fatos do abuso infantil que ele sofreu conforme mostrados naquela velha história de Bill Mantlo seis anos antes. Agora, fica claro que Brian Banner matou a esposa Rebecca e que o jovem Bruce universitário confrontou seu pai no cemitério após anos aguentando calado os abusos e agressões, mas Leonard termina descobrindo que o Hulk Verde é a manifestação do Bruce criança, incapaz de demonstrar suas emoções, raivoso e que só queria ficar sozinho; enquanto o Hulk Cinza é Bruce adolescente e na Universidade, inteligente, mas meio sacana e extremamente egoísta. O Samson procura fazer é, ao reconhecer suas características principais, apaziguar as três personalidades de Banner e fundi-las em uma só como nunca antes tinha acontecido.

Então, na última cena, vemos Bruce saindo da sala: ele agora é um ser unificado, com a aparência do Hulk Verde, a inteligência de Banner e algo da personalidade sacana do Hulk Cinza.

A Saga do Panteão

Essa grande transformação ocorre já no começo de uma nova fase do personagem, quando David e Keown o envolvem com uma organização secreta chamada Panteão, formado por superagentes que usam os nomes dos deuses e heróis da Grécia Antiga.

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O Professor Hulk: Hulk Verde, do Hulk Cinza e de Bruce Banner integrados em um só! Arte de Dale Keown.

O líder Agamenon convoca o Hulk para ser o líder da organização em sua ausência, pois a inteligência e a força descomunal combinadas criam o candidato perfeito. Banner, então, tenta se impor como alguém a ser admirável e fazer um bem à humanidade que compense os problemas que causou no passado.

Mas ao mesmo tempo, seu relacionamento com Betty fica abalado, pois agora, ele é o Hulk em tempo integral. E Peter David passa a usar um recurso na qual se tornaria mestre – e que explorou bastante na revista X-Factor, um dos derivados dos X-Men, que começou a escrever ao mesmo tempo – o humor.

Assim, Marlo se tornaria a melhor amiga de Betty e a ruiva casaria com Jones em seguida.

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O Hulk combate o Maestro, uma versão envelhecida e malígna de si mesmo. Arte de George Perez.

Enquanto isso, Peter David também lançou a minissérie Futuro Imperfeito para comemorar os 30 anos do Hulk, em 1993. Na história, desenhada por George Perez, vemos o Professor Hulk ser levado a um futuro caótico na qual ele mesmo é um tirano conhecido como Maestro, que matou todos os super-heróis e reina sobre a Terra. Apenas uma pequena resistência age liderada por um velhíssimo Rick Jones.

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O Hulk de Gary Frank: traços simples e dinâmicos.

A Saga do Panteão, contudo, terminou em tragédia, quando é revelado que Agamenon é um vilão, o que resulta em uma guerra entre seus filhos. À esta altura, Dale Keown já tinha partido e substituído pelo também ótimo Gary Frank.

O Fim

Após o fim daquele longo arco, o Hulk passa a viver escondido, dando início a uma fase de menor fôlego do personagem, quando os anos aos quais Peter David vinha escrevendo começaram a pesar em seus ombros. Não ajudou a instabilidade e qualidade ligeiramente inferior dos novos desenhistas, como Liam Sharp e Angel Medina.

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A arte do brasileiro Mike Deodato Jr.

Uma boa exceção à regra foi a arte fantástica do brasileiro Mike Deodato Jr., que desenhou a revista entre os números 447 e 453, de 1996 e 1997.

A última fase do Hulk por Peter David melhorou os roteiros, ajudado, talvez, pela arte de Adam Kubert. Nas tramas, o Gen. Ross está de volta e reinicia sua guerra contra o Hulk. O Maestro também chega ao presente.

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Capa de “Incredible Hulk 460” por Adam Kubert.

É dessa época uma das melhores histórias do Hulk: Incredible Hulk 460, 1998, na qual Bruce Banner trava uma batalha mental contra si mesmo e, no caminho, revisita sua vida familiar e, principalmente, sua relação com seu pai, Brian Banner. Já sabíamos que Brian Banner havia matado sua esposa, Rebecca, e forçado o pequeno Bruce, ainda criança, a testemunhar ao seu favor no tribunal. Mas esta história avança no tempo e mostra o que houve depois. Fica implícito que Bruce matou o pai sem querer em uma briga! A arte de Adam Kubert deixa tudo ainda melhor.

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Peter David deu novo status à rivalidade entre o HUlk e o Gen. Ross, acrescentando respeito, humor e ironia.

Em seguida, Bruce e o Gen. Ross descobrem que Betty Ross está envenenada pela radiação gama do marido e, apesar dos esforços de ambos, termina morrendo.

Esta história terminou levando ao fim da longuíssima temporada de Peter David à frente do título, porque a editoria da Marvel – nas mãos de Bob Harras – decidiu usar aquela tragédia para trazer o Hulk selvagem e irracional de volta, algo que David discordava.

Peter David deixou a revista Incredible Hulk na edição 467, de 1998, após 12 anos e 137 edições! Um recorde imbatível.

Intermédio

Após a partida de Peter David, demorou um tempo para o Hulk entrar novamente nos eixos como um personagem relevante. Joe Casey assumiu a revista, mas a Marvel decidiu cancelar Incredible Hulk na edição 474, de 1999.

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A fase de John Byrne e Ron Garney não foi bem recebida.

No mês seguinte, estreou Hulk (vol 2) 01, com textos de John Byrne (de volta depois de 13 anos!) e arte de Ron Garney, mas esse arco não foi bem recebido pelo público e pela crítica, durando apenas oito edições. Outros escritores como Erik Larsen e Jerry Ordway também não conseguiram levantar a moral da revista.

Fase Cult

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O início da fase de Paul Jenkins, ainda com Ron Garney nos desenhos.

A Marvel decidiu dar um novo direcionamento para o Hulk e convidou o escritor Paul Jenkins para assumir o título em 2000. O nome da revista mudou para Incredible Hulk (vol 3), mas se manteve a numeração baixa, de modo que a estreia da nova fase foi no número 12.

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A bela arte de John Romita Jr.

Conhecido por suas abordagens psicológicas dos personagens, Jenkins produziu uma série em que Bruce Banner se esforça para conter suas quatro personalidades (o Hulk Verde selvagem, o sacana Hulk Cinza, o Professor Hulk e ele mesmo) sob controle. Cada uma delas podia controlar o corpo durante algum tempo e se uniram para combater uma quinta personalidade, uma versão sádica do Hulk – talvez o início do caminho rumo ao Maestro. Os desenhos ficaram a cargo de Ron Garney e, depois, por John Romita Jr. e Kyle Hotz.

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O Hulk combate o Homem de Ferro na arte selvagem de Mike Deodato Jr.

Em 2002, foi a vez do escritor Bruce Jones assumir a revista, iniciando uma trama bastante complexa e apreciada pela crítica na qual Bruce Banner usa a ioga para controlar o Hulk, enquanto é perseguido por uma misteriosa agência secreta em meio a uma teoria da conspiração.

Esta fase durou até 2005 e a arte ficou primeiro com Lee Weeks e, depois, com o brasileiro Mike Deodato Jr. Na visão do artista, o Hulk ganhou um visual selvagem como poucas vezes foi retratado, sendo uma das imagens modernas favoritas do golias verde.

Depois, Jae Lee também desenhou a revista.

Peter David ainda voltou ao Hulk uma vez mais, em seguida, para escrever o arco Tempest Fugit, na qual “revela” que o vilão Pesadelo era o responsável por muitos dos infortúnios do personagem nos últimos anos, arco que não agradou ao público.

Nos Cinemas

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O Hulk de Ang Lee, em 2003.

Enquanto sua revista fazia sucesso entre os críticos, o Hulk chegou pela primeira vez aos cinemas. Em 2003, o estúdio Universal lançou o filme Hulk, dirigido pelo conceituado diretor chinês Ang Lee (O Tigre e o Dragão, O Segredo de Brokeback Montain, Aconteceu em Woodstock) e estrelado por Eric Bana como Bruce Banner e Jennifer Connely como Betty Ross.

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Jennifer Connelly (Betty Ross) e Eric Bana (Bruce Banner): abordagem psicológica.

É uma boa história à princípio, com uma abordagem bastante psicológica de Banner e centrada na figura de seu pai, mas que falhou em convencer o público por meio da versão digital do golias verde e no terceiro ato do filme, que se torna confuso, chato e desequilibrado em relação ao início.

De qualquer modo, Hulk não foi bem nas bilheterias, num ano que teve como concorrentes filmes como Demolidor, também da Marvel. E embora tenha se iniciado a escrita do roteiro de Hulk 2, o filme jamais aconteceu e a Universal desistiu dos direitos do personagem que voltaram para à Marvel.

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O Hulk de 2008: mais selvagem.

Assim, a Marvel aproveitou a emergência do Marvel Studios, sua própria produtora cinematográfica, para lançar um novo filme do golias verde. O Incrível Hulk estreou em 2008 (apenas cinco anos depois do primeiro), numa mistura de reinício e sequência, com um elenco totalmente novo: Edward Norton como Bruce Banner e Liv Tayler como Betty Ross, mas agora com um vilão físico à altura de sua força física: o Abominável, interpretado por Tim Roth.

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Edward Norton (Bruce Banner) e Liv Tyler (Betty Ross): busca por uma cura.

Novamente, o filme não foi bem nas bilheterias, mas foi o suficiente para ingressar o personagem no Universo Marvel dos Cinemas, que foi lançado naquele mesmo ano com Homem de Ferro e prosseguiu com Homem de Ferro 2, Thor e Capitão América – O Primeiro Vingador, todos preparando o terreno para o grande iencontro antes inimaginável: Os Vingadores, que estreia em abril de 2012.

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Mark Ruffalo como Bruce Banner (esq.), junto a Tony Stark (robert Downey Jr.) em Os Vingadores.

Em Os Vingadores – que funciona como uma sequência de O Incrível Hulk – Bruce Banner é interpretado por Mark Ruffalo, que está fugitivo, aparentemente na Índia e é recrutado pela SHIELD para a equipe de super-heróis que vai enfrentar Loki.

Além do filme da equipe, está em desenvolvimento uma nova série de TV do Hulk, comandada por ninguém menos do que Guilhermo Del Toro (O Labirinto do Fausto, Hellboy) e que é possível estrear ainda em 2012 dentro dos projetos da nova Marvel TV, que também planeja séries do Justiceiro, Harpia, Manto e Adaga e Jessica Jones.

Novos Tempos

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Planeta Hulk foi adaptado como um desenho animado em longametragem pela própria Marvel.

O status do Hulk foi totalmente modificado em 2006 com o arco Planeta Hulk, lançado a partir de Incredible Hulk (vol 3) 92 e foi até a edição 105, na qual o escritor Greg Pak e o desenhista Carlos Pagulayan criam uma história totalmente não-ortodoxa: o grupo secreto dos Illumiati (Homem de Ferro, Namor, Dr. Estranho, Charles Xavier, Reed Richards e Raio Negro, dos Inumanos) decide banir o Hulk da Terra por causa de seus problemas.

O gigante verde termina em um planeta chamado Sakaar, onde é obrigado a lutar como um gladiador contra outras criaturas alienígenas tão poderosas quanto ele. Mas o Hulk termina se tornando um campeão e líder de uma rebelião que tira do poder o Rei Vermelho que governava o local.

Estabelecido como o novo rei, o Hulk começa a perceber que nunca teve uma vida melhor, mas a nave em que chegou explode e destrói o planeta, matando inclusive sua esposa, Caiera, que estava grávida de seu filho.

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Hulk Contra o Mundo por John Romita Jr.: sonho nerd.

Enlouquecido de ódio e vingança, o Hulk decide voltar à Terra para se vingar dos Illumiati, o que dá a origem à minissérie Hulk Contra o Mundo (World War Hulk, no original), escrita por Pak e desenhada por John Romita Jr.

Cronologicamente, este evento revela ao mundo a existência dos Illumiati, que até então era o um grupo extremamente secreto que interferia nas questões sobrehumanas.

Ao fim da história, o Hulk se entrega e Bruce Banner é tomado sob custódia pela SHIELD.

Hulk Vermelho

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Hulk Verde vs. Hulk Vermelho na arte de Ed McGuiness: sem comentários.

Neste ponto, o escritor Jeph Loeb e o desenhista Ed McGuinnes (que haviam produzido a revista Superman/Batman para a DC Comics) dão prosseguimento a uma fase na qual surge um misterioso novo Hulk: o Hulk Vermelho, que absorve a energia gama de Banner, que fica impedido de voltar a ser o Hulk.

A revista Incredible Hulk (vol 3) muda o título para Incredible Hercules, estrelada pelo semideus da mitologia grega que, no Universo Marvel, é um dos membros dos Vingadores. Paralelamente, sai a revista Hulk (vol 2) estrelada pelo novo Hulk Vermelho.

Na trama, Bruce Banner encontra seu filho, Skar, e começa a treiná-lo para matar o Hulk caso ele volte. Mais tarde, é revelado que o Hulk Vermelho é o Gen. Ross e que a Mulher-Hulk Vermelha é Betty Ross.

É, não é realmente o Hulk em seu melhor momento, não é mesmo?

O Presente

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Capa de “Avengers Assemble 01” por Mark Bagley.

Em 2011, o personagem ganhou uma “nova” revista Incredible Hulk (vol 4), com textos de Jason Aaron e arte de Marc Silvestri, numa trama em que Banner e Hulk estão novamente separados.

O golias verde irá retornar aos Vingadores em 2012, na nova revista Avengers Assemble, escrita por Brian Michael Bendis e desenhada por Mark Bagley, na qual a equipe terá a mesma formação do filme (Capitão América, Thor, Homem de Ferro, Hulk, Viúva Negra e Gavião Arqueiro), mas dentro da cronologia padrão do Universo Marvel.