wonder-woman-movie-official-poster-braceletsEste post já tinha sido publicado anteriormente em uma versão menor quando dos 70 anos da Mulher-Maravilha, em 2011. Agora, com a chegada de seu primeiro filme, o HQRock promove um upgrade no Dossiê Especial da Princesa Amazona.

A estreia da maior de todas as heroínas se deu em outubro de 1941, na revista All-American Comics 08, com data de capa de dezembro e janeiro (as datas das capas são referentes ao recolhimento das revistas, não aos lançamentos).

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A capa de All-Star Comics 08, de 941 (com destaque à Sociedade da Justiça), traz a estreia da Mulher-Maravilha. Ao lado, a página de abertura com sua primeira história.

Criada para ser uma versão feminina dos vários super-heróis que começavam a ser publicados nos fins dos anos 1930 e inícios de 1940, ao longo das décadas, ela se tornou um ícone do Movimento Feminista e a mais emblemática das personagens femininas dos quadrinhos de super-heróis.

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William Moulton Marston e sua criação.

A história da criação da personagem por si só já é bastante emblemática. A Mulher-Maravilha foi criada pelo psicólogo norteamericano William Moulton Marston, que tinha ideias bem radicais e libertárias sobre sexo e gênero. No início dos anos 1940, Marston era um dos psicólogos mais famosos dos Estados Unidos e o inventor do Detector de Mentiras, o polígrafo, aparelho que analisava a frequência cardíaca e a tonalidade da voz para identificar se as pessoas estavam mentido ou não, máquina essa utilizada em massa pelas polícias dos EUA durante o século XX.

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A primeira capa com a Mulher-Maravilha, em Sensation Comics 01, de 1942.

A inspiração para a personagem foi sua própria esposa, Elizabeth Marston, que seria um protótipo da mulher moderna e não-convencional para a época. Mas também se baseou em sua aluna Olive Byrne, já que os três viviam uma relação poligâmica. A aparência dela veio em grande parte de Elizabeth, mas a personalidade era de Olivia, bem como a inspiração para o uso de braceletes.

O envolvimento de Marston com ideias feministas não era casual, já que ele era um ferrenho defensor de mais direitos civis às mulheres e foi um dos que pressionou as universidades americanas para aceitarem mulheres como estudantes. Marston também desenvolveu teorias sobre a força feminina, acreditando que se o mundo se abrisse mais às mulheres a humanidade seria beneficiada. Sendo um renomado psicólogo desde a juventude, ele endossou campanhas por controle de natalidade e amor livre.

Olive Byrne na graduação.

Além disso, Olive Byrne era uma herdeira de peso do movimento feminista original, aquele das sufragistas. Ela era filha de Ethel Byrne, uma enfermeira pioneira na luta pelo controle de natalidade entre as mulheres. Como o marido era um trabalhador de vidro com comportamento abusivo, Ethel entregou os dois filhos (Olive e seu irmão) aos avós, mas quando esses morreram e ela tinha 10 anos, foi entregue a um orfanato. Quando chegou aos 16 anos ficou sabendo de sua mãe e de sua luta política por meio de sua tia, Margareth Sanger. Daí, Olive passou a ajudá-las em sua luta.

Ethel Byrne e Margareth Sanger ficaram nacionalmente famosas em 1916, quando a clínica de prevenção à natalidade que abriram no Brooklyn (e que se destinava especialmente às mulheres migrantes, inclusive, com material de divulgação escritos em italiano e ídiche) foi fechada pela polícia, sob acusação de material “pornográfico”. Na prisão, Byrne realizou um protesto sob a forma de uma greve de fome que durou 185 horas e quase à levou à morte. Infelizmente, com o passar do tempo, sua irmã Margareth Sanger ficou mais conhecida no movimento, sendo autora de obras como Woman and the new race e The Pivot of Civilization.

William Marston e sua família.

Olive Byrne representava essa herança do movimento feminista e carregava essas ideias quando foi estudar Medicina na Tuffs University, em 1925, onde foi aluna de William M. Marston. Destacada intelectualmente, Olive se tornou assistente de pesquisa de Marston e os dois se descobriram defensores da sororidade e do amor livre. Byrne terminou se tornando amante de Marston e da esposa dele, Elizabeth. Casada com ambos, em 1930, Olive decidiu não usar alianças, mas dois braceletes nos braços, o que seria a inspiração para aqueles usados pela Mulher-Maravilha.

Olive Byrne e seus braceletes, escrevendo.

Byrne não chegou a completar seu doutorado em Psicologia, mas virou escritora da revista Family Circle assinando sob o nome Olive Richard. Sua bagagem intelectual e sua habilidade como escritora são indícios fortes de que ela também escrevia as histórias da Mulher-Maravilha ao lado de Marston.

Em 1940, Marston publicou uma entrevista na revista Family Circle entitulada “Don’t laught at he comics” (não ria dos quadrinhos), na qual defende o enorme potencial educativo desse gênero literário. O psicólogo foi contratado como consultor educional das editoras National Periodicals e All-American Comics, as duas subdivisões da DC Comics. Logo, o autor fez uma proposta ao seu editor na All-American, Max Gaines, sobre a perspectiva de criar uma super-heroína que combatesse o mal não apenas com os punhos, mas também com o amor. Assim, nasceu a Mulher-Maravilha.

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Nos escritórios da All-American Comics, da esq. para dir.: Martson, H.G. Peter, Sheldon Mayer, e o editor Max Gaines.

Marston mergulhou fundo na escrita dos roteiros, sempre com detalhes do que queria, inclusive, no aspecto visual dos personagens. O desenhista H.G. Peter era um veterano dos quadrinhos e já tinha 65 anos (!) em 1942. Marston tinha 46 anos. Ficou lendário o fato de Peter ter pensado na heroína com sandálias, mas Marston insistiu que usasse botas vermelhas. Outro detalhe é que ela usava saia nas primeiras aparições, mas dentro de um ano adotou uma sunga. Além disso, o psicólogo usava o pseudônimo de Charles Moulton, para assinar as histórias e distingui-las de sua produção científica. Moulton era seu nome do meio e Charles era o primeiro nome de Max Gaines.

Marston discutia intensamente suas teorias e os temas das histórias com Elizabeth Holloway e instruía Harry G. Peter nos mínimos detalhes de como devia desenhar. Olive Byrne atuava como um tipo de secretária e ajudava na datilografia dos roteiros, mas é bem provável que também tenha colocado suas ideias, ajudado a desenvolver os conceitos e, pelo menos depois de algum tempo, também escreveu algumas histórias sozinha. Vários relatos afirmam que Marston tinha um pouco mais de dificuldade com os diálogos e precisava de ajuda nessa parte.

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Diana ganha seu uniforme da mãe, Hipólita.

Inspirado pelas ideias sexuais liberais e pela mitologia grega, Marston criou a história em que as amazonas, semideusas da Grécia antiga, viviam em uma ilha isolada e secreta chamada Themysciria, também conhecida como Ilha Paraíso, até que um avião pilotado pelo norteamericano Steve Trevor cai no lugar. A rainha das amazonas, Hipólita (figura que na mitologia grega teve um filho com Teseu) decide fazer um torneio para que uma delas leve o homem ao seu país de origem e, ainda, atue como embaixadora das amazonas no “mundo do patriarcado“. A filha de Hipólita, Diana, é proibida de participar do torneio, mas o disputa com uma máscara e ganha. Sem outra opção, Hipólita envia Diana e Trevor aos Estados Unidos para que ela cumpra a sua missão.

A capa de “Wonder-Woman 01”, de 1942.

A estreia da heroína foi na revista All-Star Comics 08, de dezembro de 1941, uma revista especial, bimestral, que vendia muito por trazer as aventuras da Sociedade da Justiça, que reunia heróis como Flash, Lanterna Verde e Gavião Negro. Era uma maneira de apresentá-la a um público mais amplo, mostrando a história de sua origem.

Logo em seguida, a Mulher-Maravilha passou a ser publicada na revista Sensasional Comics 01, de janeiro de 1942, sendo o carro-chefe da publicação e sua primeira capa. A história nessa revista mostra os desdobramentos da origem, com a Mulher-Maravilha chegando aos EUA. Numa sacada esperta da época, Diana é convencida por um promotor de eventos a fazer uma turnê demonstrando suas habilidades de desviar balas com os braceletes para ganhar dinheiro. Mas pouco depois, com a ajuda de Steve Trevor, ela cria a identidade secreta de Diana Prince, na qual prende o cabelo e se esconde com um óculos, tal qual o Superman.

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A Mulher-Maravilha liberta as Amazonas de brutamontes gregos na capa de Sensation Comics 11.

Aquela história também deixava claro que a Mulher-Maravilha era superforte e rápida o suficiente para correr mais do que um carro em alta velocidade e desviar as balas com seus braceletes. As edições seguintes de Sensation Comics mostravam Diana se enturmando ao mundo dos homens e enfrentando uma série de ameaças, enquanto atua como um tipo de Embaixadora de Themyscira para o mundo. As missões de Steve Trevor fizeram ele ser condecorado como Major em Sensation Comics 06, ao mesmo tempo em que ela assumia a identidade de Diana Prince a partir de uma mulher que realmente existia, mas que queria visitar o marido soldado na América do Sul – provavelmente no Brasil, pois era onde os EUA tinham suas principais bases militares no Atlântico Sul – e a Princesa Amazona arranjou o dinheiro para que a enfermeira fosse e tomou o seu lugar.

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Mostrar uma mulher batendo em valentões não era pouca coisa em 1942. Capa de Sensation Comics 07.

As aventuras misturavam a Mulher-Maravilha combatendo as forças do Eixo na II Guerra Mundial, bandidos nas grandes cidades e deuses do Olimpo, bem como alguns alienígenas.

Diana dá umas “palmadas” em uma colega.

O sucesso foi imediato e seguindo a tradição da DC, a personagem estreou um novo título com seu próprio nome, no verão de 1942, uma revista trimestral especial com mais páginas. Wonder-Woman seria publicada sem interrupções até 1986, fato raríssimo nos quadrinhos.

Na primeira edição da revista com seu nome, a Mulher-Maravilha combate duas grandes ameaças gregas: Ares, o deus da guerra e Hércules, o semideus filho de Zeus. Enquanto este é retratado como um grande machista (representando os “velhos tempos” e escancarando como algumas coisas não mudaram), Ares permaneceria como um dos principais vilões da galeria de inimigos da Princesa Amazona, constantemente utilizado em eventos especiais.

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Diana é criada a partir do barro.

Outro aspecto importante de Wonder-Woman 01 é que a revista era uma edição especial com 64 páginas e trazia nada menos do que cinco aventuras inéditas da heroína de uma só vez. Um dos destaques foi a primeira história, batizada de Origem, que mostra o que aconteceu antes dos eventos mostrados em All-Star Comics 08 (na qual Steve Trevor caí na Ilha Paraíso): é neste conto em que é introduzido o conceito de que Hipólita, a mãe de Diana, moldou a filha no barro e Atena, deusa da sabedoria, lhe deu o sopro da vida. Era uma maneira criativa e poética de Marston explicar como poderia haver nascimentos em uma terra na qual não havia homens. Mitologicamente, a ideia tem muita força, porque na Bíblia Cristã, Deus cria o Homem a partir do barro, mas a Mulher é criada a partir de uma costela do primeiro homem. No conto de Marston, a mulher é diretamente criada do barro, sem intermediários.

As primeiras histórias da Mulher-Maravilha também eram permeadas do que os historiadores de hoje percebem como fantasias sexuais do próprio Marston, particularmente relacionadas ao lesbianismo e ao sadomasoquismo. A quantidade de personagens femininas amarradas e amordaçadas nas histórias é impressionante, além de haver centenas de pequenas referências lésbicas nas histórias, envolvendo Diana e suas “amigas”. Ela tinha todo um elenco de coadjuvantes femininas, algumas das quais também Amazonas. Mas a principal era a gordinha Etta Candy.

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Mais mulheres amarradas na capa de Sensation Comics 09, de 1942.

Inclusive, havia algo nos poderes da Mulher-Maravilha que estava relacionado ao poder da mente e do treinamento das amazonas na Ilha Paraíso, indicando que ela não seria digna de suas habilidades se se deixasse subjugar por um homem. Nas tramas, se ela fosse amarrada por um homem ao ponto de tocar seus braceletes, perderia todos seus poderes. Isto era chamado de A Lei de Afrodite.

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A Mulher-Maravilha é vítima da Lei de Afrodite.
Personagens amarradas eram constantes. Inclusive no Laço da Verdade.

Além disso, o “laço da verdade“, a principal arma da Mulher-Maravilha, uma corda mágica, obrigava qualquer pessoa a ser envolvida nele a contar a verdade, o que os historiadores percebem como uma referência ao próprio polígrafo de Marston.

O sucesso da Mulher-Maravilha nas bancas fez com que além das duas revistas – a mensal Sensation Comics e a trimestral Wonder-Woman – a heroína também passasse a aparecer no título na qual fez sua estreia: All-Star Comics. A revista trazia as aventuras de vários personagens, mas o carro-chefe desde o início era a Sociedade da Justiça, o primeiro grupo de super-heróis dos quadrinhos, que reunia os principais nomes da All-American Comics: Flash, Lanterna Verde, Dr. Meia-Noite, Homem-Hora, Sandman, Gavião Negro (Hawkman), Espectro, Átomo, Sr. Destino, Starman e Johnny Thunder. Infelizmente, numa posição que ia em descompasso com as ideias de Marston e as aventuras solo da Princesa Amazona, a heroína foi reduzida ao cargo de membro honorário e secretária (!) do grupo; o que significava aparecer nas capas e participar das histórias, mas não entrar em ação ao lado dos heróis.

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A heroína na Sociedade da Justiça.

Tal questão deixou Marston furioso e gerou alguma tensão com Max Gaines, porém, o editor contornou a situação. Depois de algum tempo, a Mulher-Maravilha foi integrada à equipe, mas Marston e Peter nunca se envolveram diretamente com essas histórias. A Sociedade da Justiça era geralmente escrita por Gardner Fox ou Robert kanigher e tinha como desenhistas nomes como Frank Harry, Irwin Hasen e Joe Gallagher.

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Mulher-Maravilha não podia sair em ação porque era secretária.
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A Canário Negro também se torna “honorária”, em 1947.

Infelizmente, a questão da “secretária” foi repetida algum tempo depois: quando a Sociedade da Justiça admitiu sua segunda membro mulher, a heroína Canário Negro, esta foi designada como secretária, com a Mulher-Maravilha guardando esperanças de que a colega um dia viraria membro ativo.

De volta aos anos iniciais da Mulher-Maravilha em suas próprias aventuras, a dupla Marston e Peter estava bem ocupada realizando Sensation Comics e Wonder-Woman, mas também conseguiram emplacar uma tira de jornal da Amazona em 1943. Na época, as tiras tinham muito mais prestígio do que as revistas mensais, e eram consideradas uma “arte maior”. Contudo, diferente das revistas, a Mulher-Maravilha não conseguiu emplacar nos jornais e a tira foi cancelada dentro de um ano.

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Capa de uma coletânea com as tiras de jornal da Mulher-Maravilha.

O grande volume de trabalho obrigou a Marston e Peter a abrirem um estúdio, prática comum naqueles tempos, nas quais os nomes principais de uma revista empregavam outros roteiristas e desenhistas para lhes auxiliarem na produção das histórias. Às vezes, “auxiliar” significava fazer todo o trabalho, mas sempre sob a supervisão dos chefes. Foi criado o Marston Art Studio na prestigiosa Madison Avenue, em Nova York. O escritório de Marston ficava no topo e o psicólogo abandonou a carreira científica para cuidar das aventuras da Princesa Amazona.

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Abaixo, ficava a redação, que era liderada por Marjorie Wilkes Huntley, que além de coordenar os trabalhos, também fazia parte do letreiramento das revistas. Como Marston não tinha muita experiência na criação de diálogos, ele contava com a assistência da escritora Joey Hummel, que desenvolvia e aprofundava as tramas, o que criava o incrível diferencial de a Mulher-Maravilha ter suas histórias escritas por uma mulher, mesmo que, infelizmente, ela não recebesse os devidos créditos. Ainda assim, em algumas ocasiões, o nome Joey Murchison (seu pseudônimo) aparecia nas revistas. Outra mulher que escrevia histórias da Amazona era Alice Marble, uma ex-tenista profissional aposentada que também servia como editora assistente da revista.

No campo da arte, H.G. Peter tinha a idade bastante avançada e não dava conta do volume de produção, então, contava com um verdadeiro time de desenhistas mulheres para realizar o trabalho de desenhar e fazer arte-final de cenários e personagem coadjuvantes, com Peter fazendo arte e nanquim das figuras principais. Quem pintava as histórias era Helen Schepens e o letreiramento também ficava à cargo de mulheres: Margaret Wroten e Louise Marston, além de Jim Wroten. 

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As vilãs: Giganta, Rainha Clea, Blue Snow Man, Dra. Veneno, Zara, Mulher-Leopardo e Eviless.

De volta às aventuras solo da Amazona, a Mulher-Maravilha ia ganhando todo um universo ficcional particular em suas histórias. Dentre seus principais vilões estavam Ares, o deus grego da guerra (em Wonder-Woman 01); Dra. Veneno (uma cientista nazista que usava um uniforme para ficar parecendo um homem – no inglês Dr. Poison não tem gênero definido – e que estreou logo em Sensation Comics 02); Cheetah (também chamada de Mulher-Leopardo no Brasil, é uma socialite esquizofrênica que se vestia como uma felina, que estreou em Wonder-Woman 06, de 1943); Rainha Clea (líder do reino de Venturia, parte do continente submerso de Atlântida, que lutava para dominar o reino vizinho de Aurania. Clea escravizou os homens de seu reino e os condenava à morte em lutas de gladiadores. Estreou em Wonder-Woman 07, de 1944); e Giganta (uma guerreira brutamontes de mais de 2m de altura e superforte, que surgiu em Wonder-Woman 09, de 1944), dentre outros.

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A capa de Sensation Comics 28 deixa claro que a Mulher-Maravilha era um contraponto ao Superman, repetindo a cena de erguer um carro tal qual o homem de aço fez em Action Comics 01.
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Diana se regojiza ao encontrar uma sociedade em que as mulheres comandam e diz que “botaram os homens em seu lugar”: discurso feminista sério.

As aventuras estavam focadas em mostrar Diana batendo em homens, principalmente, de algum modo mostrando que as mulheres podiam ser superiores nisso também. As histórias estavam cheias de discursos feministas, na qual a heroína e as Amazonas colocavam os homens em uma situação de inferioridade. Mas em vez de chiste, as tramas levavam isso a sério mesmo .

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Steve Trevor queria casar. Ela não.

Um aspecto bastante interessante disso era a relação de Diana com Steve Trevor. Apesar dela amar o militar americano, era ele quem bancava o “bobo apaixonado”. As histórias de Marston mostravam Trevor como um militar eficiente, mas após a morte do escritor, o personagem foi ficando cada vez mais parecido com uma versão invertida da Lois Lane casamenteira dos anos 1950 e 1960. Assim, Trevor vivia pedindo a Diana que os dois casassem, enquanto ela o negava dizendo coisas como “só faremos isso depois que não houver mais maldade no mundo”. De fato, ela não estava mesmo a fim de casar, rsrsrsrs. Nas histórias posteriores à morte de Marston, Trevor virou alguém que sempre entrava em perigo e precisava ser salvo por Diana.

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Joye Hummel foi a primeira mulher a escrever as histórias da Mulher-Maravilha.

Marston desenvolveu poliomelite e foi ficando cada vez mais doente. Por causa disso, a partir de 1945, Joye Hummel ganhou cada vez mais espaço como principal escritora das aventuras da amazona. Marston supervisionava as coisas, mas era Hummel quem escrevia as revistas, que também eram desenhadas por duas mulheres anônimas, enquanto Peter apenas supervisionava e fazia as capas de Wonder Woman. Como apenas o nome “Charles Moulton” saia nas revistas, a contribuição de Hummel ficou um pouco esquecida, mas ela foi lembrada em 2016, quando na Comic Con de San Diego foi premiada pelo Prêmio Bill Finger de escritores de quadrinhos. Na ocasião a escritora de mais de 90 anos lembrou em uma entrevista:

Minha associação com o Dr. Marston começou quando eu me graduei na Katherine Gibbs. Dr. Marston foi meu professor de psicologia. Ele me convidou para trabalhar com ele como secretária-escritora porque eu ganhei a nota máxima nas provas e, por causa disso, poderia entender sua teoria por trás da Mulher-Maravilha. Logo depois que fui contratatada, o Dr. Marston foi atingido pela paralisia infantil, o que fez minhas responsabilidades aumentarem muito. Eu também dava aulas em faculdades etc. Nos quadrinhos eu fui bem recebida, em parte, porque eu me parecia com a Mulher-Maravilha em aparência. 

Os roteiros eram escritos na forma de peças de teatro, alguns por mim, alguns pelo Dr. Marston e outros por nós dois. Eles eram primeiro submetidos ao [editor] Sheldon Mayer para aprovação; então, os roteiros seguiam para Harry G. Peter e duas mulheres que desenhavam para ele. Direções explícitas no roteiro explicavam aos artistas exatamente o que desenhar: roupas, cenário. O primeiro layout era feito à lápis e era checado por mim para ter certeza de que eles seguiram o roteiro. Emntão, os layouts seguiam para a tinta e mandados ao escritório dos editores para a checagem final e a impressão. Eu não me lembro das capas serem feitas por Harry G. Peter, exceto na revista Wonder-Woman. Ele sempre assinava suas capas. 

O Dr. William Marston era um psicólogo excepcionalmente brilhante. Eu acho que conheço a pesquisa original que ele fez com o detector de mentiras em Harvard. Ele se especializou em psicologia feminina. A Mulher-Maravilha não era para ser apenas mais uma história de aventura trazendo uma mulher super-herói. Era por isso que era difícil conseguir outros escritores para os quadrinhos depois que o Dr. Marston morreu e eu me aposentei, por causa do meu casamento. O Dr. Marston, muito antes do movimento das mulheres, sentia que as mulheres deviam ter uma influência maior no mundo. 

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William M. Marston morreu em 1947, aos 53 anos. Na sua ausência, a personagem continuou sendo publicada por outros autores, mas sem a mesma força. Por causa do grande volume de produção do Marston Art Studio, a última revista a trazer a assinatura do psicólogo foi Wonder-Woman 28, de abril-maio de 1948, que trouxe a história da criação da Vilainy Inc., um grupo reunindo as principais inimigas da heroína. Joye Hummel se aposentou também 1947, depois que se casou com David Wood Murchison. Sem Hummel e Marston, o estúdio foi fechado e a produção das aventuras da Amazona foram entregues inteiramente a All-American Comics.

Robert Kanigher assumiu o posto de principal escritor da Mulher-Maravilha e H.G. Peter continuou na arte. Uma curiosidade é que, um ano após a morte de Marston, Peter fez a Mulher-Maravilha passar a usar sandálias, tal qual tivera a ideia no início. O desenhista continuaria sendo o principal artista da heroína até quase sua morte, em 1958.

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Robert Kanigher no fim dos anos 1940.

Robert Kanigher era um escritor em intensa ascensão no fim da década de 1940. Nascido em 1915 – tinha apenas 32 anos em 1947 – começara a carreira escrevendo contos e foi premiado pelo New York Times, contribuindo para roteiros de rádio e cinema, além de escrever várias peças de teatro. Entrou nos quadrinhos em 1941, escrevendo para o Capitão Marvel da Fawcett Comics e o Besouro Azul da Fox Syndicate, entrando no staff da DC Comics (via All-American) em 1945, trabalhando como escritor e editor, produzindo aventuras de Flash, Gavião Negro (Hawkman) e Sociedade da Justiça. Kanigher passou a atuar como editor da Mulher-Maravilha a partir de Wonder-Woman 15, servindo como mediador entre a DC Comics e o Marston Art Studio, por isso, com a morte do criador da Princesa Amazona, Kanigher era o nome ideal para substituí-lo.

Escritor bastante versátil e criativo, Kanigher seria o principal redator das aventuras de Diana por 20 anos ininterruptos, de 1948 até 1968, com um pequeno intervalo e retornando novamente em 1973 por um breve período. Isso faz dele o escritor que por mais tempo esteve relacionado à personagem em toda a sua história. Além disso, escreveu histórias de Batman e Superman e foi criador de personagens como Canário Negro, Sgt. Rock, Metal Men, o Flash Barry Allen e a vilã Hera Venenosa.

A morte de Marston e a entrada de Kanigher coincidiu com um período delicado ao mercado de super-heróis. O fim da II Guerra fez o interesse naqueles personagens diminuir bastante, ao ponto das vendas caírem e muitas revistas serem canceladas. Inclusive, All-Star Comics e, depois, Flash Comics, em 1949.

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Sensation Comics virou uma revista de romance antes de ser cancelada. Arte de Irwin Hasen.

A própria Sensation Comics também entrou em queda e a partir da edição 94, de 1949, mudou sua temática para as histórias de romance, que ainda faziam algum sucesso, especialmente entre o público feminino. Em uma curta fase, a Mulher-Maravilha arranjou um emprego de editora de uma revista feminina e teve aventuras com foco em romantismo – com Steve Trevor bancando o bobo apaixonado – mas não deu certo e a ideia foi abandonada na edição 107, de 1950, que foi a última na qual a heroína apareceu. Dali em diante, Sensation Comics continuaria sendo publicada por mais alguns anos, mas agora com o foco em histórias sobrenaturais e mistério.

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A bela capa de Wonder-Woman 64, de 1954, por Irwin Hasen.

A entrada na década de 1950 fez, então, a heroína passar a ser publicada apenas em Wonder-Woman, agora com um time mais amplo de desenhistas, como Ross Andru, Irv Novick, além do veterano Irwin Hasen, embora H.G. Peter continuasse a trabalhar em um volume menor. Sob o comando do escritor Robert Kanigher foi uma fase de certa indefinição, pois as aventuras tinham que responder àquilo que se destacasse no mercado ou nas atualidades. Por outro lado, Kanigher era um roteirista rápido e criativo, capaz de criar situações inusitadas e bolar boas ideias visuais para seus artistas seguirem.

Outra questão que a DC Comics teve que enfrentar foi o lançamento do livro The Seduction of Innocent, do psiquiatra alemão Fredric Wertham, em 1954, que acusou as histórias em quadrinhos de serem as responsáveis pela delinquência juvenil e o aumento da violência nos Estados Unidos. Embora o alvo principal do autor fossem as violentas HQs de terror e contos policiais da EC Comics, os heróis da DC também não foram poupados. A Mulher-Maravilha foi acusada de ser lésbica e pregar uma mensagem de “indecência” sexual em suas histórias. (O que não era falso, pelo menos nas histórias de William Marston).

Em um mercado frágil, com a queda nas vendas acentuada desde o fim da II Guerra, o mercado de quadrinhos sofreu um grande abalo. As vendas despencaram de uma vez e medidas drásticas foram tomadas para reconquistar a confiança do público, a principal delas a criação do Comics Code Authority (CCA), um órgão colegiado de censura às revistas liderado por representantes da própria indústria de quadrinhos. Como resultado, as HQs ficavam proibidas de fazer referências explícitas a sexo; as mortes só podiam ser sugeridas, mas nunca mostradas; temas fortes eram proibidos; e histórias de terror não podiam mais ser contadas. Como resultado, as histórias da DC (e de outras editoras) se transformaram em um grande caldo de “água com açúcar”.

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Wonder-Woman 101, de 1958. Arte de Ross Andru.

No caso específico da Mulher-Maravilha, muitas de suas temáticas se transformaram em proibitivas e os editores passaram a evitar totalmente as referências sexuais herdadas de Marston. Também foi criada uma linha de histórias chamadas Impossible Tales, na qual vemos aventuras “mais família e mais infantis” da Princesa Amazona agindo quando criança (Wonder-Tot) e como adolescente (esta última com o codinome Moça-Maravilha) e, também, atuando ao lado delas, afinal, eram contos impossíveis, não é? Essas histórias mostravam um lado maternal e cuidador da heroína, deixando-a mais palatáveis às assustadas famílias que leram ou ouviram falar do livro de Wertham.

Curiosamente, a Moça-Maravilha (Wonder-Girl) usava praticamente o mesmo uniforme de sua contraparte adulta (apenas um pouco mais comportado), desconsiderando que as primeiras histórias da Amazona mostravam que ela tinha ganho seu uniforme apenas no momento de ir aos EUA levar Steve Trevor de volta.

Para os historiadores, A Era de Ouro se encerra para a Mulher-Maravilha com a morte de H.G. Peter, em 1958, aos 78 anos. Foram quase 17 anos dedicados às histórias da Princesa Amazona.

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Showcase 04 traz a estreia do novo Flash:. início da Era de Prata.

Ao mesmo tempo, a DC Comics começava a impor uma série de mudanças e renovações aos seus personagens, em um projeto deliberado liderado pelo editor Julius Schwartz. Tudo começa em Showcase 04, de 1958, quando John Boome e o desenhista Carmine Infantino criam uma nova versão do Flash, que é aquele que todos conhecem hoje. Em seguida, vários outros heróis da facção All-American da DC Comics começaram a ganhar novas versões: Lanterna Verde, Gavião Negro (Hawkman), The Atom (Elektron no Brasil). Todos eles haviam tido as aventuras interrompidas no fim dos anos 1940 e, 10 anos depois, ganham versões mais modernas, mais ligadas à ficção científica e substituíam os originais. Alguns poucos heróis que não tiveram as histórias interrompidas, como Arqueiro Verde e Aquaman também ganharam reformulações na mesma época.

Os grandes medalhões da DC, Superman e Batman, foram inicialmente poupados das mudanças, mas como o projeto deu certo, também sofreram reformulações (não tão radicais) que os inseriram na Era de Prata, em 1960 e 1964, respectivamente.

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Wonder-Woman 136, de 1963. Arte de Ross Andru.

Ao lado do Superman e do Batman, a Mulher-Maravilha era o único herói da Era de Ouro que continuou a ser publicado em uma revista com seu próprio nome até a Era de Prata. Na nova fase, as mudanças na Princesa Amazona foram mais visuais, com os artistas adotando um design mais moderno à personagem, abandonando a aproximação com a caricatura que tinha o traço do desenhista original. As tramas também ficaram um pouco mais agitadas e mais próximas da ficção científica, para se aproximar tematicamente dos demais heróis.

Um dos grandes passos da Era de Prata foi a criação da Liga da Justiça, em 1960. O grupo de super-heróis era, obviamente, espelhado na velha Sociedade da Justiça, mas agora com as novas versões dos heróis. A Mulher-Maravilha foi membro-fundador da equipe, aparecendo na primeira aventura do time, publicada na revista The Brave and The Bold 28, com roteiro de Gardner Fox e arte de Mike Sekowski. Ao contrário da velha Sociedade, Diana estava em pé de igualdade aos seus companheiros e era membro oficial.

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Capa de “The Brave and the Bold 28”, de 1960, com a primeira história da Liga da Justiça.

Após três edições de sucesso em The Brave and the Bold, a Liga da Justiça ganhou revista própria Justice League of America, em 1961, com a mesma equipe criativa, de modo que, tal qual fora até 1950, a Princesa Amazona voltava a ter histórias publicadas em duas revistas. O time original era formado por Flash, Lanterna Verde, Mulher-Maravilha, Aquaman e Caçador de Marte, mas a partir do momento em que ganharam sua própria revista, os medalhões Superman e Batman começaram a gravitar em torno deles, embora fossem considerados “membros reservas”, por causa do status que tinham e de estarem ocupados com suas próprias aventuras. Também não demorou nada a outros personagens da DC Comics irem ingressando na equipe, como Elektron e o Arqueiro Verde.

A Mulher-Maravilha adentrou a Era de Prata ainda sob o comando de Robert Kanigher, com Ross Andru (mais tarde bastante famoso por desenhar o Homem-Aranha na Marvel Comics) se tornando o desenhista principal. Andru tinha uma arte dinâmica, cheia de movimento e uma grande habilidade para retratar cenários, reconstruindo cidades realistas, o que dava profundidade à sua arte e um efeito muito bonito. Também brincava com o uso de perspectiva com muita eficiência. Outros desenhistas também trabalhavam na revista, em especial, Irv Novick, mas Andru assinava a maioria das capas.

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Rainha Maravilha (Hipólita), Mulher-Maravilha, Wonder Tot e Moça-Maravilha em suas aventuras conjuntas. Wonder-Woman 124, de 1961. Arte de Ross Andru.

A principal mudança relativa à Mulher-Maravilha em sua versão Era de Prata nesse momento foi a incorporação da Moça-Maravilha como uma personagem autônoma e distinta de Diana. O fato foi explicado em Wonder-Woman 124, de 1961, e a partir de então, a Wonder-Girl passou a ser uma coadjuvante importante das aventuras e um tipo de sidekick, ao estilo do Robin para o Batman.

Foram preciso alguns anos até a Moça-Maravilha aparecer fora da revista própria da Princesa Amazona, mas isso aconteceu em grande estilo. Em The Brave and the Bold 60, de 1965, o escritor Bob Haney e o desenhista Bruno Premiani criaram os Titãs (Teen Titans), um grupinho de heróis adolescentes: Robin, Kid Flash, Aqualad e Moça-Maravilha, os parceiros mirins de Batman, Flash, Aquaman e Mulher-Maravilha respectivamente.

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Teen Titans 01, de 1966. Arte de Nick Cardy.

Na verdade, a formulação dos Titãs se dá a partir de The Brave and the Bold 54, de 1964, na qual Robin, Kid Flash e Aqualad se unem pela primeira vez. O trio teve outra aventura na edição 58, mas só foram reunidos sob o nome Titãs no número 60 e agora com um quarteto com a Moça-Maravilha. Outro aspecto interessante é que a editoria da revista The Brave and the Bold e o escritor Bob Haney não estavam a par que a Wonder-Girl era apenas uma versão adolescente de Diana que interagia com sua versão adulta graças a aventuras com viagens no tempo; pensando ser uma personagem autônoma. Esse equivoco se transformaria no passar dos anos em um verdadeiro pesadelo cronológico, constantemente alterado pelos reboots que a DC teria no futuro. De qualquer modo, os historiadores dos quadrinhos consideram a edição 60 como a primeira aparição real da Moça-Maravilha, já que suas aparições anteriores eram a Diana adolescente.

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A Moça-Maravilha ganha um uniforme próprio.
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Os Titãs fizeram algum sucesso com os adolescentes, o que valeu o lançamento da revista The Teen Titans 01, em 1966, com textos de Bob Haney e arte do magnífico Nick Cardy. Depois de um tempo, os editores da DC acharam que precisavam explicar quem diabos era essa “nova” Moça-Maravilha, então, The Teen Titans 22, de 1969, com texto de Marv Wolfman e desenhos de Gil Kane, trouxe a origem da personagem, revelando que seu nome era Donna Troy. Também nessa edição, ela recebeu um novo uniforme, mais distinto do da Mulher-Maravilha.

Ainda ligado ao entorno da Mulher-Maravilha, não se pode esquecer que a Princesa Amazona tinha suas aventuras também na revista da Liga da Justiça. Diana foi membro titular do grupo até 1968, quando uma radical mudança de status quo em seu título próprio fez com que se desligasse do time e seu lugar fosse ocupado pela Mulher-Gavião e a Canário Negro.

O incremento da Era de Prata não passou incólume no título da Princesa Amazona, até porque naquele tempo, com o surgimento das novas versões de Flash, Lanterna Verde, Gavião Negro etc. e as reformulações Superman e Batman, era preciso fazer ajustes na cronologia da DC Comics. Afinal, a Mulher-Maravilha havia sido membro da Sociedade da Justiça nos anos 1940 e agido ao lado do antigo Flash; quando surge o novo Flash (que diz em sua primeira aventura que o antigo Flash era um personagem de HQ que Barry Allen lia quando criança) como explicar que Diana compartilhou seu tempo com ele?

Duas medidas foram tomadas para isso. Em primeiro lugar, Robert Kanigher reestruturou a cronologia da Mulher-Maravilha, a partir do qual ficou definido que a heroína jamais havia atuado durante a II Guerra Mundial – já distante 20 anos da década de 1960! – o que dava a ela e ao seu elenco de coadjuvantes, especialmente Steve Trevor, ares mais juvenis. Velhos coadjuvantes como Etta Candy foram afastados, por estarem muito ligados àquelas velhas histórias e foram criados novos. Também houve a curiosa opção por usar os nomes romanos dos deuses antigos, em vez das terminologias gregas usadas desde 1941. Com isso, Zeus virou Júpiter; Ares virou Marte; Atena virou Minerva. Diana adotou bordões como “Grande Hera!” ou “Por Minerva!”. Mais curioso ainda foi que, por motivos ignorados, a deusa do amor, Afrodite, continuou a ser chamada por esse nome, em vez do romano Vênus. Personagens como Hércules (cujo o nome já era romano, pois o grego é Herácles) continuaram também com a velha alcunha. Todavia, esta postagem continuará a usar os nomes gregos até o fim, porque depois estes seriam restabelecidos, conforme se verá adiante.

A segunda medida não diz respeito somente à Mulher-Maravilha, mas a toda a DC Comics: foi criado o Multiverso, conceito de que os heróis da Era de Prata habitavam a nossa realidade; mas existiam outras dimensões com “realidades alternativas” nas quais havia diferentes versões desses mesmos personagens. Isso explicava porque ao mesmo tempo em que Diana era membro da Liga da Justiça (no que se passou a chamar de Terra 1), existia outra dimensão (a Terra 2) na qual ela havia surgido nos anos 1940, sido membro da Sociedade da Justiça e lutado na II Guerra Mundial.

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Flash 123 introduz o conceito do Multiverso e traz Jay Garrick de volta.

A partir de então, ficou estabelecido na cronologia da DC Comics que aquelas velhas histórias dos anos 1940 estavam na Terra 2, o que explicaria Superman e Batman lutarem na II Guerra; e a existência das velhas versões de Flash e Lanterna Verde e a própria Sociedade da Justiça.

O conceito foi estabelecido na revista Flash 123, de 1963, escrita por Gardner Fox e desenhada por Carmine Infantino, na qual o herói Barry Allen descobre que pode viajar por entre as dimensões vibrando seu corpo através das moléculas do tempo e do espaço. Isso permite ele encontrar o Flash dos anos 1940, Jay Garrick, que vivia na Terra 2. Os editores da DC perceberam que a ideia das “duas Terras” era perfeita para explicar as incongruências de sua confusa cronologia e incentivou que os escritores usassem esse recurso – além de possibilitar o uso de personagens há muito esquecidos. Por isso, já em Flash 129, Barry Allen se encontra não apenas com Jay Garrick, mas com toda a Sociedade da Justiça.

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Capa de Justice League 21, com primeiro encontro da Liga da Justiça e da Sociedade da Justiça. Arte de Mike Sekowsky.

Não demorou nada e Justice League 21 e 22, de 1963, trouxe o primeiro encontro entre a Liga da Justiça e a antiga Sociedade da Justiça, seguindo a ideia de que os velhos heróis agiram na época da II Guerra na Terra 2. Inicialmente, a DC evitou “repetir” os heróis que ainda continuavam em publicação desde aquele tempo – especialmente, Superman, Batman e Mulher-Maravilha – mas logo as “velhas” versões também começaram a voltar. O sucesso da empreitada fez com que os encontros entre a Liga e a Sociedade da Justiça se transformassem em eventos anuais, sempre na revista dos primeiros, o que se repetiu por 23 anos! 

As duas versões da Mulher-Maravilha, por exemplo, se encontraram pela primeira vez em Justice League 55 e 56, de 1967; e continuaram a se encontrar constantemente, como nas edições 73 e 74 (1969) e 82 e 83 (1970), assim, sucessivamente. As diferenças entre a Diana da Terra 1 e a Terra 2 foram sendo estabelecidas ao pouco, em meio às histórias, mas nunca ficaram muito claras, à exceção do fato da Diana da Terra 2 ser mais velha e ter casado com Steve Trevor, adotando o nome de Diana Trevor (algo que provavelmente ia contra as raízes feministas da personagem).

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Liga versus Sociedade em Justice League 56, por Carmine Infantino.

Durante a maior parte dos anos 1960, os editores da DC tentaram encontrar o tom da Mulher-Maravilha, mas as limitações do CCA e a repetição das ideias malucas de Robert Kanigher começaram a cobrar seu preço. Dessa forma, a cúpula da editora decidiu tomar alguma medida radical para reconciliar a personagem com os leitores. Uma das decisões era que deviam aproveitar os movimentos políticos e culturais que eclodiam no mundo àquela altura e vinculá-los às aventuras de Diana, já que a agenda feminista era um dos fortes elementos disso tudo. Outro é que os editores da DC achavam que o visual da personagem estava muito defasado no tempo, ao contrário do de outros heróis, e que ela devia ser totalmente modificada.

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Dennis O’Neil: arquiteto de uma nova era na DC Comics.

Assim, a DC decidiu colocar a revista nas mãos do escritor Dennis O’Neil, que tinha apenas 29 anos de idade e estava mais antenado na Revolução Cultural dos anos 1960. O’Neil tinha sido assistente de Stan Lee na Marvel Comics, alguns anos antes, escrevendo títulos menores da editora, e depois, passou um ano e meio trabalhando para a Charlton Comics, até ser trazido à DC pelo editor Dick Giordano. No futuro, O’Neil seria um dos maiores escritores das histórias em quadrinhos em todos os tempos, com um currículo com passagens marcantes tanto na DC (Batman, Lanterna Verde & Arqueiro Verde, Liga da Justiça, Superman) quanto na Marvel (Homem-Aranha, Demolidor).

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O início da fase mod-psicodélica em 1968.

Após testado em revistas menores da DC, O’Neil foi aprovado e assumiu a revista Wonder-Woman 178, de 1968. Naquele tempo, a revista ainda era escrita por Robert Kanigher, com colaboração ocasional de outros, como Bill Finger (cocriador do Batman), e já que Ross Andru tinha passado a desenhar a Legião dos Super-Heróis, Irv Novick era o principal desenhista. Mas a DC decidiu mudar tudo, então, na edição 178, O’Neil assumiu os roteiros com desenhos de Mike Sekowsky, que fazia a Liga da Justiça até então.

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Interior de Wonder-Woman 179, por Mike Sekowsky e diálogos de Dennis O’Neil.

Na época, a DC era muito controladora do visual de seus personagens. Desenhistas de Superman e Batman, por exemplo, eram obrigados a seguir o padrão da arte de um artista específico – Wayne Boring e Carmine Infantino, respectivamente – o que tirava a originalidade deles. Na Mulher-Maravilha, Andru, Novick e outros, seguiam o estilo de Irwin Hasen, ainda dos anos 1950, o que resultava numa arte bonita, mas pouco dinâmica. Mike Sekowski fazia uma arte meio caricatural nas histórias da Liga da Justiça, pois tinha que conseguir um meio termo entre o estilo de vários artistas diferentes para cada um dos personagens; mas a partir da demanda de Dennis O’Neil, o artista soltou sua arte e mostrou um desenho muito mais dinâmico, cheio de movimento, antenado com a estética de beleza dos anos 1960 e capaz de fazer mulheres muito belas. Sekowsky não era jovem como O’Neil, tinha 45 anos, mas soube se aproximar da contracultura de um modo muito eficiente.

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Mike Sekowsky usou a modelo Joyce Miller como molde para sua Mulher-Maravilha mod.

A capa de Wonder-Woman 178 trazia a chamada “Esqueça o velho, chegou a Nova Mulher-Maravilha”, com Diana usando uma roupa no estilo Mod inglês, típico da contracultura. Na trama, Steve Trevor recebe uma missão de parecer um traidor para se infiltrar em uma organização criminosa. Disposta a ajudar, para se infiltrar no submundo do crime, a Mulher-Maravilha deixa o uniforme de lado e age usando apenas roupas civis.

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Adeus às Amazonas, em Wonder-Woman 179, de 1968. Arte de Mike Sekowsky.

Na edição 179, a mudança ganha um elemento a mais: chamada às pressas à Ilha Paraíso, Diana recebe a mensagem de sua mãe, Hipólita que os 10 mil anos das Amazonas na Terra tinham exaurido a magia delas, então, era preciso que todas fossem a uma outra dimensão para recarregar seus poderes. Sabendo que Steve precisava de ajuda, Diana se nega, assim, é realizado um ritual que tira todos os seus poderes ao mesmo tempo em que Hipólita a proíbe de usar o uniforme de Mulher-Maravilha. Assim, Diana volta aos Estados Unidos e passa a agir apenas como Diana Prince, auxiliada por um mestre oriental chamado I-Ching, que a treina no karaté.

Infelizmente, essa primeira aventura resulta na morte de Steve Trevor, o interesse romântico de Diana desde o início, em 1941. O evento nem teve o impacto esperado, mas é interessante pensar que ocorreu cinco anos antes da morte da paixão de outro grande herói: a Gwen Stacy do Homem-Aranha, este sim, um evento bombástico na comunidade dos quadrinhos. Em sua nova vida, Diana Prince se afastaria do exército, alugava um apartamento e abria uma boutique de moda no andar de baixo.

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O mundo Mod e psicodélico da nova Diana Prince. Arte de Mike Sekowsky.

A partir de então, a ambientação das aventuras da heroína mudou completamente! Embora a revista ainda ostentasse o título de Wonder-Woman (agora acrescido de “featuring Diana Prince”), as tramas giravam em torno do crime organizado e principalmente, de espionagem, com Diana sem poderes e usando as artes maciais e armas para fazer justiça, num clima que se baseava nos filmes de 007/James Bond e retratavam a Era Hippie dos anos 1960, com rock, psicodelismo e espiritualidade oriental. Alinhado com a época, Diana usava karatê e técnicas de Yoga para incrementar o combate ao crime. Houve também a renovação de todo o elenco coadjuvante da heroína. Também surgiram vários novos vilões, com destaque para o principal dessa nova fase: Doutora Cyber. A mudança radical causou um grande impacto e dividiu os leitores.

A DC Comics ficou bastante satisfeita com as mudanças, de modo que Dennis O’Neil rapidamente se tornou o principal escritor da casa. Em 1969, ele assumiu e modificou a Liga da Justiça; e em 1970 assumiu o comando tanto do Batman quanto do Superman, em todos os casos, modernizando o visual e a ambientação dos personagens, com histórias mais sérias e calcadas na realidade dos anos 1970. Ficou histórica a passagem do escritor na revista Lanterna Verde & Arqueiro Verde, a partir de 1971, na qual o conservador policial galático interage com o liberal-esquerdista mestre do arco e flecha, viajando pelo interior dos EUA e enfrentando problemas comuns do cotidiano, como intolerância política ou religiosa, racismo e as drogas.

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Yoga e karaté contra o crime. Arte de Sekowsky.

Em Wonder-Woman, gradativamente o desenhista Mike Sekowski também se tornou o roteirista e o editor da revista, continuando as aventuras de Diana Prince, enquanto Dennis O’Neil provia apenas os diálogos. Infelizmente, com o passar do tempo, o interesse do público diminuiu e a revista se tornou bimestral, o que era um indicador de vendas baixas e o primeiro passo rumo ao cancelamento.

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Wonder-Woman 201, de 1972. Arte de Dick Giordano.

Wonder-Woman 200, de 1972, encerrou a longa fase da Doutora Cyber, com a morte da vilã, bem como a temporada de O’Neil-Sekowki. A edição 201 dá início a uma fase de transição, com O’Neil e o desenhista Dick Giordano, mas uma etapa totalmente nova começa em seguida.

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Wonder-Woman 203, de 1973. De volta ao tradicional. Arte de Don Heck.

Em Wonder-Woman 203, de 1973, Diana tenta impedir a ação de um snipper que mata várias vítimas na cidade, inclusive, I-Ching. A heroína consegue derrotar o vilão, mas ambos caem de uma grande altura. Ele morre e ela vai hospitalizada. Acordando com amnésia, Diana rouba um avião militar e vai até a Ilha Paraíso, onde é abatida por outro avião. Ainda assim, as Amazonas a resgatam do mar e a curam. Quando ela acorda, está com as memórias e seus superpoderes restituídos por sua mãe Hipólita. Ganhando novamente o uniforme e o direito de usar o nome de Mulher-Maravilha, ela combate uma gladiadora chamada Nubia. Era o início de uma outra fase curta, entrando nos anos 1970, com a volta do velho Robert Kanigher como roteirista e com desenhos de Don Heck (o cocriador do Homem de Ferro na Marvel e também desenhista dos Vingadores). Uma curiosidade importante é o fato da heroína voltar a usar as longas botas vermelhas que tinha nas primeiras aventuras, ao contrário das sandálias grego-romanas que mantinha desde 1948!

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A icônica capa da Ms.

Além da queda nas vendas, algo mais motivou a DC Comics a trazer a tradicional Mulher-Maravilha de volta: a ascensão do Movimento Feminista de modo mais organizado nos anos 1970 elegeu a personagem como símbolo do empoderamento feminino e da força da mulher, ao ponto em que Diana, em seu visual clássico, estampou a capa da conceituada revista Ms., comandada por Gloria Steinem, em julho de 1972. A chamada era “Wonder-Woman for President”. Tendo em vista a esse tipo de apelo, a DC resolveu volver a personagem ao seu visual padrão e o restituiu.

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Capa de Wonder-Woman 207, de 1973. Arte de Ric Estrada.

Robert Kanigher voltou a Mulher-Maravilha ao velho estilo de aventuras excêntricas, mas os tempos tinham mudado e o próprio escritor já tinha 58 anos. Por isso, a partir de Wonder-Woman 207, ele criou uma série de histórias que, na verdade, eram “releituras” de outras aventuras mais antigas. Ao fim dessa fase, Julius Schwartz – o criador da Era de Prata – assumiu a editoria da personagem e promoveu uma série de mudanças. A edição 211, de 1974, foi a última escrita por Kanigher em uma temporada regular, se despendido da personagem que foi praticamente sua durante 26 anos. Para celebrar o feito, este número foi um volume especial, com 100 páginas e a republicação de várias histórias antigas.

O fim da Era Kanigher pode servir também simbolicamente para a entrada da Princesa Amazona na Era de Bronze.

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Wonder-Woman 211: o fim da era Kanigher.

Wonder-Woman 212 inicia uma fase totalmente nova da heroína. Em primeiro lugar, representa um esforço direcionado e consciente de aumentar a popularidade da personagem, desgastada há dez anos e com vendas em baixa. Assim, a Princesa Amazona foi envolvida diretamente com a Liga da Justiça (que era um grande sucesso de vendas) e seus membros apareceram na capa por um ano, ao mesmo tempo que novos desafios e um novo status quo é dado para Diana Prince.

O comando da empreitada era do editor Julius Schartz e, talvez, como uma estranha estratégia, a praticamente cada edição, uma nova equipe criativa cuidava da história, como se estivessem em busca de encontrar o ponto certo. Por isso, dentro de um ano, Wonder-Woman teve como escritores Len Wein, Cary Bates, Elliot S. Maggin e Martin Pasko; enquanto a arte rodou por Curt Swan, Irv Novick, John Rosenberg, Dick Dillin, Kurt Schaffenberger, Dick Giordano e o argentino José Delbo, além de alguns capistas diferentes, como Bob Orks e Ernie Chan.

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Wonder-Woman 212 inicia os anos 1970 de verdade. Arte de Curt Swan.

Em Wonder-Woman 212, Len Wein e Curt Swan reestabelecem o novo status quo da Mulher-Maravilha: depois de impedir uma ação criminosa ao prédio da ONU, sob a identidade secreta de Diana Prince, ela encontra Clark Kent (o Superman), que pergunta para ela desde quando a Princesa Amazona ganhou seus poderes de volta e porque não voltou para a Liga da Justiça? A partir daí, ficamos sabendo que Diana não tem nenhuma memória de toda a sua fase “sem poderes” – ao mesmo tempo que fica implícito que todo o ano anterior de histórias (a fase final de Kanigher) simplesmente estava sendo ignorada.

Estarrecida, Diana vai à Ilha Paraíso em busca de respostas, e descobre que sua própria mãe havia lhe tirado as memórias, para que não sofresse, mas que não poderia restaurá-las, pois não estava a par do que ocorrera durante sua fase sem poderes (as Amazonas tinham ido para outra dimensão, lembram)? Então, somente a partir daí Diana “descobre” que Steve Trevor morreu. Após sofrer e chorar, ela vai ao Satélite da Liga da Justiça, reencontrando o grupo pela primeira vez desde 1968 (seis anos antes) e é convidada a reingressar. Mas fica hesitante, pois se perdesse de novo a memória no meio de uma missão colocaria a vida de todos em risco. Então, ela mesma propõe um desafio para ser readmitida no grupo: vencer 12 desafios, tal qual os 12 trabalhos de Hércules.

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Contra Ares, o deus da guerra em Wonder-Woman 215.

Era a deixa para que a revista Wonder-Woman seguisse do número 213 até o 222, este último já em 1975, realizando uma série de missões enquanto é supervisionada por cada um dos membros da Liga, enquanto cada um deles aparece nas capas das edições.  Ao mesmo tempo, os números 213 e 217 foram edições ampliadas, com 100 páginas cada uma (com histórias antigas republicadas nas páginas extras), enquanto a edição 218 teve duas histórias. Ao número 222 a Liga considera Diana totalmente apta para o serviço e ela volta a integrar oficialmente a equipe.

Outro aspecto importante dessa época é que essas histórias definiram um novo status quo para a heroína, com Diana Price conseguindo um emprego como tradutora nas Nações Unidas e constituindo outro grupo de coadjuvantes, ao mesmo tempo em que somente a partir de então, a morte de Steve Trevor começou a ter seu impacto (sete anos depois!).

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Lynda Carter: sucesso na TV.

A estratégia editorial funcionou e as vendas da Amazona aumentaram bastante. O momento foi bastante propício: naquele mesmo ano de 1975, estreava a série de TV da Mulher-Maravilha, estrelada por Lynda Carter, e exibida na ABC. O programa foi um grande sucesso e curiosamente optou pela clássica abordagem de Diana em ação na II Guerra Mundial. Além disso, Carter pareceu perfeita para o papel, pois além de bonita (tinha sido Miss América), tinha suficientes dotes interpretativos para convencer. Com o tempo, sua imagem ficou indissociável de Diana, sendo ela a “verdadeira” Mulher-Maravilha para várias gerações. O programa teve 4 temporadas, e nas duas últimas trouxe a ambientação para o presente.

Ao mesmo tempo, a heroína também fazia sucesso na TV por meio dos desenhos animados. Super-Friends (Super-Amigos, no Brasil), com produção do estúdio Hanna & Barbera, foi bastante popular no período trazendo uma Liga da Justiça destinada ao público infantil, com design de Alex Toth.

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Wonder-Woman 223 traz o retorno de Steve Trevor. Arte de Ernie Chan.

De volta às HQs, Wonder-Woman 223, de 1976, deu o passo seguinte na nova fase, com Martin Pasko nos textos e o argentino José Delbo na arte. Esta edição mostra Diana indo a Themyscira e descobrindo que Steve Trevor está vivo! É explicado que Afrodite, a deusa do amor, deu o sopro de vida dos deuses ao corpo do militar, que retorna a ser o par amoroso de Diana.

De volta a vida, o militar adotará a identidade de Steve Howard, já que estava oficialmente morto para os militares e o mundo.

Porém, tendo em vista o sucesso da série de TV com as aventuras baseadas na II Guerra Mundial, a DC decidiu também colocar a heroína nesse ambiente para que os fãs do programa que lessem as revistas não estranhassem a diferença. O modo como isso foi feito foi até criativo.

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Mulheres-Maravilha em luta em Wonder-Woman 228. Arte de Jose Delbo.

Em Wonder-Woman 228, de 1977, Pasko e Delbo criaram a história em que um vilão chamado Red Panzer da Terra 2 (a outra dimensão na qual os heróis da DC viviam nos anos 1940) consegue chegar à nossa dimensão (a Terra 1). Diana sai em combate com ele, mas o dispositivo interdimensional do vilão termina sendo ativado e os dois são transportados para a Terra 2 no ano de 1943, em plena II Guerra Mundial. Perdida em Nova York, a Princesa Amazona é encontrada por sua contraparte da Terra 2 e (ao estilo consagrado pela concorrente Marvel Comics) as duas saem em combate. Depois, se entendem e se unem contra o Red Panzer, mas ele consegue enviar a Mulher-Maravilha da Terra 2 para outra dimensão, ao mesmo em que Diana ficava presa em 1943.

Esse nem era o primeiro encontro das duas Mulheres-Maravilha (este ocorreu em Justice League 55, lembram?), mas como o ano da história é 1943, cronologicamente o encontro ainda não havia ocorrido para a Diana da Terra 2. Retomar a Princesa Amazona para o ambiente da II Guerra Mundial também permitiu resgatar alguns dos velhos vilões da heroína, como a Mulher-Leopardo, que apareceu em Wonder-Woman 230, de 1977. Mas também apareceram algumas novas vilãs, como Osira, que estreou na edição seguinte, além de Armagedom, que apareceu algumas edições depois. O velho elenco de coadjuvantes da heroína nas histórias dos anos 1940 também foram usados, aparecendo as versões da Terra 2 de Steve Trevor e Etta Candy.

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Diana enfrenta a Mulher-Leopardo da Terra 2 em 1943. Arte de Jose Delbo.

A partir de Wonder-Woman 233, de 1977, o escritor Gerry Conway (famoso por sua temporada no Homem-Aranha da Marvel) assumiu os roteiros, primeiramente, com desenhos de Don Heck, mas em seguida, continuando com José Delbo na arte. Conway continuou com as aventuras em 1943, mas trouxe roteiros bem mais elaborados e estreitou mais ainda os laços de Diana com a Sociedade da Justiça.

Diana só voltou ao tempo presente em Wonder-Woman 243, de 1978. No início da nova fase com textos de Jack C. Harris e ainda Jose Delbo na arte, a trama mostra o vilão Angle Man sendo derrotado pela Liga da Justiça e escapando rumo ao passado com seus poderes, porém, por um equívoco, vai parar na Terra 2, em 1945, e é combatido pela Mulher-Maravilha, mas na tentativa de voltar para casa, o Angle Man termina, sem querer, trazendo de volta a Mulher-Maravilha da Terra 2. Usando seu Laço da Verdade, Diana faz com que sua contraparte, Steve Trevor e Etta Candy esqueçam dela e da existência da Terra 1. Usando o artefato mágico do vilão, Diana retorna à Terra 1 e leva Angle Man para a prisão.

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Bela capa de Wonder-Woman 234, por José Garcia Lopez.

Era uma forma de trazer as coisas à normalidade no momento em que a série de TV da heroína também passava a ter suas aventuras no presente.

As tramas voltaram para os problemas em torno da capital Washington-DC ao mesmo tempo em que um grupo de militares malignos começa a suspeitar que Steve Howard e Steve Trevor são a mesma pessoa. Isto resulta que Steve Howard é morto por esses militares, em Wonder-Woman 248, de 1978, ainda por Harris e Delbo.

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Wonder-Woman 250. Arte de Jose Delbo.

A edição comemorativa número 250 trouxe Diana sendo desafiada por uma Amazona chamada Orana para ver se tinha o direito de continuar sendo a Mulher-Maravilha. Diana é derrotada e Orana se torna a nova titular do uniforme colorido. Secretamente, a heroína volta a Nova York para continuar vivendo como Diana Prince, mas Orana termina sendo morta no número 251 pelo vilão Warhead ao ser baleada. Diana volta, então, a ser a titular da Embaixadora das Amazonas.

Seguindo a morte de Steve, Diana termina se envolvendo com a NASA e o programa espacial dos EUA (e um novo time de coadjuvantes), voltando a ter as aventuras no espaço que eram tão comuns nos anos 1940. O escritor (e futuro chefão da DC Comics) Paul Levitz assumiu a revista na edição 255, ainda com José Delbo nos desenhos, encerrando a fase na NASA no número 256, de 1979.

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Diana versus Hércules em Wonder-Woman 259. Arte de Jose Delbo.

O lendário Gerry Conway retornou à Princesa Amazona em 1979. Não por coincidência, o antigo desenhista da heroína Ross Andru havia se tornado o editor da revista Wonder-Woman (substituindo Julius Schwartz, que passou a ter um cargo maior na DC). Andru tinha sido o desenhista que acompanhou Conway na maior parte de sua fase no Homem-Aranha da Marvel. Ao ser encarregado do título da Amazona, Andru não pensou duas vezes e trouxe Conway para comandar as tramas.

A nova fase de Conway na revista inicia em Wonder-Woman 259, numa trilogia de edições até a 261 na qual Ares, o deus da guerra, usa Hércules para enfrentar a Mulher-Maravilha, ao mesmo tempo em que o deus tenta dominar toda a Terra. Nesta aventura, Conway cria o conceito de que os Braceletes da Submissão que a Diana usam servem, na verdade, para conter o seu poder. Assim, quando esses são roubados por Ares, a Princesa Amazona tem um ataque de raiva descontrolado, o que a faz, inclusive, ser presa pela polícia e ter que fugir (na edição 260).

Sempre criativo e engenhoso, Conway devolveu o vigor às aventuras da heroína, produzindo uma longa e muito admirada fase. O escritor tinha apenas 29 anos e já era um veterano no mercado de quadrinhos, tendo feito bastante sucesso na Marvel, onde após ser testado em histórias do Hulk, Homem de Ferro e Capitão América, teve a honra de substituir o próprio Stan Lee nas duas principais revistas da época: do Homem-Aranha e do Quarteto Fantástico. Foi ele quem escreveu a bombástica história da morte de Gwen Stacy, a namorada de Peter Parker, mas após ter sido Editor-Chefe da Marvel por um curto período, se desligou da editora e foi para a DC, onde escreveu Batman, Superman, Liga da Justiça e a Mulher-Maravilha.

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Outra bela capa: Wonder-Woman 253, por Jose Delbo.

Após se desapontar com o comportamento da humanidade, em Wonder-Woman 269, Diana retorna à Ilha Paraíso na edição 270, ainda sofrendo bastante pela morte de seu grande amor. Piedosa pela filha, Hipólita solicita a Afrodite que apague as memórias de Steve Trevor da mente de Diana, no que a deusa concede. Porém, após enfrentar seres elementares, a Princesa Amazona vê um avião cair próximo à ilha e, ao ir em seu resgate, salva ninguém menos do que Steve Trevor!

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O veterano Ross Andru volta a desenhar a Mulher-Maravilha em algumas capas, como esta de Wonder-Woman 271.

No número 271, Hipólita questiona Afrodite como é possível o falecido Steve Trevor cair de novo em Themyscira, e a deusa explica que se trata da versão do militar de outra dimensão e que nem ela tem poderes para levá-lo de volta. Repetindo os eventos do passado, a Rainha das Amazonas conclama um torneio para enviar Trevor de volta à sua casa e Diana vence. Mas antevendo os problemas que isso iria causar ao falecido Trevor aparecer novamente vivo, Afrodite apagou a lembrança do militar de todos na Terra, com o fato dele ter morrido ser esquecido. Na edição 272, Diana Prince e Steve Trevor estão de volta ao velho setor do exército em que atuavam nas aventuras da Era de Prata, com Gerry Conway devolvendo grande parte do velho status quo, inclusive, a volta de Etta Candy.

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Mulher-Maravilha contra Kobra em Wonder-Woman 278. Arte de Ross Andru.

Num outro tipo de releitura das aventuras antigas, Conway e Delbo até criaram uma nova versão de Cheetah, a Mulher-Leopardo, em Wonder-Woman 274, de 1980, edição que deu origem a uma pequena saga da heroína contra o vilão Kobra, que se encerrou no número 278, de 1981. Infelizmente, apesar das boas histórias de Conway, as vendas da revista da Princesa Amazona não estavam correspondendo ao esperado e a fase do escritor se encerra na edição 285.

O desenhista argentino José Delbo permaneceu ainda por mais uma edição, encerrando sua longeva fase de seis anos à frente da arte do título em Wonder-Woman 286, que teve um roteiro especial escrito pelo veterano Robert Kanigher em sua última colaboração com a personagem que desenvolveu por tantas décadas.

Uma fase nova iria começar, mas antes disso veio uma pequena, mas importante mudança. Desde sua criação em 1941, a Mulher-Maravilha ostentava uma águia no peito como seu símbolo. Porém, passando por um processo de revitalização – que incluiu um novo Logo – a DC Comics decidiu modernizar a logomarca da Princesa Amazona. Assim, surgiu o símbolo com o duplo W.

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Mulher-Maravilha estreia seu novo símbolo. Arte de Gene Colan.

A mudança foi incorporada à narrativa, em DC Comics Present 41, de janeiro de 1982, uma revista especial de editora, que sempre trazia grandes eventos, na qual Hipólita convence Diana a usar o novo símbolo. A heroína fica relutante no início, mas termina aceitando, pensando que o W pode significar “women everywhere” (mulheres em todos os lugares), retomando o discurso feminista. A história foi produzida pela dupla criativa Roy Thomas (texto) e Gene Colan (arte), que também assumiriam a revista Wonder-Woman a partir do número 288, no mês seguinte.

Assim como Conway, Roy Thomas também era cria da Marvel. Ele foi nada menos do que o substituto oficial de Stan Lee na escrita de vários títulos da editora e o escritor de confiança do velho editor. Tanto que teve passagens marcantes em personagens como Vingadores, X-Men, Hulk e Thor; e quando Lee foi promovido ao cargo de Publisher da Marvel, em 1972, Thomas se tornou o Editor-Chefe da editora, substituindo o patrão que ocupava o cargo desde 1942! Cansado do trabalho burocrático, Thomas voltou a ser apenas escritor já em 1974, mas ainda assim produziu obras memoráveis, como as primeiras aventuras de Conan, o Bárbaro, criadas pela Marvel. Porém, o desgaste dentro da Casa das Ideias, fez Thomas mudar-se para a DC no fim da década de 1970.

Gene Colan foi um dos maiores desenhistas da Marvel, iniciando sua longeva carreira em 1966 na revista do Demolidor, mas sua arte dinâmica, bonita e cheia de movimento o fez abrilhantar várias revistas, como Vingadores, Capitão América, Dr. Estranho, além daquela que era a sua favorita: A Tumba de Drácula. No início dos anos 1980, o desenhista se mudou para a DC e trabalharia principalmente na Mulher-Maravilha e no Batman. Na revista da Amazona, curiosamente, apesar de sua arte belíssima, Colan não se responsabilizou pelas capas, que continuaram a cargo do veterano Ross Andru, que voltara à função de capista na etapa final da fase de José Delbo.

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A bela capa imitando livro de Wonder-Woman 292, por Ross Andru. Ao seu lado, as heroínas Caçadora, Canário Negro, Poderosa, Supergirl e Zatanna.

O primeiro arco de Thomas e Colan na Mulher-Maravilha se deu entre as edições 288 e 290, na qual a heroína combate Dra. Psycho e Silver Sawn. Em seguida, com Paul Levitz criando as tramas e Thomas o roteiro completo, criam uma grande saga chamada Judgment in Infinity, na qual um vilão chamado Adjudicator vai de mundo em mundo avaliando se as civilizações avançaram ou entraram em decadência, e se sim, as destrói. Confuso sobre a situação da Terra, o vilão decide avaliar as quatro Terras mais próximas, incluindo a Terra 1, a Terra 2, a Terra X e a desconhecida Terra i. Foi a desculpa perfeita para envolver a Liga da Justiça e a Sociedade da Justiça, mas principalmente, um time de heroínas formado por Mulher-Maravilha, Supergirl, Zatanna e a Caçadora (personagem da Terra 2 que há mais de dois anos tinha suas aventuras contadas em histórias secundárias dentro da própria revista Wonder-Woman). Outro destaque foram as capas de Ross Andru, com uma moldura imitando livros. A fase de Thomas e Colan termina na edição 294, ainda em 1982.

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A bonita capa dupla de Wonder-Woman 300, por Ed Hannigan.

Em seguida, houve algumas edições “tampa buraco” até a chegada da comemorativa Wonder-Woman 300, de 1983, uma revista especial com muitas mais páginas. O roteiro foi escrito por Roy Thomas e sua esposa Dann Thomas (fazendo-a a primeira escritora a ter o crédito como autora da revista) e um super-time de desenhistas: Gene Colan, Ross Andru, Keith Giffen, Dick Giordano, Rick Buckler, Keith Pollard e uma mulher, Jan Duursema.

Na trama, a Mulher-Maravilha enfrenta um tipo de demônio das sombras e é auxiliada por Sandman, o mestre dos sonhos (sim, aquele mesmo que seria mais tarde retratado por Neil Gaiman), que diz que a criatura vem da dimensão dos sonhos. Sandman também se revela apaixonado por ela. Depois, Diana vai à Terra 2 e reencontra sua contraparte mais velha (aquela que atuou na II Guerra Mundial segundo a cronologia da Era de Prata). Lá, descobre que a outra Diana já é casada há 20 anos com Steve Trevor e os dois têm uma filha adolescente chamada Lyta Prince.

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Wonder-Woman 302, por Ed Hannigan.

Convencida de que isso também é o melhor para si, Diana volta à Terra 1 e pede Steve em casamento, e ele aceita. Para evitar problemas futuros, a heroína simula a morte de Diana Prince, recém-elevada à categoria de Major. É realizada uma grande cerimônia de casamento em Themyscira, mas na hora H, Steve diz “não” e revela à Princesa Amazona que está obcecado pela “falecida” Diana Prince. Enquanto Diana chora na praia da Ilha Paraíso, Sandman aparece de novo e a induz ao sono, e ela tem vários sonhos nas quais imagina futuros possíveis para si mesma, desde uma tirana que tenta dominar o mundo até uma outra em que casa com o Superman.

Depois, ela aparece na dimensão do sonho, onde faz dupla com Sandman e combate novamente a criatura-sombra, que a Mulher-Maravilha descobre ser uma manifestação de seus próprios medos. Resoluta ao acordar, ela volta a Washington-DC e cria uma desculpa para Diana Prince estar viva, enquanto reata o namoro com Steve por meio de sua identidade secreta.

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Wonder-Woman 304, com arte de Gil Kane.

Seguindo a edição comemorativa, Dan Mishkin assumiu os roteiros de Wonder-Woman, enquanto Gene Colan voltou para mais uma curta temporada com a Amazona, entre as edições 301 e 305. A partir do número 306 até o 317, já em 1984, Mishkin permaneceu como escritor, mas agora trabalhando com Don Heck na arte. Foi um longo arco no qual a principal oponente de Diana foi a feiticeira Circe ao lado das Amazonas da Floresta Amazônica. Um destaque desse período é que, seguindo o tricentésimo número, a revista Wonder-Woman passou um ano recebendo belíssimas capas com imagens icônicas de grandes desenhistas, como Ed Hannigan, o uruguaio Eduardo Barreto e o veterano Gil Kane. Rompendo a tradição, a maior parte das imagens não tinha nenhuma vinculação com as histórias em si, sendo apenas boas ilustrações da heroína.

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Wonder-Woman 317, por Ed Hannigan.

A partir de Wonder-Woman 319, Mishkin e Heck criaram um pequeno arco no qual a Dra. Pycho retorna e ao ver Steve Trevor vivo reclama que o tinha matado – e tinha mesmo, nas histórias antigas, lembra? – enquanto Diana é auxiliada em sua batalha por Eros, o deus do amor. No número seguinte, Eros afirma que é o verdadeiro Steve, pois absorvera as memórias do militar após sua morte, enquanto aquele Steve que estava ao lado da Princesa Amazona era uma cópia de outra dimensão. Após alguma confusão, os dois Steves são unidos em um só com todas as lembranças intactas. Sim, é muito confuso, mas era uma maneira de acabar de vez com a novela de mata-ressuscita Trevor que ocorreu entre o fim dos anos 1960 e dos 1970.

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Wonder-Woman 327, por Eduardo Barreto.

A fase de Mishkin terminou na edição 325 e Wonder-Woman 326, de 1985, dá início à última fase do título original da heroína. Don Heck continuou como desenhista, mas o roteiro passou às mãos da escritora Mindy Newell, a primeira mulher a comandar a revista de modo regular, mesmo que por pouco tempo. Esta fase se associa ao megaevento da DC, Crise nas Infinitas Terras, na qual uma entidade cósmica ultrapoderosa chamada Anti-Monitor resolve reorganizar a realidade, eliminando o Multiverso (que era marca da editora desde os anos 1960). Por fim, na edição 328, enquanto Diana Prince, Steve Trevor, Etta Candy e seus outros amigos estão em Washington-DC reunidos, Hermes, o deus da comunicação, aparece diante deles e revela a todos que Diana é a Mulher-Maravilha, acabando com sua identidade secreta. A heroína é recrutada à Ilha Paraíso, que está sob ataque de demônios-sombra liderados pelo Anti-Monitor.

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Wonder-Woman 329, por José Garcia-Lopez.

A última edição da revista Wonder-Woman original foi o número 329, de 1985, ainda com arte de Don Heck, mas agora, com o roteiro de Gerry Conway outra vez – e uma belíssima capa com arte de José Garcia-Lopez. Nesta edição especial, as Amazonas se unem aos deuses do Olimpo contra as forças do Anti-Monitor, que ganhou reforço de Ares, o deus da guerra e de Hades, o deus da morte. Uma grande batalha ocorre, a Mulher-Maravilha volta a Washington-DC e se encontra com Steve Trevor, que a perdoa por ter escondido sua identidade secreta esse tempo todo, os dois se beijam e o militar a segue à Ilha Paraíso para auxiliar na batalha. No fim, os heróis são vitoriosos, mas Zeus alerta que a batalha contra o Anti-Monitor prossegue. Diana pede Steve em casamento e ele aceita, e Zeus celebra a cerimônia.

É o fim da saga original da Mulher-Maravilha que, apesar das mudanças e ajustes cronológicos, seguiam uma linha mais ou menos ininterrupta até ali desde 1941. Porém, no evento Crise nas Infinitas Terras, com texto de Marv Wolfman e desenhos de George Perez, o Multiverso da DC é destruído, o que acaba com as variações de realidades que formavam as Terras 1, 2, 3, X, S etc. Assim, após o evento existiria apenas uma realidade, uma única Terra, para absorver todo o Universo DC.

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Supergirl é morta em “Crise das Infinitas Terras”, na bela arte de George Perez.

Tudo isso era uma medida dramática para mudar o status quo da DC Comics, que enfrentava a maior crise de sua história. Após chegar muito perto da falência, a editora percebeu que sua cronologia confusa afastava os leitores, que preferiam a cronologia única e organizada da Marvel Comics. Desse modo, resolveu simplificar tudo. A partir da segunda metade de 1985 e do ano de 1986, uma série de novos roteiristas e desenhistas assumiriam os títulos da DC e meio que começariam do zero as cronologias de seus principais heróis, trazendo uma série de modificações aos personagens, como ficaram célebres o caso do Superman de John Byrne (texto e arte) e a origem mais dura e violenta de Batman (por Frank Miller e David Mazzucchelli).

Para se ter uma ideia do nível das mudanças, ficou definido, por exemplo, que a Mulher-Maravilha não fez parte da fundação da Liga da Justiça, porque se criou uma nova história para a Princesa Amazona, na qual ela era uma estranha do mundo até algum tempo depois dos heróis surgirem – invertendo, de certo modo, o que ocorreu na Era de Prata. Assim, ficava definido que a Liga tinha uma formação “original” formada por Flash, Lanterna Verde, Canário Negro, Aquaman e Caçador de Marte.

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A magnífica capa da nova Wonder-Woman 01, por George Perez.

Após permanecer algum tempo longe das bancas, a Mulher-Maravilha ganhou sua versão pós-Crise em Wonder-Woman (vol. 2) 01, de fevereiro de 1987, com roteiro e arte de George Perez e corroteiro de Greg Potter. Então, George Perez era um dos maiores desenhistas das HQs, tendo começado a carreira na Marvel no início dos anos 1970 e ficando célebre em sua longa passagem nos Vingadores, na qual trabalhou (com interrupções) entre 1975 até 1981. Em seguida, migrou para a DC Comics, onde criou o novo título dos Novos Tiãs, ao lado do roteirista Marv Wolfman, em 1982, e para surpresa de todos, tornaram The New Teen Titans a revista de maior sucesso da editora. Não à toa, a dupla foi responsabilizada para criar Crise nas Infinitas Terras. Após o megaevento, Perez manisfestou sua paixão pela Mulher-Maravilha e, apesar de não ter muita experiência como roteirista, ganhou a oportunidade de comandar o reboot da Princesa Amazona. Deu certo e a longa fase de Perez é considerada até hoje como o melhor momento da Mulher-Maravilha em toda a sua carreira.

Essencialmente, a trama não mudou muito do cânone antigo de Diana, apenas aprofundou os conceitos e organizou os principais elementos da origem e do espírito da personagem. Na trama mostrada na nova Wonder-Woman 01, em meio às disputas do Olimpo, Atena e outras deusas decidem criar uma raça de mulheres guerreiras para pacificar o mundo e vão à Caverna das Almas e “constroem” as Amazonas com as almas de todas as mulheres mortas injustamente por homens. As Amazonas são postas em Themyscira e se preparam para sua missão, mas Ares convence Hércules e Teseu a invadirem o reino delas e prepararem uma armadilha. Ocorre a batalha, mas depois há um acordo de paz. Hércules e Teseu envenenam a rainha Hipólita e sua irmã Etiope e encarceram as Amazonas. Mas Atena interfere a favor delas e Hipólita consegue libertar as Amazonas. Com a ajuda de Poiseidon, o deus dos mares, é criada a Ilha de Themyscira, que irá manter as Amazonas escondida do mundo dos homens. A deusa solicita que elas esqueçam sua missão e vivam em paz.

Com o passar do tempo, Hipólita percebe uma grande vontade de ter uma filha, e Menalipe lhe informa que isso ocorre porque ela foi formada pelo espírito de uma mulher que estava grávida ao morrer. Assim, Hipólita cria uma figura de barro na praia de Themyscira e Artemis lhe sopra a última alma da Caverna das Almas, nascendo Diana. Quando Diana já é adulta, as Amazonas recebem um aviso dos deuses de que Ares está mais louco e poderoso e quer destruir o mundo, então, que elas escolham uma campeã para ir ao mundo dos homens para derrotá-la. Diana é proibida de participar do torneio por sua mãe, mas como todas candidatas estão mascaradas para garantir imparcialidade, Diana participa e vence.

A nova trama de Perez reconta as aventuras de Diana desde o início. Realizada com ajuda dos escritores Len Wein e Greg Potter, a princesa amazona ganhou mais coesão e vinculação com a mitologia grega. Com tempo, Perez adquiriu mais experiência com os textos e dispensou os escritores auxiliares. No fim de sua longuíssima fase, ele até largou os desenhos para se dedicar apenas à escrita e trabalhou com vários desenhistas. Um grande destaque foi que no final de sua etapa, a partir da edição 45a desenhista Jill Thompson assumiu a arte, se tornando a primeira artista regular a desenhar a revista com créditos. Perez terminou sua passagem em Wonder-Woman 62, de 1992, com o arco Guerra dos Deuses e desenhos de Thompson.

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A linda capa de Wonder-Woman 72, por Brian Bolland.

Em seguida, a revista foi assumida pelo escritor William Messner-Loebs, que continuou com a arte de Jim Thompson, mas agora, com capas simplesmente sensacionais de Brian Bolland. Messner-Loebs conseguiu manter a pegada no título e soube manter a popularidade da revista e o apreço da crítica, enquanto a arte passou por alguns artistas como Lee Morder e John Ross.

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Outra bela capa de Wonder-Woman (a especial Nº Zero, entre as edições 90 e 91). A arte é de Brian Bolland, mas a história é desenhada por Mike Deodato Jr.
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Artemis e Diana num detalhe da capa de Wonder-Woman 93, de 1995.

Na edição 90, de 1994, o desenhista brasileiro Mike Deodato Jr. assumiu a arte, dando início a uma nova fase em que – em consequência ao megaevento Zero Hora – Diana é substituída no papel de Mulher-Maravilha por Artemis, enquanto passa a usar um novo uniforme com alguma aparência civil, utilizando uma roupa completamente distinta, com uma jaqueta.

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O visual dos anos 1990 por Mike Deodato Jr.

Essa fase se encerrou na celebrativa Wonder-Woman 100, de 1995. Na edição seguinte, inicia uma temporada totalmente nova, na qual o artista-sensação John Byrne (que tinha reformulado a origem do Superman quase uma década antes) assumiu o controle total da revista, fazendo os roteiros, a arte, a arte-final e o letreiramento. Na trama, envolveu Diana com Apokolips e o vilão Darkseid e, mais uma vez, manteve a grande popularidade e o sucesso da revista, num período bastante apreciado pelos fãs.

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Fase de John Byrne.

John Byrne também promoveu várias mudanças, como a ascensão da heroína ao Monte Olímpio e a transformação de Diana na Deusa da Verdade, além da “revelação” de que a Mulher-Maravilha da Era de Ouro – aquela que agiu nos anos 1940, lutou na II Guerra Mundial e ingressou a Sociedade da Justiça – era na verdade sua mãe Hipólita, que viajou no tempo para o passado, para cumprir tal missão. Essas mudanças desagradaram os leitores.

Assim, Walt Simonson escreveu uma curta fase que prestou homenagens à fase de I Ching, entre os números de Wonder-Woman (vol. 2) 189 e 194.

Liga da Justiça - Crise Infinita - contagem regressiva - Wonder Woman v2 219 22 (morte de Maxwell Lord)
Guerreira violenta em “Contagem Regressiva para a Crise Infinita”.

Nos últimos anos, a Mulher-Maravilha passou por muitas mudanças e cancelamentos de revistas e retornos. Durante o arco Contagem Regressiva para a Crise Infinita, ela se tornou ainda mais violenta e durona e matou o vilão Maxwell Lord, que estava tentando dominar a mente do Superman e havia matado o ex-membro da Liga da Justiça, Besouro Azul.

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O Uniforme de 2010.

Em 2010, a personagem ganhou um novo uniforme, uma mistura da versão de Deodato com o tradicional, o que deixou os leitores confusos. Além disso, ela também ganhou uma nova versão para a TV, por meio da CBS, mas o episódio piloto da nova série não foi aprovado e o projeto foi cancelado. Adrianne Palick faria a Mulher-Maravilha.

A primeira imagem do reboot: com calças.
A capa lançada em setembro de 2011: sem calças.

Em 2011, em meio ao reboot da DC Comics, chamado oficialmente de The New 52, a Mulher-Maravilha foi reformulada por Brian Azzarello e Cliff Chiang. Seu uniforme foi novamente modificado, mantendo as calças, mas aparentemente houve uma grande reação dos fãs e, na última hora, a editora modificou a peça. Nas ilustrações reveladas previamente, a heroína aparece de calças, mas na publicação da revista, ela já aparecia com o tradicional short, assim permanecendo nas histórias.

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Liga da Justiça nos quadrinhos. Arte de Jim Lee.

A heroína também faz parte da nova Liga da Justiça e nas imagens promocionais aparecia com calças, mas efetivamente a DC cancelou as calças e redesenhou tudo para manter o short.