Spawn: sucesso nos anos 1990.

O personagem Spawn, o Soldado do Inferno, causou uma pequena revolução nos anos 1990 e agora voltará a ser publicado no Brasil após quase quatro anos de ausência. Segundo informa o site Omelete, Spawn voltará às bancas e livrarias brasileiras pela editora HQM não mais em uma revista mensal, mas numa série de coletâneas, que parece ser um formato adequado ao personagem.

A publicação retomará exatamento do ponto em que as revistas foram interrompidas no Brasil, em 2008, pela editora Pixel Media. Assim, a nova série da HQM retomará a edição 179 da revista nos Estados Unidos, que inicia o prelúdio à saga Endgame que reformulou o personagem a partir de 2008 e cujas ramificações permanecem nos dias de hoje.

Todd McFarlane: revolução nos quadrinhos.

Spawn foi criado pelo escritor e desenhista Todd McFarlane em 1992 e lançado pela editora Image Comics, mas o contexto de sua criação chega a ser mais importante do que ele mesmo. No início dos anos 1990, a Marvel Comics era (como permanece hoje) a maior editora de quadrinhos dos EUA e vivenciava um momento de altíssimas vendas, as maiores em sua história até hoje. Dois motivos potencializaram esse sucesso: a adesão da Marvel à chamada Era Sombria, com histórias mais violentas e maior apelo sexual; juntamente a uma nova geração de artistas que rompiam com o estilo clássico da editora – em uso desde os anos 1960 – e instalavam gráficos cheios de linhas e rasuras, muita dinâmica, mulheres sensuais e cores escuras.

O canadense Todd McFarlane foi justamente um dos precursores de todo esse movimento. Nascido em 1961, em Alberta, depois migrou para o Estado de Washington, no extremo noroeste dos EUA, onde cursou a faculdade e chegou a jogar Baseball profissionalmente, carreira que abandonou para ser desenhista. Sua estreia como artista se deu na Epic Comics, em 1984, que na verdade, era um selo autoral da Marvel Comics, na revista Coyote.

Capa de "Detective Comics 578" por McFarlane: arco Ano Dois.

Em 1985, migrou para a DC Comics, onde trabalhou inicialmente na Infinity Corporation, uma revista derivada da Sociedade da Justiça. Depois, trabalhou na minissérie Invasão e chegou à Detective Comics, onde desenhou parte do arco Batman: Ano Dois, escrito por Mike W. Barr.

Convidado de volta à Marvel, McFarlane iria trabalhar na revista G.I. Joe (os Comandos em Ação) escrita por Larry Hama, mas como era novato e tinha uma narrativa considerada ruim, Hama o negou, de modo que McFarlane foi parar na revista The Incredible Hulk, escrita por Peter David, outro rejeitado, expulso das revistas do Homem-Aranha por uma rivalidade com o editor Jim Owsley.

O Hulk de McFarlane: cinza e mais violento.

O Hulk vinha em uma má fase, mas o advento da dupla David-McFarlane, em 1987, deu inicío não apenas a uma nova fase como, surpreendentemente, transformou sua revista em uma das de maior sucesso da Marvel. O HQRock já publicou um post sobre essa fase – leia aqui – e foi um divisor de águas nas carreiras de David, McFarlane e do próprio Hulk. A abundância de traços e a musculutura exagerada do Hulk no traço de McFarlane rompiam com o padrão “Clássico” dos desenhista da Marvel e dava início a uma nova fase na editora.

Em pouco tempo, McFarlane era o desenhista mais popular da editora e começou a fazer outros trabalhos, principalmente capas de revistas. Na época, uma dessas revistas republicava as histórias clássicas do Homem-Aranha – da época de Stan Lee e John Romita – e McFarlane criou um novo visual para o personagem: aumentou os olhos da máscara, multiplicou as teias do uniforme, transformou a teia de um trraço reto em um emaranhado de fios e desenhava o herói magro como tinha que ser (e não musculoso) e sempre em poses dobradas, que ressaltavam sua agilidade e as heranças das habilidades de uma aranha verdadeira.

O Homem-Aranha de McFarlane na capa de "Spider-Man 01", de 1990.

Com isso, todos passaram a pensar que o canadense era o nome perfeito para as revistas do Homem-Aranha e, advinhe só, o cabela de teia estava sem desenhista fixo em sua revista principal, Amazing Spider-Man. Então, em 1988, McFarlane se tornou o desenhista do herói a partir de Amazing Spider-Man 298, numa história que se passava imediatamente depois do casamento de Peter Parker e Mary Jane Watson, com as tramas escritas por David Michelinie – famoso pela melhor fase do Homem de Ferro na passagem dos anos 1970 para 80 – que também tinha assumido a revista há pouco tempo.

As histórias de Michelinie e McFarlane fizeram um tremendo sucesso, dosando ação e humor, mostrando o início da vida marital do herói e apresentando o surgimento do principal vilão do herói nos próximos anos: Venom. Veja mais detalhes no dossiê do HQRock sobre o Homem-Aranha, em sua Parte 03.

O vilão Venom foi cocriado por McFarlane.

As histórias de Michelinie e McFarlane fizeram Amazing Spider-Man atingir as maiores vendas de seu tempo e a Marvel, então, decidiu capitanear em cima disso, criando uma nova revista inteiramente para McFarlane não apenas desenhar, mas também escrever. O artista deixou Amazing (substituído por Eric Larsen) e estreou, em 1990, a nova revista Spider-Man, com o arco de histórias Tormento, apresentando uma versão radical do Lagarto em uma história violenta e sombria. Spider-Man 01 vendeu duas milhões de cópias, entrando para o Livro dos Recordes como o gibi mais vendido da história, embora perdesse o título no ano seguinte (para a nova X-Men 01, de Chris Claremont e Jim Lee).

Na nova revista, McFarlane mostrou que não era um escritor tão bom quanto desenhista, mas apresentou encontros do Homem-Aranha com Wolverine e o Motoqueiro Fantasma, dois dos personagens mais populares da Marvel na época. Em seguida, usou a revista como trampolim para aumentar as vendas de outras revistas da Marvel, fazendo crossovers (histórias que começam em uma revista e terminam em outra) com Hulk e X-Force.

Contudo, aparentemente, McFarlane queria vender para a Marvel um personagem novo e manter os direitos autorais para si, o que a editora negou. Em protesto (e vingança), o artista se demitiu da editora e, pior, levou consigo os melhores desenhistas da casa: Jim Lee (X-Men), Marc Silvestri (Wolverine) e Rob Liedfeld (X-Force). Como conseguiu isso? A ideia de montarem uma editora nova na qual cada um teria um estúdio independente e poderia publicar o que quisesse e ainda manter para si todos os direitos autorais de suas criações. Nascia a Image Comics.

Capa de "Spawn 01" de 1992.

Como eram os maiores nomes do mercado, a empreitada não apenas deu certo, mas deu certíssimo: a Image Comics surgiu em 1992 com Spawn (de McFarlane), WildCats (Jim Lee), Savage Dragon (Eric Larsen) e outros e se tornou uma verdadeira ameaça à Marvel e à DC. A revista Spawn, escrita e desenhada por McFarlane logo passou a disputar o n.º 01 das vendas contra os X-Men.

A trama de Spawn era bastante ousada para a época: o soldado da CIA, Al Simmons, é morto em ação e vende sua alma ao demônio para voltar à Terra como um Spawn, ser demoníaco. Mas o ímpeto bondoso de Simmons prevalece e ele começa a agir como um herói, violento e sombrio como era típico da Era Sombria. O resultado? Spawn 01 vendeu 1,7 milhões de cópias.

A arte de Greg Capullo.

A revista Spawn foi um grande sucesso no início e McFarlane soube capitanear o momento e trazer os maiores escritores dos quadrinhos de então para escrever uma ou duas ediçõe, como Alan Moore, Frank Miller, Neil Gaiman e Grant Morrison.

McFarlane só desenhou as primeiras 15 edições, passando o lápis para Greg Capullo – de estilo similar – que permaneceu como o artista principal do título até a edição 100, sendo seguido por Angel Medina, Philip Tan, Brian Haberlin e Whilce Portacio. Porém, McFarlane continuou como o principal escritor da revista até a edição 70, quando passou a dividir as tramas com Brian Holguin. Depois, este assumiu o texto integralmente, enquanto McFarlane passou a atuar apenas como editor. Holguin foi substituído por David Hine na edição 150.

Apesar de seu ótimo início, as vendas da revista começaram a cair lentamente. Em 2008, Spwan estava na 99ª colocação do ranking das 100 revistas em quadrinhos mais vendidas dos EUA, com cerca de 22 mil cópias.

Capa de "Spawn 200" por Rob Liedfeld.

Para mudar os rumos, McFarlane retornou à revista na edição 185, de 2008, voltando a dividir os textos com Brian Holguin, mas deixando os desenhos com Whilce Portacio. Foi uma curta fase que reformulou a trama de Spawn e abriu caminho para a saga Endgame. A volta do criador causou certo impacto e a revista Spawn 185 esgotou nas lojas, obrigando uma segunda reimpressão, porém, o efeito durou pouco e, em 2009, a revista não aparecia mais sequer no Top100 das revistas mais vendidas e, em 2010, também desapareceu da lista das 300 mais vendidas.

A edição especial Spawn 200, que trouxe vários desenhistas consagrados, vendeu bem, mas foi uma exceção. A partir de então, a revista mudou novamente seu rumo: os textos ficaram com Will Carlton e os desenhos com Szyman Kudranski, numa trama na qual Al Simmons deixa de ser o Spawn e surge um novo, na figura de Jim Downing.

No Brasil

Capa de "Spawn 179", edição que vai reiniciar sua publicação no Brasil.

O personagem foi publicado no Brasil a partir de março de 1996, na revista Spawn, pela Editora Abril, a mesma que publicava Marvel e DC no país. A revista teve mais de 140 edições até ser cancelada, dez anos depois. Em seguida, a publicação foi retomada pela Pixel Media, mantendo a mesma numeração, em 2007, revista essa que durou pouco mais de um ano, sendo cancelada em 2008. Desde então, o Soldado do Inferno está ausente das bancas brasileiras. A retomada da HQM Editora se iniciará exatamente às vésperas da mesma reformulação de McFarlane, Holguin e Portacio para a recuperação do personagem.

É torcer para que o empreendimento dê certo e um novo mercado se consolide no Brasil.

O primeiro encadernado de Spawn na HQM é prometido para o primeiro semestre de 2012.