Poucas séries de TV são tão controversas quanto Smallville, exibida nos EUA pelo canal CW e retransmitida no Brasil pelo Warner Channel. Não que aborde temas polêmicos ou lide com extremos morais, mas porque o programa relata a vida do jovem Clark Kent antes de se transformar no Superman. Mexer com as origens do maior dos super-heróis, adaptando-as aos tempos contemporâneos e às limitações da TV, é comprar briga certa com fãs radicais de quadrinhos que formam um dos grupos de admiradores mais xiitas que existem. Qualquer espaço de discussão na internet mostra como o programa atrai admiradores na mesma proporção de difamadores.
Os que não gostam reclamam do clima “romance novelesco” da série e de mudanças à mitologia clássica do homem de aço. Por exemplo, às vésperas de se tornar o Superman, Clark Kent (o ator Tom Welling) ainda não é capaz de voar – a mais simbólica de suas habilidades. Embora a trama tenha lá suas explicações, ninguém consegue esconder que o motivo principal é o custo dos efeitos especiais, o que comprometeria o visual do programa ou deixaria as constantes cenas de vôo com aparência fajuta, tal qual nas outras experiências televisivas do personagem.
Contudo, Smallville tem méritos. O maior deles é o aprofundamento psicológico dos personagens. Nenhuma outra mídia – nem mesmo os quadrinhos que inspiraram tudo – foram tão a fundo na mente de Lex Luthor, o arquiinimigo do herói. A série fez uma abordagem realística do vilão, mostrando-o como o herdeiro de uma fortuna nascida da corrupção, com um pai inescrupuloso que é capaz de tudo para pôr o filho nas mais difíceis situações somente a fim de “treiná-lo” para tornar-se aquilo que, sabemos, Luthor será no futuro. Méritos sobrando para o ator Michael Rosenbaum que o interpretou, além de John Glover, como o cínico e maligno Lionel Luthor, seu pai.
A transformação de Lex Luthor, de jovem brilhante com potencial para o bem rumo ao empresário manipulador e sem nenhum freio moral foi um dos eixos da série: mandado para cuidar da filial da LuthorCorp na pequena Smallville, se vê envolvido em uma série de mistérios com superseres e alienígenas que potencializam seu “lado mau”. Até Clark Kent tem responsabilidade nisso, pois se tornam amigos, como irmãos, mas o esforço constante do fazendeiro em esconder seu segredo e a certeza de Lex em haver algo errado, cria a obsessão que o leva a tentar de tudo para saber a verdade, inclusive, experimentos com humanos, extorção, assassinatos etc., o que termina por aproximá-lo da personalidade de seu pai.
A série contrapôs essa realidade familiar com o lar equilibrado (embora não desprovido de conflitos) da família Kent. Estes também não são unidimensionais: Jonathan Kent é um fazendeiro turrão que, apesar da moral altíssima, não foge de uma briga. Sua esposa Martha Clark é uma rica herdeira de um grande escritório de advocacia que larga tudo para viver humildemente no interior.
As primeiras temporadas do programa exploravam a difícil adaptação de Clark na Terra, por querer uma vida comum e ser impossível diante de sua origem extraterrestre, que descobriu aos poucos. A segunda metade da série adquiriu tom menos adolescente e voltou-se para o desafio do jovem em aceitar seu papel como o maior defensor da humanidade que será no futuro.
Como qualquer série longeva, Smallville vivenciou dificuldades: mudanças de produtores, de roteiristas e saída de atores impactaram os episódios que, por vezes, precisam esconder problemas do “mundo exterior”. Decisões equivocadas e a necessidade de se adaptar a modas para aumentar a audiência (vampiros e zumbis apareceram ao sabor do mercado) prejudicaram a série. Além disso, a constante necessidade de “esticar” a trama, pois a série não pode acabar enquanto tem audiência, levaram à repetição, embromação, idas e vindas, enfim, ao que os brasileiros chamam de “encher linguiça”.
Todavia, tudo tem um fim. Após nove anos de boa audiência, a fórmula esgotou e a nova temporada foi anunciada com alarde como a última. Isso deu aos produtores e roteristas a missão de encerrar a jornada de ensinamentos e dilemas do jovem fazendeiro que vai se tornar o “homem do amanhã”.
A 10ª temporada estreou em setembro de 2010 e está prevista para encerrar em maio deste ano. A série, agora, corre para fechar as “pontas soltas” e dar um desafio final à altura, que faça Clark Kent deixar de agir nas sombras e vestir a icônica roupa azul e vermelha de Superman.
Outro ponto interessante, é que, diferentemente dos quadrinhos, Smallville pôde trabalhar lentamente esse processo de transformação, o que rendeu uma trama de fundo interessante. Inicialmente, Clark agia apenas ocasionalmente, quando presenciava algo ou tentava livrar os amigos das maquinações da família Luthor, que usavam Smallville como campo de testes nada éticos.
Depois, o jovem termina o colegial, frequenta o College e passa a trabalhar como estagiário no Planeta Diário, na megalópole de Metrópolis. Clark deixa de atuar apenas defensivamente e começa a combater o crime efetivamente, o que faz sua presença ser notada. Outro jornalista presencia a ação de Clark que, devido à supervelocidade, não é visto nitidamente, apenas um borrão e, por usar roupas vermelhas e azuis é chamado de Red and Blue Blur (ou “Borrão Vermelho e Azul”), para logo ser conhecido apenas como Blur.
Neste ponto, Clark conhece outros vigilantes que também usam suas habilidades – sobrehumanas ou não – para combater o crime, com destaque ao Arqueiro Verde, secretamente, o playboy milionário Oliver Queen (Justin Hartley).
Aqui repousa outro mérito de Smallville: diferente das outras adaptações de Superman para live action (ou seja, com atores) esta expandiu o contexto do personagem para o chamado Universo DC (a editora que publica o herói), possibilitando a convivência com outros heróis – Flash, Aquaman, Canário Negro, Caçador de Marte, Gavião Negro (a maioria nunca teve versões live action) – e até a formação de um esboço da Liga da Justiça, grupo dos quadrinhos com Superman, Batman e Mulher-Maravilha.
Na trama da nona e da décima temporada, o Blur (que já usa a insígna do herói no peito, embora não seu uniforme) e seu grupo de vigilantes começam a se tornar públicos e enfrentar os desafios advindos daí, como a reação governamental por meio do Xeque-Mate (agência secreta para lidar com superseres) e a dissidência menos ética, Esquadrão Suicida.
Essa trama de fundo, aliada ao romance do homem de aço com a jornalista Lois Lane, deve se desenvolver em torno de uma ameaça de grandes proporções que exija a Clark Kent sair das sombras do Blur e vestir as cores chamativas do Superman.
Essa etapa final será mostrada a partir de 28 de janeiro, quando estréia a última metade da 10ª temporada e iniciará o fim do começo do Superman.
Ao terminar sua exibição, em maio de 2011, Smalville terá sido a série de ficção científica mais duradoura da TV norte-americana, única a atravessar a barreira dos 200 episódios produzidos.
O personagem, porém, não ficará fora do live action por muito tempo. Está programado um novo longametragem do homem de aço para 2012.
hqrock 
A serie tinha que voltar.
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