Dan Didio: tentativa de explicar piorou a recepção dos leitores.

O mês de setembro acabou e todas as novas 52 revistas da editora DC Comics foram lançadas, trazendo o reboot de seu universo ficcional, ou seja, uma reformulação cronológica, numa empreitada chamada justamente The New 52. Enquanto as revistas vendem como água nas comic shops dos EUA, garantindo pelo menos um sucesso comercial à empreitada em seu primeiro momento, as mudanças e decisões editoriais têm causado bastante controversia entre os leitores, especialmente os mais antigos.

Para completar o quadro, o Co-Publisher da DC, Dan DiDio, revelou no Facebook que, na nova cronologia, não houveram as famosas Crises que marcam o Universo DC. Os fãs reagiram, pois esses megaeventos marcaram a cronologia da editora e são pontos de inflexão para muitos personagens. Além disso, não fica claro “o que vale” e “o que não vale” no novo universeo ficcional e isso frequentemente irrita os leitores.

Para os neófitos, um rápido cursinho sobre o que isso significa:

Capa de edição comemorativa de "Crise nas Infinitas Terras", pintada por Alex Ross.

Crise nas Infinitas Terras

A DC Comics foi fundada em 1937 e estourou nos dois anos seguintes com a publicação de Superman e Batman. Crescendo rapidamente, criou dezenas de personagens entre 1938 e 1943. Nas décadas seguintes, a DC absorveu diversas outras editoras, como a Charlton e a Fawcett Comics e todos os seus personagens. Com isso, a editora precisou criar estratégias para que vários universos ficcionais diferentes vivessem lado a lado.

Além disso, havia um problema doméstico. Da primeira leva de personagens que a DC criou no fim dos anos 1930 e início dos 1940, pouquíssimos continuavam sendo publicados nos meados de 1950, dentre os quais os mesmos Superman e Batman. Assim, os outros personagens mais velhos, como Flash e Lanterna Verde foram “recriados” em novas versões. Mas com o passar do tempo, ficou difícil explicar como o Superman tinha interagido com o Flash de 1940 e depois com o novo de 1957 sem envelhecer nem um ano.

Em vez de simplesmente ignorar os fatos, a DC escolheu o caminho mais difícil: criou o conceito de Multiverso. Assim, existiam vários universos paralelos, cada qual com suas versões dos mesmos personagens. Assim, a “realidade padrão” tinha as versões mais famosas de Batman, Superman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde etc.; mas existia a Terra-2 em que o Flash de 1940 agia junto ao Superman da mesma época e ambos lutaram na II Guerra Mundial.

Se não era complicado o suficiente, a editora ainda ampliou e criou outras Terras, aproveitando o conceito para adequar os personagens das outras editoras que tinha comprado. Assim, tinha a Terra-3 (onde os heróis eram vilões e os vilões eram heróis); a Terra-S com o Capitão Marvel da editora Fawcett; a Terra Z onde os Nazistas ganharam a Guerra; e assim por diante. Desse modo, quando o Batman encontrasse com o Questão (personagem da Charlton Comics) era só dizer que aquilo se passava na Terra Qualquer Coisa. Simples não?

Com o passar dos anos, cada Terra ganhou sua personalidade. Na Terra-2, Batman e Superman (que tinham começado a agir no fim dos anos 1930) estavam envelhecidos e davam lugar aos seus filhos, surgindo personagens como a Caçadora, filha do homem-morcego com a Mulher-Gato. Mas não demorou muito para o Batman da Terra-1 (a principal) estar agindo ao lado da Caçadora da Terra-2 e, de repente, os leitores da DC não sabiam mais em que Terra estavam. Para piorar, no fim dos anos 1970, a DC entou na maior crise comercial de sua história e notou que precisava mudar ou pedir falência.

A DC chegou bem perto de simplesmente fechar as portas e licenciar seus personagens para a concorrente Marvel Comics (que publica Homem-Aranha, Vingadores e X-Men), como revelou recentemente o ex-Editor-Chefe da Marvel na época, Jim Shooter. (O HQRock publicou um post sobre isso, leia aqui).

Mas a DC se salvou com a ideia da Crise nas Infinitas Terras, um megaevento que reuniria TODOS os personagens da editora numa trama que falava de manipulação da realidade e do tempo. Começou a ser publicado em 1985, em 12 capítulos, escritos por Marv Wolfman e desenhados por George Perez, os mais bem sucedidos artistas da época. Como resultado, o Universo DC foi unificado em uma coisa só e foram abolidas todas as outras Terras. Assim, todos os personagens foram, de algum modo, acomodados em uma única linha cronológica. Assim, passou a se adimitir que existiram dois Flash, um no passado e outro no presente.

Personagens irrelevantes ou que traziam problemas cronológicos foram “apagados da existência“. Para fortalecer o Superman como personagem, por exemplo, se eliminaram todos os outros kryptonianos que povoam o Universo DC, de modo que Superboy (a versão adolescente do herói, de muito sucesso nos anos 1960) e a Supergirl deixaram de existir.

Zero Hora.

Zero Hora

A seaga anterior resolveu muitos problemas, mas logo outros surgiram. Se a Legião dos Super-Heróis (heróis adolescentes do século 30) se formaram por inspiração do Superboy e ele e a Supergirl eram membros da equipe, como continuar as aventuras da Legião (algo que a DC fez) sem que os dois personagens jamais houvessem existido? Como resolver o problema da Poderosa, que era a Supergirl de uma outra Terra e continuou existindo pós-Crise? Para resolver esses pequenos problemas, a DC criou a saga Zero Hora escrita por Dan Jurgens e desenhada por Tom Grummett, novamente envolvendo manipulação do tempo e da realidade.

Crise de Identidade.

Crise de Identidade

Diferente das outras sagas, esta aqui lida apenas com questões éticas: Batman descobre que os demais membros da Liga da Justiça guardam um obscuro segredo do passado e vai tirar as satisfações devidas. O maior impacto foi questionar o papel do herói numa história de ótima qualidade, escrita pelo romancista Brad Meltzer e desenhada por Rags Morales, com capas de Michael Turner.

Crise Infinita.

Crise Infinita

Mas alguns problemas de continuidade e de cronologia continuaram, então, a DC criou a Crise Infintita que trazia de volta personagens da velha Crise e solucionava os problemas. E criava outros, claro. Dentre eles, a volta do Multiverso, que havia sido abolido na primeira Crise. A história tem um quê de quesionamento do papel do herói, também, mas se perde em aspectos cósmicos. Foi escrita por Geoff Johns e maravilhosamente desenhada por Phil Jimenez, com capas de Jim Lee e Alex Ross.

Crise Final.

Crise Final

Anunciada como a “última crise” trata-se mais de uma grande reflexão filosófica do escritor Grant Morrison e do excepcional desenhista J.G. Jones, mas também serviu para alinhar alguns pontos.

Flashpoint

O Flash viaja no tempo e bagunça a cronologia da DC, dando origem ao reboot atual.

E agora?

O novo Universo DC é mais jovem. Fazem apenas cinco anos desde que o Superman se revelou ao mundo e nasceu a expressão “super-herói”. Antes disso, os vigilantes (com super-poderes ou não) não existiam ou eram desconhecidos do grande público. O Batman agia antes disso, mas era tido como uma “lenda urbana”. O Superman é o primeiro a aparecer e é a inspiração para todos os demais.

A nova Liga da Justiça no traço de David Finch.

Como são mais jovens, a maioria de sua cronologia é simplesmente inválida, pois segundo a lógica que a própria DC criou após a primeira Crise, o Batman de 2011, por exemplo, estava por volta do Ano 18 de atuação, o que lhe tornava um homem de 42 anos mais ou menos. No novo Universo DC, ele tem no máximo 30. (Leia sobre a velha cronologia do Batman aqui).

O problema é que a editora quer manter alguns elementos de seu universo ficcional. Batman e Lanterna Verde, por exemplo, como eram as revistas de maior sucesso da editora, não foram mexidas fundamentalmente. Desse modo, a cronologia anterior dos dois é válida, mas ao mesmo tempo, incompatível com as dos demais. Como condensar os 17 anos de atuação do Batman em apenas cinco? Especialmente quando há marcos temporais concretos, um deles um filho com uma personagem que está na casa dos 10 ou 12 anos?

Batman: cronologia não afetada pelo reboot. Mas como?

Além disso, a biografia dos personagens está relacionada aos demais e às Crises que foram “apagadas”. Tudo bem, se o Universo DC está jovem, o Flash não morreu em Crise das Infinitas Terras, mas como Jason Todd (relacionado ao universo do Batman) ressuscitou dos mortos na Crise Infinita se não houve Crises?

Dan Didio afirmou no Facebook que existiram as Crises, mas não as Crises que os leitores leram, apenas “crises pessoais“. Isso explicaria porque, por exemplo, na nova revista da dupla Rapina e Columba se informa que o Columba original “morreu em uma crise“. Ah, em uma “crise pessoal”! O editor defende que esta é a grande vantagem de The New 52, a possibilidade de explorar essas novas histórias e descobrir o que aconteceu. O que fica parecendo, quando se vê algumas contradições entre as novas histórias, é que muitos problemas sequer foram pensados.

Pelo visto, crise mesmo vai se estabelecer entre os leitores da DC e sua coordenação editorial.

Todo esse alarde foi apenas em um mês, o que virá a seguir?