Existem poucas unanimidades nos quadrinhos, mas uma delas é que a maxissérie Watchmen escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, lançada em 1985 pela DC Comics, é a mais importante obra do gênero nas últimas décadas. De fato, é difícil superar a visão inteligente a absurdamente complexa construída por Moore em 12 longos capítulos recheados não apenas com a história dos ex-combatentes uniformizados ao crime que são obrigados a voltar à ativa quando uma série de misteriosos assassinatos atinge sua “comunidade”, mas também com um presente apocalíptico marcado pela iminência de uma guerra nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética (são os anos 1980, ainda na Guerra Fria).
No caminho, Moore aproveita para dissecar a personalidade dos personagens ao cúmulo dos detalhes num esforço muito além do necessário. Não apenas os vigilantes de 1985, como Coruja (Nite Owl), Rorschach, Espectral (Silk Spectre), Dr. Manhattan e Ozzymandias, mas também a geração anterior de super-heróis (que iniciaram nos anos 1940), bem como nilista Comediante, que faz uma ponte entre as duas gerações. E isso não apenas por meio da história contada, mas por meio de “anexos” que trazem reportagens de jornais, capítulos de livros autobiográficos e até um artigo sobre a anatomia dos pássaros, tudo fictício e criado por Moore.

Se isso já não fosse o bastante, acompanhamos um jovem lendo uma revista em quadrinhos sentado ao lado de uma banca de revistas e vemos todo o desenrolar da história, como uma trama paralela, de natureza absurdamente violenta, contado a história de um marujo que sobrevive ao ataque sanguinário de piratas, Os Contos do Cargueiro Negro, que serve como um tipo de metáfora da trama principal.
Tudo em Watchmen é grandioso e não-ortodoxo e talvez isso ajude a explicar seu sucesso. Depois de publicada como maxissérie mensal, foi reunida no formato encadernado – geralmente em quatro volumes – e desde o fim dos anos 1980 não saiu da lista das graphics novels mais vendidas dos Estados Unidos.
Por ter toda essa força, não é de se estranhar que Watchmen nunca tenha ganho uma sequência ou continuação. É como se ninguém quisesse mexer naquilo que é perfeito como está. A explicação também não é só essa. Em 1988, houve um tipo de litígio entre Alan Moore e a DC Comics pelos royalities de Watchmen, que levou à demissão do artista e à sua promessa de que jamais escreveria de novo para a editora, o que cumpriu desde então.

Entretanto, o apelo cada vez maior da obra e o fato de não haver nenhuma substituta em vista no futuro breve vêm motivando a DC Comics a considerar produzir uma sequência (ou um prelúdio) à revelia do autor. O próprio Alan Moore já confirmou isso em entrevistas, dizendo que foi procurado pela editora para escrever uma sequência e receberia um cachê que seria o mais alto da indústria em todos os tempos, mas recusou. O escritor escocês Grant Morrison, o maior nome dos quadrinhos em atividade atualmente, também já disse em entrevistas que foi procurado para a mesma finalidade, mas também recusou – há uma “briga”, quase um tipo de “guerra fria” entre Morrison e Moore por motivos ignorados.
Pois agora, o famoso colunista Rick Jonhson, do site Bleeding Cool, garante que a DC mantém os planos de produzir a continuação de Watchmen, pelo menos no sentido de produzir minisséries que se passariam antes do final da história original. (Sem contar o que acontece, podemos dizer que não faz muito sentido prosseguir com a história após o “fim”, porque isso tiraria muito de sua força). Mas o “passado” criado por Moore é tão rico que dá pano para a manga para ser explorado. Afinal, numa história que se passa entre 1940 e 1985, a maioria dos fatos citados sequer é mostrada.

Johnson dá até o nome dos envolvidos na discussão que a DC está fazendo esta semana sobre o tema: os escritores J.M. Straczynski e Brian Azzarello, o escritor/desenhista Darwyn Cooke e os desenhistas J.G. Jones e Andy Kubert. Todos são aclamadíssimos na atualidade e alguns dos principais nomes dos quadrinhos atuais.
A DC Comics também tem que tomar cuidado. Uma manobra semelhante foi realizada pela editora há quase dez anos e resultou num final patético: outra unanimidade dos quadrinhos é a importância da minissérie Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns, no original), escrita e desenhada por Frank Miller e também publicada pela DC em 1985. Contudo, em 2002, a editora e o autor resolveram publicar uma parte dois e TDKR 2 é uma coisa medonha, uma das piores coisas já escritas sobre o Batman por um autor famoso, uma mancha na obra de Frank Miller e uma mácula à obra original.

Refazer Watchmen sem a participação de Alan Moore é correr o risco de fazer algo ainda pior. Mesmo com bons nomes envolvidos.
E ninguém pode esquecer que o grande interesse da DC é fazer barulho para transformar Watchmen em uma franquia cinematográfica de sucesso, capitaneada por sua empresa-mãe, a Warner Bros. O filme Watchmen, dirigido por Zack Snyder em 2009, realizou a heróica tarefa de adaptar a maxissérie ao cinema e o fez muito bem, exemplarmente. O filme não foi uma unanimidade – e nem um sucesso estrondoso de bilheteria, diga-se de passagem – mas é uma das melhores adaptações dos quadrinhos ao cinema já realizadas. Dentro do que era possível – transformar 400 páginas e 40 anos de história em um único filme de 120 minutos – a obra de Snyder é um marco.

O diretor é extremamente fiel à obra original, modificando em grande parte apenas o figurino e cortando partes da história – por motivos óbvios. A maior liberdade foi uma pequena mudança na ameaça final, que foi transformada em algo mais passível de ser explicado cientificamente do que é na revista em quadrinhos. No entanto, convenhamos, as modificações de Snyder são melhores do que o original, tanto nos figurinos quanto na ameaça final. O conteúdo do final não foi mudado em nada, apenas o agente que o causa. Neste sentido, o filme é absolutamente fiel ao original na maioria das coisas.

Criar novos materiais nos quadrinhos, como as aventuras dos Watchmen – grupo de heróis formado Coruja, Rorschach, Espectral, Dr. Manhattan, Ozzymandias, Comediante e outros nos anos 1960 – por exemplo, que nunca foram mostradas, apenas citadas, poderiam ensejar a criação de novos filmes ou mesmo de uma série de TV que fizesse a Warner/DC popularizar ainda mais a obra.
É bem provável que o conglomerado faça isso mesmo. O resultado para a obra original ou a qualidade do que vem por aí não são garantidos.
E vai ser mais motivo para Alan Moore ter raiva e desprezo pela indústria dos quadrinhos. Suas obras como A Liga Extraordinária, Do Inferno, V de Vingança, Constantine e Watchmen vêm sendo adaptadas ao cinema sempre sem sua autorização.

