
A Marvel abre um novo capítulo em seu universo ficcional nos cinemas mergulhando no mundo da magia com Dr. Estranho, filme sobre o mago supremo do universo nas histórias em quadrinhos da Marvel Comics que será lançado em breve, dentro do mesmo universo fictício dos Vingadores, por meio do Marvel Studios e Disney Company. E o que dizer do filme? Siga a Resenha Crítica do HQRock.
Dr. Estranho não é o melhor filme da Marvel, mas é uma boa diversão. O maior ponto positivo é o apuro visual. É o mais intrigante filme do estúdio no ponto de vista visual. Com efeitos especiais de primeira, é simplesmente muito bonito ver a realidade se descortinar e remodelar diante de seus olhos, num efeito que parte daquele já visto em A Origem de Christopher Nolan, mas vai muito além. Também é de encher os olhos a estética psicodélica adotada em alguns planos, especialmente quando da viagem (forçada) do protagonista por um conjunto de várias dimensões e, por fim, na batalha final na Dimensão Negra.

Em termos visuais, o filme é uma transposição exata e fiel da arte psicodélica que o artista Steve Ditko criou para o personagem nos anos 1960 e ajudou o Dr. Estranho a ser o personagem favorito dos universitários dos EUA e uma sensação entre os hippies. Numa época em que Superman e Batman eram lidos por crianças, foi um feito e tanto da Marvel (e do escritor Stan Lee) conseguir inserir seus super-heróis em um meio acadêmico, levando a leitura e a reflexão sobre as HQs para os intelectuais e as universidades.
A trilha sonora também ajuda nesse aspecto, quase toda calcada em peças incidentais, carregadas de exotismo e toques orientais. Apenas quatro canções são ouvidas no filme – quase todas aplicadas em cenas em que Stephen Strange ouve música deliberadamente – mas uma delas é deleite para quem curte o clima psicodélico do visual do filme: Interstellar overdrive, do Pink Floyd, ainda em sua formação com Syd Barrett, e gravada no primeiro álbum da banda, The Piper at the Gates of Dawn, de 1967.

Outro destaque são os atores, em especial o sempre ótimo Benedict Cumberbatch, que rouba todas as cenas em que aparece, com sua presença e força interpretativa. Também merece destaque Tilda Swinton na enigmática e andrógena Anciã. O resto do elenco brilha menos, mas também não compromete. Chiwetel Ejiofor e Rachel McAdams têm pouco espaço para desenvolver arcos pessoais e Mads Mikkelsen mantém a má tradição da Marvel em relação aos vilões. O seu Kaecillus é algo genérico e sem uma grande história, um típico “anjo caído”, não alguém totalmente malvado, mas movido por uma fé cega e certa frieza.
Isso abre a ponte para falarmos da história. Dr. Estranho sofre do mal de quase todo “filme de origem“: como se gasta muito tempo para apresentar o personagem e mostrar como ele chegou lá, esse “lá”, quando aparece, já está muito adiantado da hora e frusta um pouco o telespectador que quer mesmo é ver o “lá”. Mas este não é nem o pior problema.

O maior defeito de Dr. Estranho é a falta de profundidade. Não há o peso dramático de outros filmes da Marvel (como O Soldado Invernal ou Guerra Civil) ou uma história cheia de reviravoltas e pequenas surpresas (como Os Vingadores). O filme segue, na verdade, uma trama simplíssima: Stephen Strange é um renomado cirurgião, arrogante e ególatra, que faz pouco caso das pessoas à sua volta – pessoas estas representadas pela Dra. Christine Palmer, sua ex-namorada e meio-amiga – sendo o melhor no que faz mais pelo seu próprio prazer e desafio do que por salvar vidas ou se importar. Porém, um acidente automobilístico gravíssimo – e exagerado demais na tela, é verdade… – custa-lhe os movimentos das mãos e encerra sua carreira. Strange luta desesperado por tentar se recuperar, mas sete cirurgias não resolvem seu problema e ele busca uma última saída desesperada em Katmandu, no Tibete. Lá, envolve-se com a prática da magia e termina descobrindo um mundo totalmente novo: a maga suprema da Terra, chamada apenas de A Anciã, comanda um tipo de culto que luta para manter a harmonia e o equilíbrio entre as várias dimensões que compõem o Multiverso, a realidade que abriga vários universos diferentes.

Claro que há uma facção divergente, comandada por um ex-discípulo, chamado Kaecillus, que quer abrir caminho em direção à Dimensão Negra, o que pode trazer um mal irremediável à Terra. Então, Strange tem que decidir se irá além daquilo que foi buscar – a cura para suas mãos – ou irá se engajar em algo maior e, finalmente, ir além do próprio ego.
A trama é retilínea e sem grandes surpresas. quase como uma forma de não atrapalhar o espetáculo visual que se descortina diante dos olhos. Dando uma de “advogado do diabo” é possível pensar que a Marvel evitou complicar demais a trama para que o telespectador possa absorver a grande quantidade informações, nomes e práticas que o filme carrega. Afinal, todo um novo mundo de magia é apresentado. Talvez isso seja até o correto, para não afugentar o grande público, que encontra, apenas das novidades, um filme-Marvel padrão, com muita ação, heróis coloridos e várias piadinhas para carregar o humor e aliviar a tensão.

O diretor Scott Derrickson vem de um background de filmes de terror, mas não pesa a mão nesse sentido em nenhuma vez. O mais longe que vai é ter que lidar com a morte real, presencial, em dois momentos da trama, o que faz os personagens (e o telespectador) pensarem no risco real que a trama apresenta, mesmo sendo um filme da Marvel. Isso dá um quê adulto a Dr. Estranho, mas não demais.
O filme apresenta uma estrutura tradicional em três Atos muito bem definidos. O primeiro é o mais curto, com a introdução do mundo prévio de Stephen Strange e seu acidente. O Segundo Ato é o seu treinamento e o Terceiro a longa batalha final, que por sua vez se dá em três partes bem definidas. Isto talvez seja uma inovação. A última parte da batalha final muda o cenário e a amplitude do filme e, além de um deleite visual incrível, é uma ótima sacada do roteiro, usando o Tempo como um elemento do universo e da realidade.

Em termos de arco, a história de Stephen Strange termina apressada em meio a tanta ação. Sua passagem da arrogância para o heroísmo parece rápida – mesmo que a trama sugira a passagem de vários anos, mas isto é bem discreto. O drama do herói que tem que aprender algo, uma mania do escritor Stan Lee aplicada a muitos de seus personagens, como Homem-Aranha, Thor e Homem de Ferro, é o caminho principal do protagonista. E assim como no filme Thor, essa curva deixa a desejar um pouco.
Por fim, Dr. Estranho funciona como algo quase à parte do Universo Marvel nos Cinemas, garantindo alguma autonomia, embora, claro, seja só relativa: o prédio dos Vingadores aparece em algumas cenas e a equipe de heróis é citada nominalmente uma vez. Ah, claro, e também há a menção a uma das Joias do Infinito, que é uma grande porta para a próxima vez que veremos o Dr. Estranho: em Vingadores – Guerra Infinita, em 2018, na qual o vilão Thanos irá tentar unir todas as seis joias.

Resumindo, Dr. Estranho é um bom filme para divertir, tem um visual sensacional e um ator principal fantástico. Não será o melhor filme do ano, nem o melhor da Marvel. Se você esperava uma revolução, ficará decepcionado. Mas se quer curtir um bom filme de super-heróis como elementos incomuns (a magia) ou mesmo ver um toque de Harry Potter, ficará bastante satisfeito.
Ah, e se você gosta da conexão do Universo Marvel nos Cinemas, aguarde as duas cenas pós-créditos.
Dr. Strange é dirigido por Scott Derrickson (de A Entidade e O Exorcismo de Emily Rose) e tem história de Jon Spaihts (de Prometheus) e roteiro de C. Robert Cargill. O elenco tem Benedict Comberbatch (Dr. Stephen Strange), Tilda Swinton (A Anciã), Chiwetel Ejiofor(Barão Mordo), Rachel McAdams (Christine Palmer), Mads Mikkelsen (Kaecillus), Michael Stuhlbarg (Dr. Nicodemus West), Benedict Wong (Wong). O lançamento será em 04 de novembro de 2016, dentro da Fase 3 do Marvel Studios.
O Dr. Estranho foi criado por Stan Lee e Steve Ditko (a mesma dupla do Homem-Aranha) em 1963 na revista Strange Tales 110. Sucesso nos anos 1960 em meio aos hippies, por causa de suas histórias psicodélicas, teve histórias memoráveis por escritores como Roy Thomas e Steve Englehart, mas perdeu popularidade com o passar do tempo, embora tenha sido o líder do grupo Os Defensores, criado em 1971. Desde 2007, é membro regular dos Vingadores.

