
Após uma participação especial em Batman vs. Superman – A Origem da Justiça, a Mulher-Maravilha finalmente ganha uma versão cinematográfica plena, sendo a primeira super-heroína a ter um filme solo dentro da nova fase das adaptações de super-heróis. E o que o HQRock achou do filme?

Mulher-Maravilha parece ser um daqueles filmes que irá dividir opiniões. Não carrega o ar pesado taciturno dos filmes da DC Comics comandados por Zack Snyder (que inclui o já citado e o anterior Superman – O Homem de Aço) e nem é uma bagunça completa como o Esquadrão Suicida de David Aja, porém, também não é o melhor filme da DC como alardeiam algumas críticas.
Mulher-Maravilha é organizado e redondo, mas falta algo para que seja “aquele” filme que todos esperam. Talvez, a concorrente Marvel Comics tenha imprimido um tal nível de qualidade que faz com que os produtos da DC empalidecem e não consigam empolgar todos como deveriam (ou poderiam).

Mulher-Maravilha é um típico filme de origem e isso pesa contra ele. Curiosamente, as declarações dos produtores e da diretora procuram enfatizar esse elemento como algo positivo, mas isso nunca é: num filme de origem, você gasta tanto tempo apresentando os personagens e criando a ambientação, que sobra muito pouco tempo para desenvolver o que realmente importa da trama, ou pelo menos, do que a trama se propõe de fato. Dizendo de outra forma, os filmes de origem não têm como objetivo apresentar a origem em si, mas algo que vem depois, que tem a ver com o desenvolvimento ou crescimento do protagonista; porém, se gasta tanto contando quem é esse personagem e de onde veio que quando se chega ao objetivo já se foram 2/3 do filme e as coisas têm que correr. É quase impossível conseguir sair dessa roda viva e o longa da Princesa Amazona repete isso como sempre, deixando pouco espaço para desenvolver o que poderia ser um rico ambiente de situações e personagens.

Vamos à trama geral (sem spoilers): as Amazonas foram criadas por Zeus para manter a paz no mundo e, principalmente, combater Ares, o deus da guerra, que teria contaminado o coração da humanidade pela ambição, violência e guerra. Numa grande batalha da antiguidade, narrada por meio do recurso “vamos contar uma história?” à versão criança de Diana, Zeus e Ares guerrearam e o primeiro venceu ao custo da própria vida, e num último suspiro de vida teria criado a ilha de Themyscira para as Amazonas viverem escondidas dos homens e se preparassem para quando Ares retornasse. Diana é a única criança em Themyscira e é superprotegida pela mãe, a Rainha Hipólita, mas desenvolve a admiração pela pelas guerreiras e quer ser treinada contra a vontade da genitora. A tia de Diana, Antíope, resolve treiná-la em segredo e a princesa se torna a maior guerreira Amazona. Certo dia, um avião cai próximo à ilha – que é escondida do mundo externo por efeito mágico de um nevoeiro – e Diana resgata o piloto norteamericano Steve Trevor. Mas os alemães que estão em seu encalço também chegam à ilha e combatem as Amazonas, ao custo da vida de várias delas. As guerreiras ficam, então, sabendo que há um grande conflito ocorrendo (a I Guerra Mundial) no mundo no qual 27 países estão em guerra e mais de vinte milhões de pessoas já morreram.

Diana se convence que isto é a prova de que Ares despertou e que chegou o momento das Amazonas cumprirem seu destino, embora sua mãe esteja relutante e a proíba de sair da ilha. Mas atendendo o conselho de Antíope, Diana rouba a espada Matadora de Deuses (guardada na ilha por Zeus para matar Ares) e vai com Steve Trevor a Londres em busca de encontrar o deus da guerra e parar o conflito. A partir daí, a princesa amazona se envolve com o mundo dos homens e precisa entendê-lo, confrontando sua ingenuidade e urgência em encontrar Ares com o pragmatismo de um conflito em escala mundial. Mas Trevor também está disposto a parar o conflito e isso os levará a uma missão secreta na Bélgica para eliminar a produção de uma arma especial, o gás mostarda, que pode mudar o rumo da humanidade e é comandado por pelo general Erich Ludendorff e a dra. Isabel Maru, a Dra. Veneno.

Enquanto em sua inocência, Diana quer ir direto à guerra e descobrir onde Ares está escondido, Steve Trevor é mais pragmático e precisa ir à Londres primeiro, encontrar o Alto Comando, informar sua descoberta e conseguir o apoio para sua missão. Claro, os generais velhos e seguros em seus gabinetes hesitam em apoiar a missão, enquanto o alto representante do Governo Britânico, Sir Patrick, luta pelo acordo do armístico que pode garantir a paz. Mas até ele poderá ser convencido de que a missão de Trevor é essencial.

Para cumprir a missão, Trevor vai ao submundo da guerra – que já conhece por sua atividade como espião junto aos alemães – e reúne um grupo de outsiders para conseguir entrar nas linhas inimigas: o escocês beberrão Charlie; o (argelino?) bom ator Samee; e o indígena norteamericano Chefe, cada qual com uma habilidade que pode contribuir para o sucesso do objetivo. Enquanto os alemães estão quase assinando o armístico proposto por Patrick, o general Ludendorff cria uma ação secreta para (literalmente) dar um gás na guerra e é isso que Diana e seus novos amigos irão enfrentar.

Entre os pontos positivos, Mulher-Maravilha tem um toque sensível enquanto filme. A delicadeza aparece em pequenas cenas, gestos e olhares; na fotografia; na música orquestral típica do início do século XX; além de uma abordagem diferenciada que talvez esteja associada ao fato da diretora Patty Jenkins ser mulher. De qualquer modo, é algo muito bem-vindo e funciona. O modo como filma a ação, recorrendo a ângulos diferenciados e novas soluções diferentes daquelas as quais estamos acostumados nos filmes de ação também é bem interessante.

A história é simples, mas eficaz; e o roteiro se beneficia da capacidade de “criar história” com frases curtas e diálogos rápidos. Backgrounds de personagens e explicações necessárias são construídos por meio dos diálogos ágeis do filme, à exceção apenas da parte inicial do longa, mais didática, que apresenta a mistura de mitologia grega e cronologia da DC Comics. Parabéns a Alan Heinberg, que deu a versão final do texto.
A fotografia é bonita, com o contraste incrível entre a claridade e beleza de Themyscira e a sujeira, escuridão e tom de inverno da I Guerra. A ação do filme é muito boa também, especialmente no 1º Ato (batalha das Amazonas na praia – está no trailer) e no 2º Ato (guerra no front) e a heroína combina força e graça. A beleza de Gal Gadot e sua simpatia preenchem a tela e fazem criarmos empatia por ela. A diretora Patty Jenkins também sabe explorar sua protagonista, usando superclose em alguns momentos, mas também sem abusar da técnica.

Um filme da Mulher-Maravilha tem que se colocar em um contexto feminista, claro, e a obra de Patty Jenkins faz isso, embora, de um modo delicado, talvez com medo de ser incisivo demais e criar polêmica ou inimigos. Então, não há um tom panfletário, mas o discurso do empoderamento e da independência da mulher estão lá, mas de forma mais delicada, o que funciona até certo ponto. O contraste entre as Amazonas e a passagem de Diana pela guerra tanto atrás quanto na frente das trincheiras mostra claramente o absurdo da situação de mulheres colocadas em segundo plano e isso é mostrado sem forçação de barra nem discursos longos.
E o humor é muito bem usado, em especial no 2º Ato quando Diana conhece o mundo dos homens e entra em choque contra uma sociedade conservadora e que dá pouco espaço às mulheres. Neste ponto, o Steve Trevor de Chris Pine e a secretária Etta Candy de Lucy Davis são os grandes destaques, cumprindo muito bem a função de fazer humor sem ser forçado e sempre no ponto certo da história.

É uma pena Davis não ter mais tempo de tela, porque sua personagem poderia ser mais explorada nesse contraponto entre a inocente Amazona e o mundo duro para as mulheres de 1918. Enquanto isso, Pine é o melhor ator e o melhor personagem do filme. Seu Steve Trevor faz todo sentido e o ator convence nas curtas falas que constroem a personalidade ao longo do filme.
Chegamos aos pontos negativos, então. Gal Gadot é ótima visualmente como a Mulher-Maravilha: é bonita, graciosa e magra – o que do meu ponto de vista é algo interessante, pois a Princesa Amazona não precisa ser musculosa para ser superforte e o fato de ser magra até pode ser lido como certa ruptura com o padrão da heroína “supergostosona” que é tão criticado nas HQs originais, onde geralmente as personagens femininas (quase sempre desenhadas por homens) ganham corpos irreais e excessivamente voluptuosos. Entretanto, ela não é uma atriz excepcional.

A falta de gatilho emocional às vezes pesa contra Diana no filme, por causa da incapacidade de Gadot de ir muito fundo. Ela não é uma atriz necessariamente ruim, e consegue acessar expressões de tristeza, raiva, dor, angústia e, principalmente, simpatia. Mas ela podia entregar mais.
Outro ponto negativo é que o roteiro cria situações difíceis ao telespectador: porque dentre toda a comunidade de Amazonas (criadas para combater Ares e à espera que um dia ele retorne), apenas Diana – e somente ela – se dispõe a ir ao mundo exterior e combater o deus da guerra e parar o conflito? Porque nenhuma outra guerreira se afileirou com ela? Como deixaram a “caçula” ir sozinha e desamparada em um pequeno barco, rumo ao desconhecido, com um homem, um soldado, que acabou de chegar e trouxe a guerra até eles?
Por fim, como é comum nos filmes de super-heróis (e mais ainda nos da DC Comics até agora), o 3º Ato é o ponto crítico, o momento em que a história deixa de fazer sentido para virar uma zona (literalmente) de guerra, com muito barulho e explosões. Deste mal também sofre Mulher-Maravilha, mas pelo menos, o roteirista Heinberg e Patty Jenkins conseguem imprimir sentimento em alguns momentos e criam diálogos interessantes entre o vilão principal e Diana acerca da moral dos homens e do livre arbítrio, ensinando à heroína – mesmo em meio a uma batalha por sua própria vida e o destino da humanidade – uma reflexão interessante sobre quem somos nós humanos e o que estamos fazendo conosco.

Assim, Mulher-Maravilha até pode ser a redenção da DC Comics: o filme que vai dar certo e agradar público e crítica, saindo da zona confusa e escura de Superman – O Homem de Aço, Batman vs. Superman – A Origem da Justiça e Esquadrão Suicida; porém, ainda não é um filme espetacular. Ainda não bate de frente com a concorrência.
Por isso, chega a ser irônica a citação (involuntária? – mas sem dúvida, inegável) a Capitão América – O Primeiro Vingador no fim de Mulher-Maravilha. Os dois filmes realmente guardam muitas semelhanças, até em estrutura, ambientação e soluções narrativas.
Com a estreia solo da Princesa Amazona, a DC acertou a mão, mas ainda não aprendeu a explorar o potencial de seus personagens e histórias.
Irá Liga da Justiça ser o produto que irá atingir esse nível? Parece que não…
Wonder-Woman tem história de Zack Snyder, Allan Heinberg e Jason Fuchs; roteiro de Allan Heinberg; e direção de Patty Jenkins. O elenco traz: Gal Gadot (Diana/ Mulher-Maravilha), Chris Pine (Steve Trevor), Danny Huston (General Erich Ludendorff), Elena Anaya (Maru/ Doutora Veneno), David Thewlis (Sir Patrick), Connie Nielsen (Rainha Hipólita), Robin Wright (General Antiope), Lucy Davis (Etta Candy), Said Taghmaoui (Andre Dumont), Ewen Bremner (Charlie), Eugene Brave Rock (Chief). O lançamento no Brasil é em 01 de junho de 2017, um dia antes dos EUA.


Olá Irapuan.
O novo visual do blog ficou muito bom. Parabéns!
Quanto ao filme, eu gostei bastante e concordo com vários dos seus pontos. Finalmente um filme da DC mostrou que pode ser “realista e sombrio” sem se passar no escuro. Explico, fazendo um paralelo com Capitão América, O Primeiro Vingador, como você também citou. Embora ambos sejam filmes de guerra, Mulher Maravilha mostra muito mais os horrores do conflito e o sofrimento dos envolvidos, sejam soldados, civis ou mesmo animais. Ainda fazendo um paralelo, ambos os personagens se beneficiariam com mais um filme cada um, explorando seus papéis nos conflitos, mas devido aos universos compartilhados de ambos os estúdios, as histórias tiveram de ser aceleradas.
Ainda que Patty Jenkins, na minha opinião, tenha feito um excelente trabalho, ainda dá para sentir o peso da mão de Snyder. Câmera lenta em excesso (na quinta vez de qualquer salto, eu já não aguentava mais) e uma batalha no terceiro ato que pareceu um versão genérica de Batman versus Superman no quesito pirotecnia e destruição.
Gal Gadot tem pouca experiência em atuação e precisa de quilometragem, mas entrega um entusiasmo espelhando o da própria personagem e você vai na onda. Concordo que Pine é um grande acerto e seu personagem é um contraponto perfeito a Diana. O romance (não é spoiler, né?) também precisaria de mais um filme para tornar-se mais profundo, mas o bonde da Liga não pode atrasar. Diferente do que algumas resenhas que afirmam que Trevor é diminuído pela presença da Mulher Maravilha, só senti isso no quesito de poder. De resto, ambos são de mundos diferentes, que aprendem um com o outro. E para os humanos “normais”, ele é tão heroico como Peggy Carter foi no filme do Capitão América. Uma grande abordagem de equilíbrio entre gêneros por parte de Patty Jenkins, que ainda conseguiu tocar no assunto de diversidade e preconceito sem ser panfletária.
Pessoalmente, considero o melhor da DC desta nova safra e acho que está em pé de igualdade com alguns filmes de origem da concorrência, lembrando que sou fã a quase 5 décadas de ambas as editoras, então o rótulo de DCnauta ou Marvete não me cabe. Gosto sim, de bom cinema e bons quadrinhos.
Quanto ao fato de apenas Diana ter ido ao mundo dos homens, talvez as outras amazonas tenham sido previamente proibidas por Hipólita e todas já soubessem que Diana não precisaria de ajuda por ser (spoiler).
Para variar, falei demais. Mas aqui se pode externar opiniões de modo maduro e sem ataques, então aproveito.
Grande abraço e até Homem-Aranha, De Volta o Lar!
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Olá, Mauro!
Que bom que gostou do novo layout. Puxa, muito bom seus comentários. É isso aí, concordo mesmo com você. Também acho que houve o equilíbrio dos gêneros e que o papel de Steve Trevor foi muito bem escrito, apesar de – como você já disse – poder render mais se tivesse mais espaço em vez de adiantar o bonde em direção à Liga da Justiça; do mesmo modo que ocorreu com Capitão América e os Vingadores. No caso do Capitão, foi usado o recurso de passagem do tempo (duas vezes) para acelerar, aprofundar e dar peso à história; enquanto Diana não teve esse benefício. Mas de fato, o filme dela explora mais a guerra em seu aspecto real – o do sofrimento de inocentes – muito mais do que o outro, o que dá mais peso (e acerto) à Mulher-Maravilha. Foi um detalhe muito bem acertado este, pois diminui o aspecto “fantasia” presente em filmes desse tipo.
Puxa, muito bom poder ler comentários como esse seu.
Um grande abraço!
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Olá Irapuan, eu particularmente gostei muito do filme.
Acho que o que está acontecendo tanto com a crítica, quanto com o publico em sua maioria, é querer comparar o universo DC com o universo Marvel nos cinemas.
Simplesmente não dá, são produtos diferentes e nesse filme isso ficou ainda mais obvio.
A ambientação é mais pesada e escura, comparada com as cores e piadas, algumas até exageradas, nos filmes da Marvel.
O que não é problema algum para nenhum dos lados.
Se alguém for picado por uma aranha radioativa, ele provavelmente vai morrer, e não ganhar grandes poderes para usar com grandes responsabilidades, e duvido muito que algum bilionário vá, mesmo após algum evento trágico em sua infância, vestir uma fantasia de morcego e combater o mal.
Isso é a mais pura fantasia e isso é o que nos fascina desde crianças.
Mas aí é o ponto onde a visão da Marvel e DC se distanciam nos cinemas.
A Marvel adotou um tom leve que abusa desta fantasia, deixando tudo muito mais próximo do que lemos nas HQs ao longo dos anos, sem se preocupar em explicar o que não teria explicação mesmo.
Já a DC, que curiosamente nos quadrinhos era quem mais abusava do inexplicável, forçado e que algumas vezes chegava a beirar o ridículo, basta lembrar daquela estrela do mar alienígena que uniu a Liga da Justiça nos quadrinhos, adotou para seu universo cinematográfico uma abordagem aproximando tudo para uma realidade mais aceitável até certo ponto.
Talvez algumas cenas sejam mesmo um pouco violentas e poderiam ter sido feitas de uma maneira que deixasse sugestionado alguma morte e não mostrando tudo tão claramente como o Superman matando o Zod e uma cena neste filme, que não vou citar para não revelar spoiler.
Mas como disse é o estilo DC, assim como tem dentro de um mesmo gênero de filme, vários sub-gêneros.
Como criar um herói que usa arco e flechas como o Gavião Arqueiro e o Arqueiro Verde e eles não “espetam” suas flechas em ninguém, vão usar a flecha “luva de box” para derrubar um oponente?
Os filmes da DC são mais pesados e comparados com o da Marvel, são mais agressivos e menos infantil sim, mas vejo uma paixão muito maior no desenvolvimento desses do que os da Marvel.
E isso é o que tem me conquistado neste universo DC dos cinemas.
O que me preocupa é que, talvez pelas criticas e bilheterias, resolvam mudar o caminho e seguir a Marvel.
Só que para seguir alguém, significa que você tem que estar atrás e não na frente.
Grande abraço.
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