Após se envolver (ser envolvido?) em uma fervorosa briga com seu ex-colega de banda e a esposa deste via Twitter, o ex-líder e principal compositor do Pink Floyd, Roger Waters, anunciou que irá lançar uma nova versão, agora solo, do célebre álbum Dark Side of The Moon de sua antiga banda, disco que comemora 50 anos de lançamento no próximo mês.

O Pink Floyd em 1973: Wright, Waters, Mason, Gilmour.

Dias após os embates com o guitarrista David Gilmour e sua esposa Polly Samson pelo Twitter, Waters anunciou via The Telegraph o novo disco e o jornal teve acesso a uma audição do trabalho.

O jornalista Tristram Fene Saunders diz que Time ficou incrível com o timbre mais velho de Waters; Breathe foi reimaginada numa pegada lenta e acústica; Money foi repaginada como um número country ao estilo de Johnny Cash… E Waters declama novas poesias sobre os números instrumentais.

Roger Waters Has Re-Recorded ‘Dark Side’ Without Pink Floyd
Kevin Winter, Getty Images / Capitol

No disco original, essas faixas são cantadas pelo guitarrista David Gilmour.

Dark Side of The Moon foi um grande sucesso quando lançado em março de 1973 e foi a obra responsável por tirar o Pink Floyd da condição de banda underground (com seis anos de carreira e sete álbuns lançados) num fenômeno de vendas internacional e uma das mais populares bandas de rock do mundo.

A icônica capa de Dark Side of The Moon, de 1973.

Após Waters deixar a banda, em 1985, o Pink Floyd seguiu em frente e lançou uma versão do álbum ao vivo, na íntegra, gravado em 1995, no álbum Pulse. Waters fez uma turnê mundial em sua carreira solo também tocando o disco na íntegra, em 2006 e 2007.

Para celebrar os 50 anos da obra, o Pink Floyd disponibilizou via streaming 18 discos ao vivo da turnê de 1972 na qual a banda apresentava o disco antes mesmo de seu lançamento. Mas no fim de março próximo, o grupo lançará uma box set comemorativa com uma versão remasterizada do álbum e também uma versão ao vivo registrada em 1974 no apogeu do grupo.

Em certo sentido, a nova versão de Waters vai “concorrer” com os lançamentos da banda da qual já fez parte.

O compositor deixou o grupo, em 1985, numa estridente batalha judicial contra os ex-colegas David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason, que foi ganha pelo trio, que persistiu usando o nome Pink Floyd por mais uma década, fazendo discos e turnês.

As rusgas entre a dupla Waters e Gilmour persistiram ao longo dos anos, mas após um ligeiro tempo de trégua na qual o quarteto clássico chegou até se reunir para o concerto especial do Live 8 e os dois desafetos até tocaram juntos em algumas ocasiões, as agressões retornaram há algum tempo.

Agora, na entrevista ao Telegraph, Waters minimiza a participação de Gilmour e Wright na criação do Dark Side of The Moon, dizendo que ele escreveu o disco:

Eu escrevi Dark Side of The Moon. Vamos acabar com essa besteira de “nós”. Claro, éramos uma banda e havia quatro de nós, todos nós contribuímos, mas foi meu projeto e eu o escrevi. Então… blá!

E Waters não apenas reivindica o crédito, mas ainda diminui o papel dos parceiros…

Nick [Mason] nunca fingiu, mas [David] Gilmour e Rick [Wright] não podiam escrever canções, pois não tinham nada a dizer. Eles não eram artistas.

É triste ver essa guerra de créditos de uma banda tão relevante.

Gilmour já acusou Waters de ser voraz nos créditos, no sentido de se atribuir mais do que o devido, e este parece ser um dos pontos que os desune.

O fato é que Waters era mesmo o principal compositor do Pink Floyd em sua fase áurea. Em Dark Side of The Moon, ele assina todas as letras e a autoria solo de três das 10 canções (Money, Brain damage, Eclipse), mais outras quatro coautorias (On the run e Breathe, com Gilmour; Us and them, com Wright; e Time, com Gilmour e Wright), só não recebendo créditos da colagem sonora Speak to me (de Mason) e das instrumentais The great gig in the sky (Wright, Tore) e Any color your like (Gilmour, Wright).

Também é fato que a ideia e o conceito por trás de Dark Side of The Moon é de Waters, que impunha esse tipo de papel na banda, orientando a temática e direcionamento dos discos. Seria assim também com as obras seguintes, como Wish You Were Here (1975), Animals (1977) e The Wall (1979), que compõem o core da obra do Pink Floyd.

Mas por outro lado, não é possível diminuir o papel de Gilmour e Wright na criação dessa obra. Waters é um grande compositor e um letrista fenomenal, mas tem grandes deficiências instrumentais e lhe falta senso melódico, além de ter um alcance vocal muito limitado, o que qualquer ouvinte de seu trabalho solo percebe nitidamente.

Por isso, a composição de Waters era melhorada pelo superior senso melódico de Gilmour e Wright, assim como as habilidades da dupla tanto em seus instrumentos (guitarra e teclados, respectivamente) quanto em suas vozes. Neste último tópico, não menos importante, Gilmour era o principal vocalista do Pink Floyd, mas na época de Dark Side… (isso mudaria depois), Wright ainda fazia considerável parte das vozes.

Neste álbum, Gilmour canta Breathe, Time, Money e Us and them, enquanto Wright faz parte dos vocais principais de Time e os backing-vocals de Us and them; enquanto Waters canta solo Brain damage e Eclipse.

A inserções instrumentais e as modificações melódicas adicionadas por Gilmour e Wright às composições brutas de Waters devem ser consideradas coautorias? Este é um ponto que merece discussão, mas também é fato de que essas obras jamais teriam a qualidade, a beleza e a força que possuem em discos como Dark Side of The Moon caso a escrita de Waters não fosse turbinada pelas contribuições (instrumentais, musicais e vocais) de Gilmour e Wright.

Sempre costumo pensar que o melhor exemplo de que o Pink Floyd é fruto desse trabalho conjunto está na canção Us and them. A música em si é de Wright, composta como uma peça de piano (para o filme Zabrisky Point, de Michelangelo Antonioni, mas não usada), que ganhou uma letra de Waters e é belamente cantada no disco por Gilmour. Não é claro de quem é a melodia que casa a letra à música (de Waters ou Wright?), mas é bem provável que seja de Wright, com uma possibilidade até de ser de um Gilmour não-creditado, quem sabe? Mas é isso: um trabalho de equipe que rende uma das mais belas obras do rock dos anos 1970.

Ver Roger Waters querer reivindicar todo o crédito para si, é muito triste. Ainda que o mérito maior seja dele (ninguém duvida), desmerecer, diminuir ou mesmo apagar a contribuição dos demais é um gesto mesquinho e de pequenez que não devia ter espaço numa obra tão duradoura quanto a do Pink Floyd.

Não há ainda nem um anúncio oficial do novo Dark Side of The Moon, mas o Telegraph afirma que deverá sair em maio.