Este post estava sendo escrito sobre o caso de Dwayne McDuffie na DC Comics e como ele foi demitido da revista da Liga da Justiça em 2009 por reclamar da interferência editorial pela internet. Antes de terminá-lo, ficamos sabendo do falecimento do escritor, como postado em 22/02, o que, com certeza, dá outro significado a este comentário.

Todavia, seguimos com o texto…
Quem acompanhou a série História Recente da Marvel Comics postada aqui no HQRock em sete capítulos (e concluída em 18/02) deve ter percebido o quanto as editoras de quadrinhos de super-heróis mantêm seus personagens e revistas interligados.
Os sete capítulos da série mostram como uma trama se desenvolve por meio de dezenas de revistas como New Avengers, The Mighty Avengers, The Amazing Spider-Man, Iron-Man, Captain America, Wolverine, The Thunderbolts, The Dark Avengers…
Revistas diferentes trazem, também, artistas diferentes. Para ficar no exemplo citado, New Avengers era escrita por Brian Michael Bendis, enquanto Captain America ficava a cargo de Ed Brubaker. Cada um tinha seus planos para os personagens à mão, inclusive a longo prazo (pois cada um ficou mais de 40 edições no mesmo título, ou seja, quase quatro anos seguidos). Entretanto, a ligação cronológica da Marvel exige que esses dois escritores combinem seus planos de modo que o Capitão América que apareça nos Novos Vingadores seja o mesmo que está em sua revista solo.
Isso torna a cronologia um exercício de interferência editorial por excelência.
Não sabemos como anda o clima de bastidores da Marvel, o que leva a crer que o processo talvez não tenha grandes problemas. Pelo menos os principais escritores continuam em seus cargos. (Brubaker e Bendis continuam até hoje em suas revistas – e assumem outras de vez em quando).
Porém, este não parece o ser o caso na DC Comics, sua maior concorrente.

Está se tornando cada vez mais comum escritores da DC virem à tona, por meio da internet, se queixando das interferências editoriais. Há dois anos, Dwayne McDuffie, que escrevia a revista da Liga da Justiça, contou uma série de “histórias de bastidores” que prejudicaram amargamente sua passagem pelo título – temporada esta bastante criticada, inclusive. O escritor se defendeu que era impossível manter alguma coerência em meio a tanta interferência editorial.
O então Editor-Chefe da DC, Dan Diddio, contratou McDuffie porque este tinha sido escritor e produtor da série de TV Liga da Justiça Sem Limites, um grande sucesso. O escritor chegou empolgado à revista que reúne os maiores heróis da editora, mas isso logo se mostrou uma enorme faca de dois gumes. Nenhum dos planos do escritor pôde se concretizar por causa do comprometimento dos personagens com as “grandes sagas” do universo DC e outros escritores.
O primeiro arco de histórias de McDuffie para a equipe tinha uma premissa interessante: os vilões Lex Luthor, Coringa e Mulher-Leopardo reuniam um grupo de criminosos super-poderosos para acabar com a Liga da Justiça. O escritor planejou uma história em oito capítulos, mas teve que reduzi-la à metade porque a DC criou um “evento” onde todos os principais vilões eram obrigados a combater uns aos outros.

Em seguida, McDuffie solicitou à DC trocar o Lanterna Verde da equipe: sair Hal Jordan (que vai estrear no cinema daqui a poucos meses) e entrar o afroamericano John Stewart (o escritor é negro e militante dos direitos civis). A editora autorizou, mas depois o obrigou a pôr Jordan de volta por causa de seu envolvimento em outras sagas.
Para piorar, por causa de “grandes eventos” como a Crise Final e A Noite Mais Densa, a DC obrigou McDuffie a retirar todos os principais personagens da Liga da Justiça. Ou seja, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (qualquer um deles), Flash e Aquaman ficaram vetados de participar da equipe, restando apenas personagens secundários como Canário Negro, além de outros de terceira categoria, como Arqueiro Vermelho, Víxen, Tornado Vermelho, Nuclear (quem?)…
McDuffie colocou a Canário Negro como líder, mas em seguida, a DC a retirou da revista porque tinha outros planos para ela.
Para completar, criou uma trama paralela em que Lex Luthor tramava algo muito grande contra a equipe, mas essa sub-história desapareceu, porque o escritor foi proibido de usar o personagem, porque ele também estava envolvido em outros planos de outros escritores e sagas.
O resultado não poderia ser outro: a passagem de McDuffie pela revista Justice League, com 19 edições publicadas entre 2007 e 2009, resultou em um grande fracasso de público e crítica. O que é irônico, pois o escritor esteve envolvido na empreitada de maior sucesso da equipe até hoje, que foi seu desenho animado na TV.

Como McDuffie mantinha um site, constantemente postava sobre seus problemas na DC e, certa vez, um famoso blog de quadrinhos reuniu todas as reclamações, o que resultou na imediata demissão do escritor do título, no início de 2009.
Como uma espécie de compensação, a DC encarregou McDuffie de trabalhar nas adaptações dos personagens da editora para os longametragens em animação feitos diretamente para DVD. Afinal, o escritor ainda mantinha sucesso, inclusive, criando duas novas séries de Ben 10 para a TV.
McDuffie fez o roteiro do filme Liga da Justiça: Crise em Duas Terras, adaptando uma famosa hisória da equipe publicada nos anos 1970. A animação foi um sucesso e muito elogiado. Em seguida, fez o roteiro do já supracitado longa All-Star Superman, também adaptado de uma famosa revista e lançado no dia de sua morte. (Veja os posts dos dias 21 e 22/02).
O caso de McDuffie na revista da Liga da Justiça é emblemático de como a “amarração cronológica” de vários personagens e revistas (com escritores diferentes) pode ser prejudicial, a depender da condução editorial.

E este caso está longe de ser isolado. Mais recentemente, o escritor Bill Willinghan – famoso por criar a cultuada série Fábulas, que está sendo publicada agora no Brasil – se afastou do título da Sociedade da Justiça, uma equipe formada pelos velhos super-heróis da DC criados nos anos 1940, como Sr. Destino, Espectro, Átomo e as primeiras versões de Flash e Lanterna Verde (que não são aquelas mais famosas).
Willinghan reclamou da interferência editoral da DC em sua revista e, em comum acordo com o editor Mike Carlin, decidiu se afastar após 12 edições, embora tivesse planejado um arco de histórias bem maior.
É curioso que todas essas reclamações e casos venham da DC Comics, enquanto que na Marvel, com um universo extremamente interligado (como os leitores do HQRock puderam ver na série História Recente da Marvel Comics) o único caso desse tipo a vir à tona com destaque tenha sido o do escritor J. M. Straczynski na revista do Homem-Aranha. Este caso pode ser fruto de um post futuro.

