Grant Morrison: crítica à maneira como o sexo é tratada nos quadrinhos.

O escritor escocês Grant Morrison, um dos mais aclamados das histórias em quadrinhos da atualidade, gosta de entrevistas e declarações polêmicas. E está tendo muito disso por causa do lançamento de seu livro Supergods, onde mistura sua própria biografia e ideias malucas com a histórias dos super-heróis, inclusive como conceitos filosóficos.

A capa de "Supergods".

Curiosamente, o sexo tem tomado um bom destaque nessas conversas. Alguns dias atrás, ele comentou que queria trazer o sexo de vota para a Mulher-Maravilha. Mas parece que há muito cuidado em torno de como isso aconteceria, porque o autor criticou severamente a maneira como outros autores vêm tratando o sexo (ou o uso do sexo) em suas histórias. Em entrevista à Rolling Stone, Morrison foi veemente contra dois artistas em particular, o famosíssimo e aclamado Alan Moore e o romancista Brad Meltzer. Segundo Morrison, ambos utilizaram cenas de estupro em suas histórias de modo inresponsável e desnecessário, o que termina criando um ambiente de misogenia, sexismo e machismo.

O escritor contextualiza a problemática por meio da própria empresa em que trabalha, a editora DC Comics, lar de Superman, Batman e Mulher-Maravilha:

O problema do sexismo na DC Comics é porque é um lugar em que quase todo mundo que trabalha é homem. Ninguém devia tentar dizer que estamos tomando uma atitude antifeminina. Acho que seria ignorância ou estupidez.

O romancista Brad Meltzer, autor de "Crise de Identidade" com a Liga da Justiça.

Incluir cenas de estupro, por exemplo, seria uma atitude desse tipo, além de ter algo de sensacionalista no ato. Por isso, Morrison critica veemente a obra Crise de Identidade, estrelada pela Liga da Justiça e escrita pelo romancista Brad Meltzer. Na história, a esposa do Homem-Elástico é brutalmente assassinada e, depois, os leitores descobrem que ela havia sido estuprada no Satélite da Liga da Justiça (a base da equipe) por um vilão, o Dr. Luz, que em seguida, é lobotomizado por membros do grupo. Embora reconheça pontos positivos da minissérie, publicada em 2007, Morrison critica as decisões de Meltzer, famoso por seus romances de mistério e policiais e que vai protagonizar um programa de TV no canal The History Channel, chamado Decifrando Códigose prestes a estrear no Brasil.

A polêmica cena de Meltzer, desenhada por Reg Morales.

Brad é um cara muito legal. Tive conversas muito interessantes com ele e [quando li a história] tentei me focar no que achei que era bom, e percebi muita coisa ali depois que li novamente. Da primeira vez que li me senti ultrajado. Fiquei pensando: “Por quê? Que merda é essa? Isso é sério?”. Não era algo normal, era ultrajante. Tinha alguma coisa errada naquela imagem do Homem Elástico segurando sua esposa… foi difícil pra mim acreditar que um cara tímido e graduado como Brad Meltzer, que é um novelista e pai, realmente tenha feito algo tão misógino. Mas, infelizmente, quanto se olha para uma personagem amada, que obviamente foi estuprada analmente no Satélite da Liga da Justiça, não dá pra saber o que dizer.

O aclamado Alan Moore.

A crítica é ainda pior em relação a Alan Moore:

Estava lendo “Marvelman“, de Alan Moore, hoje por alguma razão. Descobri uma coisa que não conseguia acreditar. Pego a revista e tem dois estupros ali. Foi então que me dei conta de que toda história de Alan Moore tem algum estupro no meio, com exceção de “Tom Strong“, justamente por ser um pastiche da coisa. Sabemos que Alan Moore não é um misógino, mas poxa vida, ele é obcecado com isso. Passei trinta anos nos quadrinhos sem precisar disso!

O comentário de Morrison é interessante, porque parece ser verdade. Um dos pontos centrais da história de Watchmen, que foi fielmente adaptada para o cinema por Zack Snyder, era justamente o estupro do Comediante contra a Espectral nos anos 1940.

Morrison parece querer dizer que não é necessário esse tipo de “apelação” para produzir boas histórias e que o sexo pode ser tratado de uma boa maneira nos quadrinhos, sem que tenha uma conotação misógena ou antifeminina, mas que seja algo aprazível e edificante, especialmente às mulheres. Daí que seria ainda mais interessante podermos ver o que ele pensa para a Mulher-Maravilha. Poderia ser uma forma da DC se redimir de ter publicado materiais como Crise de Identidade e Watchmen.

O livro Supergods será publicado no Brasil pela editora Pensamento/Cultrix e seu lançamento no país está agendado para 2012.