Após a conta oficial dos Beatles no Instagram publicar um teaser com quatro quadrados brancos e as frases “there be a answer” e “at least”, o que todos presumiram estava correto, e horas depois veio a confirmação: o grupo irá lançar (praticamente pela primeira vez) o filme documentário Let it Be, de 1970.

Apesar de alguma surpresa, não é surpreendente este lançamento, ainda que gere algum tipo de questionamento sobre a redundância em relação ao documentário em série The Beatles – Get Back, lançado em 2021. Ambas as produções cinematográficas cobrem o mesmo evento: as sessões de ensaio dos Beatles realizadas em janeiro de 1969 para um show que, na verdade, não aconteceu. Tudo foi filmado, mas as tensões internas do grupo e a falta de foco levaram à banda a desistir do projeto original (que resultaria em um show ao vivo com canções inéditas que se desdobraria em um disco ao vivo e um especial para a TV) e, para um fim digno às filmagens, improvisaram um concerto no telhado de sua gravadora, a Apple Corps., no centro de Londres.

O mal estar em relação ao projeto – que resultou até na saída temporária de George Harrison da banda, antes da retomada das atividades – fez com que o filme e o disco subsequentes fossem muito adiados. Os Beatles até gravaram e lançaram o álbum Abbey Road antes das sessões de Get Back/ Let it Be serem finalmente lançadas ao público, em maio de 1970, como o álbum e o filme Let it Be.

Mas naquele momento, o fim da banda já tinha sido até anunciado!

O álbum fez bastante sucesso e rendeu hits como a faixa título e The long and winding road, além de faixas apreciadas, como Two of us, Dig a pony, I’ve got a feeling e Across the universe, enquanto o filme foi recebido com críticas mistas, mas ainda ganhou o Oscar e o Grammy de Melhor Trilha Sonora Original.

Porém, desde então, o filme ficou basicamente inédito ao grande público. Além de raras reexibições, o longa dirigido por Michael Lindsay-Hogg chegou a ser lançado em vídeo doméstico em VHS no início dos anos 1980, numa edição limitada, e depois, apenas em outra edição limitada em vídeo-laser e apenas no Japão. Mas nunca teve um lançamento em DVD ou Blu-ray, por exemplo.

Um dos motivos desse desaparecimento, além da controvérsia e das más lembranças aos membros da banda, foi a qualidade da imagem. Originalmente filmado para a TV em fitas de 16 mm, teve que ser adaptado para o cinema com a ampliação do negativo para 35 mm, o que tornou a imagem granulada e escura. O som também não foi uma maravilha, pois parte das filmagens (1/3 do filme) mostram a banda ensaiando em um estúdio cinematográfico sem a captação do som em multipista, como é feita para um disco.

Depois dessas sessões em Twickenham – interrompidas pela saída temporária de Harrison – apenas quando foram para os estúdios da Apple, a gravação passou a ser em 8 canais.

Ainda assim, Lindsay-Hogg filmou por 22 dias e captou 56 horas de filmagens (e o dobro disso em som) da banda ensaiando, conversando, brigando e perdendo tempo, entre os dias 02 e 31 de janeiro de 1969. Embora o plano do cineasta fosse fazer um filme com um maior tempo de duração – algo permitido pelo lançamento no cinema em vez da TV – Let it Be terminou tendo apenas 90 minutos de duração, por causa das exigências da banda de não mostrar determinadas cenas, especialmente, relacionadas à saída (e retorno) de Harrison, algo que foi ignorado no filme original.

O diretor neozelandês Peter Jackson (de O Senhor dos Anéis) restaurou todo o material captado no Let it Be original, tanto em imagem quanto em som, inclusive, com sua equipe criando uma técnica especial de Inteligência Artificial para separar os sons que foram captados em apenas dois canais e extrair qualidade sonora das performances musicais. A série The Beatles – Get Back, exibida no Disney+ em 2021, possuí 8 horas de duração em três episódios.

O sucesso do escrutínio de Jackson mostrando em muitos detalhes as relações dos Beatles naquele período turbulento, fez acender a chama sobre o filme Let it Be original, o que levou (antecipadamente) a Get Back evitar várias das cenas chave do filme original.

O diretor Michael Lindsay-Hogg (segundo à direita) durante as filmagens em 1969.

Apesar, sim, de alguma redundância, o lançamento de Let it Be é importante, inclusive, como fato histórico: é um filme premiado que foi lançado há mais de 50 anos e que está inacessível ao público há muito tempo. Como diz Peter Jackson no material de divulgação disponibilizado pela banda ontem:

Em três partes, mostramos Michael [Lindsay-Hogg] e os Beatles filmando um incrível novo documentário, e Let it Be é este documentário, o filme que eles lançaram em 1970.

Diferente de Get Back, também, Let it Be é mais compacto – apenas 90 minutos – e, portanto, pretensamente mais acessível ao grande público, e traz performances completas de um grande número de canções, além de uma versão resumida do The Rooftop Concert, com suas faixas principais.

O filme Let it Be chega ao streaming do Disney+ em 08 de maio próximo.