Um grande feito na história da música e do rock: o lendário baixo Hofner de Paul McCartney, desaparecido desde 1969, foi encontrado e já está nas mãos de seu dono. O achado é o resultado de uma campanha internacional de buscas pelo instrumento, que é lendário porque não somente foi o primeiro baixo de McCartney, mas também porque o compositor o usou nos primeiros sucessos dos Beatles e também no lendário show do telhado, o último da banda.

Os Beatles como quinteto em Hamburgo, ainda antes da entrada do baterista Ringo Starr. Stuart Stucliffe é o da dir.

No início dos anos 1960, Paul McCartney era guitarrista nos Beatles, ao lado de John Lennon e George Harrison, enquanto o baixo era tocado por Stuart Stucliffe. Mas em 1961, enquanto a banda estava em sua segunda temporada em Hamburgo, na Alemanha, Stucliffe decidiu largar o grupo e se dedicar inteiramente à pintura, sua maior paixão. McCartney, então, assumiu o contrabaixo da banda, e tocou por um tempo no instrumento do colega… até que um dia viu um baixo Hofner 500/1 em formato de violino, que o encantou e o comprou pela bagatela de 30 libras (menos de US$ 40).

McCartney toca o 1961 Hofner Violin Bass 5001/1, no The Cavern Club com os Beatles, em 1962.

Segundo revelou em entrevistas posteriores, McCartney se apaixonou pelo instrumento por causa de sua simetria: como era canhoto, todos os instrumentos que tocara até então era “invertidos”, o que os deixava de “cabeça para baixo” e não muito bonitos esteticamente. Ao passo que, ao contrário da maioria das guitarras, o Hofner era simétrico e não fazia diferença tocá-lo do lado contrário.

O baixo Hofner acompanhou McCartney e nos shows em Hamburgo e nos concertos no The Cavern Club, em Liverpool, e quando a banda iniciou sua carreira fonográfica, foi usado nos dois primeiros álbuns da banda – Please Please Me e With The Beatles (ambos lançados em 1963), de modo que o instrumento aparece em uma longa lista de clássicos da banda, como Love me do, Please please me, Twist and shout, She loves you, I want to hold your hand e All my loving.

Logo em seguida, McCartney comprou um outro modelo “mais avançado” do mesmo Hofner 500/1 e seu baixo original foi aposentado. Porém, ele retornaria para uma última missão: em 1969, quando os Beatles decidiram promover uma “volta às origens” e produzir um disco gravado ao vivo no estúdio e voltar a realizar um concerto depois de três anos afastados dos palcos, McCartney achou que seria uma boa ideia trazer seu primeiro instrumento de volta.

McCartney resgatou seu primeiro baixo nas sessões de Get Back.

Assim, McCartney usa o seu primeiro Hofner 500/1 nas sessões de Get Back, em 1969, que deram origem ao maravilhoso documentário de mesmo título disponível na Disney+ e que rendeu o álbum Let it Be, tocando-o novamente em clássicos como Get back, Don’t let me down, Dig a pony e I’ve got a feeling. O final do projeto foi coroado com o The Rooftop Concert, quando os Beatles realizaram seu último concerto, tocando de surpresa no telhado da gravadora Apple no centro de Londres em 30 de janeiro de 1969, no que seria a última apresentação da banda.

Os Beatles tocam no telhado da Apple, em 1969, e McCartney usa seu primeiro Hofner pela última vez.

E isto representava o fim da carreira do instrumento: a última vez que McCartney o usou foi justamente no show do telhado. O Hofner ficou armazenado junto a outros equipamentos dos Beatles no porão do prédio da Apple e o músico usou outros instrumentos no último álbum dos Beatles, Abbey Road, que foi gravado e lançado naquele mesmo ano.

O Hofner terminaria sendo roubado da traseira de uma van em 10 de outubro de 1972 no bairro de Notting Hill, em Londres, e sumiu de vista completamente.

McCartney continuou usando modelos Hofner ao vivo. Aqui ao lado de Dave Growl do Foo Fighters.

McCartney usou outros baixos das marcas Fender e Rickenbacker ao longo de sua carreira solo nos anos 1970 e 80, mas quando embarcou de volta nas grandes turnês mundiais, a partir de 1989, voltou a usar o modelo Hofner 500/1 como seu principal instrumento de palco, ainda que outras unidades que adquiriu posteriormente. O músico teve pelo menos outros três representantes do modelo e a Hofner produziu um instrumento exclusivo para o músico nos anos 1990, que ele continua usando.

Mas ele sempre acalentou o sonho de ter seu primeiro instrumento de volta. Então, em 2018, foi fundada a iniciativa The Lost Bass Project, uma campanha filantrópica que reunia pessoas e informações sobre o instrumento e o que aconteceu com ele. Em 2023, a iniciativa viralizou na internet e ganhou mais adesão, o que resultou na localização do instrumento há apenas alguns dias.

O instrumento está de volta!

A The Lost Bass Project informou nesta quarta-feira, 15, que encontrou o instrumento. Segundo o que apuraram – sem revelar nomes – o ladrão do Hofner, em 1972, o repassou a um dono de um pub, e aparentemente, o instrumento ainda mudou de mãos algumas vezes nesse passar de anos. Um estudante chamado Ruaidhri Guest, que mora na costa sul da Inglaterra, ficou sabendo da notícia e identificou que o tal baixo era o mesmo que tinha em sua casa, que herdou de seu pai, e estava guardado no sótão de sua casa, pois ele não toca.

O instrumento foi inspecionado por especialistas da Hofner e pelo próprio Paul McCartney, que aferiram que, sim, é o instrumento original: mantém o número de serie de sua fabricação, as marcas de uso que McCartney deixou e até o case (caixa) ainda é o mesmo dos anos 1960. O instrumento está relativamente intacto, apenas com alguns arranhões, e como não é tocado há décadas, está desregulado e precisa de uma manutenção para voltar a ser tocado. Mas isso pode ser feito sem nenhuma dificuldade.

Assim, o site oficial de McCartney anunciou:

Seguindo o lançamento no ano passado da The Lost Bass Project, o baixo 1961 Hofner 500/1 de Paul, que havia sido roubado em 1972, retornou! O instrumento foi autenticado pela Hofner e Paul está incrivelmente agradecido a todos os envolvidos.

Com isso, a história tem um final feliz, o esse instrumento histórico retornou a seu dono. Numa era em que músicos de rock, como Eric Clapton, David Gilmour e Mark Knoffler leiloaram vários de seus instrumentos clássicos, especialistas estimam que o 1961 Hofner 500/1 de Paul McCartney é provavelmente o baixo mais importante da história e poderia ser vendido por 10 milhões de libras em um leilão.

A fim de ilustração, o violão que John Lennon usou nos primeiros sucessos dos Beatles, um Gibson J-160, na qual compôs She loves you e I want to hold your hand e toca em faixas como Love me do e Till there’s you, foi roubado após um show da banda na temporada de Natal do Finsbury Park, em 1963. O instrumento foi localizado – tal qual o baixo de Paul – por meio de seu número de registro 51 anos depois e foi vendido em um leilão por 1,9 milhões de libras, ou 2,4 milhões de dólares, na época, o instrumento mais caro já vendido na história, ainda que esse valor já tenha sido ultrapassado nos últimos anos por instrumentos de David Gilmour ou Kurt Cobain.