O jornalista Joel Selvin embarcou em uma difícil missão: resgatar a reputação do lendário baterista norteamericano Jim Gordon, um dos maiores da história do rock, que pode ser ouvido em clássicos como Layla de Eric Clapton, You’re so vain de Carly Simon, God only knowns dos Beach Boys, Power to the people de John Lennon, ou What’s life de George Harrison. Isso porque Gordon matou a própria mãe com marteladas e facadas após um surto psicótico causado pela esquizofrenia e terminou sua vida na prisão. Selvin publica amanhã, dia 27 de fevereiro, o livro Drums & Demons: The Tragic Journey of Jim Gordon pela Diversion Books do Reino Unido.

Em uma entrevista para o The Guardian, Selvin disse que foi difícil conseguir uma editora para lançar o livro e se queixou da falta de compaixão com o atormentado músico, que sofria de esquizofrenia e ouvia vozes, o que levou a ter problemas com álcool e drogas e a ter comportamentos bizarros, com episódios violentos ocasionais, que terminaram por destruir aquela que foi uma das maiores carreiras entre os seguradores de baquetas da história do rock, culminando com o trágico desfecho do homicídio de sua mãe e sua prisão.

Jim Gordon nasceu como James Beck Gordon, em 14 de julho de 1945, em Los Angeles, na Califórnia, e cresceu em San Fernando, aprendendo ainda criança a tocar piano, mas terminou por se especializar em seu instrumento favorito: a bateria, e seu talento com os tambores lhe valeu uma bolsa para estudar música na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), mas aos 17 anos, em 1963, ele decidiu deixar os estudos e seguir a carreira, tocando bateria com os The Everly Brothers, um duo extremamente popular naqueles tempos, e com o qual gravou seu primeiro álbum, Gone, Gone, Gone, de 1964.

Seus talentos chamaram a atenção dos estúdios de Los Angeles e ele foi “adotado” pelo célebre baterista da época, Hal Blaine, que então, era o mais caro e o mais requisitado entre os percussionistas da indústria norteamericana, o que abriu as portas para que Gordon ingressasse as fileiras do The Wrecking Crew, o grupo informal de músicos responsáveis pelas gravações de maior sucesso comercial dos EUA nos anos 1960, acompanhando todo o tipo de artista.

Nessa função, Gordon tocou bateria em uma dezenas de discos célebres, como de artistas como The Beach Boys (inclusive, Pet Sounds, eleito várias vezes como um dos melhores discos de todos os tempos, tocando ainda no single Good vibrations e no álbum Smile Smiley, de 1967), e também no disco do ex-membro dos Byrds Gene Clark and the Goslin Brothers (1967) e no álbum dos Byrds, The Notorious Byrds Brothers (1967), atingindo seu apogeu nessa função em 1968, quando tocou em sucessos de artistas como Glen Campbell, Carly Simon e Judy Collins, antes de largar o mundo dos estúdios de LA em busca de “seu som”.

Delaney & Bonnie & Friends em 1969. Jim Gordon é o segundo da direita.

Com isso, Gordon se uniu à trupe Delanney & Bonnie & Friends, formado por músicos advindos do Wrecking Crew que decidiram tocar as próprias músicas, uma dezena de instrumentistas e vocalistas talentosos, como Delanney Bramlett (vocais e guitarra), Bonnie Bramlett (vocais), Rita Coolidge (vocais), Carl Randle (baixo), Leon Russell (piano), Bobby Whitlock (teclados), o próprio Gordon (bateria), Bobby Keys (saxofone), Jim Price (trumpete) e mais alguns outros.

O DBF se tornou uma atração popular nas casas de concerto da Costa Oeste e foi a banda escolhida para abrir os shows do supergrupo Blind Faith, formado pelo guitarrista Eric Clapton (advindo do Cream) e do vocalista e tecladista Steve Winwood (do Traffic), que fazia um enorme sucesso, no verão de 1969. Durante a turnê pelos EUA, Clapton ficou tão encantado com o espírito sem egos e relaxado daquele grupo, que logo passou a se apresentar com eles como convidado especial. Isso levou Clapton a largar o Blind Faith (desiludido com o superestrelato da banda) e levar o DBF para uma turnê própria na Inglaterra. O som dos americanos era tão contagiante que não apenas Clapton passou a tocar guitarra com eles, mas outros dois célebres guitarristas: Dave Mason (do Traffic) e o normalmente avesso a shows George Harrison (dos Beatles), o que possibilitou a DBF ter seu próprio disco gravado.

Delaney & Bonnie & Friends ao vivo com Eric Clapton.

Em seguida, o DBF participou das gravações do primeiro álbum solo de Eric Clapton, com o nome do guitarrista, que foi lançado em 1970. E daí vem a fase áurea de Jim Gordon: com Delanney & Bonnie seguindo o seu próprio caminho, o restante dos músicos (os Friends) se uniram a George Harrison e Eric Clapton na gravação do primeiro álbum solo do ex-Beatle, o estrondoso álbum triplo All Things Must Pass, também lançado em 1970 e um sucesso estrondoso, na qual Gordon toca bateria nas faixas mais pesadas, como What’s life, que chegou ao 10º lugar das paradas da Billboard.

Derek and the Dominos: músicos do mais alto calibre em gravações sensacionais: Clapton, Whitlock, Gordon e Randle.

Durante as gravações do álbum de Harrison, o núcleo base dos Friends (Carl Randle no baixo, Bobby Whitlock nos teclados e Jim Gordon na bateria) decidiu se unir definitivamente a Clapton e formaram a banda Derek and the Dominos, que lançou o histórico álbum Layla and Others Sort Love Songs, também em 1970, que trouxe faixas como Layla e Bell bottom blues, duas das mais célebres canções do repertório do guitarrista. Inclusive, Layla é coassinada por Clapton e Gordon, com o baterista levando o crédito pela bela e longa coda de piano ao final da canção. Todavia, várias pessoas (como o tecladista Whitlock e o vocalista Graham Nash) afirmam que Gordon roubou a canção Time de autoria de sua então namorada, Rita Coolidge, e de fato, Time seria gravada pela irmã dela Priscilla Coolidge no álbum Chronicles, de 1973, ao lado do Booker T.

No intervalo entre o disco de Harrison e a estreia do Dominos, Gordon ainda tocou no álbum Mad Dog & the Englishmen de Joe Cocker, participando da icônica turnê do disco, que reuniu uma banda com mais de 40 músicos e cantores, vários deles advindos do DBF, e das quais saíram faixas históricas como Delta Lady, Cry a river e The Letter.

Traffic 1971
A banda que gravou o álbumThe Low Spark and the High-Heeled Boys do Traffic: Wood, Grech, Gordon, Baah, Capaldi e Winwood.

O disco dos Dominos foi um grande sucesso e a banda fez uma turnê pelos EUA, mas o consumo descontrolado de heroína por Clapton fez a banda se desmanchar durante a gravação do segundo álbum, em 1971, o que levou Gordon a se unir ao Traffic e tocar no álbum The Low Spark and High-Heeled Boys, que traz a faixa-título (um dos maiores trabalhos do músico na bateria). Naquele mesmo ano, Gordon se uniu brevemente à Plastic Ono Band de John Lennon e gravou canções como Power to the people, It’s so hard e Baby, please don’t go.

Em 1972, Gordon tocou na The Incredible Bongo Band e lançou um disco com eles, e em 1973, após tocar nos discos de Art Garfunkel e Johnny Rivers, ingressou no Frank Zappa and the Mothers, no qual gravou o disco Apostrophe(*), de 1974, e das turnês Grand Wazoo e Petit Wazoo, que renderam vários álbuns ao vivo; e também tocar no álbum Pretzel Logic, o terceiro da banda Steely Dan, que incluiu Rikki, don’t lose that number, o maior sucesso dessa banda.

Depois de tocar com Souther-Hilllman-Furray Band, entre 1973 e 1975, ele gravou Out of the Storm de Jack Bruce, em 1974, e o álbum Alice Cooper Goes to Hell, de Alice Cooper, em 1976, assim como Horizon (1975) e A Kind of Rush (1976) dos The Carpenters; Diamond & Rust e From Every Stage (ambos de 1975) de Joan Baez; Daryl Hall & John Oats (1975) e Bigger than Both of Us (1976) do duo Hall & Oats, com este último incluindo Rich girl, que foi o primeiro número 1 da dupla.

Contudo, Gordon sofria de esquizofrenia – até então não diagnosticada – e ouvia vozes, o que o deixava bastante perturbado, e o levou a consumir cocaína, que efetivamente fazia as vozes irem embora, mas o abuso o levou a ter comportamentos violentos, como na ocasião durante a turnê com Joe Cocker em 1971 no qual deu um soco na cara da namorada Rita Cooligde, o que pôs ao fim do relacionamento de ambos. O comportamento bizarro levou Gordon a não ser mais chamado para tocar, no fim dos anos 1970, o que fez com que sua brilhante carreira até então, simplesmente acabasse.

No início dos anos 1980, Gordon estava tocando em bandas de bar da Califórnia e cada vez mais descontrolado. Em 03 de junho de 1983, Gordon atacou sua mãe, Osa Marie Beck Gordon com um martelo e depois a esfaqueou até a morte, alegando que as vozes o tinham mandado fazer. Ele foi preso e condenado a 16 anos de prisão perpétua e cumpriu sua pena na Califórnia Medical Facility, uma prisão psiquiátrica em Vacaville, e nunca teve uma condicional aprovada, morrendo na prisão em 13 de março de 2023, aos 77 anos.

Screenshot

Apesar do crime terrível, Selvin se esforça em construir uma visão com um pouco mais compaixão do trágico baterista, ressaltando, na entrevista ao The Guardian, o aspecto da doença mental, o sofrimento, o abuso de drogas e, também, o fato de que a esquizofrenia atinge 1% da população, bem mais do que a esclerose múltipla, por exemplo, que atinge uma pessoa em 10 mil.

Ao jornal Selvin disse:

Eu queria que os leitores apenas soubessem como a vida de Jim era impossível e como bravo ele foi em lutar contra essa doença. Em uma de suas alucinações, ele pensou que estava em uma cela em chamas, e para mim, esta é a metáfora da vida inteira de Jim: para ele, ele estava em uma cela que estava sempre em chamas. (…)

Nós vemos essas pessoas ouvindo vozes na rua o tempo todo! O mundo delas é totalmente aterrorizante, e eu não tenho nada, exceto compaixão por elas. Infelizmente, a sociedade não tem.

Drums & Demons: The Tragic Journey of Jim Gordon de Joel Selvin está sendo lançado pela Diversion Books do Reino Unido e pode ser adquirido na Amazon.