O cavaleiro das trevas, o homem-morcego, o cruzado embuçado… Batman já teve muitas encarnações diferentes em todas as mídias, mas apesar de ser sempre um super-herói dos quadrinhos, nosso Bruce Wayne encontrou um lugar de destaque na memória global no cinema. Então, vamos conhecer os bastidores de como foram produzidos os filmes do vigilante de Gotham City que o tornaram no mais famoso e amado dos heróis uniformizados, ainda que nunca tenha tido lá uma cara de muitos amigos.

Numa era pré-franquias de sucesso, trazer um filme à vida era um processo longo, demorado e cheio de obstáculos, como os leitores do HQRock já viram no Dossiê sobre os filmes dos X-Men (não viu? Bote suas garras de fora e corra aqui neste link!). Batman necessitou de nada menos que uma década para sair de uma ideia na cabeça a um filme de sucesso.

Portanto, antes de irmos ao início da franquia do homem-morcego propriamente dita, precisamos abordar a longa jornada que levou Bruce Wayne ao topo daquele edifício para assistir o espetáculo do bat-sinal…

The Batman

(o filme que não aconteceu, mas iniciou tudo)

A versão de Tim Burton e Michael Keaton não foi a primeira a levar o cavaleiro das trevas ao live action. Desde os anos 1940 até os 70 houve algumas adaptações do herói ao cinema e à televisão (e falaremos deles também, lá no fim deste post). Mas a história daquele que desperta o terror no coração dos criminosos no cinema começa de verdade em 1979 pela cabeça de um fã chamado Michael E. Uslan.

Michael E. Uslan: o maior responsável por levar o Batman ao cinema.

Nascido em Nova Jersey em 1951, Uslan foi desde criança um ávido colecionador de quadrinhos e fã do Batman, especialmente, da faceta mais séria e sombria do personagem, como era quando foi criado por Bob Kane e Bill Finger a partir de Detective Comics 27, de maio de 1939. Ele estudou Direito na Universidade de Indiana e viu na universidade uma oportunidade para tomar as HQs como objeto de estudo, após assistir a um minicurso proferido por Roger Stern, que se transformaria em um grande roteirista de HQs, com passagens marcantes em Capitão América, Homem-Aranha, Vingadores e Superman. Inicialmente apenas como um curso complementar, em 1971, Uslan terminou transformando-o em uma disciplina regular no Departamento de Folclore, sob a supervisão do renomado antropólogo Henry Glassie. Uslan se transformou em uma das maiores autoridades dos EUA sobre os quadrinhos de super-heróis como tema sério, como um tipo de mitologia, e lecionou seu concorrido curso ao longo dos anos 1970, contando com participações de escritores de quadrinhos, como Dennis O’Neil e Steve Englehart, dois que fizeram notáveis trabalhos com o homem-morcego.

Então, passemos ao cinema: por causa da infame série de TV dos anos 1960, os direitos de adaptação do Batman pertenciam à CBS, que não tendo aprendido nada com o passar do tempo, no fim dos anos 1970, planejou realizar um filme chamado Batman in Outter Space para surfar na onda do sucesso de Star Wars, que fora lançado em 1977. A notícia irritou Michael E. Uslan, que vinha há anos estudando e promovendo as HQs como obra de arte séria.

Então, Uslan se uniu ao produtor de cinema Benjamin Melniker, que tinha então 66 anos e uma longa carreira, e a dupla comprou os direitos de adaptação ao cinema do Batman das mãos da CBS, em 1979, com o firme propósito de realizar um filme que mostrasse uma abordagem séria, sombria e adulta do cavaleiro das trevas. A dupla saiu em busca de um estúdio para financiar o projeto, como a Columbia Pictures, Universal Pictures e a britânica United Artists, mas ninguém estava interessado, nem mesmo a Warner Bros., que era a dona da DC Comics e tinha lançado Superman – O Filme em 1978 com um sucesso estrondoso. Mas a sombra da barriga de Adam West ainda aterrorizava os executivos de cinema e ninguém levava o Batman à sério.

Usando de seu prestígio acadêmico, Uslan se reuniu com o roteirista Richard Maimbaum e o diretor Guy Hamilton, que tinham trabalhado em vários filmes de 007 para convencê-los a assumirem o projeto, mas a dupla de britânicos não aceitou.

O próprio Uslan terminou por escrever um tratamento de roteiro chamado The Return of the Batman, com o objetivo de apresentar de maneira mais clara e objetiva os interesses dele e Melniker, mas embora, de novo, não tenham conseguido vender a ideia a algum estúdio, o resultado deu frutos concretos: outra dupla de produtores de cinema, mais jovem e antenada aos corredores de Hollywood, aceitou tocar o projeto em parceria: Jon Peters e Peter Guber. Em vista disso, foi feito um arranjo com Peters e Guber creditados como produtores e Uslan e Melniker como produtores executivos.

Para atrair publicidade, Peters capitaneou o anúncio “oficial” da produção, no verão de 1980, com um orçamento de US$ 15 milhões, o que era alto para a época (mais do que custara Star Wars, por exemplo), embora sem nenhum estúdio comprometido. No fim das contas, o sucesso de Superman II – A Ação Continua, de 1980, parece ter motivado a Warner – a dona do Batman – a finalmente ouvir o quarteto com atenção e, embora ainda com a série de TV na cabeça, se comprometeram a investir no desenvolvimento do produto, em 1981, e contratando Tom Mankiewicz para realizar o roteiro.

Tom Mankiewicz.

Na época, Mankiewicz era um dos mais badalados roteiristas de Hollywood, tendo trabalhado em todos os filmes de 007 dos anos 1970 (Viva e Deixe Morrer, O Homem da Pistola de Ouro, O Espião que Me Amava) e também tendo sido o escritor da versão final do roteiro de Superman – O Filme. Embora o longa do homem de aço tenha sido escrito (e creditado) a Mario Puzzo (escritor do livro O Poderoso Chefão e também roteirista de sua versão aos cinemas), coube a Mankiewicz polir e reestruturar o texto (que foi dividido em Superman e Superman II), embora não tenha sido creditado. Mas Hollywood sabia.

Com um nome de peso associado, The Batman (como Mankiewicz o chamou) decolou mesmo: ele entregou sua primeira versão do roteiro no verão de 1983, e a Warner gostou bastante do texto. Ele se inspirou no arco de histórias Estranhas Aparições, escrito por Steve Englehart e desenhado por Marshall Rogers e Walt Simonson, e publicado entre 1976 e 1977, uma das histórias mais celebradas da trajetória do personagem.

A trama de Estranhas Aparições lida com o chefão do crime Rupert Thorne, abrindo caminho para controlar o submundo de Gotham City e promovendo um leilão sobre a identidade secreta do Batman, ao mesmo tempo em que o psiquiatra Dr. Hugo Strange se torna obcecado pelo homem-morcego e planeja tomar seu lugar, ficando tudo um pouco mais complicado por Bruce Wayne se ver perdidamente apaixonado pela socialite Silver St. Cloud e o Coringa querendo atenção para si. Porém, por se tratar de uma história mais ampla, a trama da HQ serviu apenas como um tipo de inspiração conceitual ao texto de Mankiewicz, que trouxe uma história focada no confronto do Batman com o Coringa emergindo em meio à tentativa de controle do crime de Rupert Thorne, com o Pinguim como outro mafioso, mas trazendo a origem de Dick Grayson como Robin e a participação de Silver St. Cloud como interesse amoroso de Bruce Wayne. Para dar ainda mais dignidade ao filme, a Warner até convidou Marshall Rogers como artista conceitual.

Mas produzir um filme naqueles tempos era algo moroso. A Warner anunciou oficialmente a produção de The Batman no fim do ano de 1983, com um lançamento previsto para o verão de 1985, mas teve dificuldade em conseguir o diretor certo para o projeto. A despeito da insistência de Uslan em um clima sombrio, a abordagem do roteiro de Mankiewicz era mais leve, no mesmo estilo de Superman – O Filme, e isso atraiu o diretor Joe Dante, bem como Wes Craven (com quem Uslan e Melniker produziram outro filme baseado num personagem da DC Comics: O Monstro do Pântano, em 1982), mas foi Ivan Reitman, de Os Caça-Fantasmas, quem mais avançou na produção. Reitman queria Bill Murray como Batman, foi o primeiro a pensar em um Robin negro, materializado em Eddie Murphy e cortejou Robbie Williams para ser o Coringa, coisa que o comediante adorou e passou a lutar para conseguir mesmo o papel.

Bill Murray como Batman? Arte de fã…

A Warner não queria arriscar e queria um ator famoso para fazer o Batman. Então, além de Bill Murray, a lista do estúdio tinha nomes como Kevin Costner, Harrison Ford, Mel Gibson, Tom Selleck, Charlie Sheen e Dennis Quaid. Mas muitos recusaram de imediato e outros as negociações não avançaram. A cada novo diretor alistado e a cada ator cortejado seriamente para os papeis principais, Mankiewicz produzia uma nova versão do roteiro, e o tempo passava e passava.

Mas em 1985, The Batman ainda não tinha ganhado a luz verde e o interesse da Warner já esfriava. Então, o diretor estreante Tim Burton fez sucesso com a comédia As Aventuras de Pee-wee e, por algum motivo, a Warner achou que ele seria uma boa escolha para assumir o filme do homem-morcego. E sua chegada pôs fim ao projeto baseado no roteiro de Mankiewcz.

Batman – O Filme

  • Batman – The Movie. Dirigido por Tim Burton, com roteiro de Sam Hamm e Warren Skaaren e história de Sam Hamm. Elenco: Michael Keaton (Bruce Wayne/ Batman), Jack Nicholson (Jack Napier/ Coringa), Kim Basinger (Vicky Vale), Billy Dee Williams (Promotor Público Harvey Dent), Robert Wuhl (Alexander Knox), Jack Palance (Carl Grissom), Jerry Hall (Alicia Hunt), Michael Gough (Alfred Pennyworth), Pat Hingle (Comissário Gordon), Hugo E. Blinck (jovem Jack Napier), David Blaxt (Thomas Wayne), Sharon Holm (Martha Wayne). 1989.
O Batman de Tim Burton, vivido por Michael Keaton.

Gotham City é uma cidade feia e sombria, assolada pelo crime organizado e prestes a celebrar seu 200º aniversário de fundação. Assim, o prefeito dá uma ordem ao Promotor Público Harvey Dent e ao Comissário de Polícia Jim Gordon: fazer uma limpeza nas ruas. O alvo principal é o gangster Carl Grissom, que aproveita a ocasião para armar a morte (com a ajuda de um conjunto de policiais corruptos) de seu principal tenente, Jack Napier, por ter dormido com sua namorada, Alice. Ao mesmo tempo, a fotojornalista Vicky Vale e o repórter Alex Knox começam a investigar as aparições misteriosas de um “homem-morcego” assustando criminosos: Batman, que é o milionário Bruce Wayne, que traumatizado pelo assassinato gratuito de seus pais quando criança, decidiu realizar uma cruzada de vingança contra o crime organizado.

Porém, a armadilha contra Napier dá errado, com a chegada do Batman, a prisão dos policiais corruptos e a queda do criminoso em um tonel de ácido. Mas Napier sobrevive e fica deformado, com um sorriso permanente no rosto e a pele branca, revelando-se como um sociopata totalmente louco e muito pior do que o crime organizado, lançando Gotham no caos e obrigando o Batman a sair das sombras e usar todos os seus recursos para detê-lo, ao mesmo tempo em que Vale fica cada vez mais fascinada pelo cavaleiro das trevas.

Tim Burton (dir.) com o Batman.

A produção de Batman – O Filme começa, de verdade, em 1985, quando o diretor Tim Burton foi contratado para comandar o projeto. Enquanto filmava e lançava Beetlejuice (Os Fantasmas Se Divertem), na passagem de 1985 para 1986, Burton jogou fora o roteiro pré-existente de Tom Mankiewicz e contratou a própria namorada de então, Julie Hickson, para produzir um novo tratamento de roteiro com sua visão do filme. Porém, o próprio Burton não era fã de quadrinhos e nem conhecia tão bem (nem entendia) o personagem, algo que só fez durante a produção, acompanhando os lançamentos da minissérie Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller (1986) e a graphic novel Batman – A Piada Mortal, de Alan Moore e Brian Bolland (1987).

Capa do primeiro capítulo de “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, de 1986.

O lançamento de O Cavaleiro das Trevas (e sua aclamação crítica, que transcendeu o mercado nerd e chegou à grande mídia e à crítica literária séria) e o grande sucesso de Os Fantasmas Se Divertem animaram a Warner, que estava meio descrente no filme, e a produção ganhou um novo impulso, inclusive, com a contratação de Steve Englehart para produzir o roteiro do filme, novamente, baseado na sua própria Estranhas Aparições, com Coringa, Rupert Thorne, Pinguim, Robin e Silver St. Cloud (seguindo mais ou menos a mesma diretriz das versões anteriores do roteiro, mas com outro clima, mais sério e sombrio).

Steve Englehart.

Englehart entregou seu roteiro em 1986, mas discutindo o resultado com Uslan e Peters, decidiu-se que havia personagens demais e uma segunda versão do roteiro excluiu o Pinguim e o Robin. Mas Tim Burton não estava interessado e contratou um roteirista de cinema mesmo, Sam Hamm para produzir uma versão totalmente nova do roteiro. Isso sugere que havia dois movimentos paralelos na pré-produção do filme, um dos produtores e outro do diretor.

Sam Hamm.

Hamm foi respeitoso com o material dos quadrinhos, entendeu a essência dos personagens e manteve, em certo aspecto, a trama geral da versão anterior do texto, mas trocou Rupert Thorne por um novo personagem chamado Carl Grissom e trocou Silver St. Cloud (uma personagem que não aparecia mais nas HQs desde os anos 1970) por Vicki Vale (que apesar de ter sido criada nos anos 1940, nos anos 1980 regressou como a principal namorada de Bruce Wayne nas HQs). O Pinguim se manteve eliminado, mas Hamm adicionou o promotor público Harvey Dent (abrindo caminho para o uso do Duas Caras no futuro) e trazendo o Robin de volta, mas como uma pequena participação especial. Ele também eliminou a natureza de filme de origem, reduzindo o passado do herói a uma cena em flashback da morte de seus pais.

Keaton com Bob Kane.

A Warner contratou Bob Kane (então, creditado como criador único do Batman) como consultor criativo do filme, e ele aprovou o roteiro de Hamm, o que somados ao sucesso das HQs do Batman e do filme de Burton, finalmente deu luz verde à produção em abril de 1988.

A próxima missão: o elenco! A Warner continuava querendo um ator famoso para viver Bruce Wayne, mantendo a lista que citamos lá em cima. Mas Burton queria um ator desconhecido. Ele chegou a conversar com o irlandês Pierce Brosnan, ainda há sete anos de se tornar o novo James Bond, mas então, um famoso ator da TV britânica. Ele recusou imediatamente. Burton indicou o então desconhecido Willem Dafoe (sim, ele mesmo, que faria o Duende Verde em Homem-Aranha em 2002, e que estava em voga por A Última Tentação de Cristo), mas o estúdio não aceitou.

Michael Keaton como Bruce Wayne e Batman.

Foi o produtor Jon Peters quem teve a ideia do nome de Michael Keaton, após vê-lo numa performance forte e dramática em Clean and Sober (As Marcas do Passado, no Brasil), que fora lançado naquele 1988. Até então, Keaton era um ator conhecido pelas comédias, como Night Shift (1982) e Mr. Mom (Profissão Doméstico, de 1983), o que incluía também Os Fantasmas Se Divertem, do próprio Burton. Por já ter trabalhado bem com Keaton, Burton acatou a sugestão. A Warner não ficou tão convencida e os fãs muito menos.

Afinal, em 1988, Keaton era um ator conhecido das comédias e Burton também só tinha lançado duas comédias, o que acendeu um alerta na cabeça dos fãs que pensaram que o filme teria o clima da série de TV dos anos 1960, o que levou à famosa situação do estúdio receber 50 mil cartas (numa era pré-internet) reclamando da escalação. Keaton também era magro e tinha apenas 1,70 m de altura.

Jack Nicholson e o Oscar.

Para compensar, a Warner queria um ator conhecido e aclamado para ser o Coringa. O preferido do estúdio era, claro, Jack Nicholson, por causa de sua experiência com personagens loucos ou fora da curva, como em O Estranho no Ninho ou O Iluminado, e a quem Jon Peters já convidara em 1986. Mas à princípio, Nicholson recusou. Sabendo do interesse em interpretar o vilão, a Warner usou Robbie Williams (lhe prometendo “da boca para fora” que o papel seria dele) como uma maneira de manter a imprensa interessada no filme e despertar o engajamento de outros atores numa disputa pelo papel. Deu certo e muitos fizeram testes para o vilão, dentre os quais Ray Liotta, James Wood, John Lighgow e até o cantor e ator David Bowie.

De novo, Burton queria um ator desconhecido e sua escolha para o papel era John Glover, que ficaria famoso muitos anos depois como Lionel Luthor (o pai de Lex Luthor) na série de TV Smallville – e teria uma pequena participação em Batman & Robin anos depois.

Insatisfeita, a Warner enviou Jon Peters à Inglaterra para recrutar Jack Nicholson enquanto ele filmava As Bruxas de Eastwick. Nicholson concordou a partir de uma lista enorme de exigências, dentre as quais um conjunto obrigatório de horas de folga por dia, a de não filmar nos dias em que os Los Angeles Lackers jogassem em casa, a ter suas cenas gravadas de forma concentrada num intervalo de três semanas, indicações sobre o processo de maquiagem e que seu nome viesse primeiro nos créditos. Ademais, em vista do orçamento do filme, Nicholson concordou em diminuir seu pagamento dos usuais 10 milhões de dólares para 6 milhões, sob a condição de receber uma porcentagem da bilheteria e merchandising – o que no fim das contas lhe rendeu mais de 50 milhões de dólares, o maior salário já ganho por um ator na história até então.

Billy Dee Williams como Harvey Dent.

O restante do elenco foi escolhido por meio de testes ou convites (Burton convidou Michael Gough para ser Alfred, porque gostava de seu trabalho nos filmes de terror da Hammer) e rendeu algumas surpresas, como Billy Dee Williams (o Lando Calrissian de Star Wars) no papel de Harvey Dent, o promotor público destinado a ser transformar no vilão Duas Caras. A questão mais séria envolvendo o elenco foi que Sean Young foi contratada para viver Vicki Vale, mas sofreu um acidente de montaria pouco antes do início das gravações e Burton precisou substituí-la de última hora, novamente com Peters indicando Kim Basinger, então, famosa por 007 – Nunca Mais Outra Vez e, principalmente, o explosivo erótico 9 e 1/2 Semanas de Amor.

O premiado visual de Gotham no filme de tim Burton.

Burton contratou Anton Furst e Peter Young para desenvolverem a Direção de Arte do filme, e a dupla criou uma Gotham City gótica, escura, feia e desordenada para dar a ideia de caos e decadência, uma cidade inteiramente criada em estúdio, sem necessitar de filmagens externas, o que barateava a produção do longa. A roupa do herói, a Batsuit, foi criada por Bob Ringwood, seguindo a orientação de Burton que queria uma armadura tática de combate toda preta, para ser algo mais assustador aos criminosos. Bob Kane aprovou o visual: Batman sempre fora retratado nas cores cinza escuro e azul nas HQs, mas isso é porque era proibido ter protagonistas usando apenas preto nos quadrinhos dos anos 1930, pois no esquema de somente 4 cores de então, o preto era difícil de conseguir e equilibrar, sendo inviável para um personagem recorrente, que corria o risco de ficar borrado ou ininteligível.

A batsuit custou 250 mil dólares para ser produzida e, ao contrário do que é comum, foram feitas versões diferentes para uso no filme, a partir de cenas específicas: uma capa mais longa para as cenas de salto; uma máscara maior para cenas distantes e outra menor para os closes. O resultado é visível no produto final. Michael Keaton teve sérios problemas com a roupa, pois era claustrofóbico. Uma vez vestido, mal podia mexer a cabeça, a visão não era boa e ficava quase surdo, pois a espessa borracha da máscara não tinha abertura para os ouvidos. O visual da roupa dialogava com a ideia “fina” da representação nas HQs, na qual o corpo fica perfeitamente delineado sob os uniformes. Assim, a armadura era bastante “orgânica”, imitando um corpo humano, inclusive, com músculos sobressaltados.

As filmagens foram inicialmente pensadas para ocorrerem nos estúdios nativos da Warner em Burbank, na Califórnia, mas a perseguição da imprensa sobre o longa era tão grande que a produção decidiu ir para a Inglaterra e ficar longe da mídia de Hollywood, adotando o Pinewood Studios (nas quais eram gravados os filmes de 007 e a Trilogia Cavaleiro das Trevas décadas depois). Foram usados 18 cenários fixos, incluindo a gigantesca Gotham, que ocupou 206 mil metros quadrados, com ruas, praças, becos e as escadarias da catedral. A igreja, na qual ocorre o clímax do filme, foi construída também pelo interior e tinha 12 metros de altura.

O Batman de Michael Keaton e a Vicki Vale de Kim Bassinger.

Falando nisso, enquanto ocorria a pré-produção, o roteiro continuava a ser alterado, mas de março a agosto de 1988, estourou uma greve de roteiristas, o que impediu Sam Hamm (que era sindicalizado) de participar da reescrita. Assim, Burton trouxe Warren Skaaren para realizar ajustes “finais”, que mudou algumas coisas do filme, como a cena em que Alfred leva Vicky para a Batcaverna, revelando que Bruce Wayne é o Batman, um elemento que Hamm detestou.

Outra adesão de Skaaren foi o “ciclo perfeito” de Jack Napier ser também o assassino de Thomas e Martha Wayne, uma decisão que foi criticada tanto por Hamm quanto pelos fãs. Afinal, nas HQs, quem comete o crime que vai definir o Batman é Joe Chill, um bandido ordinário, o que acrescenta um grau de acaso essencial ao caos de Gotham City.

Jack Nicholson como o Coringa.

Ainda insatisfeitos, o próprio Jon Peters (sem receber créditos) alterou totalmente o clímax, criando toda a ideia da sequência na catedral, mas vários elementos ficaram indefinidos: o roteiro dizia que o Coringa mataria Vicki Vale para Batman sair furioso contra o vilão, mas a decisão final ficou para o momento das filmagens. Também não havia definição do que Batman e Coringa fariam no topo da catedral e como a cena terminaria. Foi apenas durante as filmagens que Burton teve a ideia de o Coringa ir ao topo da catedral como uma maneira de pegar um helicóptero e fugir.

É comum nas produções hollywoodianas haver roteiristas de filmagem, ou seja, escritores (geralmente em início de carreira e sem serem creditados) acompanharem as gravações para escrever mudanças de última hora no roteiro ou simplesmente registrar indicações dos diretores ou improvisações dos atores. Em Batman o trabalho coube a Jonathan Gems e Charles McKewon.

As filmagens ocorreram entre outubro de 1988 e fevereiro de 1989. Foi durante as gravações que Michael Keaton teve a ideia de usar uma voz mais grave e sussurrada para o Batman e outra mais aberta para Bruce Wayne, pois estava preocupado que o disfarce não fosse convincente o suficiente. Essa característica virou uma marca registrada das versões em live action do Batman, incluindo até os desenhos animados. Outra contribuição do ator foi a famosa frase “eu sou o Batman” que aparece no início do filme e ganhou o mundo no primeiro trailer. No roteiro ele dizia “eu sou a noite” (uma frase bem típica dos quadrinhos), mas Keaton improvisou algo mais simples e funcionou bastante.

No momento das filmagens, o roteiro ainda trazia uma participação especial de Dick Grayson (abrindo caminho para a aparição do Robin no futuro), mas Burton e Peters decidiram cortar a cena, porque ela era irrelevante para a trama geral e ela não chegou a ser filmada.

A pós-produção do filme exigiu algum trabalho de animação, pois naqueles tempos ainda não existiam efeitos especiais digitais e as cenas mais difíceis eram realizadas com maquetes e miniaturas (como na cena em que a Batwing voa entre os prédios de Gotham) e animação mesmo, inserida discretamente no meio das cenas (como quando a Batwing eclipsa a lua ou na queda final do Coringa).

Mas a maior preocupação da Warner na pós-produção foi a música. Burton trouxe Danny Elfman, o cantor e compositor da banda new wave Oingo Boingo, que realizou o seu primeiro trabalho desse tipo em um filme de grande orçamento. Elfman decidiu usar uma estética gótica, lenta e pesada para sua música e a Warner aprovou o trabalho após ouvir a música de abertura do filme, mas ele usou material adicional composto por Shirley Walker (que faria depois a trilha de Batman – the Animated Series) e do guitarrista do Oingo Boingo, Steve Bartek.

Porém, a Warner queria canções na trilha, algo ao qual se opunha Tim Burton. O estúdio tinha em mente convidar Prince para as cenas de Batman e Coringa e Michael Jackson para as cenas românticas entre Bruce Wayne e Vicky Vale, mas Prince os convenceu a fazer ambos os trabalhos. Burton não gostou do resultado e achou que as canções ficam fora de propósito dentro do filme, mas o estúdio fez valer sua vontade (e dinheiro) e Batman foi o primeiro filme a lançar duas trilhas sonoras em disco: uma com a trilha incidental de Elfman e outro com as canções de Prince. E ambos fizeram sucesso nas paradas!

Visando repetir o lançamento explosivo de Superman – O Filme mais de dez anos antes, a Warner investiu mesmo no marketing de Batman e o resultado foi estrondoso: o interesse da imprensa e do público, o trailer assustador, a figura de um homem-morcego em uma armadura preta, as imagens sombrias e escuras, o Coringa psicótico e histérico… tudo foi criando uma antecipação enorme ao filme e uma verdadeira Batmania explodiu pelo mundo, com merchandising intenso (automóveis, refrigerantes, brinquedos, jogos), aumento na venda de HQs (em especial O Cavaleiro das Trevas, A Piada Mortal e Ano Um), reportagens de capa nas mais importantes revistas e todo mundo não falava outra coisa.

Batman estreou em 22 de junho de 1989 e arrecadou US$ 40 milhões em seu primeiro fim de semana, se tornando a maior estreia da história em sua época, ultrapassando a marca de 37 milhões de Indiana Jones e a Última Cruzada, que estreara naquele mesmo ano. Mas o fim de semana do longa de Steven Spielberg tinha tido quatro dias (o feriado do Memorial Day) e o de Tim Burton apenas três dias. No segundo fim de semana, Batman arrecadou mais 30 milhões, batendo o recorde de maior segundo fim de semana e ficando em segundo lugar em maior bilheteria em fim de semana de três dias, atrás apenas de sua própria estreia.

Se tornou o filme que mais rápido bateu os US$ 100 milhões de bilheteria, em apenas 11 dias, e acumulou um total de US$ 411 milhões, o que era um número muito alto naqueles tempos. Para se ter uma ideia, Batman permaneceu sendo a maior bilheteria de um filme da DC Comics até 2008 quando foi ultrapassado por Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan.

Batman – O Retorno

  • Batman Return’s. Dirigido por Tim Burton, com roteiro de Daniel Waters e história de Sam Hamm e Daniel Waters. Elenco: Michael Keaton (Bruce Wayne/ Batman), Danny DeVito (Oswald Cobblepot/ Pinguim), Michelle Pfeiffer (Selina Kyle/ Mulher-Gato), Christopher Walken (Max Shreck), Michael Gough (Alfred Pennyworth), Pat Hingle (Comissário Gordon). 1992.

É tempo de Natal e as ações de Batman impactam o crime organizado e sua colaboração com a polícia ajuda a pacificar Gotham City pela primeira vez em sua história, porém, os ambiciosos planos do megaempresário Max Shreck de explorar energias “sujas” encontram uma distração perfeita quando ele conhece Oswald Cobblepot, um homem deformado, herdeiro de uma família rica, abandonado nos esgotos da cidade e “criado” por uma população de pinguins, que lhe rende seu apelido. Bruce Wayne desconfia dos ardis de Shreck e usa a secretária do megalomaníaco, Selina Kyle, para conseguir informações. Mas Shreck descobre e “mata” a secretária ao jogá-la do edifício, mas ela sobrevive e desenvolve novas habilidades e personalidade: se tornando a mortífera Mulher-Gato. Ao mesmo tempo, o Pinguim aproveita a visibilidade de sua campanha à Prefeitura para correr seu plano secreto de se vingar das famílias ricas de Gotham e matar todos os herdeiros primogênitos. Então, Batman precisa combater a ameaça tripla de Shreck, Pinguim e Mulher-Gato no maior desafio de sua carreira.

O sucesso esmagador de Batman – O Filme, se tornando a quinta maior bilheteria de todos os tempos em sua época, motivou imediatamente a Warner Bros. a desenvolver uma sequência. Ainda no fim do verão do hemisfério norte de 1989, o estúdio contratou novamente o roteirista Sam Hamm para desenvolver um tratamento de roteiro e Hamm criou uma história na qual explorava a queda do Promotor Público Harvey Dent à personalidade insana do Duas Caras e usava a Mulher-Gato como “mobilizadora da trama de fundo” e também víamos a origem de Dick Greyson se tornando o Robin.

A Warner gostou de alguns elementos do roteiro, mas pediu que o vilão fosse trocado, porque o estúdio pensava que o Pinguim era mais conhecido e popular. Hamm desenvolveu o roteiro, começando a trama imediatamente após os eventos do filme anterior e mostrando o relacionamento de Bruce Wayne e Vicki Vale encaminhando ao noivado. A Mulher-Gato era hipersexualizada, usava roupas de bandagem (artefato sadomasoquista) e se unia ao Pinguim num plano para matar os ricos de Gotham e pôr a culpa no Batman, durante o período de Natal. O Pinguim não era monstruoso, mas um criminoso que usava aves para cometer crimes. A dupla de bandidos também estava em busca de um lendário tesouro.

A nova versão mantinha a origem do Robin e tinha bandidos fantasiados de Papai Noel armados com rifles. Em entrevistas, Hamm garantiu que, em seu roteiro, o Batman não matava ninguém (ao contrário do que vemos no resultado final).

A Warner já estava mais satisfeita e pagou um aluguel aos estúdios de Pinewood na Inglaterra para que os cenários de Gotham City fossem preservados, pois era mais barato do que ter que reconstruí-los de novo depois. O contrato previa o uso dos cenários por mais duas sequências, ou seja, uma trilogia, e Batman 2 previsto para as filmagens iniciarem em maio de 1990 com lançamento agendado para o verão de 1991.

American director Tim Burton on the set of his movie Batman Returns. (Photo by Warner Bros. Pictures/Sunset Boulevard/Corbis via Getty Images)

Todavia, havia um problema sério: o diretor Tim Burton não estava interessado em fazer o filme. Alegando que era contra realizar sequências, Burton seguiu envolvido em outros projetos e dirigiu Edward Mãos de Tesoura, que saiu em 1990, e escreveu o roteiro de The Nightmare Before Christmas, que sairia em 1993. A negociação para trazê-lo foi difícil e Burton exigiu ter mais controle criativo e o afastamento do produtor Jon Peters dos sets de filmagem, que foi movido para produtor executivo.

As negociações ocuparam quase um ano inteiro e Burton não manifestou interesse no roteiro de Sam Hamm, recomendando a contratação de Daniel Waters para produzir um novo tratamento de roteiro, mas ainda não fechou o acordo oficialmente com o estúdio, esperando pelo resultado do texto para sua decisão final. Waters, como Burton, não tinha nenhum interesse na obra original dos quadrinhos e nem estava interessado em criar uma “sequência” do primeiro filme, de modo que seu roteiro (e o filme consequente) funcionam quase como uma obra isolada.

Waters e Burton trabalharam por praticamente um ano e o processo garantiu segurança ao diretor para finalmente se envolver oficialmente no projeto, assinando o contrato para dirigir Batman 2 no início do ano de 1991, com filmagens previstas para iniciar em setembro.

O roteirista produziu nada menos do que cinco tratamentos de roteiro diferentes para se ajustar aos interesses do diretor. A trama manteve o período natalino e mudou o Pinguim de um gangster comum para uma figura grotesca, ao passo que a Mulher-Gato foi ligeiramente menos sexualizada e o personagem Harvey Dent foi eliminado e substituído pelo magnata Max Shreck. A trama do Robin – apresentado como um garoto afroamericano que ajudava o Batman a consertar o Batmóvel após ele ser danificado pelo Pinguim – se manteve em várias versões, mas terminou eliminada nas versões finais.

O Pinguim se candidatar a prefeito de Gotham foi adicionado por Waters e Burton no roteiro, mas a ideia foi roubada de dois episódios da série de TV do Batman da década de 1960, na qual o vilão faz exatamente isso.

Ainda assim, as discordâncias entre Burton e Waters eram grandes, especialmente sobre o tom do filme, e a Warner contratou Wesley Strick para produzir a versão final do roteiro, demandando especificamente que se criasse um “plano mestre” para o Pinguim – já que o estúdio sentia que faltava grandiosidade – e foi adicionado o subplot da vingança dos primogênitos. Waters garantiu em entrevistas que realizou uma “revisão final” do roteiro refeito de Strick, mas foi este último quem acompanhou as filmagens para as adições últimas.

Em vista desse engodo, os créditos do filme omitiram a contribuição de Strick.

Michael Keaton em Returns.

Reunir o elenco foi tão complexo quanto no primeiro filme. Embora fosse garantida a participação de Michael Keaton com um cheque de 10 milhões de dólares logo no início, Burton começou a escalar seu elenco antes mesmo de ter uma versão final de roteiro o que gerou alguns problemas. O maior deles foi que, como Robin estava presente nas versões iniciais do roteiro, o ator Marlon Wayans (sim, ele mesmo!, de Todo Mundo em Pânico e As Branquelas) foi contratado para viver Dick Grayson, assinou contrato para dois filmes (!), os sets de suas cenas foram construídos, seu uniforme foi produzido e até bonequinhos para as crianças foram fabricados antes do personagem ser definitivamente cortado da versão final do texto. (Suas cenas não foram filmadas).

Mas houve outras questões. O personagem da Mulher-Gato, como esperado, foi disputado a tapa por atrizes, empresários e agências de talentos. A atriz Sean Young (que perdeu o papel de Vicki Vale porque se acidentou) fez uma grande campanha para conseguir o papel como um tipo de “recompensa”, mas não foi sequer considerada; enquanto nomes como Bridget Fonda, Madonna, Rachel Welch, Susan Saradon e Cher circularam pelos estúdios da Warner, e até Julie Newmar, que tinha interpretado a vilã na série de TV 25 anos antes lutou pelo papel.

Michelle Pfeiffer: magistral.

No fim das contas, surpreendendo bastante, a atriz escalada foi Annette Benning, mas ela terminou sendo obrigada a largar o papel por causa de uma inesperada gravidez. Assim, Burton terminou trazendo Michelle Pfeiffer, que o tinha impressionado num teste para o papel de Vicki Vale no filme anterior e não fora contratada simplesmente porque era uma ex-namorada de Michael Keaton e ele estava tentando se reconciliar com a esposa. Dessa vez, ele teve que se virar…

Igualmente, o papel do Pinguim foi bastante disputado, com Burton querendo Marlon Brando, enquanto o estúdio mobilizou gente como Christopher Lloyd, Dustin Hoffman e Robert De Niro sem sucesso. Mas quando o roteiro transformou Oswald Cobblepot em um homem deformado e animalesco, Danny DeVito virou a única escolha.

Para o vilão Max Shreck foi escolhido Christopher Walken, que tinha realizado um papel muito similar em um filme de 007. Burton convidou Burgess Meredith, que viveu o Pinguim na série de TV, para uma participação especial como o pai de Cobblepot, mas o ator terminou ficando doente e morreria pouco tempo depois.

À parte o roteiro e o elenco, a produção de O Retorno foi mais rápida do que a do anterior, mas teve seus desafios… Enquanto aquelas duas etapas e a relutância de Burton atrasaram o início das filmagens em um ano e meio além dos planos da Warner, as condições de subsídio de impostos na Inglaterra mudaram e o estúdio considerou que seria mais barato filmar mesmo nos EUA. Então, desfez o contrato com Pinewood, o que resultou na inutilização dos cenários do primeiro filme.

American director Tim Burton on the set of his movie Batman Returns. (Photo by Warner Bros. Pictures/Sunset Boulevard/Corbis via Getty Images)

Isso foi a oportunidade para Burton criar um novo design mais ao seu gosto, com uma equipe de arte totalmente nova, liderada por Bo Welch, que investiu menos no gótico e mais na arte fascista para construir uma Gotham que fosse opressiva aos seus residentes. Os sets eram maciços e gigantescos e geraram até reclamação dos financiadores, que os acharam excessivos e um exagero. Locais do filme anterior foram redesenhados sem nenhum pudor, inclusive, a Mansão Wayne e a Batcaverna. Os novos cenários foram construídos nas instalações próprias da Warner, em Burbank, na Califórnia, em oito estúdios, os dois maiores dedicados à Gotham Plazza (a praça central da cidade, palco de duas cenas chave, inclusive, de ação), e o esconderijo subterrâneo do Pinguim, que usou um galpão do vizinho Universal Studios, porque tinha 25 metros de altura!

Este último envolveu o elemento mais complexo da produção: o uso de pinguins reais para servirem de “exército” do vilão. Burton garantiu repetidamente que ele supervisionou pessoalmente as condições de manutenção dos animais, para que fossem cuidados com carinho e o estúdio foi mantido com baixa refrigeração, uma piscina com meia tonelada de gelo e peixe fresco para eles, mas ainda assim, o filme enfrentou fiscalização e reprimendas da PETA, organização protetora dos animais. O ponto mais polêmico foi a cena em que pinguins usam artefatos que imitam bombas e mísseis. Após os protestos, alguns deles foram substituídos por CGI. Para a cena em que dois pinguins imperadores escoltam o corpo do Pinguim, foram usados atores com fantasias de animais.

A cena em que a Mulher-Gato coloca um passarinho na boca e o solta antes de engolir foi feita de verdade por Michelle Pfeiffer, sem considerar os sérios riscos que correu de se machucar ou pegar alguma doença. Além disso, a atriz treinou duro durante seis meses para ficar em forma e caber na apertada roupa de látex da vilã (e ela só entrava se passasse talco) e ficou suficientemente habilidosa no chicote para fazer de verdade as cenas em que usa a arma.

As filmagens duraram 170 dias entre setembro de 1991 e fevereiro de 1992, e o filme foi inteiramente gravado em estúdio, sem cenas externas.

Na trama original, a Mulher-Gato morria no embate com Shreck; mas a personagem foi tão bem recebida pelo público nas sessões de teste que a Warner considerou fazer um filme solo com ela ou sua participação em uma sequência. Assim, Burton foi obrigado a filmar a sequência na qual vemos a vilã viva no fim do filme. E como Pfeiffer não estava mais disponível, foi usada uma dublê de costas para a cena.

Batman – O Retorno estrou em junho de 1992 e fez um bom sucesso de início, inclusive, chegando aos US$ 100 milhões em 11 dias, se tornando o segundo filme a atingir a marca mais rápido, atrás apenas de Batman (10 dias), mas a bilheteria perdeu força e chegou a 162 milhões nos EUA e 266 milhões no mundo, sendo a terceira e a sexta maior bilheteria do ano, respectivamente, em cada um desses mercados. A crítica se polarizou, com alguns achando-o melhor do que o primeiro e outros não gostando do excesso dark e grotesco da película.

A opção de Burton em fazer o Batman mais silencioso e soturno em contrapartida aos vilões chamativos e trágicos terminou por pesar desfavoravelmente ao filme, com seu protagonista diminuído de importância e com pouco desenvolvimento de personagem, enquanto todo o destaque vai para a dupla Pinguim e Mulher-Gato, com as performances icônicas de DeVito e Pfeiffer.

O longa foi indicado a dois Oscars, de Melhor Maquiagem e Melhores Efeitos Visuais, mas não levou nenhum deles.

Batman Eternamente

  • Batman Forever. Dirigido por Joel Schumacher, com roteiro de Lee Batchler, Janet Scott-Batchler, Akiva Goldsman, e história de Lee Batchler, Janet Scott-Batchler. Elenco: Val Kilmer (Bruce Wayne/ Batman), Tommy Lee Jones (Harvey Dent/ Duas Caras), Jim Carrey (Edward Nygma/ Charada), Nicole Kidman (Dra. Meridian Chase), Chris O’Donnell (Dick Grayson/ Robin), Michael Gough (Alfred Pennyworth), Pat Hingle (Comissário Gordon), Drew Barrymore (Açúcar), Debi Mazar (Pimenta). 1995.
O cartaz de Batman Eternamente: espalhafatoso e colorido.

Os anos de combate ao crime começam a pagar um preço à psiquê de Bruce Wayne, o que aproxima o milionário-vigilante da psicanalista Doutora Meridian Chase ao mesmo tempo em que Batman precisa lidar com o seu ex-aliado, o Promotor Público Harvey Dent, que após ser desfigurado por ácido durante o julgamento de um mafioso se transformou em um psicótico criminoso chamado Duas Caras. E tudo fica pior quando um funcionário da WayneTech chamado Edward Nygma é demitido por criar um artefato que permite ler mentes e decide sair em uma cruzada para se vingar de seu ex-patrão.

Em uma exposição pública de sua nova tecnologia, Nygma consegue que Bruce Wayne se aproxime do artefato e seus pesadelos sobre uma queda numa caverna subterrânea e um morcego gigantesco revelam ao louco cientista que ele é o Batman. Isso motiva Nygma a assumir a alcunha de Charada e se aliar ao Duas Caras para eliminar seu inimigo comum ao mesmo tempo em que uma ação criminosa de Dent resulta na morte da família do acrobata de circo Dick Grayson, que é adotado por Bruce como seu tutor para ajudá-lo a lidar com o sentimento de vingança que lhe é tão familiar pela morte de seus pais, também. Mas Dick descobre a identidade secreta de Bruce e termina – após muita relutância – aceito como seu parceiro no combate ao crime, o Robin.

Indiscutivelmente, Batman – O Retorno foi um sucesso, porém, arrecadou menos do que o primeiro e houve algum ruído quanto ao excesso de bizarrice do filme, e o exemplar caso do McDonalds engavetar seu projeto de McLanche Feliz por achar que o longa não era apropriado para as crianças. Tudo isso fez a Warner Bros. querer que o próximo filme fosse num tom mais leve e “mais família”.

Tim Burton participou do começo do processo (a pré-produção começou no final de 1992) e, a despeito das recomendações do estúdio, imaginou o filme sombrio e pesado com uma trama na qual Charada e Espantalho se uniam para tocar o terror em Gotham. O estúdio recomendou o casal Lee Batchler e Janet Scott-Batchler para realizar o roteiro: a dupla tinha impressionado o estúdio com um roteiro que foi disputado a tapa com outros estúdios e os ofereceu escolher qualquer projeto que quisessem. Como Lee Batchler era fã de quadrinhos quando criança, escolheu o terceiro Batman e a dupla começou a trabalhar com Burton, entregando o primeiro tratamento de roteiro na primavera de 1993.

Naquela versão, um Charada psicótico se unia ao Espantalho para um plano mirabolante de aterrorizar os cidadão de Gotham e usar de controle mental, enquanto Batman (ironicamente) namorava uma psicanalista e conhecia Dick Grayson, que se tornava o Robin, enquanto a Mulher-Gato fazia seu retorno, também. O estúdio gostou da trama, mas pediu: 1) que o tom fosse menos sombrio e violento; e 2) que o Espantalho fosse trocado pelo Duas Caras, que consideravam um oponente mais conhecido e mais apelativo. Os roteiristas até gostaram da ideia, porque o tema geral do filme era a dualidade e Harvey Dent, com sua face dividida em duas (normal e deformada) e sua dupla personalidade cabiam como uma luva.

Val Kilmer e Joel Schumacher no lançamento de Batman Forever na Alemanha, em 1995.

Todavia, a insistência em amaciar o filme desanimou Tim Burton, que já não morria de amores pela franquia desde o início. O cineasta pediu para se desligar do projeto e um acordo foi feito (para evitar futuros processos judiciais) que ele ficasse com o crédito de “produtor executivo” – o que lhe rendia royalties também. Ainda assim, Burton ajudou a Warner na busca por um substituto e aprovou a escolha de Joel Schumacher, que recentemente tinha dirigido o sucesso O Cliente para o estúdio.

Schumacher vinha de uma série de filmes sombrios, mas com apelo ao grande público, e no papel, parecia uma boa escolha. Contudo, logo que chegou, quis descartar o roteiro de Batchler-Scott e criar uma adaptação de Batman: Ano Um de Frank Miller e David Mazzucchelli, a origem definitiva do personagem, publicada em 1987. Mas a Warner não queria um prelúdio, e sim, uma sequência, então, ele acatou continuar o projeto de Batman Forever, nome que o estúdio tinha escolhido para o filme. Mas o novo diretor descartou o casal Batchler-Scott e contratou seu parceiro em O Cliente, Akiva Goldsman para escrever uma nova versão do roteiro.

Akiva Goldsman.

Goldsman elevou o tom do filme (para algo menos sombrio) e eliminou a Mulher-Gato (por já haver muitos personagens), mas manteve a essência da trama da versão prévia. A Warner considerava de verdade, na época, fazer um spin-off com Selina Kyle e o projeto seguiu adiante, ainda que demorasse 11 anos para chegar aos cinemas.

Mas o astro Michael Keaton não gostou do novo roteiro e nem do direcionamento mais iluminado que Schumacher estava propondo: um filme colorido, com referências à série de TV dos anos 1960, e uma Gotham cheia de Neon. Então, o ator recusou uma proposta de US$ 15 milhões de salário e se demitiu. Isso deixou a Warner com um grande problema nas mãos: substituir seu astro, um evento pouco comum dentro de grandes franquias.

O diretor Schumacher até gostou do fato, pois isso lhe permitia encontrar o seu Bruce Wayne em vez de trabalhar com um pretérito. A Warner queria aproveitar e chamar um ator mais jovem (o que daria mais tempo de vida à franquia em longo prazo) e convidou Ethan Hawke para o papel, mas ele recusou – algo do qual se arrependeria anos depois. Inúmeras estrelas foram sondadas ou fizeram testes para o papel, dentre as quais Keanu Reeves, Alec Baldwin, Kurt Russel, Tom Hanks e Ralph Fiennes. Burton ainda estava envolvido (em seu papel de produtor) e fez campanha para que Johnny Depp fosse escolhido, algo que o estúdio não aceitou (ele era conhecido por papeis estranhos), e também sugeriu Daniel Day-Lewis, que recusou educadamente.

Val Kilmer como Bruce Wayne e Batman.

No fim das contas, Schumacher escolheu Val Kilmer, um ator que tinha uma carreira de destaque no segundo escalão de Hollywood, em filmes como Top Secret (1984), Top Gun (1986), Willow (1988), a cinebiografia de Jim Morrison, The Doors (1991) de Oliver Stone, o western Tombstone (1993) e tinha acabado de filmar Fogo Contra Fogo, com Al Pacino e Robert DeNiro. Kilmer era fã do Batman, viu a ocasião como uma grande oportunidade e aceitou o papel sem ler o roteiro e sem saber que o diretor havia mudado para Joel Schumacher, o que causaria sérios problemas à produção muito em breve.

Um detalhe é que Kilmer era loiro ao contrário do sempre moreno Bruce Wayne, mas a produção decidiu não lhe pintar os cabelos e apenas usar em cena um tipo de iluminação que desse uma ligeira escurecida nos seus cabelos.

Kilmer e Kidman como Bruce e Chase.

A contratação de Kilmer vitimou a atriz Rene Russo, que já havia sido contratada para viver a psicanalista Doutora Chase Meridian ao lado de Michael Keaton, porque o estúdio a achou velha demais para contracenar com o novo ator. Outra grande seleção foi aberta para escolher seu par e, entre convites e testes, circularam os maiores nomes de Hollywood (em idade “adequada”), como Linda Hamilton, Sandra Bullock e Robin Wright antes de Nicole Kidman ser a escolhida.

Schumacher aproveitou a troca do protagonista para não se comprometer a qualquer nome prévio do elenco, e por isso, descartou Billy Dean Williams do papel de Harvey Dent/ Duas Caras em prol de um astro branco mais famoso. Veteranos como Robert DeNiro, Al Pacino, Clint Eastwood e Martin Sheen foram convidados, com o estúdio confiando que se interessariam depois dos papeis incendiários de Jack Nicholson, Michelle Pfeiffer e Danny DeVito nos filmes anteriores, mas nenhum deles se mostrou interessado. A escolha recaiu em Tommy Lee Jones, um astro menor, mas suficientemente conhecido, com trabalhos ilustres recentes em JFK (1991), O Fugitivo (1993), Assassinos por Natrueza (1994) e também esteve em O Cliente, e que só aceitou pela insistência de seu filho, que era fã de quadrinhos.

Para o Charada já houve uma procura um pouco maior, com astros interessados em tirar uma casquinha do vilão que (o roteiro garantia isso) evocava a loucura do Coringa. O cantor Michael Jackson fez um lobby agressivo para ficar com o papel e Robin Williams e John Malkovitch realmente estiveram na disputa, mas o estúdio preferiu investir no comediante Jim Carrey, que ganhara projeção no programa de TV In Living color (1990-1994) e em filmes como Ace Ventura, O Máscara e Debi & Loid, todos lançados em 1994, o tornando um dos maiores astros do cinema de então.

O Robin finalmente teria sua oportunidade depois de ser descartado nos dois filmes anteriores. O personagem também já tinha um ator contratado (embora não usado) no filme anterior, com Marlon Wayans, mas Schumacher também decidiu substituí-lo por um ator branco. Parece que o diretor não gostava de atores negros… Leonardo DiCaprio – então, um adolescente em ascensão – foi convidado para o papel, mas recusou ao ler o roteiro. Os testes ou convites envolveram nomes como Matt Demon, Mark Walhberg e um time de britânicos: Jude Law, Ewan McGregor e até Christian Bale (que tinha apenas 20 anos em 1994 e faria o Batman no futuro). Mas no fim foi escolhido Chris O’Donnell, que tinha se destacado no belo drama Tomates Verdes Fritos.

O design de produção foi totalmente refeito para Forever, com um time liderado por Barbara Ling, que seguiu as orientações de Schumacher para criar uma Gotham City baseada no estilo art déco da década de 1930 e no visual das HQs da década de 1940, com prédios volumosos de cor creme, muitas estátuas e alguns toques da Tokyo moderna para criar contraste, com construções em vidro e neon. O Batmóvel também foi redesenhado, numa versão que é uma espécie de “evolução” do anterior, ganhando guelras decorativas e iluminação interna. A desculpa da trama era que o veículo fora destruído em O Retorno, então, fora preciso construir um novo.

Forever inaugurou a tendência da franquia de apresentar um novo uniforme a cada filme, como maneira – sim esse era o motivo – de impulsionar a venda de brinquedos. Então, Val Kilmer iniciava o longa usando uma versão da Batsuit de Michael Keaton, mas na trama, Charada e Duas Caras invadiam a Batcaverna e explodiam tudo por lá, incluindo o novo Batmóvel (que não durou nem um filme completo) e as Batsuits, permitindo que Kilmer usasse uma nova roupa no 3º Ato, mais em acordo com aquela estreada pelo Robin de Chris O’Donnell.

E não podemos deixar de mencionar, vieram os batmamilos adicionados aos uniformes, um elemento que Schumacher pensou dar um tom homoerótico subentendido ao filme. Os itens causaram controvérsia desde o início e é ponto de chateação (e piada) entre os fãs até hoje.

Talvez em busca do apelo inicial de Batman com as músicas de Prince, Forever ganhou algumas músicas pop em sua estrutura, em especial, o carro-chefe Hold me, thrill me, kiss me, kill me do U2, mas quem fez sucesso mesmo foi Kiss from a rose de Seal.

As filmagens ocorreram entre setembro de 1994 e março de 1995, novamente, principalmente nos estúdios da Warner em Burbank e com poucas cenas externas. A produção, contudo, foi marcada por turbulências… Val Kilmer não gostou do tom do filme e produziu uma guerra fria com Schumacher, inclusive, aparentemente sendo rude com a equipe e carregado de arrogância no trato com todos, como se tivesse virado uma Prima Dona. Em outra frente, Tommy Lee Jones também agiu como uma diva e não escondeu sua insatisfação com o filme e, em especial, seu desprezo por Jim Carrey, com quem contracenava a maior parte de suas cenas.

Duas Caras e Charada na visão de Schumacher.

Em meio às batalhas de egos, Schumacher produziu um filme cuja história, temas e premissas não são más, mas que resultou em um filme ruim, que foi conduzido por meio da galhofa, atores desinteressados, interpretações frias, visual cafona e falta de empolgação. Com um tom mais sombrio e um elenco melhor, Forever poderia ter rendido um filme interessante, mas não foi o que aconteceu. Existem rumores de uma “versão do diretor” com uma pegada mais sombria e 50 minutos adicionais, trancados no cofre da Warner e de posse da família do diretor, que faleceu há alguns anos.

A crítica recebeu o filme com sentimentos dúbios. Embora alguns tenham gostado da mudança mais iluminada, a maioria destacou a falta de profundidade, o apelo pop descarado e o tom camp (cafona). Mas quem liga?

De qualquer modo, o estúdio ficou satisfeito, pois a estreia em junho de 1995 atingiu US$ 52 milhões rendendo o recorde de maior final de semana de estreia da história até então, ultrapassando a marca de Jurassic Park de dois anos antes. No fim, arrecadou um total de US$ 336 milhões no mundo todo, ultrapassando a bilheteria de Batman – O Retorno, sendo a segunda maior bilheteria do ano nos EUA e a sexta no mundo. Um resultado nada menos do que excelente em termos de sucesso comercial.

Batman Eternamente foi indicado a três Oscars: Fotografia, Som e Edição de Som, mas não levou nenhum.

Batman & Robin

  • Batman & Robin. Dirigido por Joel Schumacher, com roteiro de Akiva Goldsman. Elenco: George Clooney (Bruce Wayne/ Batman), Chris O’Donnell (Dick Grayson/ Robin), Arnold Schwarzenegger (Victor Freeze/ Sr. Frio), Uma Thurman (Pamela Isley/ Hera Venenosa), Alicia Silverstone (Barbara Pennyworth/ Batgirl), Michael Gough (Alfred Pennyworth), Pat Hingle (Comissário Gordon), John Clover (Dr. Jason Woodrue). 1997.

Batman e Robin continuam sua cruzada contra o crime em Gotham City e enfrentam a ameaça do Sr. Frio, um cientista obcecado com a criogenia na tentativa de salvar a vida de sua esposa, que sofre de uma doença fatal, e precisa de diamantes para alimentar suas armas de gelo. Em paralelo, o cientista Dr. Jason Woodrue pesquisa um soro especial para transformar homens comuns em um tipo de supersoldado, que resulta em Bane, mas sua assistente, Pamela Isley, decide se apropriar do experimento e se transforma na Hera Venenosa, que controla as plantas e cujo beijo pode dominar a mente das pessoas.

Quando essas duas forças perigosas se unem em Gotham, Batman e Robin precisam de todas as suas habilidades e ganham o reforço de Barbara, a sobrinha de Alfred, que se transforma na Batgirl.

O sucesso comercial de Batman Eternamente animou mesmo a Warner Bros., e o estúdio comissionou o início da pré-produção da sequência imediatamente, já em agosto de 1995, impondo um ritmo mais acelerado do que os três filmes anteriores. Joel Schumacher aceitou voltar e manteve Akiva Goldsman como roteirista e a dupla desenvolveu a história enquanto filmavam Tempo de Matar, que lançariam em 1996.

Bem no início, ficou claro que Val Kilmer não retornaria ao papel de Bruce Wayne. Nem o ator estava interessado – pois ficara decepcionado com a falta de profundidade e comercialismo do longa – e nem o diretor ou o estúdio o queriam de volta por seus ataques de estrelismo. As duas forças agiram juntas e a necessidade de filmar O Santo ao mesmo tempo serviu como desculpa para acalmar a imprensa.

A busca por um novo homem-morcego não foi tão alardeada quanto da outra vez e Schumacher queria William Baldwin (o irmão mais novo de Alec) para o papel, mas o estúdio fez campanha por George Clooney, então, um astro em ascensão na série de TV ER – Plantão Médico, e o diretor acatou a escolha após assisti-lo em Um drink no inferno de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino.

Para o Sr. Frio logo se destacou o nome de Arnold Schwarzenegger, pois o roteiro pedia um homem grande, de presença marcante. Para Batgirl, Alicia Silverstone, a estrela adolescente da época, foi a única escolha, mas a atriz depois lembrou que foi humilhada no momento do casting por ser meio gordinha, o que a obrigou a emagrecer 5 quilos para fazer o papel.

Uma Thurman marcou época com sua Hera Venenosa.

O papel mais disputado foi o de Hera Venenosa, com Sharon Stone, Demi Moore e Julia Roberts sendo sondadas, mas foi Uma Thurman quem levou a vaga, que estava em bastante evidência após Pulp Fiction.

A produção foi desenvolvida inteiramente como uma grande campanha de marketing visando vender brinquedos, ao ponto que as marcas e fabricantes participaram das reuniões e das diretrizes de design (várias escolhas finais recaíram sobre o que se adaptava melhor como um brinquedo nas mãos de uma criança), incluindo, por exemplo, o visual da armadura do Sr. Frio. O vilão foi um ponto de destaque do processo de produção, com Schwarzenegger ganhando um salário de US$ 25 milhões e precisando de seis horas para colocar a maquiagem, as próteses e a pesada armadura, o que implicava em alguns problemas à equipe, pois o contrato do astro previa que ele gravaria somente em turnos diários de 12 horas. Consequência disso, Schwarzenegger filmava essencialmente apenas close ups e trechos de diálogos, ao passo que a ação e interação com outros personagens se dava com dublês usando a armadura. Chris O’Donnell chegou a dizer em uma entrevista que não gravou uma única cena com Schwarzenegger durante a produção.

As filmagens ocorreram entre setembro de 1994 e janeiro de 1995, novamente quase inteiramente nos estúdios da Warner em Burbank, embora algumas externas pontuais foram filmadas com a segunda unidade na Áustria e no Canadá, e algumas cenas da Mansão Wayne foram feitas em uma mansão real de estilo Tudor em Beverly Hills. De novo, a produção exigiu bastante dos imensos espaços da Warner, com largos cenários construídos para representar Gotham City, em seus telhados, viadutos, ruas e praças, algumas delas cobertas de gelo falso (um tipo especial de resina) por causa da arma do Sr. Frio.

A produção também construiu um novo Batmóvel – afinal, o veículo foi explodido no filme anterior – dessa vez uma versão mais colorida e conversível, além de duas motos para Robin e Batgirl. De novo, ele é uma evolução do anterior, com visual menos agressivo, mais colorido e com um tipo de turbina com luzes que ficava girando na frente (!!!???). É o menos marcante dos veículos do Batman no cinema e tem pouquíssimo tempo de tela, ao ponto de que nem sequer um carro de verdade foi construído para as filmagens apenas um prop.

Seguindo a tendência lançada no anterior, novas Batsuits foram construídas para o homem-morcego e o garoto prodígio (o Robin já inicia o filme com um uniforme diferente, com um grande símbolo vermelho no peito e bem mais similar à roupa do Asa Noturna dos quadrinhos) e foi feita uma segunda versão para ambos no 3º Ato, com uniformes adaptados ao gelo (e com cores prateadas), além da roupa da Batgirl no mesmo estilo. As roupas “para o frio” tinham tons cinzas claros e detalhes prata que rompiam definitivamente com o aspecto sombrio-escuro dos uniformes dos heróis desde o início da franquia.

A produção seguiu sem grandes percalços, mas houve uma queixa generalizada do elenco sobre a falta de profundidade da trama e a ideia de que o filme era, essencialmente, um veículo para a comercialização de brinquedos.

Um sentimento que a crítica também captou: Batman & Robin foi massacrado pela imprensa como um filme “sem cérebro” e um “comercial para brinquedos”, e o público correspondeu tal e qual: estreando em junho de 1997, o longa ainda obteve a terceira maior abertura do ano (perdendo para Homens de Preto e Parque dos Dinossauros – O Mundo Perdido), mas a bilheteria caiu severamente em seguida, terminando sua carreira com US$ 107,3 milhões nos EUA e US$ 238,2 milhões no mundo todo. Tendo custado algo em torno de 160 milhões (fora o marketing), o filme apenas se pagou, mas não deu lucro, e ficou bem atrás da arrecadação dos filmes anteriores.

Batman & Robin deixou um legado negativo incrível. Primeiro, nos próprios envolvidos. A carreira de Joel Schumacher foi abalada por um filme que foi considerado “o pior filme de super-heróis já feito” ou mesmo “um dos piores filmes já feitos”, enquanto George Clooney, um astro em ascensão e ainda se firmando no cinema, precisou conviver com esse fiasco e essa mácula em seu currículo.

Fãs do mundo todo lamentaram esse episódio, pois em 1997 Clooney tinha a aparência e o talento corretos para fazer um grande Bruce Wayne nas telas, mas o direcionamento da produção tornou tudo inócuo e o ator não tem muito o que fazer no filme, além de dizer bravatas vazias para o Sr. Frio, usar o Batcartão de Crédito e ficar abobalhado próximo da Hera Venenosa (cuja Uma Turner foi a única das protagonistas que relatou uma experiência positiva com o filme e cujo papel de feme fatale ajudou sua carreira). Assim, como Schumacher, Clooney sempre se desculpou pelo filme, que reconheceu ter sido muito ruim mesmo, mas já disse em entrevistas que, na época da produção, assistiu a uma versão mais sombria do longa, que nunca chegou ao público.

Mas talvez o maior impacto tenha sido para Alicia Silverstone, cuja a carreira e a saúde mental foram destruídas pelo filme, que foi uma experiência traumática para ela, tanto pelo assédio moral durante a pré-produção (sendo chamada de “gordinha” pelos produtores) quanto pelo fiasco comercial e críticas ao seu papel no longa. Ela deixou a carreira de atriz pouco depois disso.

O segundo legado negativo de Batman & Robin foi praticamente destruir o gênero de super-heróis que vinha se desenvolvendo desde 1978 com o lançamento de Superman – O Filme, mas que tinha se firmado de verdade no cinema com o Batman de 1989. O sucesso inicial desses filmes geraram várias produções de super-heróis ao longo dos anos 1990 – O Máscara, Tartarugas Ninjas, O Sombra, Dick Tracy, O Fantasma – ainda que a maioria tenha sido muito ruim.

O resultado execrável do último longa do morcego de Schumacher gerou uma rejeição dos estúdios a esse tipo de filme, mas por outro lado, mostrou que era necessário mudar algumas coisas e procurar fazer filmes mais sérios e mais atentos ao material original dos quadrinhos, no que o recém-fundado Marvel Studios se ocupou de realizar, inaugurando uma nova era de filmes de super-heróis com X-Men – O Filme (2000) e Homem-Aranha (2002).

O Intermédio: Sem Saber o que Fazer

Com o fiasco de Batman & Robin, o homem-morcego amargou uma ausência dos cinemas de oito anos até retornar em uma nova franquia e abordagem. Contudo, isso não significa dizer que os corredores da Warner não ficaram movimentados nesse ínterim: ao contrário, inúmeros projetos foram desenvolvidos, com o estúdio estudando propostas e pensando em uma maneira de realizá-los e trazer o cavaleiro das trevas não somente de volta à telona, mas ter de novo o seu sucesso.

O HQRock já fez um post sensacional sobre esses quase-filmes (veja aqui), por isso, vamos apresentar apenas rapidamente o que aconteceu…

Mesmo com o retorno negativo de Batman & Robin, o cavaleiro das trevas era uma franquia valiosa demais para ficar no ostracismo, por isso, a Warner manteve o vagão andando por um tempo e Joel Schumacher desenvolveu o projeto de Batman Triumphant, na qual o Espantalho seria o grande oponente, se aliando à Arlequina, que nesta versão seria uma filha do Coringa (e não sua amante). Como uma maneira de chamar a atenção para o projeto (e tentar garantir uma bilheteria melhor), o diretor pensou em uma cena na qual a toxina do medo do Espantalho faria Batman alucinar e “ver” o retorno do Coringa (seu maior medo), o que seria a desculpa para ter um cameo de Jack Nicholson no longa.

Mantendo a tradição dos grandes astros iniciada com Forever, Schumacher queria Madonna como Arlequina e Nicholas Cage como Espantalho, além da manutenção de George Clooney e Chris O’Donnell, mas no papel, Triumphant era muito parecido com Forever e Batman & Robin em estilo e a Warner recusou a proposta, informando que queria retomar o clima sombrio da franquia para se afastar dos longas recentes, mas também sem retornar à bizarrice de Tim Burton. Ou seja, um filme mais sério, mas que ainda pudesse reunir a família.

The Darknight seria um filme de terror. Ok, mas Joel Schumacher?

Joel Schumacher pediu mais uma chance e desenvolveu uma nova proposta: em 1999, ele fez o pitch de Batman – The Darknight, como um tipo de derivação do projeto anterior. Agora, Bruce Wayne se aposentava da função de Batman porque achava que não mais assustava aos criminosos, então, Dick Grayson ia para a Universidade de Gotham, onde conhecia o professor Jonathan Crane (o Espantalho), que usava um experimento para transformar o seu colega-rival, Kirk Langstrom, no Morcego-Humano, um monstro híbrido. A existência do monstro fazia as pessoas pensarem que Batman havia retornado mais violento do que nunca e Bruce Wayne vestia sua armadura para impedir a ameaça.

Cena de Ano Um por Miller e Mazzucchelli: origem definitiva.

Apesar o potencial sobre um filme de terror, gênero que Schumacher tinha alguma experiência, a Warner não se interessou e engavetou o projeto, começando a buscar alternativas diferentes… Em 2000, o cineasta Darren Aronofsky (de Pi, Requiém para um Sonho, A Árvore da Vida e Cisne Negro) apresentou a proposta de fazer um Batman – O Cavaleiro das Trevas, adaptando a graphic novel de Frank Miller de um Bruce Wayne quase idoso retomando a ação e pensando em Clint Eastwood para protagonizar o longa, mas a Warner preferia um Batman jovem do que um velho, e Aronofsky, então, apresentou a proposta de adaptar Batman – Ano Um, também de Frank Miller (mais David Mazzucchelli), contando a origem jamais narrada do personagem nos cinemas.

A Warner gostou da ideia e dos planos de fazer um filme de baixo orçamento, mais realista, e Aronofsky chegou a trazer o próprio Frank Miller para escrever o roteiro, mas quando a dupla começou a querer realizar um filme para Maiores de 18 anos, o estúdio engavetou tudo.

Outros cineastas também apresentaram suas propostas na mesma época… Boaz Yakin, por exemplo, sugeriu adaptar o desenho animado Batman Beyond, que mostra outro futuro distópico no qual um velho Bruce Wayne treina o jovem Terry McGinniss; e Andrew Kevin Walker e Akiva Goldsman (o primeiro, roteirista de X-Men – O Filme) escreveram um roteiro e Wolfgang Petersen (de Tróia e Mar em Fúria) seria o diretor da proposta de fazer um filme chamado Superman & Batman, reunindo as duas franquias da Warner, pois também corria nos corredores há anos um projeto de um novo longametragem do homem de aço. O estúdio se encantou com a ideia, mas no fim, achou muito arriscada, com a possibilidade de estragar duas marcas preciosas e passou adiante.

A Warner decidiu mesmo investir nas origens do Batman, uma forma de fazer um reboot completo da franquia…

Batman Begins

  • Batman Begins. Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro de Christopher Nolan e David S. Goyer a partir de História de David S. Goyer. Elenco: Christian Bale (Bruce Wayne/Batman), Michael Caine (Alfred Pennyworth), Liam Neeson (Henri Ducard), Katie Holmes (Rachel Dawes), Gary Oldman (Sargento James Gordon), Cillian Murphy (Dr. Jonathan Crane/Espantalho), Tom Wilkinson (Carmine Falcone), Morgan Freeman (Lucius Fox), Rutger Hauer (William Earle), Ken Watanabe (Rãs Al Ghul). 2005.
A versão de Christopher Nolan e Christian Bale em “Batman Begins”.

Após ter seus pais mortos quando criança e ver o assassino ser libertado em condicional 14 anos depois somente para ser assassinado também para não revelar segredos da máfia, o jovem Bruce Wayne se exila no Oriente em busca de conhecimento e de habilidades que lhe possibilitem fazer a justiça que lhe foi negada, o que o coloca no caminho da Liga das Sombras, uma organização secreta liderada por Rã’s Al Ghul, com a qual se torna um tipo de ninja extremamente habilidoso, treinado pelo mercenário francês Henri Ducard. Porém, ao perceber que o grupo é, na verdade, uma instituição terrorista, destrói o lugar, o que resulta na morte de Al Ghul e sua fuga.

De volta a Gotham City após sete anos, Wayne reave sua fortuna e usa sua empresa como fachada para iniciar uma campanha solitária de combate ao crime como um vigilante mascarado chamado Batman, apoiado pelo “mordomo” Alfred Pennyworth e o diretor de ciências aplicadas da WayneTech, Lucius Fox. O cavaleiro das trevas, porém, descobrirá um aliado no honesto policial, sargento James Gordon, que destoa em uma força corrupta, tomada pela leniência e aliança ao chefão criminoso Carmine Falcone. Todavia, o Batman se tornará mais do que necessário quando descobre que a Liga das Sombras está promovendo um ataque a Gotham usando a toxina do medo desenvolvida pelo psiquiatra Jonathan Crane, o Espantalho.

“Batman Begins” trabalha com a ideia de um símbolo poder inspirar e assustar as pessoas. E a imagem da queda é onipresente.

Enquanto avaliava todas aquelas tentativas de levar o Batman novamente aos cinemas, a Warner viu nascer uma nova cena no cinema de super-heróis com o lançamento de dois filmes da Marvel: X-Men – O Filme, em 2000, e Homem-Aranha, de 2002, ambos filmes sérios, sóbrios, estilizados e que, se não eram exatamente fieis aos quadrinhos (pelo menos no caso do primeiro), eram extremamente respeitosos ao material original que lhes inspirou. O enorme sucesso de ambos motivou os estúdios a não somente investir de novo nos heróis uniformizados, mas a usar a mesma abordagem vencedora de fidedignidade e seriedade, rendendo uma enxurrada de produções entre os anos de 2003 e 2007, ainda antes do Marvel Studios revolucionar a mídia com a ideia de universo integrado (algo sobre o qual falaremos adiante).

A Warner não podia ficar de fora da festa, portanto, percebeu que após todos aqueles projetos não-realizados, era necessário tomar uma decisão. O estúdio focou na ideia de criar uma história de origem do homem-morcego (que nunca fora contada no cinema) como a melhor forma de fazer um reboot na franquia e, em 2002, convidou o cineasta Joss Whedon para desenvolver o roteiro e dirigir o novo filme, que seria chamado de Batman Begins. Criador de Buffy – A Caça Vampiros e alguém com real experiência escrevendo HQs, Whedon parecia o nome certo, mas sua história envolvendo Bruce Wayne se tornar o Batman e lutando contra o Espantalho não agradou o estúdio, que passou adiante. (Whedon trabalharia em um filme também não-realizado da Mulher-Maravilha antes de mudar para a Marvel e dirigir o megassucesso Os Vingadores em 2012).

O diretor Christopher Nolan.

Então, em janeiro de 2003, a Warner contratou o diretor britânico Christopher Nolan (de Amnésia) para reiniciar a franquia do homem-morcego. Dotado de um cinema cerebral e com apuro estético muito forte, Nolan embarcou no projeto sabendo que aquela era a oportunidade de sua vida, ao mesmo tempo em que se beneficiava de ter sido um fã do Batman em sua adolescência e ter lido suas HQs, ainda que não se considerasse um “especialista” no personagem. Até por causa disso, contratou o roteirista David S. Goyer (do filme Blade), que também escrevia HQs e conhecia bastante o personagem.

David S. Goyer: roteirista de Batman Begins.

Nolan decidiu criar uma versão do Batman calcada na realidade, com uma abordagem mais realística e humana, criando um filme que fosse muito mais orientado pela construção de personagens do que pela ação, ainda que o filme tivesse uma boa dose de ação. O roteiro de Goyer e Nolan narrava a história fora da ordem (como o diretor já usara em Amnésia), indo e voltando no tempo para mostrar elementos da infância de Bruce Wayne, da morte de seus pais e de seu treinamento com a Liga das Sombras ao mesmo tempo em que inicia sua jornada para se tornar o Batman, um recurso que economiza tempo de tela também, e permite à história avançar (ao ponto que os fãs querem ver) e ir revelando pouco a pouco nuances da jornada geral.

Batman Begins: filme explorou as origens do herói.

Ainda assim, demoram 60 minutos para o cavaleiro das trevas surgir completamente uniformizado no filme e quando isso ocorre, já nos importamos bastante com Bruce Wayne e seu vasto elenco de apoio como seres humanos. Inicia-se aí o 2º Ato, com a ação do homem-morcego contra a máfia até a chegada do 3º Ato, quando Batman descobre que Gotham será vítima do ataque da Liga das Sombras e Rã’s al Ghul, a quem pensava estar morto.

A inspiração direta de Nolan foi Superman – O Filme que, exceto o tempo não-linear, já trazia muitos desses recursos e outro que decidiu adotar: um elenco de apoio de peso que conferisse credibilidade à história. Daí, que o diretor reuniu um dos casts mais impressionantes do gênero em Begins.

Christian Bale era um nome que já vinha rodando os corredores da Warner desde três anos antes das filmagens e o ator gaulês já tinha sido cotado para estrelar os projetos de Batman – Ano Um e mesmo Superman & Batman. Ainda assim, Nolan preferiu fazer testes e muitos nomes foram cotados ou disputaram efetivamente pelo papel, como Colin Farrell, Jake Gyllenhaall e Guy Pierce (que estrelou Amnésia). Cillian Murphy também testou para Bruce Wayne e impressionou o diretor o suficiente para que fosse escalado como Jonathan Crane, o Espantalho. Outro que testou para Batman foi Heath Ledger, que já sabemos, será o Coringa na sequência… Outro que também testou foi Henry Cavill, que dez anos depois viveria o Superman.

Em 2003, quando os testes ocorreram, Bale era como um herói do cinema independente, mas desconhecido das massas. Sua carreira era longeva: ele chamou à atenção ainda criança (aos 12 anos) em O Império do Sol de Steven Spielberg (1987), e depois, em Henrique V de Kenneth Branagh (1989), trabalhou em alguns sucessos pontuais, como Adoráveis Mulheres (1994) e filmes independentes cultuados, como Velvet Goldmine (1998) até atingir algum tipo de consagração com Psicopata Americano (2000), que lhe valeu sua primeira indicação ao Oscar.

Porém, ele tinha um enorme desafio: Bale gosta do trabalho físico de seus papéis e ficou magérrimo para O Operário (2004): perdeu 29 kg e ficou com apenas 55 kg para o filme. Para conseguir o papel de Batman, Bale precisou ganhar peso rapidamente e apesar da meta de ganhar 45 kg (!), na verdade, ele conseguiu ganhar 60 kg!!!! Mas o ator ficou “grande demais” e foi recomendado perder os 15 kg “extra” ao longo das filmagens. A mudança é perceptível no filme: na cena em que Bruce Wayne treina sem camisa com a Liga das Sombras, ou naquela em que faz flexões no quarto na frente de Alfred (que foram filmadas no início da produção), Bale está muito mais “parrudo” do que no restante das cenas de ação usando a roupa do morcego.

A interpretação de Bale foi um dos pontos mais chamativos de Begins, com os críticos enfatizando que ele construiu três personalidades distintas: Bruce Wayne, com sua psiquê atormentada, obcecado por sua missão e certa melancolia; Batman, como um sujeito fortuito, agressivo e assustador, com uma voz rouca e grave; e a fachada de playboy de Wayne, com um ar jovial, abobalhado e arrogante. O uso da voz diferenciada quando na roupa (usada antes por Keaton, mas abandonada depois) virou uma marca eterna do Batman em live action dali em diante. O diretor Nolan revelou em entrevistas que muitos dos atores testados poderiam fazer um bom Bruce Wayne ou um bom Batman, mas Bale foi o único que conseguiu fazer os dois papeis de modo impressionante e ainda diferenciá-los.

Liam Neeson como Henri Ducard.

Para o papel de Henri Ducard, Nolan tinha em mente Gary Oldman, mas quando Chris Cooper – que tinha sido escolhido para o futuro Comissário Gordon – pediu para se desligar do projeto e se dedicar à sua família, Oldman solicitou interpretar o policial, cansado de viver vilões em filmes americanos. O diretor achou uma boa ideia, uma quebra de expectativa e um desafio ao ator. Nolan pensou em Guy Pierce para o vilão, mas o achou muito jovem, terminando por convidar Liam Neeson na esperança de inverter o sentimento em relação a Oldman: Neeson era famoso por interpretar papeis de tutor ou figura paterna e sua virada à vilania seria uma surpresa real ao expectador.

Para Alfred, a primeira escolha foi Anthony Hopkins, mas o veterano não tinha interesse (ainda) em se envolver em filmes de super-heróis, então, Nolan convidou pessoalmente Michael Caine, lhe prometendo que o personagem não seria apenas um mordomo, mas uma figura paterna com um passado militar (algo que é mesmo referendado no longa). Inicialmente pensando em trazer o personagem Harvey Dent, Nolan e Goyer optaram por substituí-lo por Rachel Dawes (uma personagem nova, não existente nos quadrinhos), uma assistente da Promotoria, amiga de infância e interesse amoroso de Bruce Wayne. Katie Holmes ganhou o papel, uma atriz de mérito, mas na época, infelizmente, mais famosa por ser esposa de Tom Cruise. Uma curiosidade é que Amy Adams foi quem fez os testes de Dawes com os candidatos a Batman como um favor a Nolan.

O roteiro foi produzido sem grandes percalços entre Nolan e Goyer e a dupla criou uma história mais ou menos original, embora desenvolvida a partir de elementos de três clássicas aventuras do Batman: O Homem que Cai, de Dennis O’Neil e Dick Giordano; Ano Um, de Frank Miller e David Mazzucchelli; e O Longo Dia das Bruxas, de Jeph Loeb e Tim Sale, de um modo que nenhum dos outros filmes do personagem havia feito.

O Homem que Cai.

De O Homem que Cai veio a inspiração para os anos “formativos” do Batman, com Bruce Wayne girando o mundo em busca dos conhecimentos necessários para sua missão, assim como a ideia de que o infante Bruce Wayne descobriu a Batcaverna após cair de um poço até lá (elemento que apareceu em Batman Forever, também). De Ano Um, o roteiro empresta a ideia de Bruce retornando a Gotham após a ausência de anos e cometendo erros, pela inexperiência, antes de se tornar o Batman que conhecemos, em paralelo à ação do incorruptível sargento Gordon em uma polícia totalmente corrupta. Outros personagens como o Comissário Loeb, o corrupto detetive Fless e o chefão Carmine Falcone também foram usados e algumas cenas da HQ foram adaptadas diretamente, como quando Batman usa um dispositivo sônico para que os morcegos encubram sua fuga da polícia, e também a última cena do filme com Batman e Gordon no telhado.

Gary Oldman como o sargento James Gordon.

O Longo Dia das Bruxas tem uma presença mais sutil, expressa no clima de criminalidade e ação da máfia no pano de fundo do longa. Mas essa HQ teria maior influência no filme seguinte.

Há uma pequena referência a Ano Dois, de Mike W. Barr, Alan Davis e Todd McFarlane, que lidava com o modo como Bruce Wayne lidava com armas de fogo e o destino do assassino de seus pais, Joe Chill. No filme, Chill é preso pela polícia logo após o crime, mas é solto quando Bruce tem 22 anos, porque está colaborando com a polícia no inquérito contra o mafioso Falcone, com quem dividiu a cela por um curto período de tempo. Bruce vai à audiência de custódia com uma arma escondida, disposto a matá-lo, mas Chill é morto antes, por um capanga de Falcone. Após ser repreendido por Rachel por sua estupidez, Bruce confronta o próprio Falcone (uma cena sensacional), onde tem uma “aula” da corrupção em Gotham, e decide ir embora, iniciando sua jornada. Outra questão: pode ser coincidência, mas a namorada de Bruce em Ano Dois se chama Rachel Caspian.

B43XY4 Mentmore Towers Stately Home – Buckinghamshire. Image shot 09/2008. Exact date unknown.

Nolan decidiu gravar Batman Begins na sua Inglaterra natal, se aproveitando que Bale e parte de seu elenco também eram britânicos. A Warner aprovou, pois os estúdios Shepperton e as isenções de impostos deixavam a produção mais barata. Ao contrário da maioria dos comandantes de grandes produções, o diretor não usava uma “segunda unidade” na tentativa de manter seu trabalho mais coerente em termos visuais, e por isso, supervisionava pessoalmente todas as gravações, o que traz uma necessidade de mais tempo de filmagens.

A pré-produção iniciou no fim de 2003, com a construção de cenários e elementos cênicos e as filmagens começaram em março de 2004, na Islândia em meio a um glacial que já começava a descongelar. Lá foram filmadas as cenas do Butão, base da Liga das Sombras e onde se passa boa parte do primeiro ato do filme.

Nos estúdios de Shepperton, Nolan construiu um cenário completo da Batcaverna, com 76 metros de comprimento, 37 de largura e 12 de altura, com 12 bombas bombeando 55 mil litros d’água para formar uma enorme cachoeira. O cenário era tão grande que a produção precisou ir para outro lugar – um velho hangar em Cardington – para construir a favela de Narrows, que tinha 200 metros de comprimento (!) e que tem grande destaque no segundo e terceiro atos.

Tomada aérea de Gotham City a partir do norte. Em “Batman Begins”.

Para Gotham City de uma maneira geral, Nolan queria usar uma cidade real e evitar a artificialidade dos cenários usados nos filmes de Burton ou Schumacher. Por isso, selecionou cenas externas em três cidades – Londres, Nova York e Chicago – para compor uma Gotham que parecesse uma cidade de verdade. Os panoramas gerais da metrópole são de Nova York, enquanto Londres ofereceu sua arquitetura gótica e algumas locações específicas – como o Asilo de Arkham, por exemplo – ao passo que as cenas nas ruas e perseguições do Batmóvel foram filmadas em Chicago, com na Lower Wacker Drive e na Franklin Street Bridge, inclusive, erguendo a ponte, algo que não é mais feito no cotidiano da cidade.

A Mansão Wayne foi filmada em Mentmore Towers, próxima a Londres e os jardins e os interiores da casa foram usados como locação. A casa é destruída pelas chamas no filme, mas aí, claro, a produção usou miniaturas.

Falando nisso, Nolan realizou uma abordagem tradicional quanto aos efeitos especiais, utilizando principalmente efeitos práticos e miniaturas para representar os elementos mais fantásticos, como o “passeio” do Batmóvel pelos telhados e toda a sequência do trem elevado. O CGI foi usado de modo mínimo quase sempre apenas para complementar efeitos reais. O uso mais extensivo dos recursos digitais foi nas cenas aéreas que mostram a Baía de Gotham no início do filme, a favela de Narrows vista de cima e o panorama geral do monotrilho que tem uma função na ação final.

Quanto ao Batmóvel, Nolan e o designer de produção, Nathan Crowley criaram uma versão realística do possante veículo, com rodas sólidas e aparência de tanque, apelidado de Tumbler, por causa de suas habilidades saltadoras (pelo menos na trama). Rompendo com os veículos estilizados das versões anteriores, o Tumbler tinha um senso prático que causou um grande efeito no público, virando um dos Batmóveis favoritos dos fãs. E o melhor: os quatro veículos construídos para o filme realmente eram capazes de realizar os feitos demandados pelo roteiro, um deles, inclusive, equipado com uma turbina de verdade para realizar saltos de até três metros de altura! A cena na qual o Batmóvel atravessa a cachoeira da Batcaverna foi filmada na prática com o veículo de verdade. As miniaturas de 1:6 foram usadas para as cenas na qual o veículo saltava entre prédios.

Batman Begins foi lançado em junho de 2005 e teve um final de semana de estreia no primeiro lugar, com US$ 48 milhões, um número relativamente modesto, mas chegou ao fim de sua carreira nos cinemas com US$ 205 milhões nos EUA e 371 milhões no mundo todo, se tornando a segunda maior bilheteria da franquia até então, atrás apenas do Batman de 1989. Apesar de não ser uma bilheteria excepcional para os padrões da primeira década do século XXI, permeada de blockbusters de super-heróis, como Homem-Aranha 2, o público o julgou como o melhor filme do Batman já lançado.

O estúdio entendeu que o dano feito por Batman & Robin afetou o desempenho comercial de Begins, mas por outro lado, sabia que tinha um produto excepcional nas mãos, com um diretor extremamente talentoso e um grande ator à frente, ganhando credibilidade e elogios de público e crítica. Begins até foi nominado ao Oscar de Melhor Fotografia, embora não tenha levado o prêmio. Ao fim e ao cabo, o longa foi um grande sucesso.

E mais: Begins deixou um legado enorme e imediato! Ficou claro que um filme levado à sério e bem feito, respeitando o material das HQs, era realmente o melhor caminho para o sucesso e isso passou a orientar os estúdios concorrentes por um tempo.

Batman – O Cavaleiro das Trevas

  • Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro de Jonathan Nolan e David S. Goyer a partir de História de David S. Goyer e Christopher Nolan. Elenco: Christian Bale (Bruce Wayne/Batman), Michael Caine (Alfred Pennyworth), Heath Ledger (Coringa), Gary Oldman (Comissário James Gordon), Aaron Eckhart (Harvey Dent/ Duas Caras), Maggie Gyllenhaal (Rachel Dawes), Morgan Freeman (Lucius Fox), com participação especial de Cillian Murphy (Dr. Jonathan Crane/ Espantalho). 2008.

Seis meses após o ataque da Liga das Sombras a Gotham City, Batman continua sua jornada de combate ao crime e consegue prender o Espantalho, enquanto faz um upgrade em sua armadura, que se torna mais leve e flexível. A ação coordenada dele com o tenente James Gordon (que será promovido a Comissário de Polícia) também rende frutos e mina a maior parte dos recursos financeiros da máfia, colocando os chefões restantes em desespero. Mas tudo é jogado de pernas para o ar quando a cidade é atacada pelo Coringa, um terrorista anárquico cujo objetivo é simplesmente criar o caos sem nenhum tipo de recompensa, o que irá testar os limites intelectuais, físicos e morais do Batman. Entre os dois, o Promotor Público Harvey Dent se esforça para manter a ordem e a justiça na cidade, mas é tensionado pelas ações extremas tanto do vigilante quanto do criminoso.

Após o sucesso de Batman Begins, a Warner liberou rapidamente a produção de sua sequência e (apesar de negarem em entrevistas) Christopher Nolan e David S. Goyer sabiam exatamente para onde ir: explorar o caos criativo e perturbador do Coringa. Na verdade, durante as filmagens de Begins, a dupla já travou alguns diálogos sobre como poderia ser uma sequência (embora o diretor tenha negado isso várias vezes em entrevistas) e Goyer chegou, inclusive, a delinear uma linha narrativa para duas sequências, bem ao gosto de Hollywood por trilogias. Porém, Nolan hesitava em aceitar a tarefa, pois temia se tornar redundante, repetitivo e perder a áurea de “diretor sério” que gosta de cultivar.

Batman: novo filme será uma história de recuperação.

Por isso, as conversas prosseguiram enquanto Nolan filmava seu filme seguinte – O Grande Truque (lançado em 2007, com Christian Bale, Michael Caine, Hugh Jackman, Scarlet Johannson e David Bowie) – mas o diretor terminou aceitando a missão e, no início de 2006, passou três meses trabalhando com Goyer na trama geral da sequência. A dupla decidiu não contar uma trama de origem ao Coringa, mas sim, sua ascensão ao controle do mundo do crime, em uma versão que fosse realista e assustadora. A ambiência do vilão é pautada na ideia da “escalada” da violência que é citada por Gordon no final do filme anterior, com uma figura como Batman atraindo criminosos mais perigosos; e também ressoando o terrorismo pós-11 de setembro.

Goyer foi o responsável por desenvolver vários aspectos das HQs à história do filme, usando algumas história como inspiração. De Batman: O Longo Halloween (de Jeph Loeb e Tim Sale, 1995), temos a reação da máfia à ação do Batman, e principalmente, o modo como se constrói a relação da aliança entre Batman, Comissário Gordon e Promotor Público Harvey Dent, já que o vigilante precisa do apoio do lado legal para ser mais eficiente. A dualidade e o dilema de Dent também é extraído da HQ, mas de modo diferente, pois o quadrinho explora as pressões advindas de sua esposa e do filho recém-nascido em relação às represálias da máfia, enquanto o longa o coloca como o promotor público recém-eleito, encarregado de manter a ordem na cidade que agora possui um vigilante vestido de morcego combatendo o crime com as próprias mãos e usando um veículo possante nas ruas.

Vários elementos de “O Longo Dia das Bruxas” estão espalhados pelos filmes do Batman. Aqui, uma reunião no telhado entre o homem-morcego, James Gordon e Harvey Dent em duas versões: na revista e no filme.

Embora inicialmente reticente em relação ao Batman, Dent entende muito rapidamente que a corrupção generalizada de Gotham, a força da máfia e a aparição do Coringa justificam a aliança informal com o cavaleiro das trevas desde que isso seja temporário. Inclusive, o próprio Bruce Wayne pensa que Dent é o herói correto para a cidade, o “cavaleiro branco” que pode acabar a guerra contra o crime de forma institucional e legal, o que também é um elemento tirado diretamente da HQ.

E para ter mais drama: Dent também é o novo namorado/noivo de Rachel Dowes, por quem Bruce Wayne ainda é apaixonado, e que trabalha na Promotoria Pública, como definido desde o longa anterior.

Detalhe da capa de “A Piada Mortal”: origem do Coringa.

O retrato do Coringa em específico guarda o tom (mas não a trama) de A Piada Mortal (de Alan Moore e Brian Bolland, 1987), com o retrato de um vilão psicótico e amoral, mas que quer provar (na HQ ao Batman e a Gordon, no filme, a Dent) que qualquer um pode ser como ele desde que puxado aos limites extremos. No filme, isso foi refinado para a ideia de que a ação extrema do Coringa visa corromper Batman, Gordon e Dent, e com isso, provar seu ponto de vista. E ele consegue isso com um deles…

Luta entre Batman e Coringa na faca em Batman 01, de 1940.

Outro elemento das HQs que Goyer inseriu foi a referência à primeira história do Coringa nos quadrinhos (em Batman 01, de 1940, por Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robibnson), quando o vilão anuncia antecipadamente seus crimes e mesmo assim consegue realizá-los, além do fato de ser preso, se soltar com uma bomba escondida e realizar outra onda de crimes e ser preso de novo no final. O gosto do criminoso por facas também é explorado no filme.

Jonathan Nolan, Executive Producer/Creator, PERSON OF INTEREST This photo is provided for use in conjunction with the TCA WINTER PRESS TOUR 2012 EXECUTIVE AND SHOWRUNNER COCKTAIL RECEPTION. Photo: John P. Filo/CBS �©2011 CBS Broadcasting Inc. All Rights Reserved.

Dessa vez, porém, Nolan decidiu trazer seu irmão, o escritor Jonathan Nolan, para escrever o roteiro final do filme, o que ele fez ao longo de seis meses de 2006 até produzir o primeiro tratamento, e depois mais dois para produzir a versão final. Os irmãos Nolan investiram em Dent como o personagem principal do filme – pelo menos em termos conceituais, mas não em tempo de tela – pois é a sua moral a mais tensionada pelos atos de Batman e Coringa. Gordon tem um papel menor, dessa vez, mais como um contraponto, e Batman não tem um desenvolvimento tão profundo quanto em Begins, ainda que Nolan tenha tido o cuidado de não colocá-lo em segundo plano em lugar dos vilões como nos filmes antigos da franquia. Assim, Bruce precisa lidar com a frustração de ver Rachel se envolvendo com Dent, mas mantendo a falsa esperança de encerrar sua guerra ao crime e ficar com ela (um elemento que foi usado com a personagem Julie Madison na HQ Batman e os Homens-Monstros, de Matt Wagner, em 2005); ao mesmo tempo em que precisa contemplar a impotência de mudar os fatos que o Coringa lhe impõe e a possibilidade de ir além de seus limites morais autoimpostos, o que rende trabalho performático para Christian Bale.

Por fim, a versão final do roteiro, de J. Nolan e Goyer, tem grande densidade, traz o foco no quinteto principal (Batman, Coringa, Dent, Dowes e Gordon), mas lança luz a um conjunto numeroso de outros personagens menores (os chefes do crime, a lavagem de dinheiro da máfia, imitadores do Batman, o vazamento de informações sobre o Batman dentro da Wayne Enterprises e a chantagem a Bruce Wayne etc.), que ganham pequenos arcos, alguns deles sensacionais, o que torna a execução do longa um primor de direção e edição. Tudo isso torna O Cavaleiro das Trevas muito mais parecido com um filme sobre a máfia, tal qual O Poderoso Chefão, do que um filme de super-heróis.

Rachel Dowes vivida por Maggie Gyllenhaal.

Em termos de elenco, Nolan trouxe de volta os nomes principais com a ausência notória de Katie Holmes, que não retornou para o papel de Rachel Dowes e foi substituída por Maggie Gyllenhaal, que dá uma vida “diferente” à personagem, mais altiva e irônica. Todos os envolvidos sempre foram muito discretos sobre os motivos que levaram à incomum situação de substituição de uma atriz principal em uma franquia. Muitos rumores correram sobre o tema, inclusive, a bizarra história de que ela teria sido proibida por seu marido Tom Cruise. Contudo, é fato que o ponto mais negativo de Batman Begins entre a crítica foi a performance de Holmes e sua falta de química com Bale.

Embora tenha um tempo de tela reduzido, a Rachel Dowes de Gyllenhaal ocupa um papel central na trama, tanto por escolher namorar Harvey Dent em vez de Bruce Wayne (mesmo sabendo – ou exatamente por isso – que ele é o Batman), enquanto o herói tem a firme crença de que sua cruzada contra o crime é temporária e os dois irão se reconciliar. Na trama, ela escreve uma carta para Bruce dizendo que o ama e o respeita, mas entende que sua cruzada é o que o faz (como tinha dito no filme anterior) e, por isso, resolveu aceitar o pedido de casamento de Dent. Todavia, em vista do destino de Rachel (falaremos abaixo), Alfred opta por queimar a carta e não entregá-la. Algo que terá consequências no próximo filme.

O desafio maior, claro, era escolher o Coringa, e Nolan sempre enfatizou que Heath Ledger foi o único nome seriamente considerado. Ledger havia sido testado em Begins para ser o Batman, e obviamente, não foi escolhido, mas impressionou o diretor o suficiente para que lembrasse dele. Isso é curioso, pois até então, Ledger (que era australiano) era mais conhecido por obras menores, como algumas comédias românticas (Dez coisas que eu odeio em você) ou de ação (Coração de Cavaleiro e Irmãos Grimm), ainda que tenha chamado à atenção de um modo diferenciado no belíssimo O Segredo de Brokeback Montain (2006).

A já icônica versão de Heath Ledger para o Coringa.

O roteiro pedia um Coringa assustador e a performance de Ledger entregou isso! Na abordagem realista de Nolan, o criminoso é uma pessoa comum, com pele normal, e ao contrário do sorriso estático e estilizado de Jack Nicholson, possui horrendas cicatrizes na lateral da boca, que só dão a impressão de sorriso quando pintadas com batom. O vilão usa maquiagem comum (aplicada de modo errático) que no filme é chamada de “pintura de guerra”, porque “assusta as pessoas”, sendo ele preocupado com teatralidade.

Ledger criou uma voz específica para o Coringa, um pouco anasalada, alternando tons graves e agudos (porque passa a ideia de algo caótico e errático, como o personagem) e toda uma linguagem corporal específica, cheia de trejeitos, incluindo lamber os lábios, o que surgiu nos sets de modo acidental (a maquiagem escorria pela boca por causa do calor das luzes de filmagem) e foi incorporado aos tiques do vilão. Sua interpretação é estonteante e rouba a cena sempre que aparece e em todo o filme. Simplesmente, um espetáculo. Não à toa, ele foi premiado com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

“Eu creio em Harvey Dent”: campanha viral com a eleição do Promotor Público de Gotham.

Para o papel de Harvey Dent, Nolan queria um ator consagrado, na expectativa de manter a lógica vencedora de Begins (que trouxe Garry Oldman e Liam Neeson), e embora nomes como Mark Ruffalo (de Zodíaco e o futuro Hulk do MCU) e Josh Lucas tenham sido testados, o preferido do diretor era Matt Damon, que chegou a discutir o papel, mas não pôde assumir por problemas com a agenda. No fim, ele escolheu o pouco conhecido Aaron Eckhart, que trazia a aparência e performance heroica do tipo “americana” que o diretor queria imprimir. Eckart se inspirou em Robert Kennedy (o candidato à presidência dos EUA assassinado em campanha em 1968), que também tinha um discurso idealista de Justiça e combatia o crime organizado, tal qual o personagem de Dent, que também tem um destino trágico ao se tornar o Duas Caras.

Nas HQs – como a inspiração direta que vem de O Longo Dias das Bruxas – Dent tem o rosto desfigurado por ácido no julgamento do mafioso Sal Maroni (um personagem que está mesmo no filme, vivido por Eric Roberts), porém, em O Cavaleiro das Trevas, sua condição resulta de uma ação inteligente do Coringa, que sequestra Dent e Dowes ao mesmo tempo, os deixa amarrados a bombas e dá pistas falsas ao Batman para resgatá-los, de modo que ele só pode escolher um deles a salvar. O dilema da escolha, curiosamente, fora usado em Batman Eternamente (entre a namorada e Robin) e se tornou um elemento comum nos filmes de super-heróis (Homem-Aranha de 2002 também o traz, com o herói tendo que escolher entre a namorada e o público de um teleférico). Em ambos os casos, os heróis escolheram ambos e os salvaram.

Mas não em O Cavaleiro das Trevas: de modo realístico e trágico, Batman escolhe salvar Rachel, mas as pistas falsas do Coringa o levam até Dent, que também queria que o herói salvasse a namorada. Ainda assim, a detonação das bombas (o que mata Dowes) ainda atinge Dent, desfigurando o lado esquerdo de seu corpo, que estava enxarcado de gasolina.

A cena do interrogatório em “Cavaleiro das Trevas”: interpretações intensas de Ledger e Bale.

E um longo parênteses: o dilema da escolha não é dado apenas ao Batman… Num plano genial, o Coringa espalha bombas por toda a cidade (uma delas explode um Hospital – que é esvaziado antes) e quando parte da população tenta fugir em balsas pela Baía de Gotham, elas também estão com explosivos. E o vilão comunica que o barco com os cidadãos ricos possui um controle para detonar a bomba no barco dos criminosos da Prisão de Blackgate, enquanto o dos prisioneiros tem o detonador dos cidadãos. Os dois vão explodir a menos que um deles seja detonado primeiro.

No clímax, quando o Coringa é encurralado pelo Batman em um edifício em construção, o vilão revela que é um blefe e aguarda que uma das balsas seja detonada, provando seu ponto de vista, mas nenhum dos grupos toma a iniciativa, então, ninguém morre. O Coringa estava errado. Mas conseguiu perverter Harvey Dent, que sai numa cruzada solitária para exterminar os líderes da máfia e se vingar de Gordon, porque ele não perdeu nada no plano do Coringa e ainda foi promovido a Comissário depois que o Comissário Loeb é morto envenenado pelo vilão e Gordon consegue prender o Coringa pela primeira vez no meio do filme.

De volta ao Duas Caras, o visual do vilão foi construído de modo realista com cicatrizes cinzas de queimadura. Meio a contragosto de Nolan, foi preciso combinar maquiagem com CGI para dar um bom resultado, que no filme, é simplesmente aterrador. Cumprindo o papel central na trama, a queda de Dent à vilania, no terceiro ato, termina por mostrar a Gordon e Wayne que o Batman é realmente necessário, e o herói segue em ação ao final.

Alfred e Bruce em O Cavaleiro das Trevas.

Contudo, como Dent é morto acidentalmente quando o Batman tenta salvar a vida dos filhos do (já Comissário) Gordon, a dupla de aliados decide esconder os crimes de Dent e torná-lo um mártir da luta contra o crime organizado, o “cavaleiro branco” de que Gotham precisa, ao mesmo tempo em que o cavaleiro das trevas é culpabilizado por sua morte e volta a ser perseguido (de verdade) pela polícia. Um ato que terá grandes consequências na sequência do filme.

Esta obra-prima do cinema mundial, o melhor filme de super-heróis de todos os tempos, foi filmada durante 127 dias entre abril e novembro de 2007. A pré-produção começou em outubro de 2006, com a construção dos sets e figurino. Curiosamente, os sets gigantescos construídos para o filme anterior não foram utilizados, porque a favela de Narrows não aparece e o Batman não usa a Batcaverna, sob a desculpa de que a Mansão Wayne foi destruída no filme anterior, portanto, como a trama se passa seis meses depois, as reformas estariam em andamento e a Batcaverna, portanto, não teria como ter sido concluída ainda.

Desse modo, o cenário mais extravagante do filme é o novo Batbunker, o substituto da caverna, localizado (na trama) embaixo de um armazém abandonado no porto de Gotham. Era uma referência à base que o herói usou entre o fim dos anos 1960 e início dos 80 nos quadrinhos, quando trocou a distante Mansão Wayne e a caverna pela Cobertura da Wayne Tower e o bunker que havia abaixo. O cenário foi construído no mesmo Cardigan Hangar, na Inglaterra, usado da outra vez, aproveitando o piso de concreto e sua longa extensão de 61 metros para mostrar uma base grande e vazia, mais uma garagem do que qualquer coisa. O grande trabalho foi construir um teto baixo de pouco mais de 2m de altura para dar a ideia de subterrâneo e confinado.

A armadura de Christian Bale ganhou uma eleição de melhor uniforme do Batman em um site dos EUA.

Nolan e Bale decidiram mudar o uniforme do Batman, porque o ator queria mais mobilidade. Ainda que fosse um avanço em relação às imobilizadoras Batsuits dos filmes antigos, a de Begins ainda tinha seus problemas, especialmente para virar a cabeça. Para The Dark Knight, redesenharam totalmente a roupa, que ganhou um pescoço separado do capuz que permitia girar a cabeça normalmente, e com a armadura agora usando um material plástico mais flexível e compondo de mais de 100 peças diferentes conectadas uma nas outras. Era uma Batsuit menos quente e mais confortável.

Batman dirige o batpod no final de “O Cavaleiro das Trevas”.

A grande novidade da produção foi o “derivado” do Batmóvel: o Batpod. Na trama, o Tumbler continua usado pelo cavaleiro das trevas até que é atingido por uma bazuca do Coringa em uma cena de perseguição. Então, de dentro dele sai uma moto dobrável, construída a partir do eixo dianteiro do veículo, que o herói usa no restante do filme. Tal qual como o carro, a moto foi construída de verdade e era funcional, embora sua performance fosse menos realística, já que por seu formato e rodas grandes ela tinha dificuldades em ficar de pé e, principalmente, em fazer curvas. Por causa disso, o dublê Jean Pierre Goy treinou durante meses para dirigi-la e durante as filmagens só era permitido que ele a usasse.

The Dark Knight tem grandes cenas de perseguição – maiores do que no anterior – e, de novo, foram usadas as combinações de veículos reais (incluindo o Batmóvel) e miniaturas de escala 1/6 para a ação mais complicada, como o salto do Batmóvel (que o leva a atingir o teto de um túnel) e servindo como escudo (protegendo um caminhão) contra o disparo de uma bazuca (dentro do túnel) e se destroçando em uma parede. As cenas com o Batpod, contudo, precisaram da intervenção do CGI para acrobacias mais complexas.

“Batman – O Cavaleiro das Trevas”: sucesso imbatível.

Durante a pré-produção, Nolan e o designer de produção Nathan Crowley escolheram locações em Londres e Liverpool, na Inglaterra para retratar as partes “velhas” de Gotham, com sua arquitetura clássica e gótica e Chicago, nos EUA, para as partes mais modernas e as cenas externas de plano aberto, para mostrar partes mais amplas da cidade. As autoridades de Chicago tinham realizado uma acolhida calorosa à produção do filme anterior, então, julgaram (com razão) de que seria acertado continuar por lá.

As gravações começaram em abril de 2007 e a primeira sequência filmada foi o impressionante assalto ao banco que abre o filme, porque era uma oportunidade de testar as imensas câmeras em IMAX, com o qual Nolan quis filmar pelo menos 40% do filme.

Dessa vez, Nolan escolheu gravar a maior parte do filme em cenas externas, o que ajudou a transformar Gotham City em um personagem do filme e uma cidade ainda mais realista do que em Begins. Os cenários foram usados apenas para finalidades muito específicas (como o batbunker) e mesmo as cenas internas – um restaurante, o cativeiro de Rachel, a cobertura Wayne e a sala de interrogatórios do GCPD – foram filmados em locais de verdade, a maioria deles em Londres.

Em Chicago, a produção usou andares distintos das duas torres One & Two Illinois Center para o apartamento de Bruce Wayne (transformando um lobby em uma cobertura) e o local em que o herói realiza uma festa para arrecadação de fundos que é invadida pelo Coringa.

Em maio, a produção se mudou para a Inglaterra e filmou uma série de cenas internas nos belos prédios históricos de Londres, com destaque para a clássica cena do interrogatório entre Batman e Coringa no GCPD, bem como aquelas outras nas celas. É um dos momentos em que a performance de Ledger é mais intensa.

De volta à Chicago em julho, Nolan gastou três semanas filmando a cena de perseguição do Batmóvel, sua destruição e a estreia do Batpod, resultando com o Batman fazendo o caminhão no qual o Coringa tenta escapar virar de modo frontal na via e o vilão ser preso pela primeira vez. A maior parte da cena foi feita na Wacker Drive, uma via multinível que inclui túneis e viadutos. A produção interditou a via durante a madrugada, agradecendo a paciência da população com esse transtorno. Como já escrito, partes da ação foram realizadas posteriormente com miniaturas para não danificar os equipamentos da cidade, mas um caminhão cenográfico da SWAT foi lançado dentro do Chicago River.

A conclusão da perseguição se deu na LaSalle Street, o coração do distrito financeiro da cidade. Nolan decidiu fazer a capotagem frontal do caminhão de modo prático e uma bomba hidráulica foi instalada na traseira do vagão para que a parte de trás fosse lançada ao ar e o veículo virasse e, apesar do risco do caminhão virar de lado e atingir postes ou mesmo prédios, o procedimento foi bem sucedido na primeira tentativa de modo espetacular. A cena das balsas foi gravada no Lago Michigan, representando a Baía de Gotham, e feita em apenas um dia com 800 figurantes!

Diversas cenas internas, como os interiores da Wayne Enterprises, de um tribunal, os escritórios do prefeito, do Comissário Loeb e Dent, restaurantes e teatros foram gravados em Chicago, bem como a cena no Caribe, que também foi feita no Lago Michigan. A cena na qual Batman vigia Gotham City do topo de um prédio foi feita na Willis Tower, o mais alto edifício de Chicago e foi realizada pelo próprio Christian Bale e não seu dublê Buster Reeves.

A batalha final com o Coringa, em um prédio em construção, foi feita na Trump Internacional Hotel and Tower, que estava mesmo sendo construída na época, e em agosto, foi filmada a implosão de uma fábrica de bombons que estava marcada para demolição e foi transformada pela produção no Gotham General Hospital. A explosão foi realizada em duas etapas para poder criar o intervalo no qual o Coringa sai do prédio e entra em um ônibus escolar. A explosão e a performance de Ledger foram realmente filmadas ao mesmo tempo e Ledger improvisou o momento no qual o Coringa usa movimentos infantis para demonstrar a frustração pela destruição ter sido interrompida e, na volta das explosões, se assusta com o estrondo e entra rapidamente no veículo, o que ficou sensacional.

A produção voltou a Londres em setembro e gravou mais cenas internas, incluindo, aquelas nas quais Batman combate a polícia no prédio em construção antes de encontrar o Coringa, e as cenas internas do hospital, em que o vilão encontra Harvey Dent já com o rosto deformado.

A cena em que Rachel está prisioneira e morre na explosão foi gravada na famosa Battlesea Power Station, uma antiga (e desativada) usina elétrica, conhecida por aparecer na capa do álbum Animals do Pink Floyd. Como o prédio era protegido como patrimônio histórico, a produção construiu uma parede falsa para explodi-la. A explosão causou um alvoroço na vizinhança, que chamou a polícia, achando que era um ataque terrorista.

Em outubro, Nolan e seu time tiveram que refilmar algumas partes das cenas de perseguição numa zona rural de Londres, usando tela verde para inserir o cenário digitalmente depois. Infelizmente, nessa ocasião, um dublê operando uma câmera no lado externo da janela de um carro em movimento morreu quando o veículo derrapou em uma curva e se chocou contra uma árvore.

Em novembro, eles passaram nove dias em Hong Kong para filmar as cenas nas quais Batman vai até a cidade sequestrar o banqueiro Lau (vivido por Chin Han), que lavava o dinheiro da máfia. Forem feitas tomadas aéreas e a cena em que Batman salta de um edifício para pegar um avião que já está em voo. As filmagens terminaram no prazo e dentro do orçamento.

A revelação de Heath Ledger como Coringa foi muito mal recebida pelos fãs, como havia sido a escalação de Michael Keaton para o Batman 20 anos antes e Christopher Nolan se preocupou em criar uma campanha de positivação, daí, surgiu a melhor campanha viral que um filme de super-heróis já teve, um evento único, criado em parceria com a 42 Entertainment. Primeiramente, em tempo à San Diego Comic-Con de julho de 2007, foram lançados posters da campanha de Harvey Dent a Promotor Público (um cargo que é votado pela população nos EUA), cartas de baralho com imagens do curinga e notas de 1 dólar com a inscrição “why so serious?”, que levavam o endereço de um site no qual os fãs podiam enviar um e-mail e a cada mensagem recebida era liberado um pixel da primeira imagem do Coringa em alta resolução, que trouxe o rosto pintado e maquiado de Ledger sobre um fundo preto, que foi bem recebido.

O box em Blu-ray: cheio de extras.

Também foi organizada uma “caça ao tesouro” no qual os fãs iam seguindo pistas e encontrando material impresso sobre o filme (posters e cartas de baralho) e velhos celulares da Nokia – um elemento que ecoa a trama do filme, pois o Batman utiliza um sistema ilegal de triangulação por celular para localizar o Coringa no fim do longa – que davam direito a assistir ao prólogo de The Dark Knight, a cena do assalto ao banco que abre o filme, o que causou uma impressão estonteante na plateia. Como se não fosse o bastante, os 8 minutos do prólogo foram lançados no cinema como um tipo de curta-metragem em dezembro de 2007 e foi recebido com palmas e ovação de público e crítica, aumentando o hype em torno do filme e consagrando a performance explosiva de Ledger.

No entanto, de maneira trágica, Ledger morreu em janeiro de 2008, vítima de uma overdose de medicamentos em uma situação até hoje não totalmente esclarecida. À época correu um boato de que o ator australiano havia entrado em depressão pela interpretação energética e caótica do Coringa, e pelo fato de usar O Método – metodologia em que o ator “não sai do papel” durante as filmagens como maneira de ser mais verdadeiro e íntegro à performance – e por isso, recorreu ao uso de narcóticos, porém, essa versão é disputada pela família, que diz que, apesar de Ledger realmente ter tido problemas para dormir durante as filmagens, em vista à excitação e à energia caótica do personagem, uma vez que o trabalho terminou, ele ficou bem e estava em seu estado normal nos meses seguintes. A morte ocorreu apenas três meses após o fim das gravações e ele já estava trabalhando em outro filme, O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, de Terry Gilliam, que seria lançado em 2009.

Apesar da tragédia, Nolan tomou a decisão de não alterar nada no filme em reação à morte e manteve exatamente o que estava planejado até então. Todavia, sempre pensei que o corte final da última aparição do Coringa no filme foi proposital: na cena, o vilão está pendurado de cabeça para baixo e tem um diálogo com o Batman, a câmera vira para ele ficar no ângulo normal ao expectador e embora esteja preso e derrotado, inclusive, moralmente pela questão das balsas já relatada, ele guarda uma carta na manga, que é a queda de Dent. Batman sai atrás de seu antigo aliado e o Coringa fica lá, balançando e gargalhando de modo frenético e louco e a cena é cortada de modo abrupto, não natural, quase como uma mensagem à interrupção da vida e da carreira do ator.

A campanha viral prosseguiu também como o combinado, nos primeiros meses de 2008, ironicamente, agora focada na campanha eleitoral de Harvey Dent. Num esforço impressionante, Nolan, sua equipe e a 42 Entertainment construíram uma campanha em tempo real, com a aparição de Dent em talk-shows, reportagens sobre ele e mais programas de TV aleatórios, especialmente de fofocas sobre Bruce Wayne ou o Comissário Gordon que iam sendo lançados em vídeos curtos através dos sites da campanha.

The Dark Knight estreou nos EUA e Canadá em julho de 2008 com estrondoso sucesso de público e crítica, batendo o recorde de maior final de semana de estreia (que era de Homem-Aranha 3, do ano anterior), com US$ 253,6 milhões e se manteve no primeiro lugar do ranking por quatro semanas até perder a posição para Tropic Thunder, de Ben Stiller e Robert Downey Jr., batendo também o recorde de segundo final de semana (75,4 milhões), arrecadando 400 milhões em apenas 18 dias e chegando a 500 milhões em 45 dias. O longa ainda estava em cartaz na época do Oscar 2009, em fevereiro daquele ano, e reabriu em mais salas de cinema até chegar à bilheteria de 533 milhões apenas na América do Norte, sendo a maior bilheteria do ano e a maior de super-heróis até então.

No restante do mundo não tão foi diferente e arrecadou 469,7 milhões antes do relançamento em janeiro de 2009, o que fez dele a segunda maior bilheteria do ano no mercado internacional, atrás de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal. Somando o mercado doméstico e o internacional, The Dark Knight arrecadou US$ 997 milhões, contudo, com a nova rodada no início de 2009, atingiu a marca de US$ 1,003 bilhão, se tornando o primeiro filme de super-heróis a romper a marca do bilhão, a maior bilheteria do ano e a quarta maior da história até então, atrás de Titanic, O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei e Piratas do Caribe – O Baú da Morte.

A aclamação da crítica também veio com a qualidade do filme (eleito o melhor do ano por várias publicações, como The Hollywood Reporter, pelo American Film Institute e pelo respeitadíssimo crítico Robert Ebert), mas no Globo de Ouro foi indicado apenas por Melhor Ator Coadjuvante para Heath Ledger, que por sinal, levou o prêmio de modo póstumo.

A ausência de indicações levou à discussão da regra de que filmes populares ou de super-heróis não eram indicados aos prêmios sérios apenas por seu tipo e não por sua qualidade, queixa que se repetiu no Oscar 2009, pois novamente, o longa não foi indicado a Melhor Filme, como muitos acharam que merecia. De qualquer modo, foi indicado a nada menos do que oito prêmios: Melhor Ator Coadjuvante para Heath Ledger, Fotografia (Wally Pfister), Edição, Edição de Som, Mixagem de Som, Maquiagem e Efeitos Visuais; e ganhou dois Oscars: o de Ledger para Ator Coadjuvante e de Edição de Som.

A indicação póstuma não era (e não é) uma prática comum na Academia de Artes e Ciência de Hollywood, e na verdade, é evitada, mas não era possível ignorar a performance arrebatadora de Ledger, uma das maiores do cinema americano. Ele foi apenas a sétima pessoa a ser indicada postumamente e a segunda a vencer um prêmio.

Mas o fantasma de não ter indicado O Cavaleiro das Trevas para Melhor Filme pesou muito à Academia, e levou o debate ao preconceito contra filmes “de gênero” (ou seja, populares, de sucesso) e resultou naquilo que é chamado de A Regra O Cavaleiro das Trevas: no Oscar 2010 a Academia ampliou a indicação de 5 para 10 filmes de modo a ser mais abrangente. A virada da década trouxe o megassucesso dos filmes de super-heróis, que passaram a dominar a indústria e a bilheteria, com sucessivas arrecadações além de 1 bilhão, como Os Vingadores (2012), Homem de Ferro 3 (2013), Vingadores – Era de Ultron (2015), Capitão América – Guerra Civil (2016) etc. e as ausências seguidas nos prêmios “sérios” continuou cobrando seu preço e sua crítica, até que, em 2017, a Academia anunciou a criação de um novo prêmio – O Melhor Filme Popular – cuja segregação em relação ao “melhor filme” (sério) gerou uma reação ainda mais negativa. A organização voltou atrás, não criou o novo prêmio, e em 2018 indicou Pantera Negra à categoria mais nobre da premiação, ainda que não tenha levado a estatueta.

Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge

  • Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro de Jonathan Nolan e David S. Goyer a partir de História de David S. Goyer e Christopher Nolan. Elenco: Christian Bale (Bruce Wayne/Batman), Tom Hardy (Bane), Gary Oldman (Comissário James Gordon), Anne Hathaway (Selina Kyle/Mulher-Gato), Joseph Gordon-Levitt (John Blake), Marrion Cottilard (Miranda Tate), Morgan Freeman (Lucius Fox), Matthew Modine (vice-comissário Peter Foley), Ben Mendelsohn (John Daggett), Tom Conti (Prisioneiro), com participação especial de Michael Caine (Alfred Pennyworth) e Cillian Murphy (Dr. Jonathan Crane/ Espantalho). 2012.

Oito anos após a morte de Harvey Dent, o Batman está aposentado e o crime organizado foi extinto em Gotham City, graças à Lei Dent, que deu mais poderes à polícia e foi armada em cima da farsa do “cavaleiro branco” criada por Batman e Comissário Gordon. Bruce Wayne agora é um homem calejado, quase aleijado de um joelho, e vive recluso em sua mansão, distante do mundo, remoendo a morte de sua amada Rachel Dowes. Mas tudo muda quando o inteligentíssimo e brutal terrorista mascarado Bane (alguém expulso da Liga das Sombras por ser radical demais, descobre Alfred em sua pesquisa) usa o empresário corrupto John Daggett para contratar a eficiente ladra Selina Kyle para roubar as impressões digitais de Bruce Wayne e aplicar um golpe na Bolsa de Valores, no momento em que a empresa desenvolve um controverso projeto de energia limpa apoiado pela executiva Miranda Tate.

O ataque faz Batman retornar à armadura depois de muitos anos, porém, Bane é um oponente físico formidável, tendo sido treinado pela Liga das Sombras e revelado como seu novo líder! Com Bruce derrotado e confinado em uma prisão inescapável no Oriente, Bane promove um golpe de estado que põe Gotham City no mais completo caos, uma cidade sitiada sob a ameaça de uma bomba nuclear. Agora, Batman terá que encontrar uma maneira de voltar e buscar a aliança de Selina Kyle e do jovem policial John Blake para tentar acabar com o terror.

A morte de Heath Ledger em janeiro de 2008 sempre pairou como uma sombra sobre o último filme da Trilogia Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan. Nunca saberemos com certeza como esse filme seria sem o falecimento do ator, pois é quase certo que o Coringa teria algum papel no que se tornou The Dark Knight Rises, ainda que não tão protagonista quanto no outro. A família de Ledger confirmou que o ator planejava voltar ao papel para o terceiro filme e o roteirista David S. Goyer chegou a dizer que, durante a produção de Batman Begins, delineou uma narrativa de três filmes, com o segundo com Batman, Gordon e Harvey Dent contra o Coringa e o vilão deformando o promotor no terceiro, que se transformava no Duas Caras. Contudo, como vimos, esse plano mudou muito cedo e esses eventos ocorrem no segundo longa. Mas devia haver algo preparado para o Coringa no terceiro.

Uma vez que The Dark Knight foi um sucesso absoluto e até ganhou dois Oscars, o diretor Christopher Nolan começou a contemplar a possibilidade de não ser capaz de superá-lo e pensou em desistir do terceiro. Comunicou que só se envolveria no fechamento da trilogia caso chegasse a uma história que lhe motivasse emocionalmente. Mas ele chegou no ponto até que rápido: no fim de 2008, Nolan e Goyer delinearam a trama geral do filme, antes do diretor partir para fazer A Origem, com Leonardo Di Caprio, Tom Hardy, Cillian Murphy e Michael Caine.

Talvez sem conhecer em detalhes os planos de Nolan, os executivos da Warner Bros. fizeram lobby para que o terceiro filme trouxesse o Charada, que o estúdio pensava ser um personagem relativamente similar ao Coringa e manter algo de seu apelo, e ter Leonardo Di Caprio no papel, aproveitando que ele trabalharia com o diretor, que tem o hábito de repetir seus atores de filme para filme. Mas aparentemente, esse nunca foi o plano de Nolan. Goyer por sua vez confirmou em uma entrevista em 2023 que a Warner os pressionou com esse plano.

Bane quebra o Batman em A Queda do Morcego. Arte de Jim Aparo.

Por influência de Goyer, Nolan percebeu que o caminho a seguir em The Dark Knight Rises seria adaptar os elementos principais de A Queda do Morcego, saga do herói publicada em suas revistas mensais entre 1992 e 1994, escrita por Doug Moench, Chuck Dixon e Dennis O’Neil, e desenhada por Jim Aparo, Graham Nolan (sem parentesco com o diretor) e vários outros. Na trama da HQ, Batman é levado ao esgotamento físico e mental pelo plano ardiloso do novo vilão Bane até ser derrotado em uma luta e ter a coluna partida. Nos quadrinhos, o herói é substituído por Jean-Paul Valley, que termina se transformando em um assassino, elementos que o filme ignorou.

Mas o filme trouxe de fato o momento em que Bane “quebra” o Batman, durante a batalha para o qual o vilão o atrai, usando uma Mulher-Gato acossada para isso. Nas HQs, Bruce fica mesmo paralítico e só retorna ao normal por meio de uma pessoa com poderes de cura, então, obviamente, Ressurge tomou uma rota mais realística, com Bruce tendo uma lesão séria, mas não uma fratura na coluna, de modo que após alguns meses de cuidados (não muito especiais, é claro) na prisão do Fosso, ele se recupera é pode voltar mais ou menos ao normal.

Tália e Bane também tiveram seu romance nos quadrinhos.

Ao contrário, o longa conecta aquele ponto a outra megassaga, Terra de Ninguém, na qual Gotham City é isolada do resto dos EUA após ser destruída por um terremoto. No filme isso é adaptado à ação direta de Bane, o que não deixa de ter uma conexão espiritual com as HQs: no original, o terremoto (uma tragédia natural) é a gota d’água depois da tragédia da cidade ter perdido milhares de vidas após a disseminação de um vírus mortal (derivado do Ebola), que fora espalhado por Rãs Al Ghul. No filme, Bane é um herdeiro daquele vilão, morto no primeiro longa e isola a cidade sob a ameaça de uma bimba nuclear. Além dessas histórias principais, diversos outros elementos das HQs foram usados, como a relação do Batman com a Mulher-Gato e a presença de Talia Head, a filha de Al Ghul, e sua parceria com Bane. Nas HQs, Talia e Bane tiveram mesmo um romance, mas no filme, a relação dos dois é mais paternal e não romântica.

No início de 2010, Nolan foi anunciado oficialmente como estando desenvolvendo o filme, com lançamento agendado para 2012 e, ao mesmo tempo em que o roteiro era escrito por Goyer e o irmão Jonathan Nolan. Porém, não muito depois, a Warner abordou Goyer com a proposta de roteirizar o novo filme do Superman e o escritor não apenas aceitou, como conversou longamente com Nolan sobre o projeto, de modo que o diretor levou o crédito de produtor executivo do vindouro Superman – O Homem de Aço de Zack Snyder, que sairia em 2013. Assim, a finalização do roteiro coube aos irmãos Nolan e Goyer recebeu o crédito pela história.

Bale e Caine poderiam ser indicados ao Oscar. Mas não ocorreu.

A trama de Rises vai explorar a maior tensão possível na relação entre Bruce e Alfred, quando a verdade sobre a carta de Rachel vem à tona. A cena da briga é uma das mais bonitas do filme, com o choro de Michael Caine sendo de partir o coração, numa interpretação lindíssima. Bruce expulsa Alfred de sua vida, mas no fim, quando o herói é dado como morto, vemos que sua fortuna foi deixada para ele.

O Comissário Gordon de Gary Oldman recebe um grande incremento, se não em tempo de tela, pelo menos em dramacidade. Seu personagem é agora um homem amargurado e solitário, abandonado pela mulher e filhos, remoendo os erros do passado (inclusive, o plano de transformar Dent em um herói), o que dá espaço para Oldman mostrar sues dotes.

Christian Bale tem uma jornada de montanha russa no filme, com Bruce Wayne iniciando o longa como um ermitão, redescobrindo a confiança ao retornar como Batman (o que inclui até um leve flerte com a Mulher-Gato) e terminar nos braços de Miranda Tate até ser quebrado por Bane e precisar escalar o Fosso (a prisão oriental inexpugnável) no sentido literal e psicológico de voltar a ser minimamente o homem que foi no passado, até sua volta por cima, com toda a sanha para retomar Gotham e vencer Bane, o que ele faz com os punhos e o cérebro.

No fim, o Batman precisa escolher o sacrifício maior para salvar Gotham da bomba e revela sua identidade ao Comissário Gordon para que seu legado viva e desaparece com a explosão. O cavaleiro das trevas que passou anos considerado como um criminoso, culpado pelos crimes de Harvey Dent, e ironicamente inocentado por Bane, termina a trama como um herói nacional, ganhando inclusive, uma estátua em bronze no centro financeiro de Gotham. Sua identidade permanece em segredo.

Mas Lucius Fox (e dessa vez, Morgan Freeman tem um papel quase decorativo) percebe que o software do The Bat (a nave que o herói estreia no longa) foi atualizado e, por fim, temos a cena em que Alfred flagra Bruce e Selina despreocupados em um café no verão europeu, mostrando que até o cavaleiro das trevas pode ter um final feliz após uma vida de guerra ao crime. E deixando um herdeiro

Bane: vilão assustador e ótimo trabalho de Tom Hardy.

Para além de Bale, Caine, Oldman e Freeman, o roteiro trazia as adesões de Bane, Mulher-Gato, John Blake e Talia. Para Bane, Nolan contratou Tom Hardy, que trabalhou com ele em A Origem, confiante de que poderia expressar a força, fúria e terror do vilão apenas com os olhos, pois seu rosto estaria coberto pela máscara que injeta gás analgésico direto em seu cérebro após os eventos de seu passado. A máscara foi construída em uma versão do rosto moldado do ator para se encaixar perfeitamente. Hardy ganhou 14 kg para o filme, ficando com 90 kg, mas como ele não é alto, foram usados truques de câmera para colocá-lo acima de outros personagens.

Anne Hathaway como Mulher-Gato.

Anne Hathaway foi uma das várias atrizes que audicionou para o papel de Mulher-Gato, embora não soubesse disso até o momento do teste. Ela intensificou a academia e fez um treinamento de meses em artes marciais para atender à exigência física do papel. Sua Selina Kyle expressa a natureza dúbia da personagem e uma boa dose de ironia. Nolan fugiu da estética transgressora de Michelle Pfeifer e baseou sua Mulher-Gato mais no belo visual de Julia Newmar na série de TV dos anos 1960, com um colante preto sem detalhes, mas usando a boa ideia de óculos que quando levantados para cima da cabeça, dão a ideia de “orelhas” de gatinha, mantendo a máscara no estilo do Robin e incorporando influências mais recentes das HQs como luvas e botas bem longas.

Marion Cotillard como Miranda Tate.

Marion Colliard tem um papel inicialmente menor no filme como Miranda Tate até ser revelada como Talia, filha de Rãs Al Ghul e o verdadeiro cérebro por trás de todos os eventos do filme, numa virada já no terceiro ato, mas sua interpretação foi criticada pela crítica. A atriz sempre gravou suas cenas com o sotaque britânico e o francês canadense refletindo a incerteza de Nolan sobre como deveria ser a personagem, mas evidenciando que é estrangeira.

Joseph Gordon-Levitt como John Blake.

O John Blake de Joseph Gordon-Levitt, outro advindo de A Origem e um conhecido nome do cinema independente, é outra surpresa do filme. Um policial jovem e idealista como eram Bruce e Gordon no começo, e que possui um vínculo com Wayne por ter sido criado no orfanato da Fundação Wayne. Ele deduz desde o início que Bruce é o Batman por desvendar a “máscara” que ele usava como Wayne, o playboy, um tipo de prática que ele também usava por ser órfão. Curiosamente, o fato de deduzir que Bruce é o Batman apenas pelo olhar foi algo que ocorreu duas vezes nas HQs: com a namorada Silver St. Johns nas histórias dos anos 1970 e com o vilão Bane no início da A Queda do Morcego.

Blake é o personagem que, em muitos sentidos, guia a trama de Ressurge, se mostrando um aliado de primeira hora do Batman e Gordon, salvando o Comissário duas vezes, sendo promovido a Detetive e, depois, sendo o depositário da herança do Batman, quando Bruce lhe encaminha alguns equipamentos e a localização da Batcaverna. Com Blake revelando que seu primeiro nome é Robin, fica claro que ele seguirá a missão de seu mentor na última cena do filme, uma cena que Goyer garantiu já estar planejada desde 2005. A interpretação de Levitt é segura e simpática, sendo uma boa adesão ao filme.

Nolan em uma câmera IMAX nas gravações de Ressurge.

Com o roteiro em mãos e o elenco, Nolan chamou a mesma velha equipe de sempre, embora dessa vez, planejou e conseguiu filmar uma hora do filme em câmeras IMAX. As gravações iniciaram em maio de 2011, em Jodhpur, na Índia, que serve de cenário para a misteriosa localização da prisão asiática de Bane, o Fosso, e em seguida, gravaram uma série de externas na Escócia, usadas no início do filme, quando Bane ataca o avião de um cientista para sequestrá-lo. A cena envolveu aviões de verdade, dublês pendurados fora da aeronave e paraquedistas.

Depois, filmaram algumas cenas internas na Inglaterra, usando cenários construídos no hangar de Cardington já usado nos outros dois filmes. Dessa vez, num deles foi construída a prisão do Fosso, com a incrível altura de 12 metros. No outro foi montada a nova Batcaverna, agora, mais ousada, com seus equipamentos emergindo da água quando precisavam ser usados. O próprio exterior do hangar aparece no filme na primeira cena, quando Bane invade a operação da CIA para sequestrar o avião.

Wallaton Hall foi a Mansão Wayne

Dessa vez, foi usada Wallaton Hall como exterior e interior da Mansão Wayne, um prédio que serviu de modelo para Mentmore Towers usada em Begins, e portanto, esse aspecto reverso serviu a um efeito poético em vista de que a casa foi reconstruída após os eventos daquele primeiro filme. É lá que ocorre também a cena do início, com Gordon fazendo seu discurso. A cena de Selina Kyle roubando Bruce Wayne e fugindo pela janela do jardim, contudo, foi filmada no Osterley Park, mais próximo de Londres. Nessa casa também foi filmado o apartamento de John Daggett, que interage com Selina e Bane.

A produção se mudou depois para Pittsburgh, nos Estados Unidos, que desta vez foi a cidade escolhida para dublar a maior parte das cenas externas de Gotham City, substituindo Chicago dos dois filmes anteriores. Na cidade, gravaram a crucial cena do estádio no Heinz Field, lar dos Pittsburgh Steelers (cujos jogadores de verdade dublaram para os Gotham Rogues). A produção teve que construir um gramado falso um metro acima do original para poder explodi-lo e criar as crateras que se abririam depois. As dependências da universidade Carnegie Mellon Institute serviram tanto para a prisão de Blackgate quanto para as escadarias da Suprema Corte. Nas ruas da cidade foram filmadas várias sequências envolvendo conflitos da polícia com a Liga das Sombras e as explosões que tomam conta durante o isolamento de Gotham. As pontes da cidade, que guardam alguma semelhança com aquelas de Nova York também foram usadas.

Bane versus Batman na batalha final.

É nas escadarias da Carnegie Mellon que ocorre boa parte da batalha final entre Batman e Bane, bem como no hall de entrada do prédio, onde é revelada a real identidade de Talia. As filmagens dessa batalha ocorreram no verão e durante o dia, o que chamou à atenção dos fãs, que já sabiam que os filmes do Batman se passavam a maior parte do tempo à noite, mas em Ressurge é diferente. A produção também teve que simular neve para localizar a cena no inverno e dar a ideia de passagem de tempo que o filme pedia. Uma cena foi acompanhada por paparazzi de todo o mundo quando a Mulher-Gato sai de dentro do prédio no Batpod e desce as escadarias. Durante as filmagens, a dublê de Anne Hathaway que dirigia o veículo perdeu o controle e se chocou contra uma câmera IMAX. Ela não se machucou seriamente, mas a caríssima câmera foi destruída.

Também em Pittisburgh foram gravadas as cenas nas quais o The Bat persegue os Tumblers camuflados da Liga das Sombras. A produção usou um pequeno caminhão com uma peça de guindaste que erguia e mexia para os lados e para cima e para baixo a nave em tamanho natural para dar ilusão de movimento, com o veículo de baixo sendo apagado digitalmente na pós-produção, um uso discreto e eficiente do CGI. Dentro do veículo ia um manequim com a roupa do Batman e o herói também foi substituído usando CGI. Durante as gravações, o Batwing acabou colidindo com um poste. Ninguém ficou ferido, mas a produção precisou consertar o veículo para o restante das filmagens. Mas no fim, o uso de uma nave real se mexendo ao longo das ruas atrás dos veículos dos vilões tem um efeito incrível no filme!

De Pittisburgh, a produção migrou para Los Angeles no fim de agosto de 2011, onde ficou por mais nove semanas, nas quais foram gravadas mais cenas com o The Bat, agora, dependurado por um helicóptero para cenas de decolagem e sobrevoando (de verdade!) os prédios de LA, em outro efeito impressionante. Outras cenas de perseguição foram gravadas na terra de Hollywood, inclusive, aquela na qual o Batwing ataca o caminhão com a bomba de nêutrons e o veículo termina caindo no vão de um viaduto, outra cena gravada de verdade, embora, dessa vez, sem ninguém dentro do veículo.

Produção de Rises construindo o cenário no Rio Los Angeles.

Nolan também usou os canais do rio Los Angeles para duas finalidades: as cenas com a saída do esgoto, incluindo aquela na qual James Gordon é resgatado; e a outra em que os condenados no tribunal “popular” do Dr. Jonathan Crane (Espantalho) envia pessoas para caminhar sobre a camada de gelo do rio e sair de Gotham (embora todos terminem rompendo o gelo e caindo para a morte nas águas congeladas). A cena foi gravada no verão, com uma plataforma simulando gelo sobre o rio. Também foi nessa locação que foi filmada a cena na qual Batman reencontra o policial John Blake dentro de uma galeria fluvial. Cenas nas vias expressas e túneis de LA também serviram à perseguição do Batman no Batpod após o ataque à Bolsa de Valores.

Christian Bale (esq.) é dirigido por Christopher Nolan (dir.), ao lado de Tom Hardy (meio).

Em outubro, algumas cenas foram filmadas em Nova York (as pontes, suas bases e tomadas aéreas), e principalmente, nas vizinhas Newmark, na qual foi filmada a Prefeitura (que cumpre o mesmo papel no filme) e em Nova Jersey, o ataque da polícia a um túnel do metrô. Em NY, Nolan usou a Trump Tower como dublê da Wayne Enterprises e fechou uma via de Wall Street por um dia inteiro para gravar o momento em que a multidão de cidadãos e policiais de Gotham enfrentam de mãos nuas o exército de Bane, usando uma centena de figurantes.

A última cena gravada foi de volta ao Reino Unido, na cachoeira de Sgwd Henrhyd, no País de Gales, terra natal de Christian Bale, para a cena na qual John Blake faz rapel para entrar na Batcaverna. As filmagens terminaram em novembro de 2011.

Batman de volta nas gravações em Los Angeles.

Em vista do sucesso de seu antecessor, havia uma grande expectativa em torno do lançamento de Rises e ele até cresceu após Christopher Nolan repetir a estratégia do anterior e lançar a abertura do longa como um curta-metragem nos cinemas IMAX, trazendo a impressionante cena do sequestro aéreo de Bane. Infelizmente, uma tragédia ocorreu logo de saída: em uma sessão de pré-estreia do longa, daquelas à meia-noite do dia anterior, em Aurora, no Colorado, um jovem usando uma máscara de gás atirou na plateia com uma submetralhadora e matou 12 pessoas, deixando outras 58 feridas.

Em resposta, a Warner diminuiu a divulgação do filme e um elemento de medo pairou sobre o lançamento, o que com certeza absoluta diminuiu sua bilheteria, especialmente nos EUA. Ainda assim, Rises arrecadou US$ 160,9 milhões no fim de semana de estreia, se tornando a terceira maior abertura da história até então, atrás de Os Vingadores da Marvel (que estreou no mesmo ano) e Harry Potter e as Relíquias Mortais, Parte II. O longa continuou batendo recordes no segundo e terceiro fim de semana e fechou o ano como a terceira maior bilheteria de 2012 em seu país de origem. Ressurge arrecadou 448,1 milhões nos EUA e 632,9 milhões no mercado internacional, somando portanto, US$ 1,081 bilhão nas bilheterias, ultrapassando O Cavaleiro das Trevas e se tornando a terceira maior bilheteria de 2012 (um dos melhores anos da indústria desde sempre) e a sétima maior bilheteria de todos os tempos.

A estátua com o momento decisivo do filme.

Mas sempre ficou o gostinho de que o filme teria arrecadado ainda mais não fosse a tragédia.

A resposta da crítica foi um pouco menos entusiástica do que com seu antecessor, recaindo a crítica de que o vilão principal, Bane, não era dotado do carisma do anterior, além do fato de ser um personagem pouco conhecido do público fora das HQs, ao contrário do Coringa ou outros inimigos populares do Batman. A voz de Bane foi um problema para muitos críticos, pois era atrapalhada por sua máscara, uma questão levantada ainda nos trailers e que Nolan trabalhou efetivamente para melhorar na mixagem do som, mas o resultado final ainda é embaralhado e difícil de entender em algumas passagens.

Algumas críticas foram negativas no sentido de interpretar a mensagem do filme como conservadora ou de direita, em vista que Bane enseja um discurso libertário e anticapitalista, ainda que no fundo, esteja querendo apenas matar todo mundo. Alguns pensaram que foi uma crítica ao movimento Occupy, que ocorreu entre 2011 e 2013 no qual ruas e praças de cidades eram ocupadas em movimentos de resistência e protesto, o que em Ressurge ocorre de modo radical quando a população invade as casas dos ricos e matam muitos deles na “revolução de Bane”. Mas Nolan se defendeu dessas críticas, dizendo que o filme não é político e que estava apenas exagerando alguns dos conflitos que existem na sociedade.

De qualquer modo, em um ano que foi tomado pelo fenômeno de Os Vingadores e o nascimento efetivo do MCU, O Cavaleiro das Trevas Ressurge foi ignorado na temporada de premiações das associações mais prestigiadas, como Oscar ou Globo de Ouro, não sendo sequer indicado, ao contrário de Begins e O Cavaleiro das Trevas.

Em linhas gerais, Ressurge foi considerada uma entrada menor na Trilogia do Cavaleiro das Trevas, mas ainda assim, foi visto como um grande filme, com um escopo grande e ousado e digno de encerrar esta que foi uma das maiores (e melhores) sagas de super-heróis já mostradas no cinema.

Liga da Justiça – Mortal. O filme que quase existiu

A Warner Bros. vem se mostrando, nos últimos anos, uma companhia que tinha sérias dificuldades em lidar com o rico e diverso legado da DC Comics e o projeto Justice League – Mortal é um ótimo exemplo de como isso vem de longe…

Voltando um pouco… Começo dos anos 2000, X-Men – O Filme e Homem-Aranha, lançados em 2000 e 2002, fazem grande sucesso de público e crítica e dão início a uma nova era de filmes de HQs, como nos anos 1990, mas agora, com os heróis headliners da Marvel Comics: Hulk, Demolidor, Motoqueiro Fantasma, Elektra, Quarteto Fantástico, Justiceiro e sequências de X-Men e Homem-Aranha foram alguns dos filmes lançados ainda antes da chegada do Marvel Studios propriamente dito (ainda falaremos dele mais à frente).

BRANDON ROUTH portrays Superman, the Last Son of Krypton, in Warner Bros. Pictures’ and Legendary Pictures’ action adventure Superman Returns.

A Trilogia Cavaleiro das Trevas já era uma tentativa (neste caso, bem sucedida) da Warner surfar na onda, mas houve muito mais movimentação do que isso. Já citamos um projeto de Mulher-Maravilha escrito e dirigido por Joss Whedon, que não foi adiante. E Houve Superman – O Retorno, lançado em 2006, dirigido por Bryan Singer (o mesmo dos filmes dos X-Men) e estrelado por Brandon Routh. Isso sem falar na série de TV Smallville, que retratava a juventude de Clark Kent antes de se tornar o Superman, protagonizada com enorme sucesso por Tom Welling.

Mas houve mais… Ao mesmo tempo em que Christopher Nolan escrevia e se preparava para lançar seu segundo filme do morcego, Batman – O Cavaleiro das Trevas, a Warner deu sinal verde para Liga da Justiça – Mortal, um filme da sua maior equipe de super-heróis. E mais, envolvendo não somente o Batman, mas Superman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde, Aquaman e o Caçador de Marte. E como o estúdio não conseguiu anuência ou colaboração de Nolan ou Singer para este projeto, simplesmente planejou lançar ao cinema outras versões de Batman e Superman!

George Miller.

Para a direção foi escalado George Miller (famoso por seus filmes de Mad Max, mas também por Babe, o porquinho) e o roteiro ficou com a dupla Michele e Kiernan Mulroney (que fizeram depois Sherlock Holmes – O Jogo das Sombras). A pré-produção iniciou na virada de 2006 para 2007, o roteiro foi entregue e aprovado em meados de 2007, vestimentas foram criadas, cenários foram construídos, o elenco foi contratado e as filmagens foram marcadas para o verão de 2008… até tudo ser cancelado.

Miller e a Warner decidiram investir em um elenco jovem e pouco conhecido do grande público para compor sua Liga da Justiça e chegou ao time formado por Adam Brody como Flash/Barry Allen, Armie Hammer como Batman, DJ Cotrona como Superman, o rapper Common como o Lanterna Verde Jon Stewart, Megan Gale como Mulher-Maravilha, Hugh Keays-Byrne como Caçador de Marte, Santiago Cabrera como Aquaman e Jay Baruchel como o vilão Maxwell Lord, mais participações de Zoe Kasan como Iris Allen e Teresa Palmer como Talia al Ghul. Como se vê, se investiu em uma equipe numerosa e com diversidade étnica. E vale lembrar, não era especulação ou nomes em um lista: os atores foram contratados, os uniformes foram feitos, o elenco até se reuniu para sessões de leituras do roteiro na Austrália e ensaios até o projeto ser cancelado nas vésperas das filmagens.

O site Den of Geek teve acesso ao roteiro e fez uma análise da trama como um bom filme de ação, quase como um episódio expandido de Justice League Unlimited. Na trama, os heróis já estão em ação há algum tempo (alguns anos) e alguns até já conhecem uns aos outros, embora nunca tenham se reunido de maneira expressiva. Diana Prince é até um tipo de embaixadora dos metahumanos na ONU. A ação dos heróis tornou o mundo melhor e até Gotham City está com uma taxa pequena de crimes.

O visual dos heróis em Mortal.

Então, os heróis sofrem ataques separados mirando em suas fraquezas e são quase mortos, mas vencidas as adversidades, terminam por descobrir que os planos do Batman para derrotar cada um deles foram roubados por Talia Al Ghul e vendidos a Maxwell Lord, que quer se vingar dos metahumanos porque foi transformado em uma cobaia para desenvolver habilidades especiais por uma agência secreta do Governo chamada OMAC. Ele termina liderando essa agência e sua a tecnologia para infectar as pessoas com nanotecnologia e transformá-las em OMACs: agentes poderosos, algo como zumbis cibernéticos e letais aos quais a Liga da Justiça se une para vencer. Num momento, o Superman é dominado mentalmente e luta contra a equipe e, no fim, quando Lord se funde com uma versão gigante do OMAC, o Flash corre o mais veloz que pode, se funde com a Força de Aceleração e se desintegra junto com o vilão, morrendo. Há um funeral para Barry Allen e seu sobrinho Wally West assume o manto do Flash e a Liga sai para combater a ameaça de Starro na última cena.

O Gen of Geek faz uma apreciação positiva do roteiro, que julga bem escrito e equilibrado, dando a cada herói um momento para brilhar. Mas faz uma anotação sobre a abordagem do Batman, que é retratado como um escroto fascista que não se importa em matar os inocentes presos dentro dos OMACs, por exemplo.

Detalhes de Batman, Superman e Mulher-Maravilha em Mortal.

Houve três motivos para o cancelamento do projeto literalmente na véspera do início das filmagens (dizem que apenas duas semanas antes!). Primeiro, como Miller é australiano, a produção se alocou na Austrália, onde havia uma caridosa política de incentivos fiscais, porém, uma mudança na lei impedia diretores nativos de receber o incentivo, então, de uma hora para a outra, o longa não se tornou mais possível. Um segundo motivo foi a eclosão da greve de roteiristas de Hollywood, que impediria as filmagens de ocorrer, pois é obrigatório um roteirista acompanhar as gravações.

Por último, o sucesso avassalador de público e crítica de O Cavaleiro das Trevas foi a derradeira pá de cal de Liga da Justiça – Mortal. Mesmo com os problemas, a Warner ainda considerava seguir o projeto, apenas adiá-lo, afinal, eram US$ 200 milhões de investimentos com tudo pronto para filmar, mas com o segundo filme de Nolan batendo 1 bilhão nas bilheterias e o diretor e o ator Christian Bale sendo publicamente contra o projeto que colocaria um segundo e paralelo Batman nos cinemas, o estúdio considerou que não valia à pena o risco de macular sua maior propriedade. E o projeto foi abandonado.

Ainda bem.

A despeito da avaliação do Den of Geek, toda a descrição da trama e o visual dos personagens dão uma cara anos 1990 à produção em seu pior sentido, lembrando coisas como Batman & Robin. Não parece que iria sair coisa boa daí. E o ator Armie Hammer ainda se envolveria em uma terrível polêmica em anos recentes, acusado de abuso sexual e até canibalismo!!!!!

O DCEU

O fracasso de Superman – O Retorno, a não feitura de Liga da Justiça – Mortal e a insistência de Christopher Nolan em manter sua Trilogia Cavaleiro das Trevas íntegra e sem conexões com outros filmes fez a Warner Bros. considerar que precisava começar do zero para ter um universo conectado de super-heróis, mirando no que a concorrente Marvel Studios começou a fazer a partir do mesmo ano de 2008 em que saiu O Cavaleiro das Trevas (e também em que Mortal naufragou), quando o sucesso de Homem de Ferro deu a largada ao MCU, o Marvel Cinematographic Universe. A Casa das Ideias não foi modesta: anunciou seus planos de fazer filmes solo de Homem de Ferro, Hulk (ambos em 2008, com Homem de Ferro 2 chegando em 2010), Thor, Capitão América (ambos em 2011) e reuni-los em Os Vingadores em 2012.

Era uma estratégia genial: desenvolver os personagens individualmente em filmes isolados, fazer o público conhecê-los e se importar com eles e depois reuni-los em um filme-evento.

É preciso lembrar que, após o fiasco com Mortal, a Warner chegou a planejar um novo filme da Liga da Justiça, contratou o roteirista Will Beau e queria o ator Ben Affleck (que tinha despontado como um aclamado diretor de cinema, ganhando um Oscar por Argo em 2012, e que também era um grande fã de quadrinhos) para dirigir o filme, mas a coisa não se desenvolveu.

Zack Snyder.

A Warner então pensou que poderia fazer algo similar ao MCU e contactou o roteirista de Nolan, David S. Goyer para desenvolver um novo filme do Superman. Para dar um ar de credibilidade – ainda mais depois do fracasso de O Retorno apenas cinco anos antes – Goyer e a Warner conseguiram que Christopher Nolan atuasse como um tipo de “consultor criativo”, o que lhe rendeu um crédito de produtor executivo, o que servia para vincular seu nome ao vindouro filme (e passar uma imagem – errônea – de conexão com sua trilogia do homem-morcego). O diretor Zack Snyder, que tinha comandado 300 de Esparta e Watchmen para a Warner, dois grandes sucessos, foi o escolhido para comandar o filme e o britânico Henry Cavill (de Os Imortais) foi contratado como Clark Kent.

Henry Cavill como Superman.

Superman – O Homem de Aço foi lançado em 2013 (um ano depois de O Cavaleiro das Trevas Ressurge) e fez sucesso, impressionando a crítica com sua estética ousada, cheia de texturas, e a abordagem séria e sombria, ainda que não sem alguns problemas: do longo prólogo em Krypton (que quebra o ritmo inicial do filme) à disparidade de clima entre o excelente 1º Ato (com a introdução de Clark Kent) e os seguintes, com excesso de “tela verde” e lutas incessantes que cansam o telespectador; o dilema final do Superman, que termina por matar o General Zod, enfureceu muitos dos fãs dos quadrinhos e incomodou uma fileira de críticos.

Mas o saldo final foi suficiente para deixar a Warner otimista quanto à possibilidade de estruturar um DC Cinematographic Universe para chamar de seu – que mais tarde, em vez de DCU passou a ser chamado de DCEU por motivos que iremos explicar adiante – e deu a largada.

Infelizmente, em vez de prosseguir com O Homem de Aço 2 para consolidar esse novo mundo e seu personagem central, o estúdio decidiu cortar o caminho e ir logo ao que interessava. Apenas o medo os impediu de reunir logo a Liga da Justiça, mas poderiam fazer um meio-termo e fazer o homem do amanhã cruzar o caminho com um certo cavaleiro das trevas…

Batman vs. Superman – A Origem da Justiça

  • Batman v Superman – The Dawn of Justice. 2016. Dirigido por Zack Snyder, com roteiro de Chris Terrio e David S. Goyer, a partir de história de Zack Snyder e David S. Goyer. Elenco: Ben Affleck (Bruce Wayne/ Batman), Henry Cavill (Clark Kent/ Superman), Amy Adams (Lois Lane), Jesse Eisenberg (Lex Luthor), Diane Lane (Martha Kent), Laurence Fishburne (Perry White), Jeremy Irons (Alfred Pennyworth), Gal Gadot (Diana Prince/ Mulher-Maravilha), Holly Hunter (senadora June Finch), Scoot McNairy (Wallace Keefe), Callan Mulvey (Anatoli Knyazev), com participações especiais de Jeffrey Dean Morgan (Thomas Wayne), Lauren Cohan (Martha Wayne), Michael Cassady (Jimmy Olsen), Harry Lennix (general Calvin Swanwick), e aparições de Ezra Miller (Barry Allen), Jason Momoa (Arthur Cury), Ray Fisher (Victor Stone), dentre vários outros.
Batman vs Superman.

Morador da vizinha Gotham City, Bruce Wayne presencia a destruição de Metrópolis pela invasão alienígena dos kryptonianos liderados pelo General Zod (mostrada em Superman – O Homem de Aço) que mata centenas de milhares de pessoas. Wayne é secretamente o Batman e combate o crime há 20 anos e, alimentado por um insano sentimento de vingança contra o Superman, a quem julga um risco eminente à humanidade, se prepara para exterminá-lo, sem perceber que ele e Superman estão sendo manipulados pelo empresário megalomaníaco Lex Luthor, que joga um contra o outro enquanto se apropria da tecnologia kryptoniana. A investigação do Batman o leva a descobrir a existência de outros metahumanos e chega a conhecer um deles: Diana Prince, que secretamente é uma Amazona, da Grécia Antiga.

Batman desenvolve meios de vencer e matar o Superman, mas em meio ao confronto percebem que Luthor é a real ameaça, e criou um monstro kryptoniano imbatível que força a união do cavaleiro das trevas com o homem de aço… e a guerreira amazona que o mundo chamará de Mulher-Maravilha.

Henry Cavill como Clark Kent.

A Origem da Justiça não é efetivamente uma sequência de O Homem de Aço, mas ao contrário, um filme criado para apresentar uma nova versão do Batman e fundar as bases da Liga da Justiça. Daí que o Superman de Henry Cavill é apenas um coadjuvante no filme, tendo um papel bastante secundário em comparação ao Batman de Ben Affleck, que é o verdadeiro protagonista do filme. Essa decisão – que Snyder e Goyer insistiram em entrevistas posteriores – foi do estúdio e foi vista em retrospecto como equivocada, pois deveria haver um aprofundamento mais detido no personagem do homem de aço antes de envolvê-lo com Batman e Mulher-Maravilha e ainda matá-lo no fim. (Sim, ao fim e ao cabo, o Superman é morto por Apocalipse no terceiro ato).

A morte do Superman sem esse aprofundamento e após apenas um filme que ainda foi recebido de maneira controversa foi entendida como um erro grave da Warner e de Snyder. Mas enfim, foi feito…

A imagem da capa da Total Film.

Após o lançamento de O Homem de Aço e o retorno suficientemente bom, a Warner iniciou imediatamente a produção de sua (semi)sequência, com Snyder e Goyer mantidos do longa anterior. A ideia da dupla era apresentar um Batman veterano, que já atuasse naquele mundo há um tempo – o roteiro estabeleceu 20 anos! – mas um mundo em que havia poucos (ou nenhum) metahumanos, o que de algum modo dialogava com o final da Trilogia Cavaleiro das Trevas, mesmo que em outra continuidade. Christopher Nolan foi novamente consultado para este filme, e deu algumas contribuições sem se envolver demais, mas de novo, recebendo o crédito de produtor executivo.

Famosa cena de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller.

Goyer entregou um roteiro que colocava Batman e Superman em oposição a partir das diferenças marcantes dos personagens exploradas nas HQs da DC Comics pós-Crise nas Infinitas Terras (com cada um discordando do outro por causa de seus métodos), baseado em obras marcantes como Batman – O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, o encontro entre os dois narrado por John Byrne em 1987 e a série Superman/Batman de Jeph Loeb e Ed McGuiness do início dos anos 2000, estabelecendo um Bruce Wayne de uns 45 anos de idade.

O principal movimento de pré-produção foi, portanto, encontrar um novo Batman. Christian Bale foi cogitado, mas seu retorno geraria contradição ao que foi mostrado em Ressurge (e claro que Nolan não aceitaria isso) e, portanto, nunca foi convidado para tal. Como de costume com um papel tão importante um grande número de atores foi convidado a fazer testes e outro tanto se candidatou ao papel. Nomes como Ryan Gosling foram convidados (ele recusou, pois nunca se envolveu em filmes de super-heróis) e muitos audicionaram, como Matthew Goode (que trabalhou com Snyder em Watchmen), Richard Armitage, Joe Manganiello e Josh Brolin, que de todos esses foi o que chegou mais perto pegar o papel.

Ben Affleck como Bruce Wayne.

Mas o motivo de Brolin não levar é que o favorito do estúdio, de Snyder e Nolan para o papel de um Bruce Wayne maduro era Ben Affleck. Apesar de sua carreira de ator andar meio “estragada” pelos críticos (ele nunca foi perdoado pelo fracasso de Pearl Harbor e era chamado de canastrão), Affleck se impunha por muitos méritos e, àquela altura era portador de nada menos do que dois Oscars: de Melhor Roteiro por Gênio Indomável (ao lado de Matt Damon) e por Melhor Filme por Argo. Isso subscrevia um plano da Warner em dotá-lo das condições de estrelar, escrever e dirigir um vindouro filme solo do Batman, pois todos os longas que dirigiu eram aclamados pela crítica. Affleck era um cineasta sério em todos os sentidos.

Affleck relutou bastante em aceitar o papel, pois apesar de ser um grande fã de quadrinhos, já vivera uma situação fracassada nesse campo: estrelou Demolidor, o homem sem medo da Marvel pré-MCU (em 2003) e o longa fora um fiasco. Mas em vista do currículo de Snyder, do envolvimento de Nolan e das conversas sérias e profundas sobre o personagem que teve com o diretor e Goyer, Affleck terminou aceitando vestir o capuz e a capa. Como esperado, o anúncio de sua contratação gerou bastante polêmica, mas parte do público e da crítica gostaram, com base no “outro lado” da carreira do ator-diretor. E quando o filme foi lançado, a interpretação intensa e apaixonada de Affleck rendeu público e crítica e seu papel foi considerado o melhor que o polêmico filme tinha a oferecer (falaremos mais disso adiante).

Chris Terrio e seu Oscar por Argo.

Na pré-produção, Affleck se mostrou desde o início como uma escolha acertada ao sugerir que o roteiro do longa precisava de refinamento e que gostaria de uma visão mais “erudita” do texto de alguém que não fosse envolvido com as HQs (como era Goyer) e indicou o escritor Chris Terrio, que tinha assinado com ele o roteiro de Argo (e também levou um Oscar por isso). Terrio trouxe maior profundidade ao texto, adicionando os elementos mitológicos que Snyder queria explorar sobre as figuras de Batman e Superman.

Mulher-Maravilha no trailer de A Origem da Justiça.

A escalação da atriz israelense Gal Gadot como Mulher-Maravilha também causou alguma controvérsia, pelo exíguo currículo da moça e uma participação não tão marcante na franquia Velozes e Furiosos. Advindo do cinema independente e do protagonismo no filme A Rede Social, a escolha de Jesse Eisenberg para Lex Luthor também causou estranheza e perplexidade, especialmente porque ele foi considerado jovem demais para o papel (e com uma aparência ainda mais juvenil do que sua idade), ainda mais em comparação com Cavill (na faixa dos 30 anos) e Affleck (na casa dos 40).

Ao contrário de O Homem de Aço, que foi filmado em Chicago e no Estado de Illinois, Snyder optou por filmar na cidade de Detroit e seus arredores no estado de Michigan, por ser mais barato e, com isso, conseguir viabilizar os complexos efeitos especiais esperados ao longa. As filmagens de segunda unidade começaram já em outubro de 2013 (para aproveitar o clima de início de outono) numa longa sequência de um jogo de futebol americano entre os times da Gotham City University e Metrópolis State University, que terminou não sendo usada na versão final do longa e trazia uma introdução ao personagem Victor Stone, o Ciborgue, vivido por Ray Fisher. (As cenas seriam reutilizadas anos depois na versão de Snyder de Liga da Justiça, conforme falaremos depois).

Os cenários foram construídos no fim daquele ano, e apesar de reutilizarem os sets da Fazenda Kent gravados na cidade de Plano, em Illinois, as filmagens principais começaram em maio de 2014 em Detroit e se estenderam até setembro. Um ciclo de refilmagens ocorreu entre novembro e dezembro.

A imagem da capa da revista sem os letreiros.

O visual do Superman permaneceu basicamente o mesmo do longa anterior, com sua roupa cheia de texturas, e o Batman foi criado com uma aparência mais ou menos correspondente, com seu uniforme retratado como uma roupa pela primeira vez no cinema, em vez das armaduras pretas da franquia desde 1989. O homem-morcego foi retratado com uma roupa especial, à prova de balas e fogo, mas totalmente maleável, num estilo que combinava os quadrinhos de desenhistas como Frank Miller em O Cavaleiro das Trevas e de Jim Lee em Hush/Silêncio, inclusive, na manutenção das cores cinza e azul escuros típicas dos quadrinhos tradicionais. As roupas dos dois heróis foram criadas por Michael Wilkinson.

Foi uma ruptura com tudo o que foi feito antes nos filmes, mas ficou um resultado espetacular e casou bem com a compleição parruda, forte e o queixo com furinho no meio de Affleck, que o tornaram o Batman mais fiel ao visual dos quadrinhos já apresentado pelos cinemas em todos os tempos. Um detalhe curioso é que Affleck era forte mesmo e bastante alto, sendo ainda mais alto do que Henry Cavill, o que fazia sua figura não apenas ameaçadora, mas a se impor em um ambiente. Ainda mais caracterizado.

Mas Batman também ganha um segundo uniforme no filme para lutar contra o Superman, sendo uma adaptação bastante fiel da armadura usada em O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller.

Mulher-Maravilha: parte da trama na I Guerra Mundial.

A Mulher-Maravilha foi retratada em uma versão fiel dos quadrinhos, apenas com o visual adaptado para parecer a roupa de um guerreiro grego da Antiguidade e as típicas texturas de Snyder. As cores vermelho, azul e dourado foram escurecidas para obter um visual menos chamativo. O resultado, inegavelmente, ficou muito bonito.

Os outros membros da Liga da Justiça aparecem brevemente no filme, como Ciborgue e Aquaman, vividos por Ray Fisher e Jason Mamoa, respectivamente, mas apenas o Flash ganhou um uniforme: uma estranha armadura vermelha cujo o capacete se abre (como o do Homem de Ferro da Marvel!) para mostrar o rosto (barbado!) de Ezra Miller usando uma máscara como a dos quadrinhos. Para quê tudo isso?

Batman e o Batmóvel.

O Batmóvel foi criado por Patrick Tatopoulos como uma combinação das versões estilizadas e fantasiosas de Batman – O Filme e Batman Eternamente com elementos militares mais realistas do Tumbler de Batman Begins, e o resultado é bonito, ainda que vemos mais cenas do carro em CGI do que de um modelo funcional de verdade como nos longas anteriores.

O longa foi lançado em março de 2016 e foi recebido de maneira dúbia por público e crítica. Nem de longe o longa teve uma recepção efusiva como esperava a Warner.

Muitas foram as questões. A visão complexa e erudita de Terrio, corroborada por Snyder, criou um problema: seu roteiro sugeria um filme de 3 horas de duração, que chegaria às 4 horas sem problemas. E claro que a Warner não queria correr esse risco, batendo o martelo em uma produção blockbuster padrão de 2 horas e meia. Snyder e Terrio terminaram esboçando duas versões: filmaram a versão de 3/4 horas e criaram uma síntese de 150 minutos para atender ao desejo do estúdio, mas a estratégia se mostrou equivocada, pois como a trama foi pensada no referencial “do maior para o menor”, muita coisa ficou apressada, sem sentido ou vazia quando cenas-chave e conceitos essenciais simplesmente não couberam dentro da versão menor.

Batman em uma visão de um futuro aterrador. Mas o quê…?

A profusão de personagens espalhados para todos os lados, muitas subtramas cruzadas, dois protagonistas “desequilibrados” (com muito mais tempo de tela e atenção para o Batman do que para o Superman) e até insinuações de viagens no tempo e realidades alternativas que não são explicadas [com as cenas do “futuro sombrio” na qual o Superman aparece como um tipo de dominador do mundo contra qual o Batman luta e poderia ser “só um sonho”, caso Bruce Wayne não visse o Flash aparecendo diante de si em um tipo de tubo de explosão – algo que existe nas HQs – para falar que “Lois é a chave”…]. Que porra é essa?

Snyder também ignorou os apelos do estúdio em maneirar um pouco a mão e criar um filme “mais leve” para poder dialogar com o grande público, e ao contrário, produziu um filme ainda mais sombrio, pesado e carregado do que O Homem de Aço. Com toda essa densidade mal equilibrada e exposta, A Origem da Justiça se mostrou simplesmente inacessível ao grande público, e isso se refletiu diretamente em sua recepção.

A Origem da Justiça reuniu Superman, Mulher-Maravilha e Batman.

Além do já relatado equívoco de matar o Superman antes que o público se importasse com ele, o erro de apresentar Batman e Mulher-Maravilha no mesmo filme (mais arremedos de Flash, Aquaman e Ciborgue) deixaram tudo meio bagunçado e sem foco. Tivesse focado apenas na dupla do título, o filme teria bem mais condições de apresentar algo ininteligível ao grande público. Ou a qualquer um.

E vale à pena acrescentar: A Origem da Justiça chegou aos cinemas no mesmo ano que Capitão América – Guerra Civil. Esse também era um filme lotado de personagens e subtramas, mas com a diferença de ter já 8 anos correntes de MCU. Àquela altura, Homem de Ferro já tinha três filmes, era o terceiro filme do Capitão América e os Vingadores já tinham tido dois filmes, de modo que havia espaço para apresentar Pantera Negra e Homem-Aranha (dois novos personagens naquele universo) com alguma folga. Este não era o caso do recém-inaugurado DCEU.

Todas essas questões tiveram impactos fortes em sua recepção. Batman vs Superman teve uma abertura forte: seu primeiro fim de semana nos EUA arrecadou US$ 166 milhões, seis a mais do que Ressurge, somando uma estreia global de 422,5 milhões, a segunda maior da história da Warner e a quinta maior da história. Porém, a recepção fria da crítica e o mal estar do público com aquele filme duro, escuro, denso, carregado, tresloucado em termos de múltiplas histórias… enfim, as impressões iniciais não foram nada boas. Nada mesmo! Então, o segundo final de semana bateu um recorde negativo: a segunda maior queda de bilheteria de um filme de super-heróis na história, de 81,2%!!!!! Perdeu apenas para o Hulk de 2003.

Lex Luthor: versão maníaca.

No final das contas, A Origem da Justiça arrecadou US$ 873,6 milhões nas bilheterias. Esse número poderia ser considerado um sucesso para quase todo qualquer filme, mas neste caso, os “quase” importam muito. Tendo em vista que Superman e Batman tinham longos históricos cinematográficos, que eram os super-heróis mais famosos de todos os tempos, conhecidos do público do mundo todo sem precisar de apresentações… e estarem reunidos no cinema pela primeira vez… Ninguém pode culpar a Warner por esperar que o longa atingisse 1 bilhão de dólares na arrecadação. E ter ficado aquém o transformou num fracasso.

E não custa lembrar: àquela altura, a concorrência do Marvel Studios já tinha alcançado a marca do 1 bilhão várias vezes, com filmes do Homem de Ferro e dos Vingadores e mesmo o concorrente direto Guerra Civil bateu a marca naquele mesmo ano. Isso não fez a Warner feliz. Não mesmo.

Teremos um Batman menos extremo em Liga da Justiça.

Snyder conseguiu que sua versão de 3 horas de duração (31 minutos a mais do que nos cinemas) fosse lançada em vídeo doméstico com o título de Ultimate Edition, e a maioria dos críticos gostou mais dessa versão, porque fazia a história ter mais sentido. Porém, era preciso considerar que para quem não gostou do longa pelo seu tom e estilo, não faria nenhuma diferença.

Esquadrão Suicida

  • Suicide Squad. 2016. Dirigido por David Ayer, com roteiro de David Ayer. Elenco: Will Smith (Floyd Lawton/ Pistoleiro), Jared Leto (Coringa), Margot Robbie (Dra. Harley Quinn/ Arlequina), Viola Davis (Amanda Waller), Joel Kinnaman (Rick Flagg Jr.), com participação de Ben Affleck (Bruce Wayne/ Batman).

Na esteira da morte do Superman, a Inteligência dos EUA decide criar a Força Tarefa X, comandada por Amanda Waller, um grupo secreto que usa criminosos poderosos e perigosos em missões suicidas, ao mesmo tempo em que são controlados por carregarem bombas implantadas em seus pescoços que explodirão caso desobedeçam as ordens. Sob a liderança de campo do militar Rick Flagg, o chamado Esquadrão Suicida reúne criminosos como Pistoleiro, Arlequina, Bumerangue, Katana e Diablo e tem a missão de conter a ameaça de Magia, a reencarnação de uma criatura mística em uma arqueóloga. Mas tudo fica mais complicado quando o Coringa, o abusador ex-namorado de Arlequina, decide se intrometer nos planos.

Que tal um filme do Batman sem o Batman? Esse foi o passo seguinte do DCEU… Preocupados com a má recepção de Batman vs Superman, a Warner criou, em maio de 2016, a DC Films, uma companhia cinematográfica associada responsável apenas pelos filmes de super-heróis da casa, liderada pelo escritor de quadrinhos (e com experiência na produção de filmes) Geoff Johns. A primeia missão de Johns e a DC Films foi justamente tentar “salvar” Esquadrão Suicida.

Então, voltemos um pouco… foi em 2009, na enxurrada de projetos que a Warner planejou inicialmente para os heróis da DC que nasceu a primeira ideia de um filme do Esquadrão Suicida, que apesar de usar o título de uma equipe genérica das HQs dos anos 1950, foi recriado nos anos 1980 como um time de supervilões em missões suicidas do governo lideradas por Amanda Waller, pelo escritor Joe Ostrander, dentro dos quadrinhos mais sombrios típicos do pós-Crise nas Infinitas Terras.

Justin Marks foi contratado para escrever o roteiro, mas aquela versão nunca se desenvolveu de verdade, então, na aurora do DCEU, a Warner decidiu resgatar o conceito e usá-lo como um veículo para mostrar que o universo cinematográfico que estavam criando já tinha uma longa história pretérita. Afinal, A Origem da Justiça estabelecia que Batman já patrulhava as ruas de Gotham City há 20 anos, não é mesmo? Pois havia duas décadas de criminosos como o Coringa por aí para explorar. Esquadrão Suicida era uma forma de mostrar isso.

David Ayer.

O estúdio terminou contratando David Ayer, famoso por Fury, mas que tinha dirigido filmes como Dia de Treinamento e o primeiro Velozes e Furiosos (ambos em 2001) e SWAT (2003), ou seja, alguém com histórico de filmes urbanos e policiais, alguns bem violentos. Ele também escreveu o roteiro, que era focado no casal Coringa-Arlequina atrapalhando os planos de Amanda Waller e da Força Tarefa X. Apesar da Warner querer ninguém menos do que Oprah Winfrey como Waller, acertaram na mosca na contratação de Viola Davis para o papel: seu retrato é de uma mulher implacável, sombria e assustadora, que é uma das melhores coisas do filme.

Viola Davis está estupenda como Amanda Waller.

E embora Emma Roberts fosse a favorita para Harley Quinzel, a segunda opção também se mostrou muito melhor, com a incrível Margot Robbie, que entregou uma vilã maluca, letal e carismática, mas nunca retratada como má. O papel de Coringa foi oferecido para Ryan Goslin, que de novo se recusou a trabalhar em um filme de HQs, e terminou nas mãos de Jared Leto, que apesar de famoso como líder da banda de rock 30 Seconds to Mars, tinha uma extensa e vitoriosa carreira em Hollywood, em filmes como Quarto do Pânico, Alexandre, Chapter 27, O Senhor das Armas e tinha ganho o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Clube de Troca Dallas.

Margot Robbie e Jared Leto como Arlequina e Coringa.

Outro dos protagonistas veio com Will Smith fazendo Floyd Lawson, o Pistoleiro, outro dos vilões do Batman dos quadrinhos, mas que se tornou a figura mais associada ao Esquadrão Suicida desde sua criação nas HQs. Foi o primeiro vilão de Smith, mais famoso por papel de mocinhos, ainda que faça um bad boy de vez em quando.

A produção do filme foi bastante conturbada, pois a versão de Ayer apresentada aos executivos da Warner não agradou, por ser considerado muito sombrio. Um novo editor foi contratado para montar uma versão mais leve do filme e os dois foram testados com o público em audiências-teste no início de 2016 e o resultado foi muito similar. O estúdio decidiu, então, criar uma terceira versão que combinasse elementos das versões sombria e leve, o que obrigou a extensas refilmagens. Refilmagens são comuns em blockbusters, que reservam algo como entre 6 e 10 milhões de dólares de orçamento para realizá-las, mas as de Esquadrão Suicida foram tantas, que custaram 22 milhões! Todo o 3º Ato do filme foi modificado e também se alterou a relação entre Coringa e Arlequina para uma coisa menos sombria e menos abusiva.

Batman em Esquadrão Suicida: ponto de vista dos vilões.

A versão final do filme que chegou aos cinemas em agosto de 2016 não era a que o diretor David Ayer queria e a recepção da crítica foi mista, assim como a do público. Ainda assim, Esquadrão Suicida foi considerado um sucesso, afinal, arrecadou US$ 746,8 milhões, não muito menos do que o “medalhão” Batman vs Superman. Serviu ao seu propósito de firmar um pouco mais o DCEU e trouxe a curiosa exploração de personagens ligados ao Batman que aparece em cenas de flashback interagindo não somente com Coringa e Arlequina, mas principalmente com o Pistoleiro de Will Smith. Também há uma cena pós-créditos de Bruce Wayne com Amanda Waller pavimentando a formação da Liga da Justiça.

Ficará para a história o Coringa de Jared Leto?

O público não gostou da versão de Leto do Coringa, com sua abordagem rapper gangster cheio de tatuagens, mas a Arlequina de Margot Robbie encantou a todos, a transformando em uma estrela. Will Smith não está mal em seu primeiro papel vilanesco – ainda que com todo aquele tom de redenção – e a química de seu personagem com a Arlequina é muito boa, sugerindo um romance entre a dupla. Viola Davis também rouba a cena toda a vez que aparece e sua Amanda Waller é perturbadora e uma grande personagem.

Pistoleiro e Arlequina: saldo positivo.

Infelizmente, apesar do sucesso inicial, Esquadrão Suicida envelheceu mal, e o público, em médio prazo, criou uma visão negativa do filme, pois sua trama é confusa, não resolvida e a “grande ameaça” do longa é sem graça e sem apelo. O trabalho de depurar o filme para torná-lo mais palatável – aparentemente, uma adesão de roteiro não creditada de Geoff Johns – terminou por deixar o papel do Coringa meio sem função e sem um arco propriamente dito. O público notou, também, inúmeras diferenças entre o que foi mostrado nos trailers e a versão dos cinemas, já que a prévia parecia apontar um filme muito mais pautado no Coringa do que a versão que foi lançada, na qual o palhaço do crime é apenas uma “escada” para a Arlequina brilhar. E isso não é um problema, mas o vilão realmente não tem função e seu papel é indefinido e só roda em círculos.

Um vislumbre do Coringa mais sombrio da “versão do diretor” do filme.

Com o passar dos anos, David Ayer passou a defender que a Warner lançasse uma Diretor’s Cut para apresentar sua versão mais sombria que, aparentemente, teria outro papel para o Coringa. Mas isso ainda não aconteceu.

De qualquer modo, Esquadrão Suicida foi a primeira amostra que o universo do Batman era passível de exploração profunda mesmo que o homem-morcego não fosse protagonista, ou mesmo não aparecesse. Não seria a última vez.

Liga da Justiça – 2016

  • Justice League. 2016. Dirigido por Zack Snyder e Joss Whedon (este, não creditado), com roteiro de Chris Terrio e Joss Whedon, a partir de história de Zack Snyder e Chris Terrio. Elenco: Ben Affleck (Bruce Wayne/ Batman), Henry Cavill (Clark Kent/ Superman), Gal Gadot (Diana Prince/ Mulher-Maravilha), Ezra Miller (Barry Allen/ The Flash), Jason Momoa (Arthur Cury/ Aquaman), Ray Fisher (Victor Stone/ Ciborgue), Jeremy Irons (Alfred Pennyworth), Diana Lane (Martha Kent), Connie Nielsen (Rainha Hipólita), J.K. Simmons (Comissário James Gordon), Ciarán Hinds (Lobo da Estepe), Amber Head (Mera), Joe Morton (Dr. Silas Stone). Versão de Zack Snyder lançada em 2021.

Enquanto o mundo vive o luto pela morte do Superman, Bruce Wayne e Diana Prince percebem que uma grande ameaça alienígena organiza um ataque à Terra e reúnem os metahumanos que descobriram existir durante os eventos de A Origem da Justiça. Vindos do planeta Apokolips governado pelo lendário tirano cósmico Darkseid, os parademônios e seu comandante, Lobo da Estepe (Steppenwolf), começam a sequestrar cientistas pelo planeta em busca da Caixa Materna, um poderoso artefato cósmico esquecido na Terra milhares de anos antes em uma batalha de Apokolips contra a humanidade com o reforço dos Deuses Gregos, das Amazonas, dos Atlantes e da Tropa dos Lanternas Verdes. Forjando uma frágil aliança, Batman, Mulher-Maravilha, Flash, Aquaman e Ciborgue se unem para tentar impedir que eles transformem a Terra em um planeta mais estéril e sombrio como Apokolips, mas suas forças não são o suficiente.

Isso leva o Batman a criar o plano maluco de usar o poder da Caixa Materna para ressuscitar o Superman, como último plano para impedir a catástrofe, mesmo sabendo das consequências sinistras deste ato. O plano dá certo e, embora o homem de aço volte dos mortos raivoso e fora de si, com o passar das horas ele recobra a consciência há tempo de se unir aos outros heróis e liderar a batalha final contra o Lobo da Estepe. Vencida a ameaça, os heróis decidem permanecer unidos como um grupo, nascendo a Liga da Justiça.

Batman e Flash estabelecem uma relação de tutoria.

Nenhum outro filme de super-heróis teve um histórico de produção mais complicado e polêmico do que Liga da Justiça. O que devia ser a grande virada da DC Comics no cinema, o momento histórico em que seus famosos personagens – e convenhamos, os heróis da DC já eram mais conhecidos do público em geral do que os da Marvel desde sempre – se reuniriam na tela grande pela primeira vez… tudo transformado em um dos maiores fiascos da história recente do cinema. Simplesmente inacreditável. E como nosso foco aqui é o Batman, não podemos esquecer que as implicações desse fracasso para o cavaleiro das trevas foram imensas.

Para começar, Zack Snyder e Chris Terrio planejaram um filme grande dividido em uma trilogia baseada nas sementes plantadas em Batman vs Superman: uma invasão de Apokolips à Terra, os heróis lutando contra Darkseid e perdendo, Bruce Wayne e Lois Lane tendo um caso na esteira da morte do homem de aço (ela ficando grávida!), a Liga da Justiça ressuscitando o Superman para ter uma nova chance e perdendo de novo, Lois Lane sendo morta pelos vilões e o Superman ficando vulnerável à Equação Anti-Vida de Darkseid, ajudando o vilão a criar o futuro sombrio visto nas alucinações de A Origem da Justiça, a Terra sendo basicamente arrasada pelos vilões, os heróis sobreviventes se reunindo num plano para voltar ao passado e mudar os eventos, o Flash retornando no tempo e conseguindo avisar o Batman e os heróis vencendo com o sacrifício do cavaleiro das trevas. Clark Kent se reunindo a Lois e os dois criando o filho de Bruce, que será um novo Batman no futuro.

Esse era o plano que – ainda bem! não pôde ser executado pela dupla.

A Warner ficou ressabiada com o mau resultado de Batman vs Superman e pediu um filme menor, menos sombrio, mas a verdade é que em nenhum momento Snyder e Terrio se dispuseram a cumprir essas exigências, mas ao mesmo tempo, não conseguiram definir claramente sobre o que era o primeiro filme… De novo, Snyder tentou “engabelar” a Warner, criando o roteiro para um filme de 4 horas de duração e se preparando para filmá-lo, algo que o estúdio não concordou. Mas era um barco muito caro, portanto, ele continuou a navegar mesmo com todos esses problemas.

Também ficou acertado que o longa iria preparar o terreno para uma nova série de filmes solo do Batman, que seriam escritos, dirigidos e estrelados por Ben Affleck. Por causa disso, Affleck foi elevado à categoria de produtor executivo de Liga da Justiça, o que teoricamente lhe dava poder de decisão criativa e de veto.

Os atores foram reunidos e as filmagens iniciaram em abril de 2016, ao mesmo tempo em que a DC Films ia sendo estabelecida com o quadrinista Geoff Johns na presidência, ao lado do produtor Jon Berg. Enquanto as declarações do estúdio – e de Johns – eram de que Liga da Justiça seria mais linear e simples e com temática mais otimista, não era isso o que estava no roteiro de Snyder-Terrio nem no conteúdo das filmagens, que continuavam escuras e densas, carregadas de filtros, no mesmo estilo do anterior. Os executivos começaram a perceber isso na medida em que provas das filmagens chegavam aos escritórios e ficaram muito preocupados.

Foi feito um acordo tácito entre a Warner, a DC Films de um lado e Snyder do outro de que a trama da morte de Lois Lane seria deixada para o segundo filme, o que fazia Liga da Justiça – Parte 1 (como o longa era chamado então) mais focado nos heróis lutando contra Darkseid e vendo que não conseguiam vencer, decidindo ressuscitar o Superman, com a volta do homem do amanhã garantindo o prometido “tom de esperança e positivo” que o estúdio tinha fé em incluir. Em algum momento, também, decidiram não “gastar” Darkseid logo na Parte 1 e – no que se provou um equívoco fenomenal – tiraram-no do filme e, no seu lugar, colocaram seu lacaio Steppenwolf como o inimigo físico que os heróis precisavam enfrentar.

Isso terminou colocando os mais famosos heróis do mundo se reunindo para enfrentar um personagem sem expressão, um erro praticamente imperdoável que aparentemente ninguém se deu conta.

A subversão de Snyder de filmar muito mais do que o filme “comportava” (com seu plano de 4 horas em mente) fizeram as filmagens se arrastarem pela maior parte do ano de 2016. Em algum momento no meio das gravações a Warner assistiu um compilado de cenas ficou estarrecida: não era nada do combinado, o filme continuava sombrio, arrastado, denso, duro e ininteligível. Numa decisão polêmica, mas algo padrão em Hollywood, Geoff Johns foi encarregado de reunir “comitê consultivo” de cineastas e escritores, com nomes como Joss Whedon (diretor dos dois primeiros filmes dos Vingadores e que tinha acabado de sair da Marvel após algumas divergências e chegava à DC para dirigir um filme da Batgirl), Allan Heiberg (roteirista de Mulher-Maravilha, que também estava em produção), Seth Grahame-Smith (contratado para dirigir The Flash) e Andrea Berloff (roteirista que tinha sido indicado ao Oscar no ano anterior por Straight Outta Compton). O comitê passou a reescrever o roteiro de Liga da Justiça para lhe dar um tom mais otimista e leve.

Chegou ao tenso ponto em que Snyder filmava várias versões da mesma cena ao mesmo tempo com seu estilo e com as indicações do comitê para que fossem escolhidas depois na edição. As filmagens terminaram no fim do ano e Snyder ficou responsável por montar um copião para que os executivos e o comitê assistissem a versão prévia do longa (ainda sem os efeitos especiais). O veredito do estúdio, quando isso aconteceu por volta de fevereiro de 2017, foi: o filme era impossível de assistir… ininteligível, sem foco, confuso e repetindo todos os mesmos erros de A Origem da Justiça, com personagens e tramas demais que não se entendiam. E o pior, como era esperada uma sequência, nenhuma das inúmeras subtramas do longa eram resolvidas, deixando o filme com cara de inacabado.

Joss Whedon.

De imediato, o estúdio contratou Joss Whedon para reescrever o roteiro de modo que Snyder fizesse extensas refilmagens para ajustar o tom e os temas. O diretor relutou e resistiu, mas em Hollywood, quem é dono dos porcos (a Warner), manda. Era aceitar ou cair fora. De início, Snyder aceitou e os trabalhos de planejamento começaram, mas era impossível reunir os atores (todos famosos e em momentos de ápice em suas carreiras) em um tempo hábil, afinal, estavam todos muito ocupados, o que jogou a previsão das refilmagens para julho e agosto, um prazo exíguo demais, pois o lançamento estava agendado para novembro de 2017.

Nos embates que se seguiram, o clima ficou muito tenso. Muito tenso mesmo. E então, em março de 2017, a filha de Snyder se suicidou. O diretor de início mergulhou no trabalho para compensar sua dor, mas com o clima péssimo no estúdio e vendo sua criatividade tolhida, decidiu jogar a toalha e se demitiu.

Zack Snyder (magro e abatido) ao lado de Jason Momoa.

A Warner viu a ação com alívio, pois era o que esperava. Então, designou Joss Whedon (que já estava reescrevendo o roteiro) para assumir a direção das refilmagens. Whedon aceitou pensando que a data de estreia seria adiada para março de 2018 e, com isso, ele refilmaria mais de 60% do filme e ganharia o crédito de diretor (pois essa é uma regra pétrea do sindicato dos diretores). Se refizesse menos do que isso, não ganharia o crédito.

A notícia da demissão de Snyder não foi publicizada e Whedon oficialmente era apenas um novo roteirista, mas as refilmagens começaram a ocorrer ao longo dos meses de julho, agosto e setembro, feitas de modo picotado ao sabor das agendas dos atores.

As refilmagens foram tensas e marcadas de conflitos. Aparentemente, Ben Affleck não estava feliz com o conteúdo apresentado por Whedon, preferindo o tom de Snyder. Para piorar, ele estava tendo problemas em acertar o passo com o filme do Batman, sentindo a pressão de carregar um personagem tão importante com tanta atenção em cima de si. Affleck era, para todos os efeitos, um cineasta independente, e trabalhar (como diretor e roteirista) sob a égide de um grande estúdio e de uma franquia o deixou muito desconfortável. Gradativamente, ele começou a ter problemas com álcool, um “detalhe” que acompanhou toda a sua vida adulta. Seu casamento com a atriz Jennifer Gardner também acabou no processo.

Ray Fisher e Gal Gadot revelaram em depoimentos futuros insatisfação com o comportamento abusivo de Joss Whedon, com o diretor acusado de comentários racistas e machistas, e Fisher mais tarde faria uma grande campanha contra ele, exigindo punição, no que foi corroborado por outros membros da equipe técnica (mas não dos atores), inclusive, reclamando da postura condescendente de Johns e Berg.

Neste ponto houve um grave problema: Henry Cavill, que tinha um papel protagonista como o ressuscitado Superman, estava filmando Missão Impossível – Efeito Fallout, e para o papel ostentava barba rala e bigode. Ele até podia comparecer às refilmagens, porque as gravações deste estavam suspensas devido a um machucado da estrela Tom Cruise, contudo, era impedido por contrato a raspar o bigode (é assim que Hollywood funciona). No que terminou sendo um enredo rocambolesco, o diretor Christopher McQuarrie autorizou Cavill a raspar o bigode para participar das refilmagens de Liga da Justiça, desde que a Warner pagasse 5 milhões de dólares à Paramount para incluir uma barba digital no rosto do ator quando ele voltasse a filmar em algumas semanas. Mas quando os executivos da Paramount descobriram o acordo, negaram veementemente e ameaçaram aplicar uma multa contratual caso Cavill raspasse seus pêlos!

Como resultado, o processo teve que ser inverso: Cavill compareceu às regilmagens de Liga da Justiça com bigode para que os técnicos de efeitos especiais o tirassem na pós-produção. Assim foi feito, mas por um motivo nunca inteiramente esclarecido, a Warner bateu o pé em não adiar o lançamento do longa, mantendo a data de novembro de 2017! Isso quando as filmagens do filme – um blockbuster carregado de efeitos especiais em todas as cenas e cujo o (inexpressivo) vilão principal era inteiramente construído de modo digital – se encerram em setembro! A maior explicação para o não adiamento é que, como a Warner Bros. foi comprada pela AT&T na época, se o filme não fosse lançado naquele ano, os executivos não receberiam seus dividendos correspondentes, precisando renegociá-los sob o teto da nova proprietária.

Como resultado, Liga da Justiça chegou aos cinemas do mundo em novembro de 2017 como um filme inacabado. Como as refilmagens de Whedon não atingiram a marca de 60%, ele não foi creditado como diretor, apenas como roteirista, e também (sejamos justos) não entregou o filme que planejou, pois não houve tempo para isso. A questão dos créditos gerou alguma polêmica em Hollywood, pois o diretor de fotografia original, Fabian Wagner, disse que apenas 10% do material que fez com Snyder foi usado, ao passo que o registro do estúdio mostra que Whedon escreveu 80 páginas de roteiro. (Na conta de Hollywood, cada página tem mais ou menos 1 minuto de filme e como o filme tinha 120 minutos…). Chris Terrio chamou o resultado final do filme de “vandalismo” e tentou na justiça ter seu nome tirado dos créditos, algo que não conseguiu, por causas das confusas regras de autoria de Hollywood.

A inacreditável boca de Henry Cavill na versão dos cinemas.

Os efeitos especiais da versão do cinema eram capengas, o filtro avermelhado aplicado para clarear o azul escuro de Snyder ficou muito artificial e, o pior de tudo, cobrir o bigode de Cavill gerou uma boca virtual horrorosa para o Superman, o maior “defeito” especial que um filme de primeira linha já ostentou. Algo vergonhoso e inacreditável!

Whedon adicionou humor ao filme e algumas cenas mais “humanas” – uma das quais acho interessante, é um flerte entre o Batman e a Mulher-Maravilha, na qual ela o ajuda com alguns ferimentos (destacando que ele é apenas um homem) e há uma conversa meio íntima entre os dois, o que mostra o potencial da história se fosse feita em outras condições – e refez todas as cenas do Superman, para lhe dar um ar mais otimista e luminoso, o que, no fim, resultou que o personagem tem aquela boca torta e artificial em todas as cenas em que aparece! E o filme ainda é um Frankstein, pois não se resolve enquanto tom e história, mesclando de modo bizarro os estilos tão distintos de Snyder e Whedon.

O resultado é um filme ainda confuso e sem brilho, com uma história direta, mas sem coração e uma ameaça genérica e sem graça demais para justificar a união de Superman, Batman, Mulher-Maravilha e companhia.

O resultado foi expresso imediatamente: embora a Warner esperasse uma estreia de 120 milhões no primeiro fim de semana nos EUA (uma expectativa modesta, em vista dos problemas de produção), Liga da Justiça arrecadou apenas US$ 93,8 milhões, ou seja, 45% a menos! Em comparação, lembre que Batman vs Superman arrecadou 166 milhões no fim de semana de estreia, quase o dobro! No segundo final de semana, a bilheteria nos EUA caiu para 41,1 milhões apenas. No mundo inteiro, a arrecadação total de Liga da Justiça foi de apenas US$ 657,9 milhões, abaixo de Batman vs Superman, de Esquadrão Suicida e de Mulher-Maravilha (que estreou em junho do mesmo ano). Foi o maior fracasso da história da DC nos cinemas em vista da importância do longa!

O fracasso comercial do longa e a insatisfação do público terminaram por condenar o DCEU à morte já no seu nascimento. Dali em diante, a Warner não conseguiu mais acertar seu passo (se é que acertou em algum momento) e tudo desandou. Os filmes individuais dos membros da Liga da Justiça desandaram, como The Flash passando pelas mãos de meia dúzia de diretores antes de ser lançado no longíquo 2023, Mulher-Maravilha 1985 saindo em meio à pandemia de Covid-19, em 2021, como um fracasso de público e crítica, e apenas Aquaman (2018) sendo bem sucedido, sendo o único de todos os filmes do DCEU a ultrapassar a marca de 1 bilhão nas bilheterias.

Superman e Batman tiveram filmes individuais planejados que nunca se concretizaram e restou à DC investir em peças menores, como Shazam! e Aves de Rapina – Arlequina e sua Fantabulosa Emancipação, para surfar na popularidade de Margot Robbie a questionável decisão de fazer uma mistura de reboot com sequência com O Esquadrão Suicida, dirigido e escrito por James Gunn (advindo da Marvel com Os Guardiões da Galáxia).

A versão de Snyder: mais escura e sombria.

Em paralelo, um grupo de fãs de Zack Snyder (discretamente incentivados por ele mesmo via redes sociais) iniciou uma ruidosa campanha na internet de release The Zack Snyder’s Justice League, o que rendeu anos e anos de postagens e discussões nas redes. Mas no fim, com a eclosão da pandemia em 2020 e a impossibilidade de lançar material novo (ou produzi-los), a Warner (que mudou de direção novamente no meio do caminho, comprada pela Discovery) terminou cedendo e lançou a chamada Snyder Cut no formato online no streaming do HBO Max em 2021, pagando 70 milhões ao diretor para finalizar o filme, que resultou em 4 horas de duração em tom escuro e um Superman com uniforme preto em vez de azul.

A versão de Snyder é melhor do que a do cinema, com a história fazendo mais sentido e ganhando mais peso com a adição de Darkseid nos bastidores (se não como oponente físico), mas carece dos mesmo problemas de não-solução da trama de seu predecessor e o Steppenwolf (bem mais assustador do que a versão anterior, é verdade) ainda sem justificar a reunião da Liga da Justiça.

A cena de Batman e Coringa.

Como brinde aos fãs, a versão do streaming apresentou um longo epílogo que inclui outra daquelas cenas no futuro apocalíptico mostrado em A Origem da Justiça e vemos Batman e Coringa (vividos por Affleck e Leto) obrigados a agir em conjunto para salvar o planeta, e um diálogo violento entre ambos. Tendo em vista que Esquadrão Suicida mostrou uma cena de ação entre ambos, mas não um diálogo propriamente dito – e portanto uma interação mais humana – isso foi visto com bons olhos, dando pelo menos uma oportunidade da dupla criar uma relação entre os rivais nesta versão.

Aves de Rapina – Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa

  • Birds of Prey (and the fantabulous emancipation of one Harley Quinn). Título alternativo: Harley Quinn – Birds of Prey. 2020. Dirigido por Cathy Yan, com roteiro de Christina Hodson. Elenco: Margot Robbie (Arlequina), Mary Elizabeth Winstead (Helena Bertinelli/ Caçadora), Jurnee Smollett-Bell (Dinah Lance/ Canário Negro), Rosie Perez (detetive Renee Montoya), Chris Messina (Victor Zsasz), Ella Jay Basco (Cassandra Cain), Ewan McGregor (Roman Sionis/ Máscara Negra).

Quatro anos após a missão da Força Tarefa X (o Esquadrão Suicida) contra Magia, a Arlequina foi abandonada pelo Coringa e vive um momento de depressão. Mas a notícia de que não está mais sob a proteção do temido palhaço do crime põe uma série de bandidos no encalço dela para se vingar, ao mesmo tempo em que a jovem imprudente Cassandra Cain rouba um valioso diamante, colocando sua cabeça a prêmio pelo chefão do crime Roman Sionis, secretamente conhecido como Máscara Negra. Para enfrentar essa ameaça e ajudar sua nova amiga, Arlequina não tem outra opção do que se reunir com a cantora Dinah Lance (que tem poderes de um grito supersônico), à vigilante urbana Caçadora e à policial desgraçada Renee Montoya, nascendo as Aves de Rapina.

Mais um filme do Batman sem o Batman. A incrível popularidade de Margot Robbie como Arlequina mais do que o sucesso amargo de Esquadrão Suicida motivou a Warner em considerar um filme solo da personagem, que era bastante popular por causa dos desenhos animados. Vários projetos circularam nos corredores do estúdio, inclusive, um deles voltado para explorar o romance conturbado com o Coringa, mas a própria Margot Robbie apresentou um projeto focado em um grupo de mulheres para aproveitar e dar um tom feminista e com sororidade ao filme. Robbie e a Warner negociaram por três anos até chegarem a um acordo sobre como o filme poderia ser e a escritora Christina Hodson foi contratada como roteirista, seguindo a orientação da atriz de ter uma roteirista e uma diretora, o que resultou em Cathy Yan assumir a cadeira da direção, a primeira mulher asiática a dirigir um filme de super-heróis.

Caçadora, Canário Negro e Batgirl: As Aves de Rapina.

A ideia era usar as Aves de Rapina (Birds of Prey, no original), nas HQs, um grupo de super-heroínas criado pelo escritor Chuck Dixon em 1996, fundado pela ex-Batgirl (e então Oráculo) Barbara Gordon e reunindo especialmente a Caçadora e a Canário Negro, além de outras personagens. A revista fazia parte da franquia do Batman nos quadrinhos, com personagens vinculados a ele e a ação em Gotham City. Ao longo do tempo, as histórias adicionaram algumas vilãs como membros ocasionais, com destaque à Arlequina e à Hera Venenosa, inclusive, com as duas iniciando um romance nessas tramas. Nos quadrinhos, o grupo gerou um spin-off em 2009 chamado Gotham City’s Sirens (As Sereias de Gotham), criado por Paul Dini e Guillem March, focado especialmente nas vilãs Mulher-Gato, Arlequina e Hera Venenosa, e durante um tempo, o filme adotou o nome deste grupo particular em sua pré-produção até que a Warner e a DC optaram por Birds of Prey, porque julgaram ter mais apelo e uma amplitude maior, já que nem Hera Venenosa nem Mulher-Gato iriam participar do longa.

O desenvolvimento do filme partiu daí, mas algumas personagens, como a Mulher-Gato e o Pinguim não puderam aparecer porque eram esperados para o vindouro filme solo do Batman, e a fundadora do time, Barbara Gordon, não pôde aparecer porque a DC desenvolvia um filme solo dela, também escrito por Hodson.

Montoya, Caçadora, Arlequina, Cassandra e Canário Negro no filme.

O filme fechou no time de Arlequina, Caçadora e Canário Negro (que justificam a identidade do grupo), com adesão da policial Renee Montoya, outra coadjuvante das HQs do Batman. Também aparece uma versão juvenil de Cassandra Cain, que nos quadrinhos assume o manto de Batgirl quando Barbara está paraplégica por causa da ação do Coringa. No filme, contudo, Cassandra é retratada como uma adolescente comum, sem nenhuma habilidade extraordinária. Para os vilões estão o serial killer Zsasz, um vilão menor que aparece com alguma frequência nas adaptações cinematográficas do morcego, e o Máscara Negra, que foi um dos principais oponentes do Batman nos quadrinhos dos anos 2000, retratado como o maior chefão do crime em Gotham. Como se vê o filme só não traz o Batman, mas tudo gira em torno dele no longa. As filmagens ocorreram entre janeiro e abril de 2019 em Los Angeles.

Máscara Negra no filme, por Ewan McGregor.

Birds of Prey estreou em fevereiro de 2020, sendo o último filme da DC Comics lançado antes da pandemia de Covid-19. O filme arrecadou apenas US$ 205,5 milhões em bilheteria, o que foi considerado abaixo do esperado, mesmo para um filme menor. Então, deu prejuízo.

A Arlequina de Margot Robbie ainda teve uma outra chance: em junho de 2021 estreou O Esquadrão Suicida, misto de sequência e reboot do filme da Força Tarefa X, agora dirigido e escrito por James Gunn ainda antes de ser escolhido para comandar o futuro DC Studios. Este novo filme, contudo, tinha uma vinculação muito menor com o universo do Batman (afora a escolha de alguns personagens) e também deu prejuízo, arrecadando apenas US$ 168 milhões nas bilheterias, 20 milhões abaixo de seu custo.

Batman

  • The Batman. 2022. Dirigido por Matt Reeves, com roteiro de Matt Reeves e Peter Graig. Elenco: Robert Pattinson (Bruce Wayne/ Batman), Zoe Kravitz (Selina Kyle/ Mulher-Gato), Paul Dano (Edward Nashton/ Charada), Jeffrey Wright (tenente James Gordon), Collin Farrell (Oswald Cobblepot/ Pinguim), John Turturro (Carmine Falcone), Andy Serkins (Alfred Pennyworth), Peter Sarsgaard (Promotor Público Gil Colson), com participações de Luke Roberts (Thomas Wayne), Stella Stocker (Martha Wayne) e Barry Keogham (Coringa).

Na Noite de Halloween, o Prefeito de Gotham City é assassinado, o que dá partida a uma série de mortes nas mãos de um misterioso serial killer que deixa enigmas para as autoridades, forçando o Departamento de Polícia a ir além de suas capacidades, com uma grande pressão sobre os ombros do detetive James Gordon, encarregado da investigação. Ao mesmo tempo, o recluso bilionário Bruce Wayne vem atuando secretamente como o vigilante urbano conhecido como Batman, usando sua fortuna para combater o crime com as próprias mãos, motivado pelo assassinato de seus pais quando era criança. Agindo à margem da lei, Batman é visto como um criminoso e é temido tanto pela polícia quanto pelos criminosos.

Contudo, a investigação de Wayne sobre o crime vai revelando segredos escusos das autoridades públicas de Gotham e de seu envolvimento com o crime organizado liderado pelo mafioso Carmine Falcone, que ordena ao seu “tenente” Oswald Cobblepot, conhecido como Pinguim, a reagir tanto ao serial killer chamado de Charada, quanto ao Batman. Enquanto Wayne descobre uma aliada na ladra Selina Kyle, que tem vínculos do passado com Falcone, Batman descobre que os crimes do Charada também estão associados a terríveis segredos de sua própria família!

Lançado e fracassado Liga da Justiça, o passo seguinte era o filme solo do Batman. Tanto que a reunião da equipe tinha uma cena pós-creditos no qual o Exterminador (Deathstroke, no original), vivido por Joe Manganiello, era contratado por um fugitivo da prisão Lex Luthor (de novo Jesse Eisenberg) para “montar a sua própria Liga”, abrindo o caminho para que o mercenário mais perigoso da DC Comics fosse o vilão principal de The Batman, escrito, dirigido e estrelado por Ben Affleck. A trama que o cineasta planejou com Geoff Johns mostraria Slade Wilson de posse do segredo da identidade secreta de Bruce Wayne para destroçar sua vida sendo-lhe um oponente intelectual e físico. A ideia era que, no início do filme, Wilson começaria a matar silenciosamente as pessoas próximas ao herói, para dar peso dramático e clima de terror ao longa.

“Bruce Wayne: Fugitivo”: colaboração de Brubaker e Rucka.

A trama bebia indiretamente na fonte da HQ Bruce Wayne – Fugitivo, escrita por Greg Rucka e Ed Brubaker em 2001, na qual o então Presidente dos EUA, Lex Luthor (sem saber que Bruce Wayne era o Batman) contrata o mercenário David Caine para incriminar Wayne pela morte da namorada, mas Caine sabia que Wayne era o Batman (pois o tinha treinado na juventude) e queria vingança contra o cavaleiro das trevas que tinha transformado sua filha, Cassandra Cain, em uma aliada, a nova Batgirl. Provavelmente, o único elemento de tudo isso presente no roteiro era o fato de um mercenário (Wilson no lugar de Cain) usando o segredo da identidade do Batman para atacar sua vida pessoal.

Por outro lado, esse elemento fazia a trama se aproximar de Born Again (A Queda de Murdock, no Brasil) uma famosa HQ do Demolidor da Marvel, na qual o Rei do Crime faz exatamente isso [e não esqueçamos: Affleck viveu o Demolidor no cinema em 2003], e cujos elementos foram explorados de modo difuso na terceira temporada de Daredevil da Marvel/Netflix, em 2018.

Arkham City: dos games para as telonas?

Mas a trama também tirava ideias de A Queda do Morcego (Knightfall) e da graphic novel Arkham Asyle de Grant Morrison, bem como de sua popular adaptação aos videogames. Por isso, boa parte do filme (o 2º Ato) era situado no Asilo de Arkham, pois o Exterminador causaria uma fuga em massa (elemento de Knightfall, onde é realizado por Bane e foi usado em O Cavaleiro das Trevas Ressurge) para cansar o cavaleiro das trevas antes de enfrentá-lo diretamente, o que ocorria no 3º Ato. Esse recurso permitiria que vários dos vilões da famosa galeria do Batman aparecessem no filme, se aproveitando da abordagem do personagem como um veterano no combate ao crime, abrindo caminho para sequências ou outros filmes. Embora não fosse previsto um confronto com o Coringa de Jared Leto, a morte do Robin seria explorada de algum modo na história.

Ben Affleck como Batman foi elogiado por críticos e público.

Em março de 2016, Affleck e Johns entregaram a primeira versão do roteiro, enquanto iniciavam as filmagens da Liga da Justiça. O estúdio ficou aparentemente satisfeito, pois foi agendado o lançamento de The Batman (título oficial) para o verão de 2018, uma data antes prevista para Liga da Justiça – Parte II. Em janeiro de 2017, Affleck comissionou Chris Terrio para escrever a segunda versão do roteiro, mas ao mesmo tempo, os problemas de Liga da Justiça se agravavam com a recusa da versão de Snyder pelos executivos da Warner. Então, Affleck decidiu que não iria mais dirigir The Batman e se concentrar apenas em estrelá-lo. Seu roteiro com Johns e Terrio serviria de ponto de partida para um novo diretor desenvolver sua própria história.

Matt Reeves.

A Warner começou a busca de um novo diretor e muitos nomes foram cogitados, inclusive, Ridley Scott e Dennis Villeneuve, já que o estúdio queria um autor, alguém com um currículo de trabalhos autorais, mas a procura não demorou muito: em março de 2017 já foi contratado Matt Reeves, de Planeta dos Macacos – A Guerra. Reeves queria uma abordagem mais séria, realista e dura para o Batman, indo na contramão do aspecto mais fantasioso de Zack Snyder, e o estúdio gostou disso. Reeves afirmou posteriormente que gostou do roteiro de Affleck, mas aquele não era o filme que queria fazer e começou a esboçar uma nova história totalmente do zero.

A pressão de fazer um filme de sucesso do Batman foi multiplicada várias vezes após o fracasso de Liga da Justiça em novembro de 2017, o que atingiu todos os envolvidos. Ben Affleck foi um dos escolhidos para levar a culpa e o estúdio começou a ter reservas com ele continuando no papel, muito provavelmente mais relacionados aos problemas com álcool que vinha manifestando.

Ben Affleck como Bruce Wayne: fim.

O fim de seu casamento e o alcoolismo levaram Affleck à borda do precipício e ele se internou em uma clínica de reabilitação em agosto de 2018. Quando saiu, a miserável experiência que viveu dentro da DC o convenceu de que não queria aquilo, então, pediu demissão não apenas do comando de The Batman, mas do próprio papel de Bruce Wayne.

A Warner seguiu planejando participações dele em filmes como The Flash e Aquaman, mas ao mesmo tempo em que Affleck se sentia pouco inclinado a voltar ao papel, o diretor Matt Reeves também preferia seguir seu próprio caminho, com um novo Batman, em vez de prosseguir a trama sugerida no fracasso da Liga da Justiça.

Ao fim e ao cabo, foi dada carta branca para Reeves fazer o que quisesse, então, ele criou a estranha condição de trazer um filme do Batman fora do DCEU, sem nenhuma vinculação com a versão de Affleck, mas um Bruce Wayne totalmente novo. Esses planos foram publicamente anunciados em janeiro de 2019, quando The Batman ganhou data de estreia para junho de 2021.

Reeves desenvolveu o roteiro com Peter Graig, e embora Mattson Tomlin também tenha contribuído, seu nome não ficou nos créditos, porque algumas de suas ideias terminaram não usadas na versão final e também porquê ele chegou mais na parte final da produção. Sendo um grande fã dos quadrinhos, Reeves investiu em um jovem Batman no início de sua carreira de combate ao crime, mas sem ser uma história de origem. O roteiro define que ele está no Ano Dois de sua guerra ao crime de Gotham City. Tal qual a franquia de Nolan, Reeves mergulhou na ambientação de Batman: Ano Um de Frank Miller e David Mazzucchelli e de O Longo Halloween e Vitória Sombria de Jeph Loeb e Tim Sale, explorando um Bruce Wayne que ainda está descobrindo como agir e comete erros, uma Selina Kyle que tem ligações íntimas com Carmine Falcone e sua família mafiosa e com o Batman investigando as ações de um serial killer.

O assassino do filme foi baseado no Assassino do Zodíaco da vida real, um serial killer que agiu na região de San Francisco entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970 e nunca foi preso, e o adequou ao Charada, porque o Zodíaco também enviava enigmas à polícia sob a forma de cartas. O fato do Charada matar pessoas ligadas ao poder e ao crime se relacionam à trama de O Longo Halloween (com outro assassino, o Feriado) e o plano final de inundar Gotham City é tirado de Ano Zero, de Scott Snyder e Greg Capullo.

Kurt Cobain serviu de inspiração para Bruce Wayne.

Reeves queria um Bruce Wayne mentalmente danificado, ligeiramente inspirado em Kurt Cobain, o guitarrista e líder da banda Nirvana, que se suicidou em 1994, em particular com a versão ficcionalizada do músico no filme The Last Days, de Gus Van Sant, o que levou à canção Something in the way ser o principal tema do filme e usada no primeiro trailer. Por isso, Wayne não é um playboy, mas um recluso obsessivo. A trama explora suas habilidades detetivescas (como em O Longo Halloween, mas uma marca forte nos quadrinhos desde sempre) de um modo que os filmes do herói nunca tinham antes se detido, mas alguns elementos mais “modernos” do cânone foram inseridos, como Thomas Wayne ser uma figura pública ao ponto de se candidatar a prefeito (e ser um sujeito algo controverso) e Alfred Pennyworth ser um pouco mais jovem e um homem durão, ex-militar, tal qual como em Terra Um de Geoff Johns e Gary Frank.

Página de Batman: Earth One, volume 1, com Bruce e Alfred.

Tal como a do diretor, a busca pelo novo Batman foi intensa, mas não muito longa. Reeves tinha dois atores específicos em mente: Robert Pattinson e Nicholas Hoult, mas o estúdio também convidou Aaron Taylor-Johnson, enquanto Armie Hammer (sim, quem teria sido o Batman em Liga da Justiça – Mortal, dez anos antes) fez campanha pelo papel, mas não foi considerado seriamente. Johnson recusou a proposta e a disputa ficou entre Pattinson e Hoult.

Nicholas Hoult foi um forte candidato ao papel.

Reeves escreveu o papel de Bruce Wayne com Pattinson em mente, inspirado em sua interpretação em Good Time (2017). Desde o fim da franquia Crepúsculo que o levou à fama, Pattinson tinha se afastado dos grandes filmes de estúdio e mirado no cinema independente, o que lhe valeu interpretações intensas e elogiadas naquela década, mas a Warner sentia que sua escalação seria polêmica e parecia preferir Hoult, que vivera o personagem Hank McCoy, o Fera, nos filmes dos X-Men da Marvel/Fox entre 2011 e 2019. Hoult vinha arranhando a superfície de Hollywood há algum tempo como um potencial superastro, já tendo se aproximado várias vezes de ficar com papeis célebres, como Superman ou James Bond.

Robert Pattinson, um Bruce Wayne danificado.

Os dois atores foram a Los Angeles fazer um teste em maio de 2019 e Pattinson foi o escolhido, começando uma obsessiva preparação para o papel, lendo quadrinhos do Batman, treinando jiu-jitsu com o brasileiro Rigan Machado e malhando para ganhar um corpo musculoso, ainda que magro, para as filmagens. Com o protagonista escolhido, correu a seleção do restante do elenco, que Reeves insistiu em ser mais etnicamente diverso. Zoe Kravitz foi convidada para fazer o teste como Selina Kyle, pois era uma favorita dos fãs e já tinha dado voz à personagem na animação Batman – Lego, de alguns anos antes, e terminou sendo a escolhida, contra candidatas como Ana de Armas, Zazie Beetz e Alicia Vinkander. Vários atores afrodescendentes foram convidados para testar para o papel de Gordon e Mahershala Ali foi bem adiante, mas desistiu para se dedicar ao papel de Blade no Marvel Studios, e o escolhido acabou sendo Jeffrey Wright, que mergulhou no estudo do personagem nas HQs.

Paul Dano como Charada.

Jonah Hill foi um ator que a Warner queria para o papel de Pinguim, pois era outro dos favoritos dos fãs, e o ator entrou em negociações tanto sobre este papel quanto sobre o do Charada, também, mas ele pediu um salário muito alto e as negociações não foram adiante, ao passo que Reeves escolheu Paul Dano para viver o Charada, por causa do retrato que o ator construiu sobre o compositor Brian Wilson (o líder dos Beach Boys) no filme Love & Mercy, de 2014. Kravitz, Wright e Dano foram contratados em outubro de 2019, com Andy Serkis convidado pelo próprio diretor para viver Alfred no mês seguinte, mesma época em que John Turturro e Collin Farrell foram contratados para viverem Falcone e Pinguim, respectivamente.

Colin Farrell como Pinguim.

A escolha de Farrell para o Pinguim, claro, foi uma grande surpresa. Ex-galã dos anos 2000, Farrell teve problemas com drogas e descarrilhou a carreira, então, vem se reinventando como ator em anos recentes, escolhendo papeis menos óbvios e mais desafiadores. Desde o início ficou claro que ele usaria próteses e maquiagens para compor o papel e quando seu visual terminou revelado surpreendeu mais ainda, pois está irreconhecível como Oswald Cobblepot, ao ponto de que Wright, por exemplo, não o reconheceu no set de filmagens. Farrell também usou uma roupa de espuma para ficar mais gordo, porque não queria ganhar mais peso depois que teve problemas de saúde ao fazer isso para filmar The North Water.

O Batmóvel de Reeves é ainda mais realista do que o de Nolan.

Reeves escolheu fazer o Batmóvel de modo completamente diferente do estilo tanque usado tanto por Nolan quanto por Snyder e concebeu o que parecia um mustang dos anos 1970 redesenhado de modo “caseiro” como um carro superpotente, mantendo a lógica da história de que o veículo teria sido realmente construído por Wayne e Alfred em sua garagem. O carro foi construído usando a base de um Dodge Charger de 1969 e usava um motor de grande potência de verdade, para as cenas que exigiam velocidade. Foram construídas cinco unidades, duas das quais para os efeitos especiais (como disparar fumaça ou óleo na pista) e duas elétricas para cenas em estúdio ou filmadas no escuro. No filme, Reeves imprimiu ao Batmóvel a aparência de uma besta viva, que causasse terror nas pessoas, inspirado no livro Christine de Stephem King, no qual um carro é possuído por um espírito.

Dublê pilota a Batmoto nas filmagens na Escócia.

Também foi construída uma Batmoto (ou Batpod) seguindo o mesmo estilo.

Para a Batsuit, Reeves se inspirou na arte que Lee Bermejo usou em HQs como Noel e Damned, o que também atendia ao interesse de Pattinson de usar uma roupa na qual pudesse se mover. O design sugere uma roupa “feita a mão”, para dar o tom realístico do filme, no qual tudo foi feito apenas por Wayne e Alfred, com o uniforme composto de várias partes distintas que se conectam. A Batsuit também combina a cor preta tradicional do cinema com tons de cinza escuro, para que o personagem fosse mais visível pelo público durante as cenas escuras. A capa e a máscara sugerem o couro como material, embora o capuz fosse na realidade uma borracha sintética de poliuretano com um design para fazer referência à máscara de Adam West no seriado dos anos 1960, ao mesmo tempo em que remetia ao formato de um crânio tal qual a representação comum da Morte, enquanto a capa era de couro sintético, porque o couro real era muito pesado. O símbolo do morcego no peito foi transformado em um batarangue que desacopla da roupa para ser usado como arma, também na busca de algo mais realista.

Ao contrário de todos os outros filmes, Reeves decidiu assumir que Bruce Wayne precisa usar maquiagem (sombra preta ao redor dos olhos) para conseguir o efeito no qual vemos apenas seus olhos na máscara e esse recurso é usado em uma famosa cena do filme, quando ele tira a máscara na Batcaverna. A visão de Wayne com os olhos pintados termina favorecendo o retrato do personagem como alguém psicologicamente danificado.

O Charada usa uma roupa bastante baseada no Assassino do Zodíaco, inclusive, com uma máscara que se assemelha tanto ao visual do Silêncio (Hush) dos quadrinhos, quanto as lentes redondas sugerem o Garra da Corte das Corujas, um recurso para que o serial killer não deixasse nenhum vestígio de DNA nas cenas de crime.

O Charada uniformizado: serial killer.

As filmagens iniciaram em janeiro de 2020 com o lançamento agendado para junho de 2021. As gravações ocorreram no Reino Unido, com a Batcaverna, a Mansão Wayne e até alguns quarteirões de Gotham construídas nos estúdios da Warner Bros. em Leavesden, na Inglaterra. Contudo, a eclosão da pandemia de Covid-19 paralisou as filmagens em março e, ainda assim, o treinador de linguagem do filme, Andrew Jack, morreu de Covid durante a suspensão. As filmagens só foram retomadas em setembro, mas Pattinson testou positivo para o vírus e ficou mais três semanas afastado das gravações. O ator também quebrou o pulso bem no início das filmagens.

As gravações com locações ocorreram em Londres, Liverpool e Glasgow para captar a arquitetura gótica e clássica dessas cidades como parte do aspecto distintivo de Gotham, mas Reeves também usou cenários no estúdio e o recurso do stagecraft da Industrial Light and Magic que foi desenvolvido para a série de TV The Mandalorian: uma parede de painéis de luzes de LED que permitem a reconstrução digital de cenários, de um modo tão efetivo quanto o CGI, mas com a vantagem de ser visto pelos atores durante a filmagem, que podem ter reações mais realísticas e se sentirem mais incluídos no cenário e no ambiente.

Jeffrey Wright como o policial James Gordon.

Três quartos do filme foram filmados no cenário pós-pandemia, o que obrigou a uma série de medidas restritivas, com o diretor usando máscaras médicas e óculos de mergulho para não se contaminar (e comprometer a conclusão do longa), estabelecimento de regras de pouca interação entre a equipe, para diminuir o risco de contaminação e até o uso de câmeras remotas, nas quais um ator como Pattinson atuava sozinho, acompanhado a distância pelo cameraman e o diretor em salas diferentes e se comunicando por meio de rádio e fones de ouvido.

Com os adiamentos, a estreia foi reagendada para março de 2022 e as filmagens terminaram um ano antes, em março de 2021. O primeiro trailer, contudo, já foi lançado em agosto de 2020, com algumas cenas do Batman caminhando e o som de Something in the way do Nirvana como trilha sonora. Para evitar que o visual do herói fosse visto primeiro em vazamento de paparazzis durante as filmagens, um teaser foi lançado já em fevereiro de 2020, junto ao início das filmagens, mostrando Pattinson com a máscara do herói sob luzes vermelhas e o Batmóvel foi revelado por meio de fotografias no mês seguinte.

Zoe Kravitz como Selina Kyle, a Mulher-Gato.

A estreia mundial causou bastante impacto pelo conteúdo sério, sombrio e violento do filme, e deixou público e crítica muito satisfeitos. The Batman arrecadou US$ 137 milhões em seu fim de semana de estreia nos EUA, sendo a segunda maior abertura de um filme durante o período pandêmico, atrás apenas de Homem-Aranha – Sem Volta para Casa no ano anterior. No total, o filme arrecadou US$ 772 milhões no mundo todo, um valor que foi menor do que Batman vs. Superman, por exemplo, mas que foi muito alto para o período pós-pandêmico. A crítica elogiou muito o filme.

The Flash

  • The Flash. 2023. Dirigido por Andy Muschietti, com roteiro de Christine Hodson e história de John Francis Daley, Jonathan Goldstein e Joby Harold. Elenco: Ezra Miller (Barry Allen/ The Flash), Sasha Calle (Kara Zor-El/ Supergirl), Maribel Verdú (Nora Allen), Ron Livingston (Henry Allen), Michael Keaton (Bruce Wayne/ Batman), Michael Shannon (General Zod), Kiersey Clemons (Iris West), Antje Traue (Faora-Ul), com participações (não creditadas) de Ben Affleck (Bruce Wayne/ Batman), Gal Gadot (Diana Prince/ Mulher-Maravilha), Jason Momoa (Arthur Cury/ Aquaman), Jeremy Irons (Alfred Pennyworth) e George Clooney (Bruce Wayne).

Atormentado pelo assassinato de sua mãe, que levou seu pai injustamente à cadeia, o cientista forense Barry Allen, que secretamente é o super-herói The Flash da Liga da Justiça, decide voltar no tempo e impedir o crime, no que resulta na alteração da linha temporal e numa catástrofe em seu mundo, que fica desprotegido da invasão alienígena kryptoniana do General Zod, obrigando Barry a recorrer à versão juvenil de si mesmo para salvar esse novo mundo. Mas quando vai atrás de seus velhos amigos da Liga da Justiça, Barry descobre que está tudo diferente e o Superman não chegou à Terra (e sim, sua prima Kara Zor-El, como ele vai descobrir depois) e o Batman não é quem ele conhecia. Junto a esses novos amigos, o Flash precisa impedir a invasão dos vilões e tentar restaurar a linha temporal que destruiu.

O DCEU começou com o combalido Superman – O Homem de Aço e precisou terminar com o mais combalido ainda The Flash, que apesar de focado no velocista escarlate dos quadrinhos, entra em nossa lista pela presença importantíssima do Batman como personagem na trama. E em duas versões! Ou três…

A produção de The Flash foi muito, mas muito conturbada. Em um nível similar ao de Liga da Justiça, ainda que por motivos totalmente diferentes. Daria um Dossiê inteiro apenas narrar as desventuras desse filme até o seu lançamento em 2023, mas como nosso foco aqui é no Batman, iremos apresentar uma versão resumida e sintética.

Flash nos quadrinhos.

A ideia de um filme do velocista escarlate corre os corredores da Warner Bros. desde os longínquos anos 1980, quando os filmes do Superman de Christopher Reeve ainda estavam sendo lançados e o projeto do primeiro filme do Batman se desenvolvia, e Jeph Loeb (mais tarde o escritor de O Longo Dias das Bruxas) produziu um roteiro. O primeiro fruto da empreitada foi a série de TV do Flash, que foi exibida entre 1990 e 1992 e o projeto foi retomado no início dos anos 2000, no contexto da primeira explosão de filmes de super-heróis que rendeu Batman Begins, Superman – O Retorno e Mulher-Gato. Um filme do Flash (com roteiro de David S. Goyer e a ideia de Ryan Reynolds como Wally West) era algo que circulava junto com os não realizados Mulher-Maravilha de Joss Whedon ou Liga da Justiça – Mortal, e vários roteiros foram produzidos, por gente como Craig Wright (de Lost), Geoff Johns (futuro presidente da DC Films), Dan Mazeau e o trio Greg Berlanti, Michael Green e Marc Guggenheim (de Lanterna Verde). Pata a direção, nomes como Shawn Levy (futuramente em Deadpool) e David Dobkin chegaram a estar envolvidos.

Mas a coisa andou de verdade a partir do lançamento do DCEU com Superman – O Homem de Aço e, especialmente, Batman vs. Superman – A Origem da Justiça, que já trouxe o embrião da Liga da Justiça e a certeza de que esses novos heróis ganhariam, cada um, seus próprios filmes individuais, começando com Mulher-Maravilha… ainda que no fim das contas, apenas Aquaman e Flash realmente tiveram suas produções, enquanto Superman, Batman e Ciborgue não tiveram seus filmes individuais produzidos na confusão que seguiu ao fiasco de Liga da Justiça.

Bruce Wayne e Barry Allen em Liga da Justiça, com Ben Affleck e Ezra Miller.

A Origem da Justiça já escalou o ator Ezra Miller (vindo do perturbador Precisamos Falar sobre o Kevin) para viver Barry Allen e ele aparece em uma confusa sequência na qual aparece vindo do futuro para avisar a Bruce Wayne que “Lois é a chave”, e ele também é visto em uma filmagem de “circuito interno” impedindo um assalto. Como desdobramento, Miller aparece como o Flash em Esquadrão Suicida, numa curta sequência de flashback no qual prende o Capitão Bumerangue. E, por fim, claro, ele aparece em Liga da Justiça, onde é retratado como o “novato” (aquele que tem menos experiência com seus poderes) e como o alívio cômico do filme na versão de Joss Whedon.

Flashpoint nos quadrinhos: realidade alternativa.

Enquanto tudo isso acontecia, o projeto de The Flash caminhava, decidido a adaptar sua história mais famosa dos tempos recentes: Flashpoint, escrita por Geoff Johns (vejam só) e desenhada por Andy Kubert, no qual o velocista escarlate volta ao tempo para salvar a mãe, é atrapalhado pelo vilão Flash Reverso e termina criando uma nova linha temporal apocalíptica, que quando tenta restaurar, termina criando a desculpa para o reboot da DC Comics em 2011, Os Novos 52.

Com Johns elevado à presidência do recém-criado DC Films e vindo de uma carreira nos quadrinhos nos quais escreveu célebres histórias do Flash, o filme solo de Barry Allen era realmente uma prioridade do estúdio. E isso deve ter atrapalhado muito! O diretor James Wan foi convidado para escolher entre fazer um filme do Flash ou do Aquaman e optou por este último – realmente o lançando em 2018 e sendo o único filme do DCEU a ultrapassar a marca do 1 bilhão nas bilheterias.

Linha do tempo com a sequência de diretores de The Flash.

A dupla Phil Lord e Christopher Miller, famosos pelos filmes da Lego, foram contratados para escrever o roteiro de The Flash em abril de 2015 e tinha a prorrogativa de dirigi-lo, mas a dupla aceitou conduzir Solo – Um Filme de Star Wars (que, no fim das contas, seriam demitidos e substituídos por Ron Howard) e Seth Grahame-Smith (escritor de livros sobre zumbis de sucesso) foi contratado em outubro, e faria sua estreia como diretor com o longa a partir do roteiro deixado pela dupla. Por causa de sua inexperiência, foi assessorado por Jay Oliva (um artista de storyboards que havia dirigido a animação The Flashpoint Paradox, de 2013, que também adaptava a HQ) e o resultado agradou o suficiente o estúdio para que o longa ganhasse a data de estreia de março de 2018. Mas Grahame-Smith deixou o projeto em abril de 2016 e foi contratado o diretor Rick Famuyiwa, em junho, que entregou um novo roteiro em setembro e contratou Kiersey Clemons como Iris West e Billy Crudup como Henry Allen (e ambos gravaram cenas para Liga da Justiça, que estava sendo filmado), mas Famuyiwa também deixou o projeto no mês de outubro.

Isso representou um corte na produção, pois o roteiro produzido a partir do trabalho de Lord, Miller, Grahame-Smith, Oliva e Famuyiwa foi abandonado e começou do zero com o escritor Joby Harold, que entregou seu texto em maio de 2017, ao mesmo tempo em que Liga da Justiça implodia com a saída de Snyder e a entrada de Whedon. O roteiro agora era uma adaptação mais direta de Flashpoint do que antes e este até passou a ser o novo título do filme, com o texto dando ênfase na participação do Batman. Para dirigir, eram pensados Matthew Vaughn (de X-Men – Primeira Classe e Kingsmen) e Robert Zemeckis (De Volta para o Futuro, Forest Gun) ambos interessados em assumir, ao passo que Sam Raimi (da Trilogia do Homem-Aranha), Marc Webb (500 Dias com Ela e Espetacular Homem-Aranha) e Jordan Peele declinaram do convite. O estúdio convidou até Ben Affleck para assumir a direção, já que ele não queria mais dirigir o filme solo do Batman e seria uma maneira de mantê-lo vinculado ao papel, mas ele também não aceitou.

O quadrinista Grant Morrison chegou a tentar fazer uma versão mais sombria.

A dupla de diretores John Francis Daley e Jonathan Goldstein (roteiristas dos novos filmes do Homem-Aranha e diretores de Dungeons and Dragons – Honra entre Ladrões) foram contratados em maio de 2017 e voltaram o filme para uma abordagem mais leve e na qual o herói ainda estava aprendendo a usar seus poderes (como é retratado na Liga da Justiça de Joss Whedon), mas as filmagens não iniciaram de imediato porque Ezra Miller estava comprometido com a franquia Animais Fantásticos. O ator parece não ter gostado do tom do filme, pois se uniu ao escritor de HQs Grant Morrison para criar uma versão mais adulta e sombria do roteiro, como foi divulgado em março de 2019, e ainda que o estúdio preferisse a abordagem de Daley e Goldstein, essa “desautorização” do protagonista deve ter criado um clima ruim e a dupla de diretores deixou o projeto em julho, com a Warner convidando a escritora Christine Hodson para fazer o novo roteiro, pois ela trabalhara em Birds of Prey e também escrevia um filme da Batgirl. A cadeira de diretor finalmente encontrou assento em Andy Muschietti, em novembro de 2019, cineasta argentino vindo do sucesso do filme It – A Coisa, baseado na obra de Stephen King.

Grande surpresa, Michael Keaton retorna como Batman 30 anos depois!

Muschietti e Hodson mantiveram a inspiração em Flashpoint, porém, de modo apenas tangencial, relacionada à sinopse básica (Barry Allen voltar no tempo para salvar sua mãe e inocentar seu pai) e usar isso para associar ainda mais o personagem ao Batman, aumentando a participação de Bruce Wayne na trama. Contudo, em vista ao fato de Ben Affleck já ter se demitido do DCEU àquela altura e The Batman de Matt Reeves já estar em produção – e ser lançado ainda antes de The Flash – a produção procurou agradar os fãs da DC e convidou o veterano Michael Keaton para reprisar o papel que vivera 30 anos antes!!!! A confirmação da escalação de Keaton foi anunciada em agosto de 2020, ao mesmo tempo em que se confirmou que Affleck também teria uma participação no filme como o homem-morcego da linha temporal de Barry Allen. Àquela altura, a pandemia de Covid-19 já havia obrigado o adiamento da estreia do longa, e as filmagens, originalmente previstas para março de 2021, começaram um mês depois disso, em abril.

Kiersey Clemons como Iris West na cena de Liga da Justiça de Zack Snyder.

Enquanto isso, o restante do elenco foi contratado e, depois de tantos adiamentos e trocas de diretores, Kiersey Clemons e Billy Crudup, que filmaram cenas para Liga da Justiça nos papeis de Iris West e Henry Allen, respectivamente, já não estavam mais sob contrato. Clemons conseguiu negociar seu papel de volta, mas Crudup não, pois o cronograma das filmagens chocava-se com o de sua série The Morning Show, e seu papel terminou assumido por Ron Livingston. Houve uma grande disputa para o papel de Supergirl, com nomes como Rachel Zegler e Bruna Marquezine entre as finalistas, mas a escolha recaindo em Sasha Calle, atriz americana de ascendência colombiana que aparecia na novela The Young and Restless e faria sua estreia em um longametragem. Para o papel de Nora Allen foi contratada a atriz espanhola Maribel Verdú, que tinha traços mais orientais para combinar com a aparência de Ezra Miller como sua mãe. Em vista da ameaça dos kryptonianos no filme, Michael Shannon e Antje Traue aceitaram reprisar os papeis de General Zod e Faora que viveram em Superman – O Homem de Aço.

Batman (Ben Affleck) e Flash na ação inicial do filme.

As filmagens iniciaram em abril de 2021 e seguiram até outubro, baseadas principalmente nos estúdios da Warner em Leavesden, na Inglaterra, mas houve gravações externas em Edimburgo e Glasgow, na Escócia, para “dublarem” como Gotham City nas cenas entre Barry e o Bruce Wayne de Affleck e na longa cena de ação do início que traz a Liga da Justiça em ação, com participação também de Gal Gadot como Mulher-Maravilha. Parte dessa ação envolvia o Batman usando tanto o Batmóvel quanto o Batpod. Os efeitos da pandemia e a necessidade de refinar os efeitos especiais fizeram a pós-produção ser estendida e o lançamento inicialmente planejado para 2022 foi adiado em um ano para junho de 2023.

Em vista da trama envolvendo o Multiverso, Muschietti e a DC Comics colocaram várias participações especiais ao longo do filme, especialmente na cena em que o Flash viaja pelas linhas do tempo, de modo que as outras franquias da DC no cinema e na TV fossem mostradas como realidades alternativas. Por causa disso, vemos (muito rapidamente) o Batman de Adam West ou o Superman de George Reeves em cenas de arquivo adulteradas digitalmente, mas também vemos com um pouco mais de tempo de tela o Superman de Christopher Reeves ao lado da Supergirl de Helen Slayter (recriados em CGI) e o Superman de Nicholas Cage, com o ator gravando sua cena e sendo rejuvenescido digitalmente (numa ação baseada no roteiro de Superman Lives, o filme não-realizado que seria estrelado pelo ator nos anos 1990).

As cenas finais do longa, no qual Barry Allen volta ao presente achando que consertou a linha do tempo apenas para descobrir que ela mudou foram refeitas diversas vezes na pós-produção. Em determinado momento, foi gravada uma cena com Barry, Mulher-Maravilha, o Superman de Henry Cavill, a Supergirl de Calle e o Batman de Keaton para fechar o filme e apontar o futuro do DCEU. Cavill havia regressado ao papel de Clark Kent após uma aparição em Adão Negro e estava em pré-produção um novo filme solo de seu personagem. Também havia planos de um filme da Supergirl com Calle (que morria no filme, mas aquilo era em outra linha temporal…) e também estava em produção um filme da Batgirl, na qual Keaton efetivamente gravou uma participação. (O filme seria cancelado depois de pronto e nunca foi lançado, numa polêmica decisão da Warner).

De modo alternativo, foi filmada uma cena mais simples na qual Barry e Bruce se encontram no fim, como maneira explorar a mudança da linha temporal e de mostrar a forte vinculação dos dois personagens, pois a trama se inicia com essa dupla (a versão Affleck) e se desenvolve ao longo da trama na realidade alterada do passado (com a versão de Keaton) e era uma forma de fechar o ciclo. Para dar opções ao diretor, essa cena, na qual Bruce desce de um carro possante, foi gravada por Affleck e Keaton, e durante bastante tempo, foi pensada em se usar a versão de Keaton, pois ele substituiria Affleck na nova continuidade do DCEU.

George Clooney aparece brevemente como Bruce Wayne.

Mas tudo mudou quando a Warner anunciou a criação do novo DC Studios, substituindo o velho DC Films, que seria comandado pela dupla James Gunn e Peter Safran, em papeis similares ao de Kevin Feige na Marvel Studios, com a missão de administrar toda a produção envolvendo os heróis dos quadrinhos. A decisão da dupla foi de fazer um reboot total, largar mão do DCEU e investir no novo DCU, o que, ao fim e a cabo, deixou The Flash e o vindouro Aquaman e o Reino Perdido como duas produções inócuas. Na esteira do cancelamento de Batgirl e da decisão de não manter um Batman idoso com Keaton, a cena de Barry e Bruce no final foi mudada outra vez, e já que nem Affleck nem Keaton iriam retornar ao personagem, os criadores decidiram fazer uma brincadeira e o Bruce Wayne que aparece no fim, após Barry bagunçar a linha do tempo, é vivido por George Clooney, reprisando seu papel de Batman & Robin.

Além dessa “rasteira” criativa, em 2022, duas questões colocaram o filme em evidência na imprensa para além das expectativas artísticas. Primeiro, a Warner teve que negociar duro com o Sindicato dos Roteiristas para definir como apresentar os créditos oficiais de roteiro de The Flash, já que nada menos do que 45 escritores estiveram envolvidos na produção do texto desde o início do projeto!!!! No final, o crédito final foi de Hodson como “roteiro” e Daley, Goldstein e Harold como “história”, reunindo as contribuições mais recentes que efetivamente construíram o texto final, mas a longa lista de contribuidores tinha Rebecca Drysdale, Famuyiwa, Grahame-Smith, Johns, Lord, Christopher Miller, Ezra Miller, Morrison, Adam Sztykiel e muitos outros.

Ezra Miller se envolveu em uma série de incidentes em 2022.

A outra questão, ainda mais problemática, foi a série de incidentes no qual o astro Ezra Miller se envolveu naquele ano: acusado de roubar bebidas de vizinhos, de agredir duas mulheres (ambas em festas, uma na Islândia por estrangulamento e outra no Havaí com uma cadeirada), de cárcere privado e roubo de conhecidos, de manter custódia de uma menor de idade sem a autorização dos pais dela e até de tentar criar uma seita baseado em si mesmo. O jovem parecia realmente fora do controle e a Warner entrou em ação afastando o ator dos holofotes, obrigando-o a fazer tratamento psicológico, a pedir desculpas públicas e se entregar à polícia. Ele recebeu uma pena leve pelo roubo das bebidas e as polêmicas cessaram até o lançamento de The Flash, ainda que ele tenha sido completamente excluído do programa de divulgação, que contou com o diretor e Sasha Calle, principalmente

O estúdio considerou seriamente demitir Miller e só não o fez pelo fato dele interpretar dois personagens no longa – as versões de Berry do passado e do presente -, aparecia basicamente em todas as cenas do filme, o que tornava a substituição simplesmente impossível sem regravar o filme inteiro. Mas a possibilidade dele ser desligado do papel após a estreia foi considerada caso a situação não fosse revertida.

A estreia de The Flash foi um evento curioso na história recente do cinema. Para “esquentar o clima”, o estúdio realizou exibições para algumas personalidades de Hollywood, que saíram na imprensa divulgando que era “o melhor filme de super-heróis de todos os tempos”, e o exibiu em um grande evento para a imprensa em Los Angeles, o que levou à imprensa geek a sair alardeando a magnificência do longa, embalados especialmente na nostalgia de Keaton como Batman e de ver (ainda que muito brevemente) o Superman de Reeves e Cage, mas o grande público não comprou a ideia, confuso pela multiplicidade do multiverso e já tendo experenciado a volta ao passado com Homem-Aranha – Sem Volta para Casa dois anos antes. Como resultado, The Flash foi um fracasso retumbante nas bilheterias, arrecadando apenas US$ 271,3 milhões no mundo todo.

As mudanças no DC Studios, as polêmicas de Ezra Miller, o Batman nostálgico, mas fora de tempo de Keaton, a confusão de uma trama (e uma franquia) no Multiverso, a saturação de muitos filmes de super-heróis e a crise de bilheterias pós-pandemia enterraram o velho DCEU de modo melancólico. E ainda teve o Aquaman e o Reino Perdido depois para jogar mais cal em cima. Em nosso ponto que nos interessa, Ben Affleck também gravou cenas de participação especial naquele filme ao lado de Jason Momoa, mas em vista das mudanças e do fracasso de The Flash, essas cenas foram completamente eliminadas da versão dos cinemas.

O Futuro

Batman continua sua saga nos cinemas… The Batman – Part II está em pré-produção, retornando com a direção de Matt Reeves, roteiro de Mattson Tomlin e protagonizado por Robert Pattinson, devendo estrear em 2026 segundo as previsões atuais, e ainda ganhará um spin-off com a série de TV Pinguim, no Max, trazendo o personagem de Collin Farrell, que chega em 2025.

Damian Wayne tem alguns problemas de temperamento.

Ao mesmo tempo, James Gunn e a DC Studios estão produzindo uma versão paralela do Batman para o DCU e já foi anunciado o filme The Brave and the Bold (algo como “o bravo e o audaz”), que toma de empréstimo o título da revista que, entre 1967 e 1985, publicava aventuras do Batman ao lado de outros heróis da DC, um para cada edição. O nome também já foi usado em um desenho animado com uma proposta mais ou menos similar e um tom mais infanto-juvenil leve para o homem-morcego. A trama do filme será baseada nas HQs Batman e Filho e Batman & Robin, de 2006 e 2009, respectivamente, escritas por Grant Morrison com arte de Andy Kubert e Frank Quitely, respectivamente, que trazem Bruce Wayne descobrindo que tem um filho, Damian, de uns 10 anos de idade, com Talia Head, a filha do vilão Rã’s Al Ghul. A mãe entrega-lhe o menino para que ele lhe finalize o treinamento, e Batman assume a missão de transformar Damian de um assassino impulsivo a um valioso defensor de Gotham, fazendo-no o novo Robin.

Bônus:

Todos sabem que o Batman chegou às telas algumas vezes antes de Batman – O Filme de Tim Burton, portanto, vamos conhecer um pouco sobre essas produções antes da Era dos Blockbusters

Quando Batman estreou na revista Detective Comics 27, de maio de 1939, não existia a televisão, então, o que chamamos hoje de “séries de TV” eram exibidos nos cinemas, com episódios semanais nas sessões das matinês, ou seja, que ocorriam durante o dia, pela manhã ou tarde, em especial aos sábados. Os filmes “sérios” eram exibidos à noite (e, em vez de trailers, eram precedidos de telejornais e curtametragens), enquanto os seriados de aventura dominavam as matinês. Com o sucesso dos super-heróis, alguns deles foram adaptados como seriados de cinema no início da década de 1940, como Capitão Marvel, Capitão América e, claro, o Batman.

Batman

  • The Batman. 1943. Produção de Rudolph C. Flothow, direção de Lambert Hillyer e roteiro de Victor McLeod, Leslie Swabacker e Harry Fraser. Elenco: Lewis Wilson (Bruce Wayne/ Batman), Douglas Croft, (Dick Grayson/Robin), J. Carrol Naish (Tito Daka), Shirlley Patterson (Linda Page), William Austin (Alfred), Charles C. Wilson (capitão Arnold). 15 Episódios, 260 minutos.

A DC Comics já havia produzido um serial do Superman em desenho animado, em 1941, com o estúdio dos irmãos Fleisher, mas o primeiro produto da editora transposto ao live action com atores foi Batman, um seriado que estreou em 1943, num seriado criado pela Columbia Pictures, protagonizado por Lewis Wilson, um ator iniciante que não conseguiu emplacar sua carreira, e Douglas Croft, que tinha apenas 16 anos e é, até hoje, o único Robin que foi realmente interpretado por um adolescente. Como se passava nos tempos da II Guerra Mundial, o vilão é um cientista japonês e a trama traz Linda Page como o interesse amoroso do herói, trazendo a personagem que aparecia nas HQs da época. Por outro lado, por qualquer motivo que seja, o Comissário Gordon é trocado pelo Capitão Arnold. Mas o seriado trouxe a primeira versão real da Batcaverna (as HQs da época traziam uma base subterrânea do Batman, mas sem ser uma caverna) e o mordomo Alfred foi criado para o programa, ainda que a DC tenha se apressado para estrear o personagem nos quadrinhos antes da estreia.

A trama era bastante ingênua, com Daka criando uma máquina que dominava as mentes das pessoas e, como era típico dos seriados de aventura, era uma produção de baixo orçamento, o que era claramente perceptível na pobreza das cenas de ação e dos efeitos especiais.

Batman foi exibido nos cinemas entre julho e outubro de 1943, em 15 episódios, e foi um grande sucesso.

Batman e Robin (ou As Novas Aventuras de Batman e Robin, o menino prodígio)

  • Batman and Robin (ou The New Adventures of Batman and Robin, the boy wonder). 1949. Produção de Sam Katzman, direção de Spencer Gordon Bennett e roteiro de George H. Plympton e Joseph F. Poland. Elenco: Robert Lowery (Bruce Wayne/ Batman), Johnny Ducan (Dick Grayson/ Robin), Jane Adams (Vicki Vale), Lyle Talbot (Comissário Gordon). 15 Episódios, 264 minutos.

Após o sucesso do seriado de 1943, a Columbia Pictures investiu em um novo serial, mas que foi ao ar apenas em 1949. Não é conhecido o motivo de ter demorado tanto, mas o novo programa foi tomado como uma sequência, embora com um elenco totalmente novo, trazendo o galã Robert Lowery como Batman e Johnny Ducan como Robin, este não mais um adolescente, mas um ator de 25 anos de aparência juvenil. A namorada da vez é Vicki Vale, a mais famosa dos interesses românticos de Bruce Wayne que não seja uma heroína ou vilã e o Comissário Gordon aparece, interpretado por Lyle Talbot, que poucos anos depois também interpretaria a primeira versão live action de Lex Luthor. A trama trazia a dupla dinâmica contra um misterioso criminoso chamado The Wizard.

Foi exibido em 15 episódios nos cinemas entre maio e setembro de 1949 e como seu antecessor, era uma produção modesta de trama infantil e não fez tanto sucesso quanto o anterior.

Batman

  • Batman. Série de TV (3 temporadas – 1966-1968). Filme em Longametragem (1966, 104 minutos). Produção de William Dozier e roteiro por Lorenzo Semple Jr., Stanley Ralph Ross, Standford Sherman e Charles Hoffman Bill Finger, e outros. (Filme dirigido por Leslie H. Martinson, com roteiro de Lorenzo Semple Jr.). Elenco: Adam West (Bruce Wayne/ Batman), Burt Ward (Robin), Cesar Romero (Coringa), Burguess Meredith (Pinguim), Julie Newmar (Mulher-Gato), Frank Gorshin (Charada), Alan Napier (Alfred), Neil Harrison (Comissário Gordon), Sttadford Repp (Chefe O’Hara), Madge Blake (tia Harriet), Lee Meriweather (Mulher-Gato – apenas no filme), Ertha Kitt (Mulher-Gato – 3ª temporada), Yvonne Craig (Barbara Gordon/ Batgirl – 3ª temporada). 120 episódios, 3 temporadas.
Robin e Batman na TV.

Mais de 20 anos após a exibição do primeiro serial do cinema, a Columbia Pictures continuava a ser a proprietária dos direitos de adaptação do Batman e o seriado de 1943 foi reexibido, primeiro, na Mansão Playboy de Hugh Heffner, em 1964, e causou uma sensação, para depois, ganhar uma maratona exibida numa única noite na primavera de 1965 nos cinemas de Nova York e foi um grande sucesso de novo, então, o estúdio decidiu produzir um programa para a TV a cores. Mas as negociações não seguiram adiante e a DC Comics reganhou os direitos e os repassou à 20th Century Fox, que o passou ao produtor William Dozier. Dozier não conhecia os quadrinhos e quando os leu achou que apenas uma produção de comédia seria possível, embora o estúdio queria uma abordagem divertida, mas séria, assim como a DC Comics.

A ideia de Dozeir foi produzir um longametragem primeiro e, em seguida, fazer uma série derivada, como uma jogada financeira: com o cinema recebendo orçamentos mais altos se economizaria na produção dos cenários, veículos e uniformes, herdando tudo para a TV, mas a Fox não aceitou, pois achou mais viável financiar o seriado com patrocinadores, destinando-o, portanto, à rede ABC de televisão, sua subsidiária. A DC Comics, na pessoa do editor Mort Weisinger, se opôs ao programa por causa do tom de galhofa e paródia, mas o estúdio era o dono dos direitos e seguiu em frente.

Os vilões no filme da série.

elenco, contudo, foi bem escolhido: Adam West era relativamente bonito e convencia com seu Bruce Wayne playboy e ar de despreocupado, ainda que estivesse longe da forma física ideal para viver o Batman e, ao longo da série, sua barriga foi ficando mais proeminente, o que terminava combinando com o clima de galhofa do programa; enquanto Burt Ward não era um adolescente, mas parecia bem jovial para encarar um Robin, ainda que as meias calças ficassem muito estranhas num programa a cores. Os vilões foram ainda melhores, com Cesar Romero (um típico latin lover da baixa Hollywood) como um Coringa histriônico; Burguess Meredith como uma versão gentleman do Pinguim; a bela e fatal Julie Newmar como uma Mulher-Gato lindíssima e sensual; e o engraçado Frank Gorshin como Charada; além de vários outros velhos astros e galãs semiaposentados da velha Hollywood em participações especiais.

Após o início das filmagens, no outono de 1965, a rede ABC percebeu que tinha um material tão bom nas mãos que em vez de lançar o programa na temporada tradicional das séries (que começaria em setembro de 1966), decidiu antecipar a estreia e lançou o programa em janeiro daquele ano, na “meia temporada”. Por causa disso, em vez de episódios de 1 hora, como planejados, se optou pelo incomum formato de dois episódios semanais de 30 minutos cada, ligados por um “gancho” – uma situação de perigo que encerrava o capítulo para ser resolvido no seguinte, tal qual se fazia nos seriais dos anos 1940. A 1ª temporada foi exibida entre janeiro e maio, com 34 episódios e foi um sucesso estupendo! Um fenômeno de audiência que deu origem a uma Batmania.

A série de TV (1966-68) fez sucesso, mas manchou a imagem do homem-morcego.

Por causa do sucesso imediato, o estúdio produziu apressadamente um filme em longametragem para os cinemas, simplesmente chamado Batman, e o lançou já no verão de 1966, como um tipo de peça de divulgação da série, reunindo o mesmo estilo e o elenco, com exceção de Julie Newmar que não pôde reprisar seu papel de Mulher-Gato (os motivos variam de acordo com as fontes, desde contratos ou agendas conflitantes até uma lesão nas costas) e ela foi substituída na ocasião por Lee Meriweather, numa trama que reunia a ladra ao Coringa, Pinguim e Charada. Newmar voltaria à personagem na 2ª temporada. A Fox realmente aproveitou as filmagens para o longa para produzir material de arquivo que seria reutilizado na série: por exemplo, no filme aparecem, além do Batmóvel, a Batmoto, a Batlancha e o Batcóptero, com a moto sendo reutilizada para o programa e, ainda que os veículos jamais tenham sido reutilizados, a lancha e o helicóptero apareceram (por meio de imagens de arquivo) em vários episódios futuros.

Com seu caráter oportunista e seu tom de comédia absurdo, Batman guarda o mérito de ter sido o primeiro longametragem do homem-morcego nos cinemas. Mas não o último!

A 2ª temporada foi feita às pressas e baixou a qualidade do programa, mas o sucesso se manteve, com a exibição na grade tradicional (porém, dividida em dois episódios semanais), entre setembro de 1966 e março de 1967, com nada menos do que 60 capítulos! Isso meio que saturou o programa e a audiência caiu. Mas ainda assim, um feito histórico aconteceu na etapa final da temporada, quando o seriado promoveu um crossover inédito com a série Besouro Verde (Green Hornet), que era exibida paralelamente pela mesma ABC, na qual os heróis Besouro Verde (Van Williams) e Kato (Bruce Lee) aparecem em dois episódios e lutam contra a dupla dinâmica. O duo de heróis já havia aparecido brevemente num dos primeiros episódios da temporada, num cameo numa janela de um edifício, mas neste caso foi algo mais imersivo.

Para a 3ª temporada, Julie Newmar não pôde de novo reprisar seu papel (dessa vez por agenda) e a cantora afrodescendente Eartha Kitt a substituiu, aparecendo em três episódios. A nova leva também introduziu a Batgirl vivida por Yvonne Craig, que causou uma grande sensação. A 3ª temporada teve uma exibição padrão de um episódio semanal entre setembro de 1967 e março de 1968, com 26 capítulos, um número menor do que as duas anteriores.

Mas a queda da audiência e o alto custo da série motivaram a ABC à desistir da produção e não fazer uma 4ª temporada. A rede rival NBC se interessou em continuar o programa, pois achava que tinha apelo, mas uma falha na comunicação levou à destruição dos cenários, o que a nova rede considerou inviabilizar a produção e desistiu.

O modelo conversível da série de TV: o mais pirateado pela Gotham Garage.

Batman manteve um papel de importância por sua influência e manejo da pop-art nos anos 1960, com suas cores saturadas e psicodélicas, o uso das onomatopeias nos golpes (Soc! Pow! Bam!) do herói e sua pegada camp e brega. O sucesso na TV fez as vendas das HQs do herói crescerem a níveis que não conhecia há 15 anos, contudo, como o material dos quadrinhos jamais foi cômico como o visto no programa, não reteve esses novos leitores por muito tempo.

E ao contrário, a série desagradou os fãs dos quadrinhos, que preferiam o Batman sombrio dos anos 1940 e a DC Comics demorou para entender isso, o que resultou numa crise aguda do personagem na sua mídia de origem na metade final dos anos 1960 até que a editora foi pressionada por uma nova geração de artistas, como Dennis O’Neil e Neal Adams e mudar o direcionamento do personagem e torná-lo mais parecido com aquele visto nas primeiras histórias.

Gostou? Quer saber mais sobre o Batman nos quadrinhos? Leia o Dossiê Especial do HQRock!