
Após se apresentar para um público de 45 mil pessoas (segundo o site da revista Época) no domingo, 22 de maio, o ex-beatle Paul McCartney voltou ao Engenhão (Estádio Olímpico João Havelange), no Rio de Janeiro, para uma segunda apresentação nesta segunda-feira, 23.
Embora de semblante cansado – talvez o peso dos 69 anos incompletos e da extensão turnê Up and Coming, rodando o mundo desde 2007 e que já passou no Brasil em 2010, com shows em Porto Alegre e São Paulo – o músico mostrou de maneira competente seu repertório vasto e eclético, de qualidade por vezes variável, mas ainda assim, impressionante. Combinando canções dos Beatles, do Wings (grupo que fundou nos anos 1970), de sua carreira solo e até do The Fireman (projeto de música eletrônica que mantém com o produtor Youth), o músico britânico mostrou mais de 30 músicas em precisas 2h30min.
Aliás, a “pontualidade britânica” é um ótimo serviço oferecido pelo músico. Exatamente às 21 horas os telões do Engenhão começaram a mostrar uma espécie de clipe com montagens de imagens de McCartney, de sua família, de suas bandas, de outros artístas dos anos 1960, bem fotografias dos mais diversos públicos e recortes de jornais, ao som de canções de sua carreira. Precisamente às 21h30, o clipe se encerrou e o ex-beatle e sua simpática banda de apoio entraram no palco, dando a partida com Magical mystery tour, canção dos Beatles, de 1967.

Em comparação ao show de Porto Alegre no ano passado, McCartney estava visivelmente mais cansado. A banda também parecia ter menos vigor, pelo menos na primeira metade do show. Inclusive, houve um momento “engraçado” quando o grupo errou feio a execução de Let me roll it canção dos tempos do Wings e que, nesta turnê, é emendada a um pequeno trecho de Foxy lady do The Jimi Hendrix Experience e que permite ao músico mostrar um pouco sua habilidade (menos conhecida) de guitarrista solo [costumeiramente, ele é baixista]. Próximo ao final de Let me roll it, os tempos das batidas da bateria mudam e isso confundiu a banda. Tendo em vista o erro e o fato de serem músicos muito experientes, a banda imediatamente, quase por instinto, encerrou a faixa na hora, de um modo que, provavelmente, a maior parte do público de dezenas de milhares de pessoas do Engenhão naquela segunda-feira sequer notaram. Contudo, os músicos ficaram olhando uns para os outros porque faltava Foxy lady, então, sob risos marotos do baterista, a banda iniciou esta última sozinha, como um pequeno interlúdio instrumental.

No entanto, usando um trocadilho cretino, a banda foi vencida no cansaço pelo público. A empolgação do público, que cantava junto, respondia às provocações do astro, emitia gritos etc. terminaram contagiando a banda e lhe dando mais ânimo. A segunda metade do concerto viu a banda muito mais empolgada, inclusive, “mais solta”, improvisando mais, alongando algumas canções e esticando solos de guitarra, por exemplo. Após Mrs. Vanderbilt, por exemplo, o público continuou cantando o “ho-hey-ho” do refão, o que obrigou McCartney – que já tinha até trocado de instrumento (o baixo por um violão) – a voltar à canção fazendo-a um pouco mais acelerada, agradecendo em seguida. O mesmo se deu com Hey Jude, famoso sucesso dos Beatles, que mesmo após minutos e minutos de seu interminável “na, na, na”, a plateia continuou entoando o mantra até McCartney retomá-lo.
O repertório não foi fundamentalmente diferente daquele apresentado em Porto Alegre e São Paulo, embora desta vez, a abertura tenha sido com a já citada Magical mystery tour que esteve ausente do concerto na capital gaúcha. O show do dia 23 de maio, no Rio, também foi mais curto. O de Porto Alegre teve 3h de duração, enquanto a cidade maravilhosa viu “apenas” 2h30, o que explica ausências como as de My love famosa balada dos Wings, de 1973.

A estrutura geral do repertório, entretanto, se manteve. A primeira metade mais eclética, com material dos Wings, solo e Fireman, e a segunda metade fundada nas pérolas dos Beatles. O primeiro biss com Yesterday e o segundo biss encerrando com Sgt. Peppers e The end; no meio, homenagens aos dois ex-beatles falecidos, John Lennon e George Harrison. Para o primeiro, dois momentos: a canção Here today, dos anos 1980, que McCartney compôs pouco após o assassinato do ex-parceiro; e depois o medley com A day in the life e Give peace a chance, a primeira, canção beatle que encerra o famoso álbum Sgt.Peppers e é de autoria do falecido; e a segunda, uma canção da carreira solo deste e um conhecido hino à paz com seu refrão “all we are saying is give peace a chance”, repetido em côro pela multidão.
Para George Harrison, McCartney canta a canção Something de autoria daquele e gravada pelos Beatles em 1969, no álbum Abbey Road. McCartney inicia a canção sozinho, usando um uquelele (um pequeno instrumento de cordas parecido com o cavaquinho brasileiro), para depois do primeiro refrão entrar a banda inteira e o músico passar ao violão. No telão, imagens do outro ex-beatle, que faleceu em 2001 vítima de um câncer.
O público reagia a tudo isso com muita emoção. Pessoas de todas idades (pré-adolescentes, jovens, adultos, velhinhos) cantavam as canções e se emocionavam particularmente nas mais famosas. Era possível ver os fãs “mais hards” pela reação às faixas menos óbvias, como Coming up de sua carreira solo ou aquelas dos Beatles “menos conhecidas”, como Paperback writer e, principalmente, Helter skelter, um dos rock mais pesados gravados pelo quarteto de Liverpool.

Alguns momentos da reação do público chegam a ser poéticos. Lá pelo meio, McCartney falou que, nos anos 1960, chegavam à Inglaterra muitas notícias sobre os problemas dos direitos civis nos EUA (ele falou “na América”, mas percebeu que o Brasil também está na América, então, riu se corrigindo, “mas aqui também é a América, não é mesmo? Bem, era lá no norte, vocês entenderam, não é?”) e apresentou a canção seguinte como uma composição sua sobre o tema: Blackbird. Munido apenas de voz e violão levou os fãs às lágrimas. Uma garota ao meu lado começou a chorar e quando a canção terminou disse que precisava beber água; o namorado e a amiga começaram a rir e ela falou em tom meio sério e afirmativo (embora calmo): “é sério, eu preciso de água!”, talvez prevendo um desmaio que, felizmente, não aconteceu. Do outro lado, um rapaz também escorria lágrimas pelo rosto e, enquanto passava a mão, dizia “filho da puta” (no sentido carinhoso que só o brasileiro é capaz) em direção ao ídolo.
Ao fim do concerto, a multidão cruzava a rampa de saída do Engenhão entoando de novo o mantra de Hey Jude: “na, na, na, na, na”. No maior bom humor, um dos fãs pegou um megafone de um funcionário da organização – que poderia usá-lo para guiar a multidão na saída e/ou dando informações – e assumiu a liderança do côro.

