Mantendo a tradição. Como nos velhos tempos! O relançamento do álbum Revolver (1966) dos Beatles levou a banda de Liverpool direto para o primeiro lugar das paradas de discos físicos do Reino Unido. O álbum foi lançado em várias versões (CD, LP, box set etc.) continuando a sequência de relançamentos que se iniciou em 2017 e só foi interrompida pela pandemia de Covid-19.

Com produção de Giles Martin – filho do lendário produtor das gravações originais, George Martin – o novo Revolver conta com uma remixagem de altíssima tecnologia de suas 14 faixas originais e pode ser acompanhado por dois outros discos de bônus, com gravações alternativas e out-takes; mais outro disco com a remasterização da mixagem em Mono e um EP com as remixagens e as versões Mono do single Paperback writer/ Rain que saiu na mesma época para promover o disco. Há versões em LP e CD, além de Blu-ray.
O relançamento segue a mesma linha dos anteriores: Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967-2017), The White Album (1968-2018), Abbey Road (1969-2019) e Let it Be (1970-2022), mas tem um diferencial no uso de uma tecnologia ainda mais avançada, desenvolvida pela equipe de som do diretor Peter Jackson (de O Senhor dos Anéis) para separar sons misturados e isolá-los. Isso é importante porque Revolver foi gravado apenas em 4 canais e os Beatles tinham o hábito de unir todos os instrumentos da base (guitarra, baixo e bateria) em um único canal, para usar os canais livres para vocais, efeitos sonoros e instrumentos de solo. Por causa disso, Giles Martin havia dito em entrevistas pretéritas que não fazia sentido remixar o disco de 1966 (e nem os anteriores, inclusive, porque o primeiro álbum da banda foi gravado apenas em 2 canais!).

Mas a equipe de Jackson criou essa nova tecnologia para usá-la no documentário The Beatles – Get Back, que narra a frustrada tentativa da banda de fazer um retorno aos shows em 1969, após mais de dois anos afastada dos palcos, algo que não se concretizou, mas rendeu 56 horas de filmagens de ensaios, o famoso show no telhado no centro de Londres e o disco e o filme Let it Be, lançados em 1970. O truque foi particularmente útil para captar, por exemplo, uma conversa em segredo entre John Lennon e Paul McCartney sobre a saída (temporária) de George Harrison da banda. O time de Jackson aperfeiçoou a metodologia para usá-la na música do filme também – gravada em 8 canais – e melhorar sua qualidade.

Então, Giles Martin usou o método para separar os instrumentos das bases de Revolver, permitindo aos seus sons mais nitidez e potência, o que é um resultado perceptível nas novas mixagens.
Dentre os destaques, Taxman, Eleanor Rigby, Yellow submarine, Here, there and everywhere, She said, she said, For no one, I want to tell you, Got to get it you into my life e Tomorrow never knows.
Também há momentos interessantes nos bônus, como descobrir que Yellow submarine nasceu como uma triste canção de aceno folk de John Lennon; a versão de Got to get you into my life com os naipes de sopro da versão original substituídos por uma guitarra solo no mesmo timbre de Satisfaction dos Rolling Stones; a versão prévia de And your bird can sing, num arranjo muito parecido com o estilo dos The Byrds (mais o bônus da mesma versão com Lennon e McCartney tentando gravar um novo vocal e tendo uma crise de riso no meio da gravação); uma versão rápida de I’m only sleeping; uma versão mais “solta” da bela Here, there and everywhere; e a sensacional versão de Rain em sua velocidade original!

Esta última cabe uma explicação: como queriam um efeito modulado nas guitarras da faixa para ficarem mais “viajadonas”, os Beatles – assessorados pelo produtor George Martin e o genial engenheiro de som, Geoff Emerick – tiveram a ideia de gravar a canção em uma velocidade bem alta e, depois, desacelerar a velocidade da fita, o que funcionou maravilhosamente, dando um timbre nostálgico e bonito às guitarras (e ao baixo, que ficou mais grave). No formato que conhecemos, Rain traz uma das melhores performances do baterista Ringo Starr em toda a carreira do grupo, com viradas rápidas e elegantes, e o disco bônus nos deixa de queixos caídos ao vermos como a performance no estúdio ainda foi muito mais rápida do que o que vemos no disco!
Costumeiramente apontado como um dos melhores álbuns da música moderna (está listado como o melhor disco de todos os tempos no livro All Time Top 1000 Albuns de Andy Larkin; e como o terceiro melhor na lista dos 500 Melhores discos da revista Rollin’ Stone, em suas edições de 2003 e 2012), Revolver é o ponto de virada na carreira dos Beatles: o momento em que a banda deixou para trás sua pecha de banda pop para abraçar o experimentalismo, a vanguarda e o psicodelismo. Para isso, o grupo envolveu suas canções em técnicas inovadoras de gravação, com o uso de efeitos sonoros, colagens musicais e gravações de trás para frente.

Por isso, Taxman, além de sua crítica ao sistema de impostos da Inglaterra, traz um furioso solo de guitarra com distorção (e o solo ficou tão bom que a banda colou ele de novo no fim da faixa); Eleanor Rigby sua apenas um quarteto de cordas (que foi gravado com microfones bem próximos às cordas para ter um efeito mais forte); I’m only sleeping tem o seu solo de guitarra tocado de trás para frente; Love you to é gravada como se fosse uma peça indiana, com cítara, tamboura e tabla; Here, there and everywhere extrapola a potência dos backing vocals; Yellow submarine é repleta de efeitos sonoros de máquinas e de água; She said, she said tem guitarras e bateria agressivas; Good day sunshine também extrapola os vocais; And your bird can sing tem um maravilhoso trabalho de guitarras; For no one traz uma tocante balada de piano e um belo solo de trompa; Dr. Robert fala sobre um médico que distribui remédios “especiais” para a alegria de seus clientes; I want to tell you satura o som do piano de base; Got to get you into my life explode nos altofalantes com seu forte naipe de sopros; e Tomorrow never knows é uma revolução musical, com suas colagens sonoras, loops se repetindo, efeitos sonoros, gravações de trás para frente, vocais alterados e uma letra psicodélica sensacional.
Foi o primeiro passo no que resultou o álbum Sgt. Peppers no ano seguinte, considerado o mais importante na discografia do quarteto de Liverpool.

Revolver também chegou em um momento singular na carreira do grupo, com a banda realizando a sua última turnê exatamente no momento em que o álbum chegava às lojas. Como mensagem simbólica, aquela excursão não executou nenhuma das faixas de Revolver, porque não era possível reproduzir as truncagens de gravação ao vivo naquela época. Também foi um momento em que George Harrison começou a ganhar mais importância como compositor, tendo emplacado pela primeira vez três canções num álbum dos Beatles (Taxman, Love you to e I want to tell you); enquanto as demais são de Lennon & McCartney.
A versão relançada estreou na parada de discos físicos (que contabiliza a vendagem de CDs e LPs) do Reino Unido em 1º lugar, diz a UK Official Charts. O feito veio como surpresa e espanto, pois bateu Midnights de Taylor Swift, que é o atual arrasa-quarteirão do momento e está em primeiro lugar da parada geral (que adiciona os streamings, downloads e outros recursos de compra/audição).
Outros nomes do rock estão no Top 10 das vendas físicas, com Will of the People de Paul Weller em 7º lugar, a coletânea The Essencial dos Foo Fighters em 8º lugar e o novo The Car do Arctic Monkeys.
Nas paradas gerais de álbuns (que contabilizam todos os formatos musicais), os Beatles não fizeram feio também não: Revolver ficou em 2º lugar, enquanto The Car do Arctic Monkeys está em 5º e The Essencial do Foo Fighters, em 10º.
Os Beatles ainda aparecem em 45º lugar com a coletânea 1.

Nos Estados Unidos, os Beatles também foram bem: Revolver ficou em 4º lugar da parada geral da Billboard (Top 200 Albuns) e o 1º lugar da parada de discos clássicos (Top Catalog Albuns), ficando ainda como terceiros no Top Artists da semana.
E tem mais: Revolver também ficou em primeiro lugar nas paradas de Top Rock & Alternative Albuns e Top Rock Albuns. É a primeira vez que este disco chega ao topo de cada uma dessas paradas, que foram criadas em anos mais recentes para dar conta melhor do mercado mais estratificado atual.

E não acabou… Na versão americana da parada de vendas físicas de discos, a Top Album Sellers, Revolver ficou em 2° lugar; a mesma posição que alcançou entre as paradas de discos de vinil (Top Vinyl) e de álbuns considerados formadores de gosto (Top Tastemasters).
Tudo isso 56 anos depois de Revolver chegar ao primeiro lugar das paradas gerais tanto dos EUA quanto do Reino Unido. Que tal?

E aproveitando o ensejo, o sucesso dos Beatles nesse ano de 2022 – que incluiu o relançamento do Let it Be com bônus no fim do ano passado e o documentário Get Back – rendeu um movimento inesperado: a GuitarWorld anunciou que o baixo usado por John Lennon no documentário se tornou o modelo mais vendido do instrumento neste ano nos EUA.

Embora fosse primordialmente a guitarra base dos Beatles e use uma Epiphone na maior parte das faixas tocadas no documentário, Lennon assumiu o baixo em algumas canções quando Paul McCartney, o titular do instrumento, se movia para o piano. No filme, Lennon usa o Fender Bass VI, um modelo especial e não tão popular que, na verdade, é uma guitarra barítono com escala de uma oitava abaixo do padrão, o que junto às cordas mais grossas lhe dá o aspecto e o som de um contrabaixo. Enquanto o baixo tradicional só tem quatro cordas, a Bass VI tem as mesmas seis cordas (e afinação) de uma guitarra, mas com som de baixo. É um bom instrumento, portanto, para guitarristas não acostumados a tocar baixo, o que era o caso de Lennon, que usou o instrumento em canções como Let it be e The long and winding road.

O instrumento é tão incomum que a bandeira Fender sequer o produz na atualidade, só estando no mercado um modelo similar: o Squier Classic Vibe Bass VI. A Squier é uma versão “mais barata” da Fender, com instrumentos mais acessíveis ao público não profissional. Então, na falta da original (que não existe mais) a Squier Bass VI se tornou o baixo mais vendido nos EUA em 2022 e os especialistas apontam o uso de Lennon em Get Back como o motivo.
A GuitarWorld também aponta que, curiosamente, o Hofner Violin Bass, que é o baixo que Paul McCartney usa naquelas sessões fez foi cair de posição nas vendas deste ano, saindo da 11ª posição em 2021 para a 13ª em 2022.
O Bass VI de Lennon bateu o tradicional Fender Player Precision Bass como o sempre campeão entre as cordas graves.

