A movimentação de notícias dos dias anteriores já está gerando frutos e as cabeças estão rolando rápido! Contrariando à expectativa, o co-CEO do DC Studios, o diretor James Gunn, anunciou que ele irá escrever o novo filme do Superman, que será focado em sua juventude como um recém contratado jornalista do Planeta Diário. E não será vivido por Henry Cavill. Em seguida, o ator comunicou uma triste nota sobre o fato.

Os indícios estavam aí: Gunn havia comunicado que tudo o que iriam fazer priorizaria as histórias e os personagens, o que é um discurso típico usado quando há troca de atores. E sua nota anterior sobre o Superman ser a maior prioridade do novo DCU com uma imagem dos quadrinhos do homem de aço em vez de uma foto de Cavill foi outra pista.
A nota de Gunn diz que ele e o outro co-CEO do DC Studios, Peter Safran, estão muito animados com o esquema que criaram para os 10 próximos anos do DCU e que irão compartilhar mais novidades no início do ano que vem. Mas adiantaram uma delas:

Dentre esses desenvolvimentos está o Superman. Ainda em seus estágios iniciais, nossa história irá focar em uma parte inicial da vida do Superman, então, o personagem não será interpretado por Henry Cavill.
Mas nos tivemos uma grande reunião com Henry e somos grandes fãs e falamos sobre um número de possibilidades excitantes de trabalharmos juntos no futuro.
Gunn diz que está escrevendo o novo filme do homem de aço, mas não está confirmado ainda que ele irá dirigi-lo e, claro, não há nada sobre quem seria esse Clark Kent mais jovial.

De sua parte, Cavill também divulgou uma nota, reafirmando, como a imprensa noticiou em dias recentes, que a ideia de anunciar com estardalhaço que ele estava de volta ao papel do Superman no mês de outubro foi da própria Warner, como forma de impulsionar a divulgação de Adam Negro, filme no qual faz uma pequena participação na cena pós-créditos, prometendo um encontro que nunca irá acontecer. O ator lamenta a situação, se mostra triste e decepcionado, mas deseja todo o sucesso à empreitada do DC Studios.
Curiosamente, no fluxo de informações, Gunn terminou também confirmando que Robert Pattinson NÃO SERÁ o Batman do DCU e que os filmes de Matt Reeves continuarão como stand alones, ou seja, como longas isolados do universo de heróis da editora no cinema.

Isso implica que haverá outro Batman? Talvez, mas isso não é muito claro, ainda.
O que o comunicado parece apontar é que o DCU vai mesmo sofrer um reboot do zero, como vinha dizendo parte da imprensa, pois é pouco provável que eles irão rejuvenescer o homem de aço e não fazer o mesmo com os demais heróis da Liga da Justiça. Trocando em miúdos, é mais provável que a Warner lance os filmes pendentes – Shazam – A Fúria dos Deuses, The Flash, Besouro Azul e Aquaman e o Reino Perdido – e daí já parta para um DCU totalmente novo, com novos atores e equipes criativas, deixando para trás quaisquer resquícios do Snyderverse.
Como o HQRock disse antes, consideramos isso um enorme desperdício. Mas também avisamos que num mundo corporativo e de egos fortes, é difícil esperar que novos criadores resistam à tentação de dar a sua visão – pessoal – aos personagens em vez de prosseguir com um trabalho iniciado por outras pessoas.

Não seria nada demais um artista, um escritor ou um cineasta pegar o material existente no DCU até agora e lhe dar uma virada rumo a novas direções, se aproveitando do carisma e do sucesso de atores como Henry Cavill, Ben Affleck, Gal Gadot e Jason Momoa junto a fãs e críticos. E daí que o filme da Liga da Justiça foi ruim? Criem uma história melhor e os reúna novamente e o sucesso virá.
Mas não é assim que Hollywood funciona.
E máxima de Gunn de que é tudo pela história e pelos personagens não é verdade. Se os personagens estivessem acima de tudo, se manteria a narrativa corrente em vez de substituí-la por uma nova. Mas Hollywood funciona na lógica de mercado, na lógica da moda: um produto que ser novo a cada estação, mudando aparência e estética, porque se acredita que o “novo” vende mais.
Todavia, Hollywood não percebe que personagens (ou franquias) não são como camisetas. Os reboots desgastam as imagens dos personagens do ponto comercial e representativo, comprometem seu sucesso nas bilheterias e banalizam sua visão diante dos fãs e dos críticos. Pelo visto, ninguém aprendeu nada com a história do Homem-Aranha e do Hulk que naufragaram seguidamente em seus vários reboots seguidos. E se ambos ainda são populares é porque estão escorados no apelo coletivo dos Vingadores. Sony e Marvel conseguiram sucesso em seus filmes de Peter Parker com Tom Holland, mas isso se deve à integração com o MCU. O herói nunca mais causou a mesma sensação no público e nos críticos como nos tempos de Sam Raimi.

O próprio Batman segue o mesmo caminho. Com pouquíssimo intervalo entre as interações de Christian Bale, Ben Affleck e Robert Pattinson, o personagem só tem a perder e se enfraquecer perante o público e o mercado. Adicionar Michael Keaton ao caldo pode satisfazer o fan-service, mas irá cobrar um preço alto em médio prazo. E não custa lembrar: crítica e público gostaram mesmo de The Batman, mas o filme esteve muito longe de ser um super-arrasa-quarteirão nas bilheterias e isso tem motivo. A pandemia ainda é uma desculpa, mas o recado está dado.
Neste ponto, Hollywood é muito diferente dos quadrinhos, que é uma arte colaborativa por excelência, especialmente nos personagens fraqueados. Dessa forma, o ego de um criador não consegue se impor (pelo menos não por muito tempo) sobre um personagem e se o faz – lembram de J.M. Straczynski no Homem-Aranha? – os resultados são desastrosos em médio prazo. Com essa estrutura, ainda mais na Marvel do que na DC Comics, é verdade, cada criador que chega é obrigado a respeitar o cânone existente, a cronologia vigente e os eventos que já ocorreram e suas consequências. Neste caso, sim, a história e os personagens são prioridade.

Cada autor ou desenhista pode deixar sua marca desde que consiga se relacionar com a criação prévia. Ele é obrigado a deixar seu ego parcialmente de lado para assumir e aceitar o ego daqueles que vieram antes e suas criações. E se discordâncias graves existirem, de perspectiva, de direcionamento, de narrativa, é preciso ao novo criador produzir de maneira criativa os famosos retcons que mudam o sentido de ações ou eventos passados ou lançam novas luzes sobre as narrativas pretéritas. Desde que não contradiga demais o cânone.
É um ambiente mais controlado? Sim. Isso reduz a liberdade criativa? Sim. Mas este é o mundo em que o personagem, sua cronologia e o cânone são maiores do que os egos de artista A, B ou C. É igual à vida: ninguém tem liberdade para tudo e temos que trabalhar e viver com as ferramentas que temos. E sempre há a alternativa para se livrar das negativas daquelas duas perguntas: investir em uma criação original, fora desses personagens franqueados. Lá, você tem total controle e liberdade criativa para fazer o que quiser e lidar com as consequências, que incluem o público comprar ou não sua ideia.
Então, se por um lado os personagens e franquias dão aos artistas uma visibilidade maior ao seu trabalho que eles não teriam por si mesmos (pois os personagens e franquias são tão famosos ou mais por si mesmos do que os artistas), por outro lado, eles diminuem sua autonomia e liberdade. É o preço a se pagar.

Essa é a regra de ouro de uma indústria como os quadrinhos, mas vale para algumas outras.
Hollywood não quer funcionar assim: quer o bônus sem o ônus.
E não percebem as consequências: fãs menos engajados, público menos interessado, bilheterias menores. A banalização dos reboots gera indiferença.
Claro, existem diferenças entre mídias. Peter Parker pode nunca envelhecer nos quadrinhos, pois pode ser sempre desenhado como um jovem de 20 e poucos anos. Um ator envelhece. Se a prioridade é manter a juventude do personagem – e isso é necessário, na verdade, pois o ator irá envelhecer até morrer e o personagem não – então, sim, é necessário que os atores sejam trocados de tempos em tempos.
Mas isso não implica necessariamente em reboot. Não tem que ser assim.

A antiga franquia de James Bond mostrou como isso poderia funcionar: uma linha narrativa se estendendo por décadas e trocando de atores de tempos e tempos e se adaptando aos novos tempos, criando uma cronologia tênue, mas presente, flexível pela necessidade de passagem de tempo. Mas funcionava. Quando a EON Production aderiu à lógica de Hollywood, caiu em uma armadilha: ao fazer o reboot de 2006 com Daniel Craig, se obrigou a ficar presa à imagem do ator. E o personagem teve que morrer no filme de 2022. E agora, terá que ter outro reboot. Se o próximo ator, por qualquer motivo que seja, fizer só um filme? Vão rebootar de novo? E de novo?
Não percebem que ao zerar a continuidade eliminam um dos maiores apelos do personagem, que é justamente a ideia fantasiosa, maravilhosa, que encanta pessoas a cada geração de que O MESMO CARA viveu todas aquelas aventuras. São os feitos que fazem o herói e não sua intenção. É assim desde a Mitologia Grega. Isso é fantasia, é disso que personagens são feitos. Sean Connery, Roger Moore ou Pierce Brosnan trabalharam em prol dessa fantasia, cada qual ao estilo – de interpretação, de tom, de contexto – nada amarrado demais (o intervalo era medido em décadas), mas persistindo a ideia, a fantasia, de que, sim, James Bond era o agente 007, e ele vive aventuras incríveis.
Com vários reboots, ele vira apenas o produto da estação. Sem fantasia. E quem vai se importar com ele, se no próximo verão outro diferente vai chegar?
007 vive esse risco tão forte quanto Superman e Batman.

