O mundo da música vai ficar mais triste, menos criativo a partir de agora. Segundo o The Guardian, morreu ontem o guitar hero Jeff Beck, um dos mais importantes guitarristas da história do rock e da música do século XX, famoso por suas passagens no The Yardbirds e The Jeff Beck Group e por experimentar a fusão de rock e jazz. Beck foi considerado parte da “santíssima trindade” de guitarristas britânicos do rock clássico, ao lado de Eric Clapton e Jimmy Page, e sua importância foi imensa, porque foi o grande pioneiro na experimentação com a guitarra, usando efeitos e distorção, das quais resultaram na influência de Jimi Hendrix e na criação da guitarra moderna.

Segundo os representantes do músico, Beck contraiu repentinamente uma meningite bacteriana e morreu nessa terça-feira, dia 10 de janeiro. A notícia começou a circular há pouco tempo e o mundo da música já rende muitas homenagens aquele que foi um dos guitarristas mais inovativos da história recente.

Jeff Beck nasceu como Geoffrey Beck em Wallington, no sul de Londres, na Inglaterra, em 24 de junho de 1944, e tendo cantado no coro da igreja quando criança e se interessado pela música e pelo rock a partir da explosão do rock’n’roll nos EUA na década de 1950. Sua família era pobre e ele não tinha dinheiro para comprar uma guitarra, e só conseguiu mediante um “fiador” que acreditou em seu potencial e bancou o risco junto à loja.

Jeff Beck: pioneiro dos truques de guitarra.

Ele terminou estudando numa escola de belas artes e se desenvolveu bastante na guitarra, conhecendo e ficando amigo de outro guitarrista da sua mesma idade: Jimmy Page. Os dois tocaram juntos em bandas amadoras e até chegaram a participar brevemente da cultuada Cyrill Davis & The All Stars, uma das mais importantes bandas do fortíssimo circuito de R&B de Londres, de onde saíram bandas como The Rolling Stones e The Animals, que fizeram sucesso a partir de 1964.

Outra banda desse circuito que estourou nas paradas foi The Yardbirds, que fazia um R&B mais furioso do que o dos Stones e começou a fazer bastante sucesso. Mas, em março de 1965, o guitarrista Eric Clapton deixou a banda, por achar que sua sonoridade estava ficando pop demais. O grupo convidou Jimmy Page para o seu lugar, porque Page era um famoso músico de estúdio, então, mas ele não queria trocar a segurança de seu trabalho rentável pelas incertezas de uma banda na estrada, então, recomendou seu amigo, Jeff beck.

Jeff Beck (2º da dir. para esq.) nos Yardbirds: pioneiro na experimentação com a guitarra.

Beck entrou nos Yardbirds e mudou tudo! Inovou ao usar vários efeitos sonoros e pedais em sua guitarra, criando sons únicos, e isso ajudou os Yardbirds a se tornarem um sucesso ainda maior, atingindo as paradas de sucesso dos EUA, por onde fizeram muitas turnês. Sua estreia foi com o single Heart full of soul, já saiu explodindo os altos falantes da época com uma guitarra estridente mirando a sonoridade estalante da cítara indiana.

E não parou por aí, suas faixas com a banda traziam sempre uma guitarra inovativa, cheia de efeitos, usando feedback, delay e muita distorção, de modo que apesar da guitarra distorcida (a grande marca do rock até hoje) ter sido criada por outros músicos – como Dave Davis do The Kinks ou Pete Townshend do The Who – foi Beck quem se apropriou de verdade do recurso e o desenvolveu, criando o efeito mais emblemático do rock, como se pode ver em canções como Evil hearted you, I’m a man, Over under sideways down, Shapes of things, Train kept A-rollin’ e várias outras. Não a toa, o período de 20 meses em que Beck esteve com os Yardbirds consistiu na fase de maior sucesso da banda.

Quando Jimi Hendrix apareceu, em 1967, o que ele fazia era apenas extrapolar aquilo que Beck já vinha fazendo há dois anos.

The Yardbirds com Jeff Beck (à esquerda): período de maior sucesso da banda que contou também com o futuro líder do Led Zeppelin, Jimmy Page (segundo à direita).

Em julho de 1966, quando o baixista Paul Samwell-Smith deixou os Yardbirds, Beck convidou seu velho amigo Jimmy Page para entrar e logo, Page migrou para a guitarra, fazendo dueto (e duelo) com Beck num breve momento que causou uma grande comoção no circuito musical. A dupla Beck-Page gravou o single Happening ten years time ago e Psycho Daises, que é uma explosão de guitarras, efeitos sonoros e psicodelia. Também criaram a canção Stroll on (uma “versão” turbinada de Train kept a-rollin’) para a trilha sonora do filme Blow-Up (Depois Daquele Beijo), de Michelangelo Antonioni, filme cult sobre a Swing London e a revolução cultural. A banda, com Beck e Page, aparece no filme tocando a faixa, no único registro de vídeo daquela fase.

Mas o temperamento explosivo de Beck o levou a ser demitido da banda em novembro de 1966, durante uma turnê caótica pelos EUA e ele partiu em carreira solo, enquanto Page permaneceu à frente dos Yardbirds.

Mickie Most, empresário dos Yardbirds manteve no controle da carreira de Beck, que logo lançou um single solo de sucesso: Hi, Ho silver lining, onde o guitarrista também cantava, algo muito raro. Ele não gostou da experiência e decidiu montar uma banda fixa para lhe acompanhar, nascendo no início de 1967, o The Jeff Beck Group, da qual faziam parte dois futuros astros: o vocalista Rod Stewart e o baixista Ron Wood (que mais tarde seria guitarrista dos Rolling Stones). Ainda assim, o empresário (por questões contratuais) obrigou a banda a lançar um compacto ainda sob a bandeira “solo” de Beck, com The tallyman, na qual o guitarrista canta de novo e a Stewart, por exemplo, cabe apenas os backing vocals.

Mas o The Jeff Beck Group superou esse obstáculo e pôde prosseguir fazendo o seu som: um blues rock muito pesado, carregado na guitarra distorcida e na dinâmica intensa dos instrumentos. O álbum de estreia, Truth (1968) é considerado um dos grandes clássicos da história do rock e um dos precursores do hard rock e do heavy metal, com sua guitarra distorcida, instrumentos amplificados e muito peso, além dos vocais rasgados de Stewart. O sucessor também é uma obra-prima: Beck-Ola (1969).

Infelizmente, os mesmos problemas de sempre levaram ao fim da banda em 1969, após apenas dois álbuns e de encerrarem as atividades às vésperas de tocarem no Festival de Woodstock. Mas a sonoridade do The Jeff Beck Group definiu o rock dos anos 1970, refletido em bandas como o Led Zeppelin formado por Jimmy Page.

Logo em seguida, o guitarrista planejou montar uma banda com o baixista Tim Bogert e o baterista Carmine Appice (ambos da banda americana Vanilla Fudge), mas Beck era um colecionador de carros e gostava de velocidade, e terminou sofrendo um grave acidente que o deixou vários meses hospitalizado e, quando voltou em 1970, formou uma nova versão, mais branda, do The Jeff Beck Group, mais calcada no soul do que no blues e que não fez sucesso como anterior.

Então, em 1972, após Bogert e Appice deixarem o Cactus, Beck finalmente se reuniu com eles e montou a banda BBA, que lançou um único álbum Beck, Bogart & Appice (1973) e, em seguida, começou a acompanhar (como participação especial) a banda The Mahavishnu Orchestra, que tinha uma pegada jazzistica.

Beck incorporou esse elemento à sua sonoridade e, ao longo dos anos 1970, investiu na fusão entre rock e jazz e alcançou seus álbuns de maior prestígio, os totalmente instrumentais Blow by Blow (1975), Wired (1976) e There and Back (1980), após a qual refreou sua carreira. Somente após cinco anos lançou um novo álbum, Flash (1985) calcado no rock mais tradicional e com vocais de músicos convidados, o que lhe levou de volta às paradas com a faixa People get ready – que teve vocais de Rod Stewart. Ele voltou aos instrumentais com Jeff Beck’s Guitar Shop (1989) e revelou que sua carreira estava em compasso lento porque sofria de tinnitus (grave condição de zumbido no ouvido, que precede problemas auditivos e surdez).

Ainda assim, nos anos 1990, recebeu bastante reconhecimento do circuito musical, participando de álbuns de outros artistas, como Blaze Glory de Jon Bon Jovi (1990) e Amused to Death (1992) do ex-Pink Floyd, Roger Waters, mas seu próximo álbum veio apenas com Who Else! (1999), na qual faz parceria com a guitarrista Jennifer Batten, que deu uma guinada mais eletrônica para seu som, que se repetiu em You Had it Coming (2000) e Jeff (2003).

Clapton e Jeff Beck se apresentam no O2 Arena de Londres, em fevereiro de 2010: momento de autocelebrar a carreira.

Seu próximo álbum veio apenas com Emotion & Commotion (2010), combinando faixas instrumentais e cantadas com artistas convidados, como Joss Stone e naquele mesmo ano fez alguns concertos celebrativos com Eric Clapton, nos quais Beck fazia um set, Clapton outro e os dois se uniam para um terceiro. Seu último álbum solo foi Loud Hailer (2016).

Dali em diante, sua carreira entrou em um modo ainda mais low-fi, mas ele continuou reverenciado e participando de gravações de outros artistas.

Seu último trabalho foi uma impressionante parceria com o ator Johnny Depp (nos vocais e guitarra). A dupla lançou o single Isolation (de John Lennon), em abril de 2020, em plena pandemia de Covid-19, o que foi uma grande sacada para uma canção que fala de isolamento. Mas o álbum completo, que reuniu material original e regravações de clássicos, como Velvet Underground, 18 (2022) veio apenas dois anos depois.

Dias depois, também foi lançada a participação especial de Beck na faixa título do álbum Patient Number 9 de Ozzy Osbourne, que foi bastante bem recebida.

Beck vivia em East Sussex com a esposa e tinha 78 anos.