Além da greve dupla de roteiristas e atores que paralisam as produções e comprometem os calendários de lançamentos e promoções de grandes e pequenas produções, Hollywood enfrenta outro grande desafio: a queda constante das bilheterias dos filmes desde a pandemia de Covid-19, a partir de 2020. Finda a crise sanitária, contudo, o público não regressou às salas de cinema e grandes produções estão registrando arrecadação baixa e decepcionante, inclusive, os campeões da década passada, como o até então invencível Marvel Studios. Mas pelo menos um CEO de grande estúdio se manifestou diretamente sobre isso e anunciou um plano para a melhoria da qualidade e das bilheterias de suas produções: Bob Iger, CEO da Disney, proprietária do Marvel Studios e da LucasFilm de Star Wars e Indiana Jones.

Numa reunião com seus investidores para anunciar os resultados quadrimestrais, realizada no dia 09 de agosto, Iger foi franco e direto sobre o problema e mencionou medidas para contornar o problema:
Falando sobre a performance de nosso estúdio, vamos pôr as coisas um pouco em perspectiva… O estúdio teve uma tremenda temporada no decorrer da última década, talvez a melhor temporada que qualquer outro estúdio já teve, com múltiplos sucessos de mais de um bilhão de dólares. E incluindo, de qualquer modo, dois deles relativamente recentes [Vingadores – Ultimato e Avatar – O Caminho da Água].
Também tivemos uma performance forte com Guardiões da Galáxia [Vol. 3, lançado este ano], que fez (eu acho) aproximadamente abaixo de 850 milhões na bilheteria global.
Dito isso, a performance de nossos filmes mais recentes têm sido decepcionante, e não estamos pegando leve com isso. Como vocês esperam, estamos muito focados em aumentar a qualidade e a performance dos filmes que estão por vir. É algo que estou trabalhando de muito perto com o estúdio. Estou pessoalmente comprometido a gastar mais tempo e atenção com isso, também.
É uma fala sensata, mas forte, vinda do CEO de uma das maiores empresas de entretenimento do planeta. Não varrer o problema para debaixo do tapete é uma característica de Iger, que foi um executivo que fez história na Disney durante 25 anos e o responsável direto pelas aquisições da Marvel Entertainment (2009) e da LucasFilm (2013) que possibilitaram à Casa do Rato viver o melhor momento cinematográfico de sua história na década de 2010. Tanto que ele se aposentou em 2019 e foi trazido de volta apenas três anos depois para salvar o estúdio de uma grave crise financeira.

Iger menciona a década de sucesso em sua fala e não está sendo leviano: segundo o levantamento da Mojo Box Office, principal organização que contabiliza as bilheterias do mundo, a Disney é responsável por nada menos do que 5 das 10 maiores bilheterias de todos os tempos, incluindo o segundo (Vingadores – Ultimato) e o terceiro (Avatar – O Caminho da Água) lugares. E ainda é sócia de uma sexta produção (Homem-Aranha – Sem Volta para Casa), que foi produzida pela Sony Pictures em parceria com a Marvel (e está em 7º lugar). Dos quatro filmes dos Vingadores, três estão entre as 10 maiores bilheterias da história!
E se expandirmos a lista para as 20 maiores bilheterias da história, a Disney garante exatamente a metade deles (!), incluindo os filmes do Marvel Studios, de Star Wars e produções mais típicas da Disney, como os dois Frozen. É uma história de sucesso sem par.

Estamos apenas no terceiro ano da década de 2020, mas os resultados decepcionantes nas bilheterias de filmes como Shang-Chi e a Lenda dos 10 Anéis, Viúva Negra, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, Homem-Formiga e Vespa – Quantumania, dentre outros, além das crescentes críticas ao conteúdo em si (incluindo também as séries de TV no Disney+) chamam mesmo à atenção para a tomada de medidas enérgicas.
E elas virão.

A crise nas bilheterias não é exclusividade da Disney, sua rival Warner Bros. Discovery, proprietária da DC Studios, está afundando de modo ainda pior. Seus filmes recentes, como Mulher-Maravilha 1984, Adão Negro e The Flash foram sucessivamente fracassos retumbantes de público e crítica, o que mais do que um “esgotamento do filão dos super-heróis” aponta uma crise intensa do mercado cinematográfico, que não conseguiu atrair seu público de volta pós-pandemia.
E há dois outros fatores a considerar… Primeiro, que a década de ouro das bilheterias em 2010 (das 20 maiores bilheterias de todos os tempos, ainda segundo a Mojo, apenas 5 foram feitas antes ou depois daquela década!) já expressava paradoxalmente uma crise em Hollywood, pois enquanto os filmes de super-heróis e outros derivados de ação e aventura (incluindo alguns desenhos animados) cruzaram a fronteira do 1 bilhão de dólares de arrecadação (53 filmes! Apenas dois deles não feitos no século XXI), em contrapartida, os filmes “sérios”, como dramas, comédias, dramas históricos, de arte… enfim, o tipo de filme “oscarizável” segundo a compreensão tradicional de Hollywood, amargaram bilheterias cada vez menores e menos expressivas, pondo em risco a simples existência desse tipo de indústria, que hoje é sustentada pelos canais de “TV” via streaming, como Netflix e Amazon Prime – o que inclusive gerou uma mudança importante em Hollywood, já que o Oscar sequer aceitava produções desse tipo, porque eram da “TV” e isso teve que mudar para que tivessem filmes que pudessem concorrer aos prêmios.
A pandemia piorou tudo e, agora, até os blockbusters estão em risco!
Mas aí vem o segundo ponto… A recente estreia dupla de Barbie e Oppenheimer e a boa arrecadação de ambos dá esperanças. Barbie não está fora da curva, pois é um filme de franquia tal qual Transformers: baseado em uma boneca da Mattel, ainda que se venda como algo diferente, e já ultrapassou a marca de US$ 1,2 bilhões. Já Oppenheimer, sim, é um grande feito: mesmo com a concorrência da boneca, vem sendo assistido e comentado pelo grande público, o que já lhe garantiu US$ 650 milhões, o que é uma ótima marca para um típico filme “de autor”, ou seja, encampado por um diretor de renome e uma trama longe dos blockbusters.
Essa onda Barbienheimer, como vem sendo chamada, é um acalanto de esperança para Hollywood, uma mostra de que há luz no fim do túnel, ainda que se precise descobrir quais estratégias levam até lá.
Bob Iger da Disney garante que está em busca desse caminho. E os outros estúdios devem estar também.

