Desde o ano passado, o CEO da Disney, Bob Iger, tem dito que o estúdio irá redimensionar sua produção e que, no passado recente, houve uma dinâmica de quantidade sobre qualidade, e que isso agora vai mudar, como resposta à queda nas bilheterias de cinema no pós-Covid-19. Durante uma reunião com investidores nesta quarta-feira, o executivo retomou o discurso e foi mais direto, dizendo o que entra em produção e quando, além de se referir diretamente ao Marvel Studios.

De modo mais preciso, Iger disse o seguinte:

Eu diria que estamos focando um pouco mais em sequências e franquias. Acho que, em vista o contexto e em vista o que leva as pessoas a saírem de suas casas para ver um filme, Focar em franquias que são familiares é, na verdade, uma coisa inteligente a fazer. Em nosso esforço de aumentar o volume [de produção], particularmente associado a querermos mais assinantes globais para nossa plataforma de streaming [o Disney+], alguns de nossos estúdios perderam um pouco o foco. Então, o primeiro passo que damos é que iremos reduzir o volume, vamos reduzir os lançamentos, particularmente na Marvel.

Se a crítica de Iger ao Marvel Studios é certa ou não é objeto de discussão, mas sem dúvidas, o aumento no volume de lançamentos (muito menos de filmes e mais nas séries de TV do streaming) coincidiu com o momento pós-Ultimato, no qual, em que pese algum desgaste da fórmula das franquias interligadas de super-heróis, tivemos a pandemia de Covid-19, em 2020-21, que afastou o público dos cinemas e o regresso ainda não se completou até hoje, com todos os estúdios (e não somente a Disney/Marvel) amargando a diminuição drástica das bilheterias.

Claro, os investidores estão preocupados com onde colocam seu dinheiro e querem melhores resultados, o que pressiona executivos como Iger a conseguir reverter (pelo menos parcialmente) o quadro. E é o que ele vem fazendo.

Ademais, é bom salientar, é preciso considerar alguns pontos que ajudam a explicar essa diminuição dos números. O primeiro é que a pandemia e os serviços de streaming mostraram que a população em geral pode se divertir sem ter que sair de casa. Ou seja, serviços como o Disney+ (ou o Max para a concorrente Warner/DC) são, talvez, os grandes algozes dos mesmos estúdios e seu foco em cinema. Quer dizer, a culpa é deles próprios! Claro, estamos passando por uma mudança de costumes: uma sociedade mais conectada, mais afeita a trocas digitais (pessoais, emocionais e de lazer) e isso torna a saída de casa para uma sala de cinema algo sensível. Além de muito cara de consumir (ainda mais se for algo como um IMAX), uma sala de cinema nem sempre é confortável (ou limpa) e o sujeito ainda tem que se submeter aos horários pré-estabelecidos, ao passo que no conforto de sua casa, deitado em sua cama, sem precisar sair, com os mantimentos que você escolheu, e com um anteparo razoável (uma boa TV – ainda que a experiência mostra que as pessoas até que se conformam com pouco, já que muitos e muitos usam o próprio celular em vez de uma televisão grande) as pessoas podem ter mais ou menos a mesma coisa.

E não adianta saudosistas como o diretor Martin Scorsese ou qualquer outro apelar para “a magia do cinema” (o que inclui tela grande, som potente, imersão, blá-blá-blá), quando as tais salas de cinema não correspondem a tais expectativas: são desconfortáveis, velhas, sujas e… de novo, você tem que sair de casa, se submeter aos horários deles e, não menos importante, são MUITO CARAS, inacessíveis para uma parcela significativa da população em geral. Aqueles QUE TEM dinheiro, pesam os prós e contras com as outras variáveis e… preferem ficar em casa mesmo. Dá até para reunir os amigos ou curtir o escurinho (de casa) com o love.

Então, estamos falando de mudança de costumes que a tecnologia proporcionou. Isso implica que as bilheterias astronômicas da década de 2010 (com o Marvel Studios conseguindo uns 8 filmes com mais de 1 bilhão de dólares nas bilheterias) NÃO IRÃO MAIS SE REPETIR, a menos que uma pequena revolução ocorra na próxima esquina da vida.

O que queremos dizer com isso é que, sim, provavelmente, a diminuição de lançamentos no streaming deve aumentar as bilheterias dos filmes nos cinemas, mas os resultados do passado não serão repetidos. Se simplesmente ganhar mais uma grana nas bilheterias (ou seja, mais do que hoje) é o suficiente para os investidores, então, tá resolvido. Todavia, isso não resolve o problema maior por trás e os estúdios precisam se preparar (inclusive financeiramente) para essa nova era que 2020 inaugurou.

E apostamos: em médio prazo, o investimento maior em franquias e sequências vai enfraquecer mais ainda o mercado, pois a ausência do elemento novo e surpreendente irá gradativamente cansar o público e afastá-lo mais ainda das salas de cinema. Já parou pensar…? Quando chega a 6ª vez de ir ao cinema assistir Toy Story, você se pergunta… “será que eu vou…?”. Quem tem filhos pequenos, termina indo (para eles é uma novidade), e esta é uma parcela não desprezível do mercado, claro, mas os demais pensam… “nah”!

O elemento surpresa tem um efeito positivo de longo prazo no público. Quem imaginaria, antes de 2014, que um filme dos Guardiões da Galáxia faria sucesso? Era um grupo marginal de super-heróis espaciais (um tema difícil por si só), formado por um guaxinim falante, uma árvore falante, duas pessoas verdes e um terráqueo boçal como líder… Um grupo que era desconhecido não somente do grande público, mas até dos leitores de quadrinhos! Mas nada que um hype prévio (do Universo Marvel), bons nomes no campo criativo (o diretor James Gunn, o elenco estrelar) e um bom trailer não vendam… E vira um fenômeno.

O mesmo vale para Pantera Negra e Capitã Marvel, dois heróis B-List da Marvel absolutamente desconhecidos do grande público (e pouco lidos até pelos fãs de quadrinhos) que atingiram um enorme sucesso, cada qual ultrapassando 1 bilhão de dólares nas bilheterias e constituindo ambos um fenômeno cultural.

Outro ponto atrelado a este é: parte do que leva as pessoas a ir 5 vezes assistir Toy Story (ou 9 vezes Velozes e Furiosos ou 4 vezes Vingadores) é, em certo sentido, saber o que vai encontrar. Sim, é paradoxal. Os humanos são assim. Mas as pessoas gostam de consumir o que já gostam (repetir o prazo de comida que mais gosta?), e voltam por causa disso. No caso da Marvel, ela construiu um universo com suas características (Vingadores, Homem de Ferro, Capitão América, Viúva Negra…) e Ultimato terminou tudo isso. Foi emocionante, o público chorou, mas agora, ele também sabe que ao sair um Vingadores 5 aqueles elementos não estarão mais presentes. Eles irão aos cinemas apesar disso? Veremos…

Falando nisso… o que vem por aí? Todo mundo já sabe mais ou menos qual é o plano geral da Marvel… Quarteto Fantástico, Vingadores – A Dinastia Kang (ou seja lá como se chame), mais alguns filmes e Vingadores – Guerras Secretas, que deve sair lá por 2027. Mas os detalhes desse plano parecem estar mudando significativamente, e é sobre isso que fala Bob Iger.

Sobre os lançamentos futuros (da Disney em geral, não só da Marvel) ele disse:

Olhando para nosso cronograma de cinema em 2025, estamos animados para trazer à audiência Capitão América – Admirável Mundo Novo e Quarteto Fantástico pela Marvel, Pixar tem Zootopia 2, e teremos Avatar 3. E estamos ansiosos para 2026 e além com Frozen 3, o primeiro filme de Toy Story desde 2019 e um novo filme de Star Wars que trará o Mandaloriano e Grogu à tela grande pela primeira vez.

A despeito da animação do CEO, a crítica logo pulou da cadeira ao notar que ele não mencionou Thunderbolts e Blade, dois filmes da Marvel que deveriam ser lançados naquele mesmo 2026. Claro, ele pode ter apenas escolhido dar ênfase nos lançamentos outros, mas no contexto de uma fala de cortes e diminuição de conteúdo, as orelhas de todos ficaram de pé… Terão esses dois filmes cancelados ou adiados?

É pouco provável, ainda mais porque a fala de Iger não posiciona nenhum filme da Marvel em 2026 e isso não deve acontecer. Deve haver lançamentos do estúdio naquele ano, ele apenas não mencionou. Não significa dizer que serão os dois citados que estavam previstos, mas quem sabe…?

O que devemos esperar é o freio forte no material do Disney+, o que significa que as séries que não foram excelentemente recebidas não terão novas temporadas, o que deve incluir coisas como Cavaleiro da Lua, Mulher-Hulk e mais. Algo como Loki pode continuar a ser produzido, mas não espere mais do que duas ou talvez três séries da Marvel na TV daqui para frente. E já temos o Demolidor em produção… Ao mesmo tempo, alguns produtos do streaming devem migrar para o cinema, o que já estamos vendo com o já anunciado O Mandaloriano e Grogu, no universo de Star Wars.

Na Marvel já se anunciou há algum tempo que a série Guerras das Armaduras havia sido reestruturada como um filme a ser estrelado pelo Máquina de Combate. Mas será que nessa proposta de reduzir a quantidade ele vai sobreviver? E o que dizer de Ironheart, Wonder-Man e outras coisas?

Pode apostar que Iger está mexendo seus pauzinhos para trazer alguns medalhões de volta, como um novo filme do Thor, ou ainda mais provável do Hulk (desde que os negócios com a Universal tenham mesmo se resolvido, como alguns acreditam). Talvez, ele atrase todo o slot da Marvel para ver como Capitão América – Admirável Mundo Novo se sai nas bilheterias para saber se vale à pena investir num filme dos Thunderbolts, por exemplo (pois este é um desdobramento daquele), enquanto investe em coisas mais certas (ele falou sequências e franquias), o que envolve coisas como Doutor Estranho ou Homem-Aranha. Talvez, ele antecipe a produção de Vingadores – A Dinastia Kang (que pode mudar de título, como dizem os rumores) para dar ao público o que ele quer (os Vingadores de volta – e convenhamos, o público quer ver os Vingadores e não os Thunderbolts), espaçando mais a finalização da etapa atual do MCU que se dará mais à frente com Guerras Secretas.

O fato é que, em vista desses comentários constritos de Bob Iger, não deveríamos levar muito à sério o cronograma antigo dos lançamentos do MCU, e sim, pensar que tudo isso está sendo revisto e reconstruído para uma estratégia maciça de trazer o público de volta aos cinemas.

Isso envolve vender a alma para pagar Robert Downey Jr. e Chris Evans (e talvez Scarlet Johansson) de volta aos seus papeis famosos em algum momento (em Guerras Secretas, provavelmente)? Com certeza, sim. A Disney pode até não conseguir (afinal, os atores podem simplesmente recusar), mas que eles vão tentar, ah, com certeza, eles vão.