Um dos nomes mais famosos da indústria em quadrinhos, conhecido como o criador-mor do Universo Marvel, o roteirista Stan Lee tem sua biografia contada na mídia que o consagrou publicada no Brasil: chega às livrarias, Prazer, Stan, a biografia do The Man escrita e desenhada por Tom Scioli, através da editora Conrad.

Por meio de 208 páginas de quadrinhos, Scioli conta de maneira frenética a longa e movimentada vida de Stan Lee, desde sua infância pobre nas ruas do Brooklyn, em Nova York até sua consagração como a grande figura pública da Marvel em seus anos finais de vida, participando dos multimilionários filmes baseados nos personagens que criou.
O livro destaca alguns pontos positivos de sua carreira, como sua sagacidade como editor – que foi realmente o seu maior mérito em vida – e a criação do Método Marvel, uma técnica de produção de HQs na qual ele fornecia apenas uma breve sinopse ao desenhista, que desenvolvia a história como uma narrativa de imagens sobre as quais Lee retornava e adicionava diálogos e textos. Neste ponto, outro aspecto meritocrático do autor: Lee criou um estilo único de narrativa nos quadrinhos, com seus diálogos dramáticos, acontecimentos mundanos e um texto grandiloquente, autoirônico e autorreferente.

Todavia, a HQ de Scioli não doura a pílula e traz os aspectos negativos da carreira de Stan Lee, em especial, a sua egomania que o fazia se apropriar do trabalho alheio, especialmente, dos méritos.

Há um contexto para a abordagem desse tema: Scioli escreveu anteriormente uma biografia em quadrinhos do “outro lado da moeda” da criação do Universo Marvel, o desenhista Jack Kirby. Tendo mergulhado na vida de Kirby, o “Rei dos Quadrinhos”, não há como não tocar no assunto da apropriação indébita de Stan Lee.
Explicamos… Lembra do Método Marvel? Pois bem, se Lee só dava uma breve sinopse ao desenhista (algo que variava entre duas páginas de texto ou apenas dois parágrafos, que viraram uma HQ de 22 páginas), isso significava que o mérito do desenvolvimento da trama, do ritmo e de todos os detalhes, cabia ao desenhista. Mesmo que Lee voltasse depois para escrever diálogos e os quadros de narração (que nos quadrinhos são chamados de recordatórios), ainda assim, ele fazia tudo isso a partir do que o desenhista criou.
Então, se a sinopse era: Galactus, o devorador de mundos, chega à Terra para devorá-la e se alimentar de sua energia vital, e o Vigia tenta proteger o planeta de sua visita e, como não pode interferir, vai avisar ao Quarteto Fantástico…. cabia a Jack Kirby transformar essa premissa em uma história de verdade, e o desenhista fazia isso: colocava o poderoso ser em ação, adicionava a ideia de que um ser cósmico poderoso como esse teria um arauto a seu serviço, e criava o Surfista Prateado, e mostrava como este chegava à Terra primeiro, interagia com Alice Masters, a deficiente visual que namorava o Coisa, e por meio dela se conectava com a humanidade da Terra e a sua própria, que havia sido esquecida, enquanto o Quarteto Fantástico precisava descobrir uma maneira de vencer um ser que, basicamente, não pode ser detido.
Perceberam? Neste esquema de trabalho, ainda que Lee tivesse um papel de coordenação – muito próximo à sua função de editor – todos os detalhes, as nuances da trama, a ação dos coadjuvantes e a maneira como o problema se apresenta e como é resolvido cabiam aos desenhistas. Especialmente, Jack Kirby, que foi seu maior parceiro na época áurea da Marvel Comics.
Mas no fim, as revistas listavam Stan Lee como roteirista e Jack Kirby (ou Steve Ditko, Don Heck, John Buscema, John Romita, Gene Colan etc.) apenas como desenhistas. E isso não era justo. E como o crédito de escritor cabia à Lee a ele cabiam os méritos e a adulação da imprensa, o que casava muito bem com seu temperamento festivo, gregário, animado e falador, ao contrário da maioria de seus artistas, que eram sujeitos retraídos, tímidos e de poucas palavras.
O Método Marvel funcionou maravilhosamente, em termos criativos, com nomes como Kirby, Ditko, Romita ou Colan, mas também produziu um sem-número de artistas descontentes, que acharam que o estratagema não era justo. E a maior parte da “grande obra” do Universo Marvel que envolve Lee foi produzido especialmente em parceria com Kirby, Ditko ou Romita: Kirby atuou com Quarteto Fantástico, Thor, Vingadores, X-Men, Capitão América… para citar apenas os principais; ao passo que Ditko criou e desenvolveu o Homem-Aranha e o Doutor Estranho; e Romita assumiu o Homem-Aranha em sua fase mais célebre e clássica.
É este tipo de ponto que Scioli trabalha em sua biografia, além de explorar um pouco os tristes anos finais de Lee, em que ele, aparentemente, foi explorado por todos ao seu redor, quase ao ponto de sua senilidade. Ou talvez, totalmente por sua senilidade.
Dessa forma, Prazer, Stan, dialoga diretamente com Invencível: A Ascensão e Queda de Stan Lee, a fabulosa biografia escrita por Abraham Riesman, que segue o mesmo tipo de abordagem, e se contrapõe, portanto, a outra biografia em HQ do The Man, Incrível, Fantástico, Inacreditável: Stan Lee, de Peter David e Colleen Doran, ou A Espetacular Vida de Stan Lee, escrita por Danny Fingeroth. Sem esquecer que David é um escritor de HQs com célebres passagens na Marvel e na DC Comics e Fingeroth foi editor da Marvel, inclusive, do Homem-Aranha.
Prazer, Stan tem 208 páginas e capa dura e está disponível nas livrarias do Brasil.

