O guitarrista e compositor David Gilmour, ex-membro do Pink Floyd, está lançando um novo álbum solo, Luck and Strange, já tendo adiantado o single The piper’s call. Para promovê-lo, o músico já anunciou que fará uma turnê (sem datas confirmadas ainda) e que não irá tocar canções da década de 1970 de sua antiga banda.

Mas por que evitar faixas da fase áurea do Pink Floyd? A resposta é óbvia: Gilmour quer evitar cantar letras de seu desafeto público, o ex-baixista e principal compositor da banda, Roger Waters.

Gilmour e Waters têm uma longa história de desafetos… Waters fundou o Pink Floyd em 1965, que ganhou projeção na cena alternativa de Londres a partir das composições do cantor e guitarrista Syd Barrett, que após o grupo lançar seu primeiro álbum, em 1967, e atingir sucesso, entrou em uma espiral de drogas pesadas e terminou literalmente louco. Na virada para 1968, a banda decidiu trazer o guitarrista e vocalista David Gilmour para reforçar os shows e depender menos da instabilidade absurda de Barrett, motivados pelo fato de que Waters e Gilmour eram amigos de infância de Barrett, e o primeiro e o segundo se conheciam desde a adolescência.

O Pink Floyd como um quinteto (com David Gilmour abaixo).

Mas o caso de Barrett era incontornável – ele nunca se recuperou – e o guitarrista terminou expulso do grupo, com Gilmour assumindo o seu lugar. Dali em diante, Waters assumiu a liderança da banda e o papel de compositor principal, que dividia parcialmente com o tecladista Richard Wright, enquanto Gilmour era o vocalista principal e fazia a guitarra solo. Foi necessário um par de anos para Gilmour realmente começar a contribuir como compositor.

O apogeu do Pink Floyd se deu nos anos 1970 – em álbuns como Dark Side of the Moon (1973), Wish You Were Here (1975), Animals (1977) e The Wall (1979) – no qual Waters permaneceu como o principal compositor e letrista de todas as canções, ao passo que Gilmour contribuía um pouco mais na composição, mas atuava especialmente como um tipo de “coordenador musical”, por ser o músico mais habilidoso da banda e ter papel decisivo na criação de arranjos e nas gravações.

Tal divisão foi aumentando a tensão entre a dupla até Waters começar a agir como um ditador autoritário e tornar as relações internas impossíveis. No fim das contas, Waters decidiu encerrar a banda em 1985, mas os outros membros entraram num processo judicial para continuarem juntos, que venceram e o Pink Floyd seguiu sem Waters por outra década.

Daí até hoje, Gilmour ficou na desconfortável posição de ter a maior parte de sua obra musical em cantar canções desse seu desafeto, o que fez tanto nos anos finais do Pink Floyd quanto em sua carreira solo, que deslanchou de verdade apenas a partir de 2006, quando passou a lançar discos com alguma regularidade e fazer extensas turnês.

As relações Waters-Gilmour até melhoraram em anos recentes: o quarteto da formação clássica do Pink Floyd se reuniu uma única vez em 2005 para o concerto especial do Live 8, e depois, o duo tocou junto algumas vezes, como na abertura de uma turnê solo de Waters tocando o The Wall na íntegra, em 2011, porém, recentemente, as rusgas voltaram com força total por causa de discordâncias políticas, sobre a Guerra da Ucrânia e a questão da Palestina. (Veja detalhes aqui, nesta reportagem do ano passado do HQRock).

A coisa chegou ao ponto da esposa de Gilmour, a escritora (e letrista da fase final do Pink Floyd) Polly Samson, acusar Waters de ser antissemita numa publicação no Twitter/X e Gilmour depois endossar tal comentário.

Num clima desses, fica difícil o guitarrista entoar as letras de Waters, não é?

Gilmour anunciou tal decisão em uma entrevista recente para a revista Uncut, da qual estrelará a capa, dizendo que “é pouco provável que irei revisitar o Pink Floyd dos anos 1970″, ao passo que acha que outras décadas da carreira da banda “podem ser melhor representadas”, adicionando que pode tocar…

pelo menos uma [canção] dos anos 60. A que fazíamos no passado era Astronomy [Domine, de 1967, uma canção de Syd Barrett do primeiro álbum da banda]. Era aquela que era sempre entretinha e era divertida, e deixava as pessoas felizes, para começo de conversa. Haverá canções do A Momentary Lapse of Reason [disco de 1987, primeiro sem Waters] e de The Division Bell [de 1994]. Quer dizer, eu acho que [a canção] High hopes [do The Division Bell] é tão boa quanto qualquer outra coisa que fizemos em qualquer época.

Ou seja, Gilmour está disposto a tocar canções aos quais é o compositor principal (especialmente da fase final sem Waters) e revisitar um número antigo de Barrett com o qual pode se relacionar, e com isso, “pular” as obras de Waters, mesmo aquelas nas quais o próprio Gilmour é coautor. Por exemplo, duas das faixas mais populares nos concertos solo do guitarrista eram Confortably numb e Shine on crazy diamonds, faixas nas quais é coautor e contribuiu de modo decisivo à parte musical, mas têm letras escritas por Waters.

Gilmour também anunciou que irá mudar sua banda de apoio, pois acha que os músicos estavam muito robóticos, imitando os arranjos das velhas canções, preferindo uma banda mais jovem, embora mantenha o baixista Guy Pratt, que lhe acompanhou nas turnês do Pink Floyd e nos shows solo desde 1987.

A turnê em si não tem datas ainda confirmadas, mas Gilmour já adiantou uma leva de apresentações no Royal Albert Hall em Londres, nos dias 09, 10, 11, 12, 14 e 15 de outubro próximo.

O álbum Luck and Strange será lançado no dia 06 de setembro e é o sucessor de Rattle that Lock, que fora lançado em 2015 e cuja turnê passou pelo Brasil naquele mesmo ano, a primeira e única vez em que Gilmour visitou nosso país até hoje. O single The piper’s call já está disponível nas plataformas de streaming. Ambos estão disponíveis para pré-venda no site do músico.