Algo esperado pelos fãs há bastante tempo foi anunciado esses dias: o único concerto completo de John Lennon em sua carreira solo será relançado em um novo documentário. O site oficial e as redes do falecido músico anunciaram o lançamento de One to One – John & Yoko, que além das cenas do show mostrará a vida do casal Lennon-Ono em Nova York entre os anos de 1971 e 1972, quando se envolveram fortemente com a política de esquerda e pautas libertadoras, como o combate à Guerra do Vietnã ou a resistência ao conservador presidente Richard Nixon.

O anúncio diz que a música do concerto foi inteiramente remixada e produzida pelo filho do casal, o músico e produtor Sean Ono Lennon, enquanto o filme é dirigido pelo ganhador do Oscar Kevin MacDonald e promete trazer cenas inéditas da intimidade de Lennon e Ono e até uma reprodução exata do pequeno apartamento em que viviam no Greenwich Village, na cidade de Nova York.

One to One será lançado nos cinemas, primeiro exclusivamente em salas IMAX nos dias 09 e 11 de abril no Reino Unido e nos EUA, seguindo o lançamento em salas comuns nos dias 11 e 18 de abril, no Reino Unido e EUA, chegando às salas da Europa no mês de maio. Não há informações ainda para outras regiões do mundo.

Lennon ao vivo no concerto de 1972.

O concerto em questão ocorreu no dia 30 de agosto de 1972, no célebre Madison Square Garden, em Nova York, com duas sessões, uma pela tarde e outra pela noite, em duas apresentações com ingressos esgotados e público de 40 mil pessoas, com Lennon e Ono no palco acompanhados pela banda underground Elephants Memory. Era um show beneficente para arrecadar fundos para um programa de crianças com deficiências mentais e motoras, e foi o único concerto completo que Lennon realizou depois da separação dos Beatles.

O músico participou de outras apresentações, tocando um pequeno número de faixas, entre 1972 e 1976, incluindo a célebre participação em um show de Elton John no Dia de Ação de Graças de 1974, no mesmo Madison Square Garden, quando a dupla cantou e tocou juntos três canções, mas aquela ocasião foi a única vez em que fez um concerto completo.

Lennon se apresenta com Eric Clapton em 1969.

Na verdade, Lennon e Ono chegaram a fazer um concerto completo bem antes, em setembro de 1969, no Rock and Roll Revival Festival, em Toronto, no Canadá, e de novo, fizeram um concerto completo (e experimental, com apenas duas longas faixas) no London Coliseum, em dezembro de 1969, mas ambas ocasiões foram ainda antes do fim oficial dos Beatles, que se deu em abril de 1970. Em sua carreira totalmente solo, o show no Madison Square Garden foi um exemplar único.

O motivo para isso está relacionado ao contexto político dos EUA e do casal Lennon na ocasião. Em 1971, após lançar o épico álbum Imagine, que foi um enorme sucesso, o casal Lennon-Ono se mudou da Inglaterra para os Estados Unidos a fim de encontrarem a filha de Yoko de seu casamento anterior, com o diretor Tony Cox. Após o divórcio Cox-Ono, a guarda da menina Kyoko ficou estabelecida como compartilhada, porém, Cox “sumiu” com a garota e desapareceu, no que se transformou em uma busca frenética da mãe que durou muitos e muitos anos.

Lennon protestando pela paz, em 1972.

Enquanto estavam nos Estados Unidos, Lennon sofreu um processo de deportação sob a alegação de uma prisão por porte de drogas na Inglaterra ocorrida quatro anos antes. Mas estava claro para o músico e seus advogados que o ato era, na verdade, uma perseguição política do governo do presidente Richard Nixon, que temia o poder de engajamento de Lennon, que ao chegar ao país logo se envolveu com os movimentos radicais de esquerda. Lennon se recusou a sair do país – pois jamais poderia voltar se fizesse isso – e iniciou uma longuíssima batalha judicial contra o sistema de imigração dos EUA, no qual teve que comparecer a constantes depoimentos e audiências e só se encerrou em 1976, quando conseguiu seu Green Card.

Durante o processo, a situação de Lennon no país era irregular, então, ainda que pudesse gravar e lançar discos (por causa de uma brecha na legislação), era impedido de trabalhar de modo regular, pois não tinha visto para isso, e portanto, não podia sair em turnê. O ex-Beatles chegou a planejar uma turnê pelos EUA com a Elephants Memory, da qual o show do Madison Square Garden seria apenas a abertura, mas ele seria preso e deportado se fizesse isso. Lennon tocou em alguns eventos políticos, fez o concerto do Madison Square Garden (que foi beneficente), e algumas participações em concertos ou eventos (como o de Elton John) e apresentações na televisão, mas não chegou a fazer outro show inteiro. Infelizmente, quando recebeu seu visto definitivo no país, o ex-Beatles tinha redirecionado a sua vida: o nascimento de seu primeiro (e único) filho com Yoko, Sean, o motivou a deixar de lado por um tempo a carreira musical para se dedicar a criá-lo e não repetir os erros de abandono e ausência que tivera com seu outro filho, o hoje também músico Julian Lennon, filho de sua primeira esposa, Cynthia Powell.

Lennon pouco antes de sua morte, em 1980.

Lennon ficou cinco anos afastado da carreira musical e só a retomou em 1980, com o lançamento do álbum Double Fantasy, composto e gravado ao lado de Yoko Ono, com as faixas de um e de outro de modo alternadas. O disco foi um sucesso e o casal Lennon-Ono começou a organizar o que seria a sua primeira turnê, mas Lennon terminou assassinado por um fã com distúrbios mentais na noite de 08 de dezembro de 1980, apenas duas semanas após o lançamento do álbum.

Apesar do grande evento em torno do show de 1972, que fora chamado na época justamente de One to One Concert, que fora gravado profissionalmente numa mesa de 16 canais e filmado com equipe completa, Lennon jamais lançou o material em vida, decepcionado com o resultado. Apesar de ter trabalhado meses com a banda Elephants Memory na gravação do álbum Sometime in New York City, e de ter produzido um disco próprio do grupo, aqueles músicos novaiorquinos sentiram a pressão de tocar com um ex-Beatles em um grande concerto e estavam muito nervosos durante as duas apresentações. Para piorar, embora o show da noite tenha sido muito melhor, houve um defeito no equipamento de gravação, que registrou um alto nível de ruído que impossibilitou que a maior parte do material pudesse ser usada de modo profissional.

Apenas após a morte do músico, Yoko Ono decidiu lançar o evento em vídeo VHS e áudio (LP e CD) em 1986, com o título Live in New York City, com o material retrabalhado com a tecnologia da época, mas que ainda foi obrigado a privilegiar a execução inferior do show da tarde, que foi até bem recebido. Porém, em médio prazo, Yoko parece ter se arrependido, pois tanto o filme quanto o disco jamais receberam novas edições, com o álbum estando fora de catálogo desde os anos 1980, e portanto, fora da discografia oficial de Lennon.

Agora, com o incremento das novas tecnologias, inclusive, com uso de Inteligência Artificial que permite eliminar completamente ruídos, o filho do casal, Sean Lennon, pôde retrabalhar todo o material a partir do zero. O anúncio diz que o músico e produtor voltou às fitas originais e fez uma remixagem completamente nova, e os fãs esperam que o som morno e imperfeito do registro original ressurja como algo espetacular sob a nova roupagem.

Sean Lennon vem fazendo um grande trabalho de remasterização e remixagem da obra do pai, relançando seus álbuns, como Plastic Ono Band (1970), Imagine (1971) e Mind Games (1973), além da coletânea Gimme Some Truth (2020), reunindo os maiores sucessos, discos esses que ganharam dezenas de faixas bônus e uma qualidade de som incrivelmente superior, incrementada pela alta tecnologia. É animador esperar o que foi possível realizar com o show de 1972.

A ideia de embalar o concerto num documentário sobre o engajamento político e cultural do casal Lennon-Ono com a vida boêmia do Greenwich Village e os movimentos contra a guerra e contra as prisões algo arbitrárias dos líderes da esquerda americana, como Angela Davis ou John Sinclair, traz um sabor bastante interessante ao fato. O release do filme dá a entender que as cenas do concerto serão intercaladas com filmagens da época, novos depoimentos de quem os acompanhou naquele tempo e a reprodução do apartamento em que viviam.

Não há no release nenhum menção ao lançamento do concerto como álbum, embora isso é algo esperado quase como certo. Indício disso foi o anúncio do lançamento de algumas faixas do show num EP (compacto duplo) exclusivo para o Record Store Day deste ano.

Lennon em Nova York, em 1974.

O tracklist do álbum ao vivo original era o seguinte:

  1. New York City
  2. Its so hard
  3. Woman is the nigger of the world
  4. Well, well, well
  5. Instant karma!
  6. Mother
  7. Come together [cover dos Beatles]
  8. Imagine
  9. Cold turkey
  10. Hound dog [cover de Elvis Presley]
  11. Give peace a chance

Porém, a edição em vídeo do show, lançada apenas em VHS, trazia três faixas a mais: uma versão a capella (ou seja, apenas com os vocais) de Power to the people e duas canções compostas e cantadas por Yoko Ono, Sisters O’Sisters e Born in a prison, contudo, é normalmente aceito que, no concerto original, Yoko cantou ainda outras faixas, como We’re all water, Don’t worry Kyoko (Mummy only look for her hand in the snow), Move on fast e Open your box, que foram excluídas tanto do vídeo quanto do álbum, que se preservou como um show apenas de Lennon.

Aguardamos mais informações sobre os eventuais lançamentos do álbum e do filme nos cinemas brasileiros.

John Lennon nasceu em Liverpool, na Inglaterra, em 1940, e fundou uma bandinha de rock na escola que evoluiu para se tornar os Beatles, que lançaram seu primeiro disco em 1962 e se transformaram no maior fenômeno cultural popular do século XX e a banda musical mais influente da história, embalados nas composições de Lennon ao lado de seu parceiro, Paul McCartney. Após 13 álbuns, a banda se separou em 1970 e todos os membros do quarteto fizeram carreiras solo de sucesso. Lennon se destacou por seu envolvimento político, suas faixas críticas e suas letras poderosas, e foi assassinado em 1980, aos 40 anos de idade.

Conheça a Discografia Completa de John Lennon neste post do HQRock!