Não é segredo algum que o mercado de histórias em quadrinhos vivencia um momento de suposta crise, com as vendas declinando e o interesse do público migrando para outras mídias. Não é um fenômeno novo, mas chama à atenção o fato de que mesmo com toda a produção cinematográfica e televisiva sobre os super-heróis de anos recentes, esse público não migra ou frequenta as HQs nas quais aquelas histórias e personagens se originaram. Em resposta, as editoras buscam saídas e inovações e uma delas causou algum impacto recentemente: a volta dos quadrinhos “de bolso”.

Tradicionalmente, as HQs seguem o chamado formato comics, de aproximadamente 17×26 cm, mas em tempos recentes o mercado europeu investiu em um formato menor, chamado por lá de pocket, e ele vem vendendo bem. Na Europa, a editora italiana Panini distribui a maioria das HQs de Marvel e DC Comics e, no caso desta última, adotou o formato, que se saiu bem pelo mercado de lá. Vale acrescentar que a Europa mantém esse formato à décadas e boa parte da produção corriqueira de quadrinhos seguia esse padrão, convivendo com outros formatos, como o magazine e o europeu, de álbuns de tamanho maior, mas de formatos variados.

Há apenas um par de anos os Estados Unidos decidiram experimentar o formato, adotado para coletâneas e encadernados pela DC Comics, batizando-o de Compact, e o resultado surpreendeu. O site ICv2, que coleta os rankings de vendas de HQs naquele país, publicou a lista dos mais vendidos do ano de 2024 e destacou o formato Compact.

Dentre os 20 quadrinhos do estilo encadernado (coleções de várias revistas agrupadas em arcos de histórias fechadas, geralmente com mais de 100 páginas) mais vendidos de 2024, 13 eram de super-heróis, dos quais 9 eram da DC Comics, e desses, 4 no formato Compact: Watchmen, Batman: The Court of Owls Saga, Batman: Hush e All-Star Superman, que estão, respectivamente, nas posições 5, 7, 13 e 14.

Um formato novo dentro do até então padronizado e rígido mercado americano de HQs ocupar tal espaço nas vendas anuais é algo de impressionar.

O ranking completo é o seguinte:

  1. Teenage Mutant Ninja Turtles: The Last Ronin HC – IDW
  2. Teenage Mutant Ninja Turtles: The Last Ronin – Lost Years HC – IDW
  3. Disney Manga: Tim Burton’s The Nightmare Before Christmas – The Battle for Pumpkin King – Tokyo Pop
  4. Batman: Year One – DC Comics
  5. Watchmen (Compact) – DC Comics
  6. Watchmen (2019 edition) – DC Comics
  7. Batman: The Court of Owls Saga (Compact) – DC Comics
  8. Deadpool vs. Wolverine – Marvel Comics
  9. Batman: The Killer Joke (Deluxe HC new edition) – DC Comics
  10. Deadpool Kills The Marvel Universe – Marvel Comics
  11. Transformers Vol. 1: Robot in Deguise – Image Comics
  12. Justice League vs. Godzilla vs. Kong – DC Comics
  13. Batman: Hush (Compact) – DC Comics
  14. All-Star Superman (Compact) – DC Comics
  15. Ultimate Spider-Man by Jonathan Hickman Vol. 1: Married with Children – Marvel Comics
  16. Predator vs. Wolverine – Marvel Comics
  17. V For Vendetta – DC Comics
  18. Batman: The Long Halloween – DC Comics
  19. The Sandman Book One – DC Comics
  20. Teenage Mutant Ninja Turtles vs. Stranger Things – IDW

Avaliar a lista também nos diz algumas coisas… Apesar da Marvel Comics liderar a venda das revistas mensais, a DC confirma a tendência que já vem desde o início do século de manter a liderança na venda dos encadernados, balizada em obras como Watchmen e V For Vendetta, ambas escritas por Alan Moore e que jamais saem da lista dos mais vendidos, ainda que, pelo menos no caso da última, não poder ser realmente classificada dentro do gênero de super-heróis, assim como também não pode Sandman de Neil Gaiman, que também sempre está na lista, inclusive nesta.

V de Vingança: obra bastante influente.

Nota-se que Marvel e DC se beneficiam da associação com outras marcas do mercado pop, especialmente do cinema, cada qual possuindo uma HQ desse tipo, com a franquia do caçador alienígena Predador e dos monstros Godzilla e King Kong, respectivamente. A editora IDW marca uma presença forte no ranking com suas HQs das Tartarugas Ninjas, que não custa lembrar, diferente de suas versões cinematográficas e televisivas, possuem uma abordagem bem mais sombria e adulta nas HQs. É curioso que a editora Image Comics só apareça uma vez entre as 20 mais (e com uma HQ licenciada dos Transformers em vez de material original) e que a editora Dark Horse Comics não apareça com nenhuma.

No campo dos super-heróis, a Marvel tem uma presença bem diminuída, surfando no sucesso do filme Deadpool & Wolverine do ano passado, que rende duas posições no ranking (números 8 e 10), na associação com as franquias do cinema (com Predator vs. Wolverine, no 16º lugar) e uma única obra corrente, com a versão Ultimate (ou seja, de um universo alternativo) do Homem-Aranha.

Claro que é importante frisar que a Marvel é, portanto, a única que coloca uma obra atual e corrente no Top20, já que a DC, apesar de liderar com folga, exceto pela parceria com o cinema (com Godzilla e King Kong), está inteiramente baseada em obras de “catálogo”, ou seja, clássicos que se mantêm sendo republicado ao longo dos anos e décadas. A mais recente dessas obras, Batman: A Saga da Corte das Corujas, foi publicada 14 anos atrás, com a maioria delas advindas das décadas de 1980 e 90. Isso abre uma discussão interessante…

E também vale ressaltar a força de Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, considerada por muitos como a melhor HQ de super-heróis já publicada, que aparece em duas versões distintas no ranking, nas posições 5 e 6, com a novidade da versão de bolso e a edição mais recente em formato tradicional comics, respectivamente. Porém, perceba que a versão Compact vendeu mais do que a outra! Só novidade?

Esse sucesso nas vendas motivou a editora Panini Comics a lançar o “novo” formato também aqui no Brasil, pois em nosso país, a empresa italiana licencia tanto a DC quanto a Marvel há quase duas décadas. Por enquanto, apenas a DC aderiu ao formato, e a Panini lançou versões de O Reino do Amanhã, Watchmen, Batman: Silêncio (Hush, no original) e Batman: A Piada Mortal, HQs que em nosso país também não saem das listas das mais vendidas ano a ano. Embora em nosso país a ganância capitalista e manipulação dos impostos (que outro motivo há para isso?) fazem com que as editoras simplesmente não divulguem seus números de vendas, e portanto, não temos como saber o quanto vendem essas revistas e muito menos ter um ranking do Top20 de mais vendidas, os comentários oficiais da Panini e da imprensa é que o formato de bolso é um sucesso de vendas.

Com um tamanho de dimensões menores (o que permite que uma obra extensa como Watchmen caiba de modo algo confortável na mão do leitor) e um preço pretensamente mais atrativo isso é compreensível, embora poderíamos argumentar que o valor cobrado por essas HQs ainda é elevado e poderia ser mais baixo para atrair um número maior de leitores. Na loja oficial da Panini, Watchmen está a R$ 51,94, embora com a edição esgotada, e já teve valores na casa dos R$ 79,90, mas há uma tendência de baixa de preços, com O Reino do Amanhã a R$ 54,90, Superman: A Foice e o Martelo por R$ 35,90 e Batman: A Piada Mortal a R$ 32,90, apesar da editora salgar os preços dos lançamentos: o mais recente Batman: Silêncio está por R$ 69,90 e Mulher-Maravilha: Terra Um está por R$ 82,90.

Youtubers que cobrem o campo dos quadrinhos vêm fazendo referências recentes de que o mercado anda mal em nosso país, ainda que a Panini continue com um parque impressionante de lançamentos tanto em obras mensais quanto em edições especiais encadernadas, inclusive, em outros formatos, como o omnibus, uma HQ de formato tabloide (bem maior do que o comics) e com média de mais de mil páginas para coletar obras completas, arcos mais longos ou temporadas inteiras de um autor), que portanto, têm preços bem elevados. Mas a impressão que se causa é que as HQs se transformam cada vez mais em um mercado de nicho e, embora não exista uma pesquisa de larga escala para embasar isso, e a ausência de números abertos de vendas e da demografia dos comprados torne ainda mais difícil analisar, a simples observação em lojas de quadrinhos e convenções, além da vida cotidiana, parece indicar que o público jovem não compra HQs, e menos ainda de super-heróis, possuindo no máximo uma adesão ao mangá japonês.

Ou seja, HQ é coisa de adulto e não está renovando seu público, o que pode levar esse mercado ao fim se não houver renovação ou ampliação.

Apostar em uma linha de HQs com tamanho reduzido, o que barateia o custo, pode ser estratégico para atrair mais público. Na Bienal do Livro 2025 de Fortaleza, no Ceará, livrarias venderam unidades da coleção Eaglemoss da DC Comics (quadrinhos com belas edições de capa dura e papel coche) a R$ 15,00 que atraíram milhares de compradores. A cada dia do evento, filas se formavam em torno das torres de revistas empilhadas em mais de uma loja. É um caminho para renovar o público.

Capa de “Batman 01 (1ª Série)” da editora Abril, em 1984. No formatinho.

Por fim, não custa lembrar, o Brasil também tem uma longuíssima tradição com HQs em formato menor, o chamado formatinho, de 19×13 cm, que foi o tamanho padrão mais comum de publicação de quadrinhos no país por décadas. Desde a década de 1950, editoras como Abril, Globo, Ebal, Bloch etc. publicaram HQs de todas as vertentes (infantis, super-heróis, de humor) nesse formato, ainda que quadrinhos de pegada mais adulta eram privilegiados aos formatos comics ou magazine. Nos dias de hoje, a mesma Panini continua usando o formatinho para publicar as revistas da Turma da Mônica, por exemplo, e verdade seja dita, o formatinho não é muito diferente do formato padrão do mangá japonês.

Todavia, o formatinho tinha (e tem) muitas desvantagens: suas dimensões reduzidas prejudicam a arte, especialmente, se for um desenho cheio de detalhes. E também deixa menos espaço aos textos, sob o risco das letras ficarem muito pequenas. Historicamente, os super-heróis eram produzidos nos EUA no formato comics e adaptados ao Brasil aos formatinhos, o que criava vários problemas e a editora Abril, por exemplo, que publicou Marvel e DC entre as décadas de 1980 e 2000, constantemente adaptava os textos e os reduzia para que coubessem nos quadrinhos pequenos dos formatinhos.

E este é o ponto: colecionadores, youtubers e imprensa estão preocupados que a Panini termine por usar o sucesso das edições de bolso para revitalizar o formatinho aos super-heróis, uma prática que foi abandonada desde 2003 em nosso país, antes mesmo da Panini assumir Marvel e DC das mãos da Abril. O HQRock também acredita que seria um retrocesso, especialmente, pela redução do espaço que prejudica texto e arte.

Marvel, DC e Panini precisam repensar seu mercado e sua produção e encontrar maneiras de baratear seu produto e ampliar seu público para evitar que o mercado simplesmente deixe de existir. E esperamos que isso não passe pela redução dos tamanhos. Ou da qualidade.