Foi anunciado no Facebook, na segunda-feira, 30 de junho, a morte do ex-editor-chefe da Marvel Comics, Jim Shooter, famoso por ter sido o criador da maxissérie/ saga/ megaevento Guerras Secretas (que inspira o filme dos Vingadores que chegará aos cinemas em 2027), além de ter sido um célebre escritor de Superman, da Legião dos Super-Heróis e dos Vingadores. A notícia foi dada pelo escritor Mark Waid e foi confirmada ao The Hollywood Reporter por seu irmão, Benjamin Shooter.
Shooter ganhou a fama de ter sido um editor difícil, muito intrusivo e que demandava demais de seus artistas, mas ao mesmo tempo, comandou a Marvel entre 1978 e 1987, num período de ouro que rendeu algumas das melhores HQs de todos os tempos.

A história de como Shooter se tornou escritor de quadrinhos é uma das mais interessantes da indústria… Nascido em Pittsburgh, na Pennsylvania, em 27 de setembro de 1951, como a maioria dos jovens de sua geração, foi uma criança muito fã de HQs ao longo dos anos 1950, mas deixou o hábito para trás aos 8 anos de idade, mas quando tinha 12 anos precisou ficar hospitalizado e, no leito, lhe foram dadas várias HQs para ler e passar o tempo. Shooter ficou algo incrédulo quando percebeu que as revistas da DC Comics (com Superman, Batman e etc.) eram exatamente iguais às que lera até quatro anos (tempo que para uma criança parecia uma eternidade), ao passo que as novíssimas revistas da Marvel Comics (com Quarteto Fantástico, Hulk, Homem-Aranha, Thor, Homem de Ferro, Vingadores, X-Men) eram muito mais ousadas, estranhas e diferentes. O Universo Marvel havia acabado de ser lançado por Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko, Don Heck, Larry Lieber e outros. Shooter pensou que faltava ânimo às revistas da DC e que seus personagens se beneficiariam se tivessem histórias naquele estilo exagerado e dramático da Marvel.

Como a família operária de Shooter passava por dificuldades financeiras, o menino usou de sua febril imaginação juvenil para pensar que poderia ganhar dinheiro escrevendo HQs e ajudar nas contas de casa, e estudou as revistas da Marvel e da DC por um ano, anotando suas características e estilo, e quando o poderoso editor das revistas do Superman, Mort Weisinger, abriu uma “caixa de correios” nas HQs, um Shooter de 13 anos de idade enviou uma carta com um roteiro e seu número de telefone. Demorou alguns meses, mas o texto chegou nas mãos de Weisinger, que se impressionou com o material e telefonou ao jovem para conversar com ele e dizer que iria comprar e publicar aquela história, que sairia como a aventura da Legião dos Super-Heróis (um grupo de heróis adolescentes do futuro) em Adventure Comics 346, com data de capa de julho de 1966, na qual a arte também era dele. No telefonema, Weisinger demandou algumas histórias a mais, sugerindo plots para Supergirl e Superman, que o jovem atendeu prontamente, e quase ao mesmo tempo da estreia, também saiu na revista Action Comics 339, a história da Supergirl de Shooter, com arte de Jim Mooney, no qual a menina de aço combate o terrível Brainiac.

Weisinger pediu a Shooter que fosse visitá-lo nos escritórios da DC Comics em Nova York, para dar-lhe algumas orientações, e o jovem apenas pediu que esperasse o fim do ano letivo (que nos EUA é no fim de maio), e o garoto (acompanhado por sua mãe!) chegou aos escritórios da editora em junho de 1966. E foi somente nesse momento que Weisinger percebeu que o rapaz tinha apenas 14 anos de idade!

O melhor de tudo: as histórias de Shooter, em especial as da Legião dos Super-Heróis, fizeram um enorme sucesso e renderam muitas cartas elogiosas dos leitores, de modo que o pequeno Shooter virou o escritor principal do time de adolescentes e passou a escrever com frequência histórias da Supergirl e do próprio Superman. Por exemplo, foi ele quem criou o vilão Parasita em Action Comics 349, de agosto de 1966, com arte de Al Plastino, ou o vilão Amalak, em Superman 190, de outubro de 1966, com arte de Wayne Boring, ou mais importante ainda, escreveu Superman 199, de agosto de 1967, com arte de Curt Swan, na qual ocorre a primeira corrida para saber quem é mais rápido, o homem de aço ou o Flash.

Porém, após terminar o ensino médio e ingressar na Universidade de Nova York, Shooter terminou largando as HQs para se dedicar aos estudos, mas uma nova crise financeira o obrigou a abandonar o curso e retornar a Pittsburgh, no que ele terminou por voltar a escrever roteiros para a DC Comics no início dos anos 1970, até que seu colega Marv Wolfman assumiu o cargo de editor-chefe da Marvel Comics, em janeiro de 1976, e o convidou para trabalhar como editor assistente na Casa das Ideias, o que Shooter aceitou.

Na Marvel, além de cuidar da condução de algumas revistas, Shooter passou a escrever a revista The Avengers, dos Vingadores, e foi o responsável por uma grande fase da equipe, trazendo arcos como A Noiva de Ultron e, principalmente, A Saga de Korvac, eterna favorita dos fãs como uma das melhores histórias do grupo em todos os tempos.

Mas quando a cadeira de editor-chefe ficou vaga de novo, em janeiro de 1978, o publisher da Marvel e vice-presidente, Stan Lee, convidou o antigo menino-prodígio para o cargo e ele aceitou, tendo apenas 27 anos de idade!

Naquele momento, o mercado de quadrinhos sofria uma grande crise, com diminuição intensa nas vendas, o que fazia com que várias revistas estivessem à beira do cancelamento. Shooter fez um plano ousado, investindo em criatividade e liberdade aos artistas, exigindo que se arriscassem e trouxessem coisas novas, e o resultado não poderia ser melhor. A gestão de Shooter publicou uma das melhores fases da Marvel em todos os tempos, com uma série de grandes histórias lendárias, como os X-Men de Chris Claremont e John Byrne, o Demolidor de Frank Miller, o Homem-Aranha de Roger Stern e John Romita Jr., as fases do Hulk de Bill Mantlo e de John Byrne, o Thor de Walt Simonson, o Quarteto Fantástico de John Byrne, o Homem de Ferro de David Michellinie, Bob Layton e John Romita Jr., o Capitão América de Roger Stern e John Byrne, os Vingadores de Roger Stern e John Buscema, e muito, muito mais.

Foi Shooter quem criou o modelo de crossover ao criar a maxissérie Guerras Secretas, uma história cósmica envolvendo os maiores heróis e vilões da Marvel, publicada em 12 capítulos mensais a partir de 1984, cujas consequências se manifestavam em toda a linha de revistas da Marvel. Guerras Secretas foi escrita pelo próprio Shooter, com arte de Mike Zeck e foi nessa história que o escritor criou o uniforme negro do Homem-Aranha, por exemplo.

Guerras Secretas foi um enorme sucesso, inclusive, porque fazia parte de uma grande ação de marketing em associação com a fábrica de brinquedos Mattel, que lançou action figures dos personagens da saga. Porém, a experiência mudou Shooter que, a partir dali, se tornou um editor irascível e intrusivo, cada vez mais interferindo e alterando o material de seus artistas. Dali em diante, as relações dele na redação da Marvel começaram a azedar e o lançamento de Guerras Secretas II, em 1986, não ajudou em nada. Isso levou ao afastamento de algumas pratas da casa, como Frank Miller, John Byrne, George Perez… que foram para a concorrente DC Comics.
Naquele mesmo ano, a Marvel celebrava o jubileu de prata do início do Universo Marvel moderno, cujo marco zero foi Fantastic Four 01, de 1961. Para isso, Shooter teve a ousada ideia de criar um novo universo de quadrinhos, inteiramente com novos personagens, o Novo Universo, e lançá-lo com os talentos da casa. A empreitada, contudo, foi um enorme fracasso e complicou as relações do editor com a diretoria da Marvel.

A última grande cartada de Shooter foi o casamento do Homem-Aranha, megaevento que o editor articulou às pressas no verão de 1987 quando descobriu que Stan Lee pretendia casar Peter Parker e Mary Jane Watson nas tiras de jornal que escrevia naquela época. Shooter argumentou que, num evento importante como aquele, o cabeça de teia precisava casar primeiro nas HQs padrão, e só depois, nas tiras de jornais (que contavam com uma continuidade à parte). E o casal trocou as alianças em The Amazing Spider-Man Annual 21.
Contudo, naquele ponto, a Marvel tinha mudado de mãos e a nova diretoria achou que as finanças do Novo Universo eram temerárias demais e demitiu Shooter do cargo de editor-chefe após 9 anos na função. Isso é importante, pois de seus cinco antecessores, nenhum ficou mais de dois anos no cargo.

Depois, ele lançou a Valiant Comics, que lançou algumas HQs importantes na virada dos anos 1980 para 90, e mais tarde, voltou a escrever casualmente para a DC Comics e a Dark Horse Comics.
O legado do artista e editor, sem dúvidas, irá permanecer no mundo do entretenimento, com suas próprias histórias, como A Saga de Korvac ou Guerras Secretas, bem como em elementos como o uniforme negro do Homem-Aranha, e mais ainda, quando Vingadores – Guerras Secretas encerrar nove anos de storytellying do Marvel Studios e um grande filme-evento.
Jim Shooter foi vítima de um câncer de esôfago e tinha 73 anos de idade.


A despeito das polémicas em que se envolveu quando editor, um dos maiores escritores das Eras de Prata e Bronze dos Super-Heróis. R.I.P. Jim Shooter.
GostarLiked by 1 person
Verdade. Não conheço muito seu trabalho em Superman e Legião, mas sua temporada nos Vingadores é sensacional.
GostarLiked by 1 person