Estamos em pleno setembro amarelo no Brasil, uma ação de saúde pública voltada para a prevenção ao suicídio, mas por coincidência, esses dias um dos escritores mais aclamados da DC Comics, Greg Rucka (famoso por suas histórias do Batman, Superman e Mulher-Maravilha) fez uma fala bombástica sobre o ambiente tóxico da editora e que os problemas trabalhando lá os levaram a pensar em suicídio. Isso aconteceu já há alguns anos, quando a DC estava sob a direção de Geoff Johns e Dan DiDio e ambos são citados nominalmente como artífices de um ambiente conflitivo e abusivo.

Greg Rucka participou do podcast World Balloon, comandado por John Siuntres, no dia 08 de setembro (mas suas falas repercutiram mesmo a partir do dia 11 de setembro, quando o Bleeding Cool as noticiou) e disse que a DC Comics sob a liderança de Geoff Johns e Dan DiDio era tão tóxica que ele pensou em cometer suicídio.

Dan DiDio, ex-chefão da DC Comics é acusado de abusador.

Era um [ambiente] tóxico quando eu estava lá [na DC Comics] e permaneceu tóxico até [o co-Publisher] Dan DiDio sair [em 2020]. Era um ambiente abusivo e manipulador. Geoff Johns [o ex-Diretor Criativo da DC Entertainment] foi uma pessoa incrivelmente manipuladora comigo: ele me usou, mentiu pra mim, me jogou contra outras pessoas… DiDio fez a mesma coisa. Me fizeram promessas repetidamente e elas eram sempre quebradas. Quando eu saí [da DC] em 2009, eu estava mentalmente doente, severamente depressivo. Eu quase tirei a minha própria vida. E isso foi o resultado direto do jeito como fui tratado de 2006 a 2009 (…). As pessoas de quem estou falando são pessoas más. Não estou mais em uma posição de defendê-los de novo. Eles fizeram o que fizeram por maldade premeditada.

“Bruce Wayne: Fugitivo”: colaboração de Brubaker e Rucka.

Greg Rucka vinha de uma carreira literária (com livros de caráter policial) e começou a escrever para a DC em 2000 após o início do arco Terra de Ninguém do Batman, da qual se tornou um dos principais artistas. Em seguida, ele colaborou nas revistas do morcego, participando de arcos como Bruce Wayne: Fugitivo (recentemente republicado no Brasil pela Panini Comics em dois megavolumes), criou a série de sucesso Gotham Central ao lado do também escritor Ed Brubaker (focada nos policiais de Gotham City) e a minissérie A Morte e as Donzelas, focadas nas filhas do vilão Rã’s Al Ghul, também do universo do morcego; bem como alguns outros personagens da DC, inclusive, Mulher-Maravilha e The OMAC Project, além de ter participado da iniciativa 52 (uma série semanal de quadrinhos), ter criado a nova Batwoman, personagem que mais tarde seria adaptada numa série de TV e colaborado com o escritor James Robinson nas histórias do Superman, em especial no arco The War of Supermen, quando deixou a editora, em 2009.

A Batwoman de Rucka.

Naquele mesmo período, a DC Comics passou por algumas mudanças corporativas importantes. Após ser liderada pela publisher Jenette Kahn por mais de 20 anos, a presidência da DC passou às mãos do escritor Paul Levitz, que apontou Dan DiDio (vindo de uma carreira na TV) como diretor editorial da empresa, a partir de 2002. DiDio era o líder da DC nesse primeiro período de Rucka na editora, quando produziu sua obra mais famosa.

Após Rucka sair em 2009, outra grande mudança estrutural ocorreu: em setembro de 2009, a Warner Bros. (dona da DC) criou a DC Entertainment, empresa responsável por administrar o legado da DC (editora) e cuidar do licenciamento para cinema e TV (bem mais lucrativo do que HQs) e apontou Diane Nelson como presidenta da DC Entertainment, que passou a ser submetida diretamente à Warner Bros. Pictures liderada por Jeff Robinov, que por sua vez, respondia ao CEO da Warner, Alan Horn. Levitz foi “posto de escanteio” em um cargo consultivo. Nelson montou sua equipe própria logo depois: em fevereiro de 2010 apontou Geoff Johns (um escritor de muito destaque na década de 2000) como Diretor Criativo da DC Entertainment (ou seja, o responsável pelo direcionamento criativo da empresa) e Dan DiDio mais o desenhista-sensação Jim Lee como Co-Publishers da DC Comics (a editora em si).

Geoff Johns foi o Diretor Criativo da DC Entertainment e chefão da DC Films.

Em seguida, investindo pesado nos filmes baseados nos personagens da companhia, a Warner criou naquele mesmo ano a DC Films, estúdio cinematográfico responsável por esse fim, cujos presidentes eram Geoff Johns (que tinha experiência na área de produção cinematográfica e continuou como Diretor Criativo da DC Entertainment, acumulando os cargos) e Jon Berg. Foi nesse momento em que Rucka foi chamado de volta para “salvar” a revista da Mulher-Maravilha, que estava em crise, mas a personagem iria ganhar um filme próprio (que sairia com sucesso em 2017).

Rucka falou sobre esse retorno:

Quando eles [Geoff Johns e Dan DiDio] vieram até mim em 2016, eles estavam de joelhos, dizendo: “Nós temos um filme da Mulher-Maravilha saindo e nós ferramos tudo…”, eles disseram, “Precisamos que seja consertado. Queremos você para fazer. O que você quer?”. Eu dei a eles uma lista de demandas e fiz eles porem por escrito (…). Ao fim daquele primeiro ano, eles disseram, “bem, vamos fazer de novo, e queremos que você continue”, e eu disse: “isto não é sustentável. E eu disse que só ficaria por apenas um ano”, então, eu cai fora.

Mulher-Maravilha: lésbica.

Curiosamente, a Wonder-Woman de Rucka teve 25 edições, ou seja, dois anos de produção, mas talvez, ele tenha escrito tudo em um ano e a publicação continuou depois. O fracasso do filme Liga da Justiça, em 2017, resultou em Geoff Johns ser demitido da DC Films no ano seguinte, substituído por Walter Hamada (um executivo de carreira no cinema) e a situação de Johns começou a complicar dentro da companhia, até ele ser demitido do cargo de Diretor Criativo da DC Entertainment também.

Rucka voltou de novo nesse período…

Em 2019, eu voltei de novo porque [os escritores] Brian Bendis e Matt Fraction [ambos vindos da Marvel Comics] estavam chegando [na DC] e era a intenção que trabalhássemos juntos. E quando chegou aquele ponto, me foi dito: “Não precisamos fazer garantias, porque provamos que fizemos o que falamos”, e como um idiota, eu disse “ok”, eles começaram a me apertar… Então, quando aquilo acabou, eu caí fora. Eles voltaram um par de vezes depois, mas eu mantive minha posição.

Por fim, o reinado de Dan DiDio acabou em 2020, quando foi demitido em outra reestruturação da DC, quando Jim Lee se tornou o Publisher da DC Comics e o Diretor Criativo da DC Entertainment, cargos que mantém até hoje. Curiosamente, Lee não é citado por Rucka em sua fala. Mas as partidas de DiDio e Johns fizeram toda a diferença!

Eu serei completamente honesto: [a DC Comics] é uma companhia totalmente diferente agora. As pessoas lá… é [um ambiente] saudável… [O editor] Rob [Levin] disse claro pra mim: ” é diferente agora, o editorial caminha junto e é comunicativo”, e eu disse: “bem, eu acreditarei quando eu ver isso” (…) Ele estava totalmente correto. Estou trabalhando com três grupos editoriais e eles conversam tanto entre si que quase chega a ser um problema, sabe? Isso cria um ambiente em que estamos colocando o melhor material que a DC publica desde 10 ou 15 anos…

(…) A última vez em que pude trabalhar com editores bons assim foi em 2016, quando eu fui hábil de escolher os editores que trabalhariam comigo. Antes daquilo [no período de 2000 a 2009], eu tenho que ir, francamente, até a época de Denny [O’Neil, que foi editor dos títulos do Batman até o ano 2000] no “bat-grupo”. E isso para não falar dos editores com quem eu trabalhei, por exemplo, em Gotham Central, Matt Idleson, Nachie Castro, eram pessoas más ou maus editores. Eles eram grandes em seus empregos, mas o ambiente foi crescendo mais e mais numa loucura tóxica.

São palavras duras de um escritor que já criou histórias muito sombrias…

É bom ouvir que pelo menos o ambiente atual da DC é positivo e que Rucka, aparentemente, não tem mais seus impulsos suicidas. Mas é uma história de bastidores triste. E há precedentes, tendo em vista o ambiente tóxico das filmagens de Justice League, sob o comando de Geoff Johns, que legaram a troca do diretor Zack Snyder por Joss Whedon, que por sua vez, foi acusado de um comportamento abusivo nos sets, fruto de uma grande campanha de denúncia do ator Ray Fisher, que viveu Victor Stone, o Ciborgue. A pressão e problemas das filmagens também legaram em Ben Affleck, que fazia o Batman, voltar a ter problemas com o alcoolismo, e ele mesmo já citou – sem dar detalhes – o ambiente da DC Films e a produção daqueles filmes (ele quase dirigiu um filme solo do homem-morcego) como “miserável” e o pior momento em sua carreira.