Homem-Aranha – Longe de Casa tem a árdua tarefa de fechar a Fase 3 do Marvel Studios após o estrondoso Vingadores – Ultimato. Como fazer? Ter um filme totalmente diferente foi a saída.

Os trailers vendem um filme de aventura, com foco nas cenas do Homem-Aranha ao lado de Mysterio contra os monstros chamados de Elementais nas belas cidades da Europa. Porém, não se trata disso: Longe de Casa é um filme focado nas agruras adolescentes, em especial o romance e a busca de identidade. E isso é bom!

Em termos de história, o longa tem um ponto de partida – bem explorado nos trailers – que é o luto pela morte de Tony Stark; mas o fio condutor é mesmo a paixão de Peter Parker por MJ, a menina que é chamada de Michelle no primeiro filme, mas que parece que vai se transformar, como que por mágica, em Mary Jane Watson.

O curioso é que o texto consegue explorar esse “bromance” (como dizem os americanos) de um modo leve e divertido e fazê-lo realmente soar adolescente – talvez de uma adolescência idealizada, claro – e isso ganha um tom simpático e “família” no filme. Obviamente, o sexo está fora de jogada e tal palavra e situações do tipo são evitadas a todo custo.

Mas é digno de nota o trabalho de Tom Holland e Zendaya como o par, com simpatia e humor.

O desafio de Longe de Casa é equilibrar esse universo juvenil – uma turma de estudantes em viagem pela Europa (por um motivo que nunca fica claro no filme, mas é dito por duas vezes se tratar de uma “viagem de ciências” seja lá o que isso significa) – com uma ameaça em nível mundial que requer a presença do Homem-Aranha. Podemos dizer que o filme é bem sucedido neste ponto, mas sinceramente, o primeiro elemento (juvenil) é muito mais preponderante do que o segundo (ameaça).

A saída do roteiro é espalhar a ação pelo filme inteiro, a conta gotas (ou melhor, em lagoas), enquanto as duas tramas se desenvolvem. Pelo menos é uma desculpa para vermos belas cidades europeias (Veneza, Praga, Londres), embora elas sejam sacudidas por monstros enormes.

Peter Parker encontra em Quentin Beck uma figura em quem se inspirar e se relacionar de um modo que nem com Stark conseguiu (já que o Homem de Ferro era tão autocentrado e histriônico): um rapaz vindo de outra Terra, com uma armadura fantástica que tem a missão de lutar contra os Elementais que vazaram para nossa realidade após o estalar de dedos de Thanos, ou a Dizimação, como é chamada em Vingadores – Ultimato, mas de blip em Longe de Casa – e quem foi Dizimado, foi blipado! Neste ponto, Jake Gallenhaal está muito bem e merece elogios.

O que é irônico, pois o ator quase foi o Homem-Aranha no passado, cotado para substituir Tobey Maguire em Homem-Aranha 2 (de 2004), após este ter machucado as costas em outra produção.

Longe de Casa ainda tem suas surpresas e não falaremos delas para não dar spoilers, mas são viradas de trama e segredinhos que valem à pena.

No fim, Longe de Casa é um filme leve e divertido, mas não é nenhuma obra-prima. Não é memorável como De Volta ao Lar – que talvez se beneficiou de apresentar esse novo Homem-Aranha e seu universo particular – e fica talvez no nível (talvez um pouco acima) de Homem-Formiga e a Vespa.

É preciso dizer, ainda, que este Homem-Aranha – por divertido que seja e integrado ao universo dos Vingadores tem pouco do Aranha tradicional dos quadrinhos. As aventuras de Peter Parker nas HQs sempre foram mais focadas em si mesmas, em seu próprio universo, mesmo que ele não fosse “isolado” do restante da Marvel, mas suas participações (e as influências delas nas histórias) eram pontuais.

Aqui, não há quase nada de “próprio” a Peter Parker e a abordagem como vingador, agente da SHIELD, substituto do Homem de Ferro, têm muito pouco dos quadrinhos originais.

Do mesmo modo, embora as HQS – especialmente as escritas por Stan Lee nos anos 1960 – sempre lidaram com as dúvidas e as falhas de Peter Parker em relação ao seu alter-ego, causa alguma estranheza – embora não seja descontextualizado do universo de filmes – a relutância do Homem-Aranha em ser um herói propriamente dito. Nesse ponto, Longe de Casa retém um elemento de De Volta ao Lar que, talvez, já pudesse ter sido resolvido, que é o “vigilante” que é apenas “o amigão da vizinhança”. Como diz Nick Fury em um momento do filme: “Mas você já esteve até no espaço!”.

Assim, colocar o Homem-Aranha contra uma ameaça de nível global talvez soe como um erro, se o roteiro quer o tempo todo ressaltar que ele é apenas o “amigão da vizinhança”.

Para terminar precisamos falar de duas coisas. Primeiro, que mais do que a batalha final, a terceira luta do filme é a mais sensacional, porque traz um elemento muito característico do Homem-Aranha clássico dos quadrinhos: as viagens psíquicas. Enquanto escreveu as histórias do aracnídeo, entre 1962 e 1972, Stan Lee (especialmente ao lado do desenhista John Romita Sr.) sempre arranjou uma desculpa para viajar ao íntimo de Peter Parker e materializar seus medos e angústias em sonhos ou alucinações que geravam efeitos surreais. Longe de Casa adapta essas “viagens” de maneira muito bonita, algo que deve encantar os espectadores em geral por sua plasticidade, mas que será um acalanto especial aos fãs de longa data.

E, por fim, não deixe de assistir às duas cenas pós-créditos, porque elas não apenas viram de cabeça para baixo o mundo do Homem-Aranha nos filmes, como abrem perspectivas interessantes para os demais filmes da Marvel.

É até uma pena não poder comentar os spoilers neste caso.