A indústria musical por vezes pode ser um ambiente insólito e o caso do cantor, guitarrista e compositor John Fogerty é um dos mais emblemáticos: roubado da propriedade e dos direitos de suas próprias canções por um empresário inescrupuloso. Após 40 anos (!!!!!) de batalhas judiciais, o clássico frontman da lendária banda Creedence Clearwater Revival conseguiu reaver os seus direitos em 2023, e agora, lançará um novo álbum com regravações de seus clássicos dos tempos da banda.

Em agosto chega às lojas o álbum Legacy: The Creedence Clearwater Revival Years, com John Fogerty reinterpretando 20 de suas canções mais conhecidas em uma banda formada por sua própria família, incluindo seus filhos. É uma estratégia para o músico adquirir mais direitos sobre suas composições, ao mesmo tempo em que opta por manter registros que se aproximam bastante dos originais, como se pode ver nos dois singles já adiantados do material, com Have you ever seen the rain? e Up around the bend.

O caminho até aqui é uma história de terror travestida de música… John Fogerty fundou a banda que se tornaria o Creedence Clearwater Revival ainda em 1958, quando tinha apenas 13 anos de idade e estava na escola, com o nome The Blue Velvet, ao lado do baixista Stu Cook e do baterista Doug Clifford, e a banda seguiu tocando pelos anos seguintes, até ser complementada pelo irmão mais velho de John, Tom Fogerty na guitarra base, e até conseguiram gravar em pequenas gravadoras e atingir um pequeno sucesso local a partir de 1964, até John ser convocado pelo exército. Mas ao retornar à vida civil, em 1967, tudo mudou: a banda se reuniu, adotou o nome Creedence Clearwater Revival e assinou um contrato com a Fantasy Record, de propriedade de Saul Zaents.

O Creedence fez um sucesso avassalador, atingindo os primeiros lugares das paradas e virando uma das bandas de maior sucesso dos anos 1960, com hits como Pround Mary, Bad moon rising, Fortunate son e Have you ever seen the rain?, somando nove singles no Top10 das paradas de sucesso da Billboard, nos EUA, e tocando no Festival de Woodstock, em 1969. John Fogerty era o compositor de todas essas músicas. Isso gerou tensões na banda com os outros membros, seu irmão Tom largou o grupo em 1970 e o CCR por fim se separou em 1972.

Fogerty saiu em carreira solo, usando o nome de uma banda fictícia chamada The Blue Ridge Rangers para lançar um disco de country em 1973, e depois, usando seu próprio nome, lançou o álbum John Fogerty, em 1975, que rendeu os pequenos hits Comin’ down the road e Rockin’ all over the world, esta última, se tornou mais conhecida pelo cover da banda britânica Status Quo, dois anos depois. Sem conseguir o sucesso de outrora, Fogerty teve um álbum rejeitado pela gravadora em 1976, que o considerou abaixo de seu nível, e isso o desmotivou a prosseguir a carreira, entrando em um hiato de quase uma década até regressar com o álbum Centerfield, de 1985, que gerou o hit The old man down the road, mas o disco seguinte não conseguiu o mesmo sucesso e ele se afastou da indústria musical outra vez, motivado por disputas legais com seu ex-empresário.

O contrato dos anos 1960 de Fogerty com a Fantasy Records de Saul Zaents tornava o empresário proprietário dos direitos das canções, em vez de seu compositor. Em carreira solo, Fogerty se livrou da associação com Zaents e a Fantasy, mas ele não conseguiu reaver seus direitos, nem na Justiça, o que lhe desanimou com a carreira musical. E não somente isso: a coisa chegou a um absurdo tal que Zaents chegou a processar Fogerty por plagiar a si próprio em sua carreira solo (com The old man down the road) uma de suas próprias composições nos tempos da banda (Run through the jungle), algo que a Justiça não aceitou e deu ganho ao compositor. Como um compositor poderia ser processado por plagiar a si próprio?

Fogerty lutou na Justiça contra Zaents e não conseguiu reaver seus direitos de compositor e isso ainda resultou em ele deixar de receber até os royalties por algumas décadas.

Também houve problemas com os ex-membros do Creedence: no processo contra Zaents, os antigos membros do CCR ficaram do lado do empresário, inclusive seu irmão, Tom Fogerty, o que impossibilitou que eles se reconciliassem, e Tom morreu vítima do HIV em 1990. A disputa com Cook e Clifford seguiu e a dupla até montou uma banda cover do Creedence, com o qual fizeram turnês pelo mundo inteiro.

A desilusão com a indústria musical fez com que Fogerty se recusasse a tocar ao vivo o material de sua velha banda, o que só fez em ocasiões muito específicas até mudar de ideia em 1997, após decidir se assumir como o autor e proprietário legítimo daquelas canções, mesmo sem o apoio legal. As coisas apenas começaram a se resolver a partir de 2004, quando a Fantasy Records foi vendida para a Concorde Records e depois passou às mãos da DreamWorks Records e da Geffen Records, gravadoras que foram renegociando o velho contrato e garantindo alguns direitos a Fogerty.

A disputa com os ex-membros do Creedence paralisou até o lançamento de material novo da banda, mas as partes chegaram a um acordo em 2019, como o HQRock noticiou (quer saber mais? Veja aqui!), o que resultou em alguns lançamentos, como o show no Festival de Woodstock (naquele mesmo ano, celebrando 50 anos do evento) e a histórica apresentação no Royal Albert Hall, em Londres, em 1970 (que saiu tanto em disco quanto em filme em 2022).

Mas a grande vitória foi Fogerty conseguir reverter a propriedade de suas próprias músicas em janeiro de 2023, fruto de uma árdua negociação conduzida por sua esposa e empresária, Julie Fogerty.

Dono de seu catálogo pela primeira vez na vida, em vez de relançar mais uma coletânea do Creedence, Fogerty decidiu regravar aquelas faixas, motivado pela série de vídeos gravados por ele e seus filhos executando essas faixas em casa durante a pandemia. Com sua banda familiar, o compositor gravou Legacy: The Creedence Clearwater Revival Years, reunindo 20 faixas, como Up around the bend, Who’ll stop the rain?, Pround Mary, Have you ever seen the rain?, Someday never comes, Lodi, Down on the corner, Bad moon rising, Tavellin’ band, Green river, Fortunate son e muitas outras. O disco está em pré-venda e chega às lojas (físicas e virtuais) em 22 de agosto próximo.