Ex-líder, ex-baixista e ex-principal compositor do Pink Floyd, Roger Waters abriu ontem à noite sua nova turnê pelos Estados Unidos, chamada This is Not a Drill. E começou chutando a porta: logo no início do concerto, uma mensagem aparece no telão ao fundo do palco pedindo para aqueles que não gostam de política caírem fora.

É uma reação do músico à experiência de sua turnê anterior, de 2018, na qual houve reclamação de fãs pelo conteúdo político do show, notadamente de esquerda, o que valeu até uma experiência dramática no Brasil: passando por aqui próximo das eleições presidenciais, o compositor recebeu vaias ao expor no telão a frase “Fora Bolsonaro” e ainda recebeu ameaças de morte. Como relatou em entrevista posterior, foi a única vez em sua vida que isso aconteceu, o que mostra bem os ânimos políticos anti-democráticos de nosso país. (Sim, em vez de respeitar a opinião alheia, se ameaça de morte os que não concordam com você).

Nessa nova empreitada, que começou com o concerto na PPG Paints Arena, em Pittsburgh, e deve se estender pelos EUA por todo o verão no hemisfério norte até o mês de outubro, Waters decidiu deixar as coisas claras logo de início com a seguinte mensagem no telão:
Se você é uma daquelas pessoas: “Eu amo Pink Floyd, mas não suporto as mensagens políticas”, seria bom pra você cair fora agora e ir para o bar.
Quer goste ou não da atitude do músico, ninguém pode reclamar que ele é incoerente. Emergindo como o principal compositor do Pink Floyd no fim dos anos 1960, logo após o primeiro líder da banda, o guitarrista Syd Barrett, ser afastado por causa de problemas mentais, Waters sempre escreveu letras e baseou os conceitos dos discos da banda em sua visão política, que é compartilhada com o guitarrista David Gilmour. Nos anos 1970, Waters passou a ser o único letrista do Pink Floyd, mesmo quando as músicas em si eram escritas por Gilmour ou pelo tecladista Richard Wright, o que manteve a coerência da mensagem política das canções, que permeiam álbuns como Darkside of the Moon (1973), Wish You Were Here (1975), Animals (1977), The Wall (1979) e The Final Cut (1983).

O Pink Floyd de Waters era essencialmente político nas suas mensagens e canções.
E o músico continuou assim quando partiu para a carreira solo, abandonando a banda em 1985, que prosseguiu sem ele, mas com Gilmour, Wright e o baterista Nick Mason. Assumindo a liderança do grupo, mesmo recorrendo a letristas externos, Gilmour manteve a pegada política nas obras A Momentary Lapse of Reason (1987) e The Division Bell (1994).
Então, é realmente estranho ir num show cheio de canções do Pink Floyd e não querer política. Na verdade, é algo impossível.

Ademais, a abertura de This is Not a Drill – turnê que Waters não pôde lançar em 2020 por causa da pandemia de Covid-19 – trouxe algumas pequenas inovações no repertório do autor. Primeiro, porque trouxe um número não desprezível de canções da carreira solo de Waters: The Powers That Be (do álbum Radio K.A.O.S., 1987), The Bravery of Being Out of Range (de Amused to Death, 1992), Déjà Vu e Is This the Life We Really Want? (de Is This the Life We Really Want?, 2017) e até uma faixa totalmente inédita, The Bar, que inclusive, ganhou uma reprise no fim do concerto.
E apesar da maior parte do repertório advir das contribuições de Waters para o Pink Floyd, o músico tentou inovar um pouco na maneira como as apresentou: Comfortably numb, uma das canções mais famosas e queridas da banda normalmente aparece lá no bis ou bem no fim do concerto, mas Waters abriu logo o show com ela, e ainda substituiu o solo de guitarra do meio por um solo vocal ao estilo do que o Pink Floyd usou em The great gig in the sky; em seguida, subverteu o potencial medley de The Wall, pulando a lenta Another brick in the wall (part 1) – que não foi tocada – e indo de Happiest days of our lives, Another brick in the wall (part 2) [a mais famosa canção da banda] e Another brick in the wall (part 3), tudo logo na sequência inicial.

Depois, quando chegou a hora de tocar a obrigatória Shine on you crazy diamonds, em vez de executar a primeira parte mais famosa da faixa (as partes I-V), Waters optou pela mais obscura segunda seção (partes VI-IX); tocou Sheep de Animals (que irá ser lançado remasterizado em breve); e encerrou a primeira parte do show. Após o intervalo, regressou num terreno mais tradicional, com faixas de Darkside of the Moon e The Wall, mas incluindo a quase desconhecida Two suns in the sunset, que encerra The Final Cut, uma canção que tocou raríssimas vezes ao vivo. O show encerrou com a faixa final de The Wall, Outside the wall. Foram 23 canções.
O set list é o seguinte:
- Comfortably Numb
- The Happiest Days of Our Lives
- Another Brick in the Wall, Part 2
- Another Brick in the Wall, Part 3
- The Powers That Be
- The Bravery of Being Out of Range
- The Bar (música nova)
- Have a Cigar
- Wish You Were Here
- Shine On You Crazy Diamond (Parts VI-IX)
- Sheep
Set 2 - In the Flesh
- Run Like Hell
- Déjà Vu
- Is This the Life We Really Want?
- Money
- Us and Them
- Any Colour You Like
- Brain Damage
- Eclipse
- Two Suns in the Sunset
- The Bar (Reprise)
- Outside the Wall
A banda da turnê é formada por: Roger Waters (vocais, violão, baixo), Jonathan Wilson e Dave Kilminster (guitarras), Gus Seyffert (guitarra e baixo), Jon Carin (guitarra e teclados), Robert Walter (órgão), Joey Waronker (bateria), Seamus Blake (saxofone), Amanda Belair e Shanay Johnson (backing vocals).
Não há uma agenda posterior, mas é possível que Waters faça um giro menor pela Europa no fim deste ano e pode vir à América Latina em 2023. Quem sabe?