Nenhuma outra banda de rock foi mais importante do que os Beatles. O quarteto de Liverpool revolucionou a música, a moda e os costumes e causou um impacto imenso na cultura do século XX. E continuam a ser referência importante no século XXI. Tanto que os nomes dos quatro membros – John Lennon (vocais, guitarras, piano), Paul McCartney (vocais, baixo, piano e teclados), George Harrison (guitarras e vocais) e Ringo Starr (bateria, percussão e vocais) – estão cravados na história. Mesmo que tenham tido uma carreira fonográfica de apenas sete anos, no frenético mercado dos anos 1960 isso legou 13 álbuns oficiais mais duas dúzias de singles que tornaram os fab four não somente o maior sucesso de vendas da história, mas na mais influente banda que já existiu. Banda de música, não só de rock.

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Beatles: maior banda da história do rock.

Ainda é preciso lembrar que a dupla John Lennon & Paul McCartney, responsável por cerca de 85% do material gravado pelo grupo, é a dupla de compositores mais importante e influente da música do século XX, tendo confeccionado clássicos imortais, como Strawberry fields forever, A day in the life, Come together, Day tripper, A hard days night, Yesterday, Let it Be, Hey Jude, Revolution, Don’t let me down… A lista não tem fim.

Embora sem poder concorrer em quantidade com a dupla, George Harrison também compôs alguns dos maiores clássicos do rock dentro da banda, como Something, While my guitar gently weeps e Here comes the sun.

Beatles, The, 27.12.1960 - 11.4.1970, British band, with Paul McCartney, Ringo Starr, George Harrison, John Lennon, live perform
Os Beatles ao vivo em 1964: disco relançado.

E apesar de já haver vários posts do HQRock sobre a banda, ainda não tínhamos analisado a carreira deles em sua totalidade. Por isso, depois de vários pedidos dos leitores, estamos entregando a Discografia Completa e Comentada dos Beatles!

Diferente do que o HQRock faz neste tipo de post, não iremos fazer um panorama geral da carreira da banda, porque já fizemos isso algumas vezes em outras postagens que serão vinculadas nos textos a seguir.

Também de maneira diferente das outras vezes, vamos incluir os singles ou compactos lançados pelos Beatles, já que muitas dessas canções não foram incluídas dentro dos álbuns e alguns compactos são tão importantes quanto álbuns completos.

A Discografia dos Beatles

A discografia oficial dos Beatles é aquela lançada na Inglaterra, sua terra natal, pela EMI Records, entre 1962 e 1970. Como era de praxe na época, seus álbuns foram modificados nos outros países, com cada país criando suas próprias versões a partir do material disponível, o que gerou outros títulos, outras capas etc. Mas a discografia britânica é a oficial porque é aquela que reflete como a banda queria que suas músicas fossem lançadas e como planejaram e executaram sua obra, enquanto as versões em outros países são decisões de marketeiros.

Na discografia britânica são 11 álbuns oficiais (aqueles que os músicos planejaram e trabalharam efetivamente), um 12º título que era a trilha sonora de um filme (Yellow Submarine) que o grupo lançou como um obrigação contratual (e trazia 4 canções inéditas), e um 13º álbum que é a ampliação de um compacto duplo (EP como os britânicos chamavam) chamado Magical Mystery Tour, e é um tipo de exceção nessa organização oficial, pois neste único caso tomam a versão americana como “oficial” (explicaremos em detalhes no devido tempo). Isso dá 13 álbuns no total como a obra oficial da banda, desconsiderando as versões dos outros países. Como a maioria dos singles dos Beatles não eram repetidos dentro dos álbuns, existe uma coletânea oficial (Past Masters) para copilar essas faixas, de modo ao fã poder ter todas as canções dos Beatles em um conjunto de álbuns completos (e não fragmentados em dúzias de disquinhos compactos).

  • Please Please Me, 1963
  • With The Beatles, 1963
  • A Hard Day’s Night, 1964
  • Beatles For Sale, 1964
  • Help!, 1965
  • Rubber Soul, 1965
  • Revolver, 1966
  • Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, 1967
  • Magical Mystery Tour, 1967
  • The Beatles (The White Album), 1968
  • Yellow Submarine, 1969
  • Abbey Road, 1969
  • Let it Be, 1970

Essa oficialização da discografia britânica ocorreu de modo maciço apenas em 1975, quando a EMI providenciou uma reedição de todos os álbuns da banda em LP (adicionando Magical Mystery Tour ao formato) e o resto do mundo seguiu e padronizou a discografia britânica. O mesmo se deu em 1987, quando toda a obra do conjunto foi lançada remasterizada em CD pela primeira vez, bem como nos formatos LP e cassete. Daí em diante, as versões de outros países (se ainda existiam) saíram de catálogo totalmente e foram substituídas no mundo inteiro pela discografia britânica, que se tornou a única disponível, ou seja, os 13 álbuns oficiais e a coletânea dupla Past Masters copilando todas as faixas lançadas em singles ou discos especiais que não estejam nos outros álbuns. Existem outros lançamentos póstumos e coletâneas, que listaremos à frente também, embora não compunham o core da obra que foi realmente lançada pela banda enquanto existiu.

Os Estados Unidos têm apreço por sua própria versão da discografia da banda (aquela dos anos 1960), por isso, em 2014 foi lançada um box set com a discografia tal qual como lançada nos EUA, e esses discos podem ser encontrados separados no mercado também, embora não com tanta facilidade.

Quando a discografia dos Beatles foi lançada em streaming, em 2009, junto com uma nova remasterização, novamente, foi colocada à disposição apenas a versão britânica, ainda que, por algum motivo, algumas canções tenham permanecido com as mixagens da versão americana, especialmente nos três primeiros discos.

Então, pegue sua guitarra Epiphone, plugue num amplificador Marshall, conecte o pedal Leslie, cante à três vozes e mande brasa em um rock ao mesmo tempo enérgico, cheio de feeling e melodia! Yeah! Yeah! Yeah!

De Liverpool para o mundo…

Para aqueles que não conhecem muito da história do conjunto, o menor resumo possível de suas origens… Se quiser ir direto para os discos e pular esta parte histórica é só seguir à próxima seção.

John Lennon à frente dos Quarrymen em 1956.

Na cidade de Liverpool, no norte da Inglaterra, John Lennon fundou uma banda com seus colegas de escola quando tinha 15 anos de idade, no verão de 1956, chamada The Quarrymen, que se apresentava em bailinhos, festas e clubes. Um ano depois, ele conheceu o jovem Paul McCartney, que como ele também escrevia suas próprias canções. Lennon o convidou para a banda como segundo guitarrista e os dois passaram a compor juntos, nascendo a dupla Lennon & McCartney, ainda que os covers continuassem a ser a parte principal de seu repertório até o início de sua carreira fonográfica. Em 1958, os Quarrymen começaram a se desmontar, então, McCartney convidou o amigo da escola George Harrison para ser o guitarrista solista, e por volta de um ano depois, a banda terminou reduzida a somente o trio Lennon, McCartney, Harrison.

Ao passo que eles passaram a usar instrumentos totalmente elétricos e usar bateristas circulantes, o grupo usou diversos nomes (Johnny and the Moondogs foi um dos que durou algum tempo) até chegarem a The Beatles, em 1960 – um trocadilho com as palavras beetle/ besouro e beat/ batida ou ritmo – que chegou até a ser expandido para The Silver Beatles, antes de ficar apenas como Beatles mesmo. Naquele ano (com uma formação estável, com Stu Sutcliffe no baixo e Pete Best na bateria), o grupo começou a fazer longas residências em Hamburgo na Alemanha, onde moldaram o seu som como um rock pesado, rápido, frenético e com abundância vocal, onde todos cantavam.

Os Beatles como quinteto em Hamburgo, ainda antes da entrada do baterista Ringo Starr.

Nas idas e vindas de Hamburgo, Sutcliffe deixou a banda e Paul McCartney terminou migrando da guitarra para o baixo e os Beatles viraram um quarteto para sempre. Também em Hamburgo a banda teve sua primeira experiência de gravação profissional: serviram de banda de acompanhamento para outro cantor britânico, chamado Tony Sheridan. A banda gravou o que seria equivalente à metade de um álbum completo apenas servindo de fundo musical para Sheridan, porém, como prêmio de consolação, foram registradas duas faixas apenas com os Beatles: o cover (de Gene Vincent) Ain’t she sweet, com Lennon nos vocais e o número instrumental Cry for a shadow (de autoria de Lennon e Harrison). Dessas sessões foi lançado o single My bonnie, no verão de 1961, creditada apenas a Tony Sheridan (mas com os Beatles como banda de acompanhamento) e o disquinho chegou ao 5º lugar das paradas alemãs, mas não foi lançado em nenhum outro país.

(Do ponto de vista da discografia oficial da banda isso é importante porque, quando os Beatles fizeram sucesso mundial em 1964, a gravadora Polydor descobriu que tinha essas gravações antigas em seu acervo, e lançou todas as canções de Tony Sheridan (inclusive, acompanhado por outra banda que não os Beatles), mais as duas solo dos Beatles como um álbum que teve várias capas e nomes ao longo dos anos. Originalmente, o álbum Tony Sheridan: My Bonnie foi lançado em 1961 sem dar crédito aos Beatles (mas à fictícia banda The Beat Brothers), mas intitulado The Beatles’ First!, saiu pela Polydor alemã em 1964, ganhando uma versão francesa em 1965, uma britânica em 1967, uma no Canadá em 1969 e nos EUA em 1970. Os Beatles registraram 8 canções em Hamburgo: Ain’t she sweet e Cry for a shadow (ambas apenas a banda) e seis com Sheridan, My bonnie, The saints (estas duas lançadas como single), Why?, Nobody’s child, If you love me, baby (todas essas em 1961) e, por fim, Sweet Georgia Brown (em 1962). Outra canção foi gravada – Swanne river – mas a master se perdeu).

Ainda assim, as mais famosas (e melhores) My bonnie, Ain’t she sweet e Cry for a shadow não faziam parte da discografia oficial dos Beatles até serem oficialmente lançadas no Vol. 1 da série Anthology, em 1995, conforme se verá adiante). As demais ainda existem em catálogos da Polydor (agora, sob a bandeira da Universal Music).

A banda no Star Club, em Hamburgo, em 1962.

Porém, naquele mesmo instante, no outono de 1961, os Beatles eram a banda de rock mais popular do norte da Inglaterra e, embora invisíveis aos sulistas londrinos, mobilizavam pequenas multidões entusiasmadas em seus concertos por Liverpool, Manchester e outras cidades, e faziam uma residência diária no The Cavern Club, onde tocavam na hora do almoço. E por sorte, na esquina da rua do clube ficava a NEMS, a principal loja de discos da região. E lá, os fãs dos Beatles começaram a solicitar importações de My bonnie da Alemanha, um serviço que a loja executava. O dono do empreendimento era Brian Epstein, um homem rico, judeu e gay, fã de teatro e literatura, de gostos refinados, e que estava em seus 30 e poucos anos. Curioso com os insistentes pedidos por aquele disco alemão, terminou descobrindo que era de uma banda dali de Liverpool e que tocava na outra esquina. Ao vê-los num dia, decidiu imediatamente empresariá-los.

Com muitos contatos no mundo da música, Epstein logo organizou o staff dos Beatles (dois roadies, Mal Evans e Neil Aspinal) e conseguiu testes para gravadoras britânicas. Recusados pela Decca Records no Réveillon de 1962, conseguiram por fim chegar ao selo Parlophone da EMI.

Mas vale uma nota sobre a demo da Decca, porque é, para todos os efeitos, um álbum completo dos Beatles gravado em 1962. Epstein tinha os contatos das gravadoras, porque vendia discos, e conseguiu que a Decca enviasse o produtor Mike Smith para ver a banda tocando no Cavern Club, e ele gostou muito do que ouviu, convidando-os para um teste. A banda foi a Londres no dia 1º de janeiro de 1962, e registrou 15 canções ao vivo no estúdio, dentre as quais apenas três números originais: Like dreamers do, Love of loved (ambas cantada por McCartney) e Hello little girl (cantada por Lennon), embaladas pelos números que tocavam nos clubes, como canções de Chuck Berry e muito R&B.

Smith gostou bastante da gravação e achou que ela renderia um contrato para aos Beatles, mas o chefe de repertório da Decca, Dick Rowe, achava que o tempo das bandas de guitarras já tinha passado e os dispensou. A fita sobreviveu e virou um dos discos piratas mais famosos da banda, The Beatles: Decca Tapes. O material não é muito bom: a banda soa cansada e cantam meio desafinados – culpa em parte do fato de terem tocado até tarde na noite anterior, acordarem cedo e encarado três horas de carro de viagem até Londres. Estavam muito nervosos, também, e isso é visível na gravação.

O Teste na EMI com George Martin

O último tópico antes de chegarmos à discografia propriamente dita, mas que explica como eles chegaram ao seu primeiro disco… A EMI era a maior gravadora do Reino Unido e mesmo já tendo sido recusados por lá – não havia interesse por “bandas de guitarra” porque o rock estava “morto” nos EUA naqueles tempos – existiam a subdivisões e Epstein tentou a sorte com o selo Parlophone, cujo diretor artístico era o maestro George Martin, especializado em gravar orquestras, trilhas sonoras de filmes e esquetes humorísticas. Epstein usava as gravações da Decca como uma fita demo e mostrou a Martin, que não se entusiasmou, mas achou que não tinha nada a perder em ouvi-los presencialmente.

Os Estúdios Abbey Road em Londres.

Os Beatles entraram pela primeira vez nos estúdios da EMI na rua Abbey Road, no bairro de Saint John’s Wood, no norte de Londres em 06 de junho de 1962 para fazer um teste com George Martin. O estúdio oficialmente chamado EMI Recording Studios tinha sido fundado em 1931 em uma velha casa vitoriana, sendo um complexo grande para os padrões musicais, dotado de três salas de estúdio: o Estúdio 1, com uma sala enorme que comporta uma orquestra inteira (algo raríssimo no mundo – orquestras normalmente são gravadas em teatros justamente por causa do espaço); o estúdio 2 de porte médio (mas com uma sala ampla, com uma escada dando acesso à sala de controle em um mezanino), que se tornou a preferida dos Beatles; e o Estúdio 3, uma sala menor, para bandas mais compactas ou gravações mais simples; além de outras salas para mixagem e uma câmara de eco. O fato das pessoas chamarem o estúdio pelo nome da rua onde ele se localizava – Abbey Road – e, principalmente, porque os Beatles lançaram um álbum com esse nome fizeram com que o estúdio fosse oficialmente nomeado Abbey Road Studios, nos anos 1970.

Naquele dia em que os Beatles chegaram lá, ninguém lembra com certeza se a sessão ocorreu no Estúdio 2 (o preferido do grupo, porque era bem amplo) ou o Estúdio 3 (menor – e mais provável). Como era apenas um teste, George Martin designou o produtor Ron Richards para comandar a sessão, com Norman Smith como engenheiro de som. Mais tarde, Richards e Smith lembraram que o equipamento da banda era muito ruim e seus amplificadores produziam muito ruído, de modo que improvisaram um PA (caixa de retorno) com o equipamento do estúdio para melhorar um pouco as coisas.

A banda ligou seus instrumentos e, embora tivessem preparado nada menos do que 33 canções, gravariam apenas quatro faixas: o cover latino Besame mucho (popularizado por Ray Conniff) e três originais de Lennon & McCartney, Love me do, PS I love you e Ask me why. As gravações começaram com Martin na cantina tomando seu chá, mas quando a banda chegou em Love me do, Richards mandou chamar o chefe, porque viu que tinha um material ali que poderia mesmo ser usado.

Martin não achou a banda grande coisa, mas apostou no carisma da dupla Lennon e McCartney, e ficou suficientemente curioso pelo fato deles terem composto Love me do. Ele ouviu as outras canções autorais, mas achou que nenhuma delas era excelente, embora, pensasse que Love me do poderia tocar no rádio e ser bem sucedida. Ele apenas alterou o fato de que Lennon cantava o verso “love me doooo…” e tocava a gaita em seguida, fazendo com que, sempre, ou a palavra “do” não fosse pronunciada ou a gaita entrasse atrasada. Então, McCartney cantou o verso do título para que Lennon entrasse com a gaita na mesma batida do “do”. O uso da gaita impressionou Martin, pois o instrumento só era popular nos velhos blues dos Estados Unidos e não era um instrumento comumente usado de modo profissional no mercado musical mundial.

Então, assinou um contrato com os Beatles para dois compactos.

Mas também comunicou à parte ao empresário Brian Epstein que não aprovou a performance do baterista Pete Best, que achou irregular e sem graça. No middle-eight (a parte do meio) de Love me do, Best mudava de ritmo e produzia uma batida fora de tempo e descompassada horrível, impossível de salvar. Então, disse que na gravação oficial que fariam dali há um mês, ele usaria um baterista profissional de estúdio, e eles poderiam manter Best nos palcos se quisessem.

Mas eles não queriam. Mesmo tocando com os Beatles há dois anos, Best nunca se enturmou com o restante da banda, sendo um cara mais reservado e que não compartilhava o humor moleque dos outros. Devia haver outros problemas de relacionamento, também, e no fim, quando Lennon e McCartney souberam do episódio, decidiram demitir Best e convidar aquele que era considerado o melhor baterista de Liverpool: um rapaz narigudo chamado Richard Starkey Jr., mais conhecido como Ringo Starr, que se apresentava na banda Rory Storm and the Hurricanes, e já conhecia os Beatles desde os tempos de Hamburgo. Após finalizar seus últimos compromissos com a antiga banda, em 22 de agosto de 1962, Ringo Starr estreou como o novo membro dos Beatles num show no Cavern Club que terminou em tumulto, pois os fãs de Best agrediram a banda e Harrison ficou com um olho roxo.

Os Beatles regressaram a Abbey Road no dia 04 de setembro para fazer a sessão de gravação de verdade. Dessa vez, ensaiaram no estúdio 3 à tarde e gravaram apenas duas faixas à noite: Love me do e How do you do it, um cover de Mitch Murrey que George Martin impôs como pretenso Lado A do compacto, porque não julgava as canções autorais de Lennon & McCartney o suficiente fortes. Como na outra sessão, Martin não ficou no estúdio, delegando a tarefa para Ron Richards e Norman Smith, e vindo só quando as faixas já estavam prontas.

Tocando com Ringo Starr na bateria, com McCartney fazendo o solo vocal no verso do título e na parte do meio e a gaita de Lennon mais bem definida, Love me do parecia mais forte do que da outra vez. As duas canções foram mixadas e Martin se convenceu de que Love me do era a canção que deveria ser o Lado A do single.

Mas a história não terminou aí… Já que o Lado A seria um original de Lennon & McCartney, a dupla insistiu que o Lado B também deveria ser. Aproveitando a sensação de Martin de que a bateria de Starr não estava excelente, ficou marcada uma nova sessão de gravação para fazer o Lado B e regravar o Lado A de maneira definitiva.

Então, em 11 de setembro, os Beatles vieram a Abbey Road pela terceira vez, mas agora, George Martin tinha trazido um baterista de estúdio profissional chamado Andy White para conduzir a gravação. Ringo Starr ficou bastante chateado, mas Martin não abriu mão. Então, após a banda ensaiar um pouco, gravaram PS I love you para ser o Lado B do primeiro compacto. Como consolação, Starr tocou marracas no acompanhamento, enquanto White fez a bateria. Depois, como combinado, refizeram Love me do com White na bateria e Starr no pandeiro, o que rendeu uma versão realmente muito superior da canção. E a banda ainda gravou uma terceira faixa: Please please me, à esta altura, um número lento, que Martin considerou inacabado, mas com potencial para ser o próximo single.

Uma questão bastante curiosa é que, quando Love me do foi lançada como single em 05 de outubro de 1962, a estreia oficial dos Beatles em disco, a versão lançada foi aquela com Ringo na bateria (de 04/11) e não a versão melhor com White e Starr (de 11/11). Ninguém sabe direito porque isso aconteceu, mas não há dúvida: Love me do lançada em 1962 traz aquela primeira versão sem o pandeiro. É possível que tenha sido até mesmo um erro da gravadora!

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Os Beatles ainda em Liverpool, em 1963.

O fato é que quando o álbum Please Please Me foi lançado em março de 1963, a segunda versão de Love me do (com White) foi incluída no disco e as novas prensagens do single Love me do que saíram da EMI ao longo do ano de 1963 também trocaram a primeira versão pela segunda. Mais tarde, na coletânea The Beatles: 1962-1966 também foi a versão de White quem esteve presente. A matriz da versão de Starr foi destruída, mas podemos ouvi-la como primeira faixa de Past Masters.

A Discografia Oficial

Vamos à discografia oficial dos Beatles, indo na ordem cronológica, passando por singles e álbuns.

  • Love me do/ P.S. I love you, outubro de 1962

Os Beatles estrearam oficialmente no mercado fonográfico em outubro de 1962 com o lançamento do compacto Love me do/ P.S. I love you, que está (muito) longe de mostrar o melhor da banda, mas serviu para apresentar o quarteto de Liverpool ao restante da Inglaterra e até chegou à impressionante marca de 17º lugar das paradas de sucesso. Também era diferencial o fato de ser um single com ambas as canções de autoria da banda, assinadas por John Lennon e Paul McCartney (como aliás seriam praticamente todas as canções lançadas em compacto dali para frente). Na época, havia um divisão de tarefas entre compositor e intérprete, de modo que raramente um cantor popular podia lançar suas próprias composições.

A faixa foi um pequeno sucesso no Reino Unido, mas passou desapercebida na Europa e qualquer outro lugar, mas foi o suficiente para o produtor George Martin acreditar no potencial do grupo e da gravadora EMI (via selo Parlophone) investir neles. Um ano e quatro meses depois, quando os Beatles conseguiram sucesso nos EUA, a gravadora Capitol Records lançou Love me do como compacto lá, e ela chegou ao 1º lugar das paradas.

Uma curiosidade: em outubro de 1982, a EMI decidiu celebrar os 20 anos de estreia dos Beatles relançando o compacto Love me do, e o resultado foi que a canção chegou ao 4º lugar das paradas britânicas, sua melhor posição desde sempre! O resultado foi tão bom que a EMI relançou na mesma ordem e nas datas correspondentes de 20º aniversário todos os compactos oficiais (britânicos) dos Beatles até encerrar o ciclo, em 1990!

  • Please please me/ Ask me why, janeiro 1963

O compacto seguinte, Please please me/ Ask me why era muito melhor do que o primeiro: uma canção mais forte, mais bem estruturada, com boa letra e arranjo. Lennon a compôs como um número lento, inspirado em Only the lonely de Roy Orbison e fascinado pelo duplo sentido da palavra “please” (que significa “por favor”, mas também o verbo “agradar”). Daí, que a letra é uma brincadeira sutil, com o eu lírico tentando convencer a garota a fazer sexo oral nele, pois diz coisas como “eu vejo que você nem tenta, vamos lá, garota, você consegue, vamos! / Por favor, me agrade como eu te agrado”.

Os Beatles mostraram a faixa para George Martin na sessão do dia 11 de setembro de 1962 que registrou Love me do e PS I love you, mas ainda era um número lento. Ele sugeriu fazer a canção mais rápida e enérgica, com a melodia mais definida, e Lennon retrabalhou o arranjo, criando a versão que conhecemos, que gravaram em uma sessão de 26 de novembro de 1962. O Lado B foi Ask me why, que a banda já tinha tocado para Martin nas sessões de teste e agora ganhou uma gravação profissional. Ainda assim, registraram uma terceira faixa, Tip of my tongue como possível Lado B, mas a descartaram por não ser boa. Ainda assim, era um single com dois lados compostos por Lennon e McCartney.

Please please me tinha abertura com a gaita (que foi sobreposta para que Lennon pudesse cantar e tocar a guitarra ao mesmo tempo) e um arranjo forte, explorando a dinâmica das duas guitarras elétricas de Lennon e Harrison e uma boa bateria de Ringo Starr. Os vocais em três vozes no refrão também eram interessante, assim como a orgástica parte do “come on, come on, come on… please please me, oh yeah, like I please you!”. Ask me why tem tons de bolero (como também tinha PS I love you) e uma áurea meio brega com uh-uh-uh, mas traz uma boa performance da banda e ganha corpo nos vocais altos de Lennon no meio.

Lançado em janeiro de 1963, o compacto chegou ao primeiro lugar de algumas das paradas nacionais da Inglaterra. Até hoje, muitos historiadores a consideram o primeiro “número um” dos Beatles, contudo, na época, ainda não tinha sido criada a UK Offical Charts, e o consenso dos especialistas é que, na verdade, Please please me chegou ao 2º lugar das paradas e essa é a sua posição oficial hoje em dia. Tanto que ela não aparece na coletânea 1, como falaremos adiante.

Quando os Beatles conseguiram sucesso nos EUA um ano depois do lançamento, mesmo lançada por uma gravadora pequena, a VeeJay de Chicago, Please please me fez um enorme sucesso, chegando ao 3º lugar da Billboard, a principal parada de sucessos daquele país, atrás justamente de She loves you e I want to hold your hand, gerando um recorde para a banda, com três canções nos três primeiros lugares!

De volta a janeiro de 1963 e o lançamento do single… o sucesso dos Beatles na Inglaterra teve um efeito imediato em abrir o mercado para o rock britânico. Vale lembrar que, até então, os roqueiros nativos da terra da rainha nunca tinham feito sucesso de verdade – à exceção de alguma notoriedade de Cliff Richards e The Shadows – mas aquela banda vinda do Norte da Inglaterra (considerados caipiras pelos sulistas londrinos) intrigou as gravadoras e o mercado. Imediatamente, bandas de rock encontraram seu caminho rumo às grandes gravadoras e ao sucesso nacional, como The Animals e The Hollies.

Please+Please+Me cover

PLEASE PLEASE ME – 1963

O HQRock já tem um post especial para detalhar a gravação e o conteúdo do álbum de estreia dos Beatles, por isso, clique aqui! Após anos tocando no Cavern Club de Liverpool e nos inferninhos de Hamburgo, na Alemanha, os Beatles eram uma banda afiada, enérgica e competente. Por isso, após fazerem sucesso com seus dois primeiros compactos (Love me do/ P.S. I love you, lançado em outubro de 1962; e Please please me/ Ask me why, lançado em janeiro de 1963), o produtor George Martin queria gravá-los ao vivo para seu primeiro álbum. A escolha óbvia seria registrá-los no próprio Cavern Club, mas o maestro não gostou da acústica do lugar e terminou propondo uma solução intermediária: fazer um disco ao vivo no estúdio. Assim, as 10 músicas restantes de Please Please Me (o álbum, que incluiu as quatro já lançadas em compacto) foram registradas em um único dia, em uma longa sessão no dia 11 de fevereiro.

Enquanto álbum, Please Please Me é impressionante, e no contexto da época, foi muito inovador: uma banda jovem, cheia de energia, misturando um rock alto com muita melodia e vocais à três vozes, combinando o rock and roll americano dos anos 1950, com o Doo-woop e o R&B, mas com maior acento melódico e harmônico em tudo. E não menos importante: metade do álbum é autoral, criado pela dupla Lennon & McCartney; algo impossível na época, já que se diferenciava o trabalho de compositor e de intérprete e pouquíssimos artistas de primeira linha cumpriam ambas as funções. O disco traz os originais I saw her standing there (uma letra bobinha emoldurada por um rockão ao estilo do início dos anos 1960), Love me do (a simpática estreia da banda), a faixa-título (uma maravilhosa peça cheia de energia e uma letra cheia de segundas intenções) e There’s a place (a primeira incursão existencialista de Lennon, emoldurada em um rock de meio tempo). E também há uma boa cota de covers sensacionais, como Anna (go to him), Baby it’s you e a famosíssima Twist and shout. Os Beatles eram uma banda democrática, assim, o disco também traz as estreias de George Harrison (Do you want to know a secret?) e Ringo Starr (Boys) nos vocais principais.

  • From me to you/ Thank you girl, abril de 1963

Tendo um sucesso crescente com os dois primeiros singles e o álbum Please Please Me, a EMI colocou os Beatles sob um contrato de um novo compacto a cada três meses, o que obrigou Lennon & McCartney trabalharem sem parar na escrita de novas canções: daí que esta foi composta pela dupla no banco traseiro de um táxi enquanto iam para outra cidade fazer um show! Então, em abril de 1963 já chegou às lojas From me to you, canção estruturada meio na ideia de uma carta “de mim para você”. Ela não é tão interessante e repete a lógica dos dois primeiros singles, inclusive, no uso da gaita tocada por John Lennon servindo como instrumento principal, na introdução, solo e finalização.

Sua distinção se dá por um tom um pouco mais blues e pelo middle-eight (a parte do meio ou ponte) escrita numa oitava abaixo, o que lhe deu algum grau de sofisticação. De qualquer modo, foi a primeira canção dos Beatles a chegar incontestável ao 1º lugar das paradas britânicas.

Nos EUA, foi lançada pela pequena gravadora VeeJay logo em seguida, mas não emplacou, embora tenha ganho um cover de Jackie DeShannon, que fez algum sucesso nas rádios de lá. Mas a execução de From me to you (na versão dos Beatles) nas rádios da Califórnia levou o compacto ao 116º lugar das paradas da Billboard em agosto de 1963, a primeira vez que a banda apareceu naquela lista. Quando o quarteto de Liverpool começou a fazer sucesso nos EUA (com I want to hold your hand – abaixo), em janeiro de 1964, From me to you foi relançada como Lado B do compacto de Please please me (que chegaria ao 3º lugar como já vimos), porém, nos EUA, eles contabilizam os Lado A e B independentemente nas paradas, e mesmo como Lado B, From me to you chegou 41º lugar em março de 1964, raspando o Top40.

  • She loves you/ I’ll get you, agosto de 1963

O mercado de compactos era ainda o principal da Grã-Bretanha (e dos EUA também) nesse período, por isso, os Beatles investiram bastante no lançamento de singles. Apesar de From me to you ser um tipo de “passo atrás” na obra da banda, She loves you é uma grande canção que bateu o recorde de vendas antecipadas: 500 mil cópias foram vendidas antes do disquinho chegar às lojas!

Os Beatles tinham emplacado três singles e um álbum e faziam muitos shows pela Europa, de modo que viraram uma banda bastante popular, e o lançamento de She loves you meio que marcou o início da Beatlemania, com o grupo se tornando o maior fenômeno musical da Europa daquele momento. O sucesso foi proporcional: chegou ao 1º lugar das paradas do Reino Unido e ficou lá por quatro semanas seguidas até cair para a terceira posição e, algum tempo depois, nas vendas do mercado de pré-Natal voltar ao número 1 por outras duas semanas! A canção chegou ao primeiro lugar das paradas de vários países europeus, como Suécia, Noruega, Dinamarca e Holanda, além de 2º na Irlanda, 4º na Itália e 7º na Alemanha Ocidental, indo além pelos países do Commerwealth, com 1º na Nova Zelândia e 3º na Austrália e o 1º no Canadá, em janeiro de 1964.

Nos EUA, o single foi lançado pela pequena editora Swan Records e, inicialmente, não fez sucesso nenhum, mas após ser exibida na TV CBS como parte de uma notícia sobre a Beatlemania na Europa e começar a tocar na rádio, a canção foi ficando conhecida. Ainda assim, curiosamente, foi sua sucessora – I want to hold your hand – quem fez sucesso e chegou ao primeiro lugar, mas She loves you terminou no 2º lugar da Billboard, atrás justamente de I want to hold your hand. E, em março de 1964, as duas trocaram de lugar e She loves you chegou ao 1º lugar da Billboard.

  • I want to hold your hand/ This boy, novembro de 1963

Enquanto preparavam canções para seu segundo álbum, John Lennon e Paul McCartney compuseram I want to hold your hand no porão da casa da família Asher na qual McCartney passou a morar em Londres, por estar namorando a atriz Jane Asher. Apesar de ser meio baseada em I wanna be your man – que a dupla tinha composto para os Rolling Stones e foi o primeiro sucesso da banda de Mick Jagger e Keith Richards – terminou que virou uma canção de mérito por si só, maior do que a outra.

Com sua melodia forte, vocais em dueto, alto astral e palmas, I want to hold your hand foi escolhida como o novo single para promover o vindouro álbum With the Beatles, o segundo do grupo, lançado ao mesmo tempo em novembro de 1963. O lado B era This boy, uma balada em estilo Doo-woop com solo vocal de Lennon e versos em três vozes dele mais McCartney e Harrison. A política da banda era não incluir os compactos nos álbuns (o que ocorreu com Please Please Me foi uma exceção, afinal, foi o início de tudo), daí que From me to you, She loves you e I want to hold your hand não estão em nenhum álbum regular da carreira do grupo. I want to hold your hand foi a primeira canção dos Beatles gravada em 4 canais, em vez dos apenas 2 canais de todas as gravações anteriores. Isso permitiu uma sonoridade mais nítida na faixa, entre guitarras, vozes e bateria.

Como já estava virando rotina, o single chegou ao 1º lugar das paradas do Reino Unido e também ficou no topo da maioria dos países europeus. Com essa canção, George Martin e Brian Epstein conseguiram convencer a Capitol Records, subsidiária da EMI nos EUA a lançá-la como single lá, ainda que sem entusiasmo. O lançamento foi agendado para janeiro de 1964, porque a banda preparava uma pequena turnê no país para se apresentar no The Ed Sullivan Show, o mais importante programa da TV americana.

Mas a exibição de She loves you na TV, que já falamos, levou a alguns pedidos para tocar Beatles nas rádios, e uma delas importou o single de I want to hold your hand e a transformou em um hit radiofônico já no mês de dezembro de 1963 (um mês depois do lançamento), e a Capitol antecipou o lançamento nos EUA, com I saw her standing there no Lado B.

O resultado: o compacto chegou ao 1º lugar das paradas da Billboard, sendo o primeiro sucesso de verdade dos Beatles nos Estados Unidos, e o veículo que levou a Beatlemania para o mundo inteiro, pois como maior mercado fonográfico do planeta, influenciavam todos os outros. Assim, enquanto os Beatles eram populares na Europa e na Commonwealth, o sucesso nos EUA os espalhou pelas Américas, África, Ásia e todos os lugares.

O coroamento desse sucesso foi quando os Beatles chegaram em Nova York para se apresentar no The Ed Sullivan Show em 11 de fevereiro de 1964, já com I want to hold your hand no primeiro lugar das paradas. O grupo abriu sua curta apresentação com All my loving (do álbum With the Beatles – abaixo) para uma audiência de 73 milhões de pessoas, um recorde na TV americana até hoje.

O sucesso foi tão avassalador que, como já escrevemos, I want to hold your hand perdeu o 1º lugar das paradas em março para She loves you e, em seguida, Please please me ficou em 3º, com a banda acumulando os três primeiros lugares das paradas ao mesmo tempo. Mas não parou aí…

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WITH THE BEATLES – 1963

O primeiro álbum é um estouro, mas o segundo disco da banda é um dos melhores de seu catálogo. Começando pela belíssima capa fotografada por Robert Freeman, With the Beatles repete a fórmula do antecessor, combinando as peças autorais de Lennon & McCartney com bons covers. A diferença é que, desta vez, não é um “ao vivo” no estúdio, mas faixas trabalhadas em gravações, o que rende ótimas performances. Há mais confiança por parte da banda na execução, também.

Entre os destaques autorais temos: a enérgica It wont be long, o tocante R&B de Lennon All I’ve got to do e a clássica All my loving, sucesso no mundo todo, que não foi lançada como single, mas todos a conhecem. Também há a estreia de George Harrison como compositor em Don’t bother me, embora mais como um exercício e sem grande destaque. Ringo Starr canta I wanna be your man, a canção que os Beatles deram de presente para os Rolling Stones fazerem sucesso, o que torna a versão dos fab four mais empalidecida.

Por fim, alguns dos covers mais famosos dos Beatles estão aqui: Till there was you, Please Mr. postman, Roll over Beethoven (cantada por Harrison), You really got a hold on me e Money (that’s what I want).

Please Please Me é um bom disco e tem importância histórica, mas With the Beatles foi um passo adiante e é um álbum bem melhor. Por isso, chegou ao 1º lugar das paradas de álbuns do Reino Unido e nos EUA foi alterado como Meet the Beatles, em 1964, mas também chegou ao número 1.

  • Can’t buy me love/ You can’t do that, março de 1964

Sem grandes destaques estéticos, Can’t buy me love foi outro grande sucesso que serviu para movimentar a primeira turnê mundial dos Beatles em 1964. Paul McCartney escreveu a faixa no grande piano instalado na suíte que dividia com John Lennon em Paris, durante a temporada de shows que a banda fazia lá, em janeiro de 1964. A base instrumental de Can’t buy me love foi gravada nos estúdios da EMI em Paris na ocasião, mas os vocais principais foram feitos em Abbey Road, em Londres pouco depois. Em Londres, George Harrison gravou um novo solo de guitarra, mais agressivo do que o original, porém, como os estúdios de Paris só tinham 2 canais, é possível ouvir ambos na versão final, com o primeiro deles soando baixinho no mix.

Talvez como forma de compensar o fato de Lennon não fazer vocais de destaque pela primeira vez em um single dos Beatles, o Lado B é uma faixa sua, You can’t do that, que também é a primeira canção na qual Lennon toca a guitarra solo em vez de Harrison, que normalmente cumpre essa função.

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Beatles ao vivo no The Ed Sullivan Show.

Can’t buy me love foi um enorme sucesso e chegou ao 1º lugar das paradas tanto do Reino Unido quanto dos EUA, além do resto do mundo. Mas foi a responsável por alguns recordes interessantes. Nos EUA, depois de I want to hold your hand e She loves you terem chegado ao número 1, a nova faixa também chegou à posição, o que torna os Beatles os únicos artistas a terem emplacado três números 1 consecutivos na Billboard até o ano de 2022.

Mas não parou aí: em abril de 1964, os Beatles ocuparam todos os cinco primeiros lugares da parada da Billboard, com Can’t buy me love (1º), Twist and shout (2º), She loves you (3º), I want to hold your hand (4º) e Please please me (5º). Foi a única vez na história em que isso aconteceu.

E mais: naquele momento, os Beatles tinham nada menos do que 14 canções no Top100 da Billboard.

O sucesso avassalador e sem precedentes dos Beatles abriram as portas para o rock britânico no mundo como tinham feito em seu próprio país. Bandas como The Animals, The Manfred Mann, Dave Clark Five, Herman’s Hemitts, The Hollies, The Rolling Stones e outras tomaram as paradas de sucesso dos EUA de assalto naquele ano de 1964, no movimento que os historiadores chamam de Invasão Britânica. Vale lembrar que antes do aparecimento dos Beatles, o rock nos EUA estava “morto” desde a década passada e era um pequeno e desimportante nicho de mercado sem atenção do grande público e da mídia. Mas em médio prazo, a Invasão Britânica possibilitou o surgimento de uma geração inteira de artistas americanos.

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A HARD DAY’S NIGHT – 1964

A qualidade dos Beatles mostra-se crescente a cada disco. De verdade. A Hard Day’s Night é um passo adiante em todos os sentidos: é um disco melhor, é inteiramente autoral (todas as faixas são de Lennon & McCartney) e é a trilha sonora do primeiro longametragem da banda. O filme (chamado no Brasil de Os Reis do Iê-iê-iê) é um clássico dirigido por Richard Lester mostrando de modo ficcional um dia na vida da banda, saindo de trem de Liverpool para Londres, onde irão se apresentar na TV, contrastando o humor ácido e irônico da banda com as idiossincrasias do showbusiness. É um retrato impressionante dos anos 1960 e do grupo, um clássico do cinema de qualidade de verdade.

Mas vamos ao disco, que destila uma lista incrível de clássicos: a enérgica faixa-título com seu arranjo impressionante, a pop I should have known better levada na gaita de Lennon (e que ficou famosa no Brasil na versão Jovem Guarda de Menina linda dos Renato e Seus Blue Caps), a melosa balada If I feel com seu belo dueto vocal de Lennon e McCartney, a balada-bolero And I love her, a animada Tell me why, o sucesso Can’t buy me love, a enérgica Anytime at all, a melancólica de tons country I’ll cry instead (que seria regravada por Joe Cocker), a madura Things we said today, e o rockão You can’t do that e a bonita I’ll be back.

Foi o lançamento ideal para embalar a primeira turnê de verdade dos Beatles pelos EUA em agosto de 1964 (depois de terem feito apenas algumas apresentações no fevereiro anterior), excursão que consolidou definitivamente a Beatlemania e a Invasão Britânica, e também era a perna final de sua primeira turnê mundial, que passou por Europa e Oceania, antes.

Outra coisa que é interessante apontar é que John Lennon vivia uma explosão criativa absurda, e nada menos do que 10 das 13 faixas são composições majoritariamente suas, inclusive, I’m happy just to dance with you que é cantada por George Harrison. Este também é o único álbum dos Beatles que não tem uma faixa cantada por Ringo Starr, que gravou os vocais em Matchbox, mas ela ficou fora do disco (veja abaixo).

O disco serviu como a trilha sonora do filme A Hard Day’s Night, e por causa disso, a banda quebrou (de novo) sua própria regra de não repetir singles em álbuns e a faixa-título foi lançada em compacto tanto no Reino Unido quanto nos EUA, mas com Lados B diferentes em cada país: Things you said today em casa e I should have known better no outro lado do Atlântico, com ambos chegando ao 1º lugar das paradas.

Com o mercado ávido pelo sucesso sem precedentes dos Beatles, EMI e Capitol Records lançaram uma segunda versão do álbum A Hard Day’s Night, com a verdadeira trilha sonora do filme, ou seja, as faixas dos Beatles do Lado A original do álbum, mais um Lado B apenas com canções instrumentais tocadas por uma orquestra conduzida por George Martin, que mescla faixas de sua autoria com versões de Lennon & McCartney.

Harrison com sua Rickenbacker de 12 cordas.

O álbum dos Beatles traz alguns elementos novos de sonoridade, com o grupo ainda mais encorpado e George Harrison adotando a guitarra de 12 cordas, que era algo novo na época. Como Lennon usava uma guitarra Rickenbaker, a empresa decidiu dar guitarras de presente à banda como forma de promoção, e uma delas era um modelo ainda experimental (o 360/12) com o dobro de cordas entregue a Harrison, imitando um estilo que existia em alguns violões. O resultado é um som metálico e estridente, na qual a combinação de cordas finas e grossas cria uma textura única. Harrison adota a guitarra de 12 cordas em várias faixas do disco, em especial na faixa-título com seu ótimo solo de guitarra.

O efeito dos Beatles tocando com a Rickenbaker de 12 cordas nas outras apresentações no The Ed Sullivan Show e na turnê pelos EUA em agosto de 1964 causaram um impacto enorme, e muitas das bandas do renascente rock americano adotaram o instrumento e sua sonoridade específica, com destaque para os The Byrds, que seriam um enorme sucesso em 1965.

  • Long tall Sally EP (com Long tall Sally/ I call your name/ Slow down/ Matchbox, junho de 1964

Além dos álbuns completos (LPs) e dos compactos (singles), existia um terceiro mercado de discos nos anos 1960: os EPs ou extended plays, disquinhos de 12″ (polegadas), um pouco maiores dos que os singles (que tinham 7 polegadas), mas ainda menores do que um LP completo. Num EP (ou compactos duplos como eram chamados no Brasil) havia espaço para 4 faixas, duas em cada lado.

O mercado de EPs eram bem menor do que o de singles e de álbuns, mas tinha o seu valor e as gravadoras investiram no formato, pelo menos na primeira metade dos anos 1960. Para mostrar que seu espaço era mais restrito, o comum é que os EPs servissem como um tipo de resumo de um álbum, copilando as melhores faixas de um LP para um público menos fiel. Isso fez os Beatles terem quatro EPs lançados naquela época: Twist and Shout, Beatles Hits, Beatles N.º 1 (todos em 1963) e All my loving (no início de 1964).

Long tall Sally foi o quinto desses compactos duplos e o único EP apenas com canções inéditas lançados pelos Beatles na era da Beatlemania. (Haveria outro apenas em 1967, com Magical Mystery Tour). Suas quatro canções eram sobras do álbum A Hard Day’s Night que a EMI julgou preciosas demais para ficarem engavetadas. Mas em grande parte, essas faixas ficaram de fora porque os Beatles perceberam que poderiam montar seu terceiro álbum apenas com material original de Lennon & McCartney, e deixaram os covers para lá. Apenas I call your name é de Lennon & McCartney no EP.

A primeira canção e faixa-título é Long tall Sally, composição de Little Richard, pioneiro negro do rock americano que os Beatles amavam e tocavam várias de suas faixas nos shows pré-fama. Esta canção foi a mais duradoura na história do repertório dos Beatles, pois era tocada desde 1957 (!) e seria tocada no último concerto oficial dos Beatles em San Francisco, em 1966. A faixa era tão familiar que os Beatles a gravaram em um único take!

O Lado A fechava com I call your name, uma das mais antigas composições de Lennon, que a entregou para a banda Billy J. Kramer and the Dakotas, que a pôs no Lado B de seu single Bad to me (outra canção de Lennon & McCartney e que foi número 1 das paradas com esse grupo). Mas Lennon não gostou de I call your name ter sido relegada a um Lado B de uma outra banda e decidiu registrar sua própria versão. Ele acreditava no potencial dela, e de fato, é uma canção interessante, embora não uma das melhores da banda. O The Mamas and The Papas gravaria uma versão em 1967 e faria sucesso.

O Lado B do EP não consegue disfarçar a cara de sobra: outros dois covers genéricos, com Slow down (de Larry Williams) e Matchbox (de Carl Perkins), esta cantada por Ringo Starr. Mas tudo o que os Beatles tocavam virara ouro e Long Tall Sally ficou em primeiro lugar das paradas de EPs, como haviam chegado três dos outros quatro já lançados.

  • I feel fine/ She’s a woman, dezembro de 1964

Enquanto o EP anterior foi um passo atrás na carreira da banda, o novo single I feel fine foi um passo avançado, por trazer o primeiro feedback da história do rock: aquela distorção de guitarra bem no início. John Lennon tocava a introdução da faixa em seu violão Gibson J-160E quando se aproximou do amplificador no estúdio e, ao tocar a nota , gerou aquela microfonia típica dos instrumentos elétricos. Mas ele, que era o autor da canção, pensou: “puxa, isso é um efeito legal”, e pediu ao produtor George Martin que mantivesse o barulho na versão final da faixa.

Pronto! O primeiro feedback proposital de guitarra foi lançada em disco! É muito pouco diante do que veio depois, mas era um tipo de carta-convite: a partir dali, qualquer um poderia colocar esse tipo de som em um disco. E logo fizeram: a banda britânica The Kinks já tinha lançado a faixa You really got me, com uma guitarra distorcida e, no ano seguinte (1965), o The Who extrapolou tudo com Anyway, anyhow, anywhere e My generation, cheias de microfonias e distorções, meio que inventando o rock pesado!

Ademais ao uso do efeito, I feel fine é uma canção de tom positivo numa época em que os Beatles não estavam escrevendo muitas canções nessa pegada (veja abaixo) e tem um refrão cativante. O Lado B é She’s a woman, de McCartney, que tem o diferencial de trazer uma letra que em vez de tratar a musa como “garota”, a trata como “mulher“, o que é um indicativo de maturidade. Ademais, a faixa traz uma guitarra base cortante e meio distorcida de Lennon, que é interessante. Ambas viraram números fortes das turnês de 1965.

Como viraria praxe, I feel fine chegou ao 1º lugar das paradas do Reino Unido e dos EUA ao mesmo tempo, mas naquele lado do Atlântico, batia mais um recorde, por ser o sexto compacto seguido da banda a chegar ao topo das paradas em apenas um ano (o ano de 1964), depois de I want to hold your hand, She loves you, Can’t buy me love, Love me do e A hard day’s night.

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BEATLES FOR SALE – 1964

A fama tem um preço. E os Beatles pagaram o preço mais alto de tudo. Eles próprios perceberam na época e Beatles For Sale é o retrato disso, mostrando o cansaço e cinismo da banda a tudo ao seu redor, começando pelo título de humor autocrítico: “Beatles à venda”. O álbum reflete o turbilhão que foi o ano de 1964: duas turnês nos EUA, a primeira turnê mundial, um filme, um ano todo praticamente na estrada, com as horas vagas gastas em estúdios de gravação. A banda aparece cansada não apenas nas fotos da capa, mas também nas gravações. Mas no fim isso funciona, dando um ar mais melancólico e folk ao disco. O acento folk também é fruto da influência de Bob Dylan, muito querido da banda, o que se reflete em John Lennon praticamente trocando a guitarra pelo violão, enquanto Harrison mantém a guitarra de 12 cordas, dando um passo decisivo para o surgimento do folk rock que embalaria bandas como The Byrds no ano seguinte.

Entre as faixas, destaque para a crônica No reply, o folk rock I’m a loser, a valsa dark Baby’s in black, o big-hit Eight days a week, outros dois folks rocks tocantes com Every little thing (que traz Ringo Starr tocando tímpanos e anos mais tarde seria regravada pela banda Yes) e I don’t want to spoil the party (com uma ótima dobradinha violão-guitarra de 12 cordas de Lennon e Harrison) e a dinâmica What you doing (cujo o riff de guitarra foi copiado pelos Byrds para Mr. Tambourine man). Entretanto, os Beatles dão um passo atrás ao voltar aos covers, com o rockão Rock and roll music (Chuck Berry), a bela Words of love (Buddy Holly), mais coisas abaixo do nível da banda, como o calipso Mr. moonlight, a sem graça Kansas City/Hey, hey, hey (Little Richard) e dois números de Carl Perkins: Honey don’t e Everybody’s trying to be my baby.

As letras – particularmente aquelas escritas por John Lennon (como No reply, I’m a loser, Baby’s in black e I don’t want to spoil the party) – são bastante melancólicas e para baixo, o que refletiam um período de depressão do compositor, frustrado com o casamento com Cynthia Powell, a pressão da fama e a falta de liberdade de sair para onde quisesse por causa da Beatlemania. A despeito de seu sofrimento, isso gerou bastante criatividade e, assim como no álbum anterior, é ele quem carrega o disco nos ombros.

O single promocional de Beatles For Sale foi I feel fine/ She’s a woman, que não estão no disco, mas no mercado mais agressivo dos EUA, Eight days a week foi lançada como um segundo single (já em fevereiro de 1965), com I don’t want to spoil the party no Lado B, e o disquinho também chegou ao 1º lugar das paradas como os outros dois. Alguns países europeus lançaram Rock and roll music como single também (com I’m a loser no Lado B) e ele fez sucesso também, inclusive, chegando ao 1º lugar das paradas da Noruega e também da Austrália (na Oceania) e ao 2º lugar na Alemanha.

  • Ticket to ride/ Yes it is, abril de 1965

A roda não parava de girar e após ter lançado um álbum e um compacto em dezembro de 1964 ao mesmo tempo em que faziam uma turnê de fim de ano na Grã-Bretanha, os Beatles já voltaram ao estúdio em fevereiro de 1965 para gravar novas canções. Ticket to ride foi principalmente escrita por Lennon e trazia outro passo à frente: sua letra era esperta, mais profunda e reflexiva e novamente numa temática mais pessimista/depressiva, ao mesmo tempo em que a estrutura musical era um pouco mais refinada, com o longo uso do acorde Lá maior nos versos, o que dá um ar típico da música indiana, que a banda começava a gostar, ao mesmo tempo em que encerravam a faixa com uma coda na qual repetiam o middle-eight (ou bridge), mas com o dobro do tempo e canto em falsete.

A inovação não para na estrutura… o arranjo da faixa é bastante “moderno” e foi um grande incremento na época. Neste ponto, o papel de Paul McCartney foi fundamental, pois ele criou o padrão de bateria “quebrada” adotado por Ringo Starr ao longo dos versos (o que lhe dá uma sonoridade pesada) e também toca a guitarra solo aguda e distorcida que aparece em alguns momentos da canção (especialmente no início, nas transições e no fim), usando a novinha Epiphone Cassino que tinha comprado. O resultado foi tão bom que Lennon e Harrison também comprariam modelos iguais.

Ticket to ride marca, portanto, um novo capítulo na história dos Beatles no sentido de que a banda mudou sua abordagem em estúdio, mais atentos ao processo de gravação, à construção de arranjos inventivos e ao uso esperto de overdubs (gravações sobrepostas) e efeitos sonoros. Até então, o mais comum era apenas separar instrumentos e vozes em duas sessões de gravação, mas a partir daqui, o grupo começou a usar de modo mais ostensivo as possibilidade dos 4 canais de gravação. Em Ticket to ride, por exemplo, além dos vocais e harmonias, os overdubs incluíram não somente a guitarra de McCartney já citada, mas novas partes de guitarra de Lennon e Harrison e um pandeiro de Starr, criando várias camadas instrumentais – o que seria a marca forte dos Beatles dali em diante.

O lado B foi Yes it is, uma canção que guarda semelhanças em estilo com This boy (um número de Doo-woop), mas com o diferencial do uso de efeitos agudos de pedal na guitarra de George Harrison. É uma faixa esquecida no repertório dos Beatles, mas no Brasil fez sucesso nos anos 1980 com uma versão da letra em português, como Demais (por Zé Rodrix e Miguel Paiva) cantada por Verônica Sabino.

  • Help!/ I’m down, 1965

John Lennon continuava triste e deprimido com toda a pressão do sucesso e da falta de sentido no mundo do showbusiness à sua volta e Help! é uma resposta sincera a tudo isso. Em duas famosas entrevistas – para a Rolling Stone em 1970 e para a Playboy em 1980 – o autor disse que a julgava uma das mais genuínas canções que já escreveu, porque descreve exatamente o que sentia. Ademais, a letra é muito interessante e bem escrita.

Um curiosidade é que Lennon a escreveu como uma peça lenta – e depois manifestou interesse em registrar uma versão dela assim, o que nunca fez, mas vários outros artistas o fizeram, desde o Deep Purple em 1968 até Caetano Veloso – e a terminou acelerando como um rock pauleira para servir à trilha sonora do filme que acabou nomeado Help!, o segundo longametragem da banda, novamente dirigido por Richard Lester.

Infelizmente, o segundo filme é muito menos interessante do que o primeiro, pois é uma ficção que faz paródia das aventuras de 007 da época, bem como dos “filmes da turma da praia” estrelados pelos Beach Boys nos Estados Unidos. Foi uma experiência tão miserável para a banda que eles jamais fizeram algo parecido de novo.

De volta à canção, Paul McCartney contribuiu com a composição do contracanto que marca a canção e acena ao estilo Doo-woop que os Beatles tanto gostavam e expressaram em canções como You really got hold on me (de With The Beatles), o que também serviu para dar uma amainada no peso da faixa e deixá-la mais leve, embora o ritmo frenético corra por trás dessa fachada.

Em termos de gravação, Help! consistiu em outro passo interessante na carreira da banda, pois foi a primeira vez que usaram a técnica que chamaram de “redução”: comprimir o resultado da gravação de 4 canais em apenas 2 canais, fazendo com que pudessem usar os 2 canais livres para mais overdubs. Isso ocorria fundindo o conteúdo dos canais 1 e 2 em um só e do 3 e 4 em outro, por exemplo. Os Beatles fizeram isso, a partir de uma ideia do produtor George Martin e do engenheiro Norman Smith, porque George Harrison estava tendo muitas dificuldades em gravar a escala descendente da guitarra solo entre os versos, e decidiram gravá-la depois na sobreposição, mas precisavam de espaço na fita para os vocais e os backing vocals. Gravando sem a guitarra solo, Lennon marcava a passagem futura da guitarra solo batendo os dedos no corpo do violão, algo que pode ser ouvido na mixagem final.

Help! é uma canção ótima e um dos grandes exemplares dos Beatles em sua primeira fase. Como praxe, foi o 1º lugar nas paradas nos dois lados do Atlântico.

O Lado B foi um rockão bem pauleira chamado I’m down, de Paul McCartney, que apesar da temática “para baixo” soa como uma paródia não muito séria. Um diferencial é que Lennon resolveu tocar um piano elétrico nela, para marcar as notas agudas e frenéticas e dar ainda mais peso à canção, o que funcionou bem. Ao vivo nas turnês de 1965 ele fez esse número, ficando marcada a performance no Shea Stadium em Nova York, na qual toca o piano com os cotovelos para as passagens de transição. A canção foi gravada com o intuito de substituir números como Twist and shout ou Long tall Sally e ter uma faixa autoral frenética para encerrar os shows.

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HELP! – 1965

A trilha sonora do segundo filme dos Beatles é um álbum muito bom e traz alguns dos maiores clássicos e das canções mais famosas da banda. O álbum mantém o acento folk do anterior – novamente com John Lennon tocando violão na maioria das faixas (algumas delas em um violão de 12 cordas) – mas também o mescla com sonoridades mais variadas. Algumas letras também vão bem mais longe, com sentimentos mais profundos e carga melancólica. Destaque para o existencialismo enérgico da faixa-título; os toques de jazz em The night before, uma boa faixa que ficou esquecida no repertório, no qual Lennon de novo faz a base num piano elétrico e tem um agressivo solo de guitarra; a balada folk existencialista You got to hide your love away, que traz Lennon incorporando Bob Dylan com competência, uma letra sobre esconder o amor (referência ao empresário Brian Epstein, que era gay) e um bom arranjo acústico que traz uma finalização linda em uma flauta doce; o pop de You gonna lose that girl, que dialoga com a sonoridade dos discos With the Beatles e A Hard Day’s Night, embora repita o recurso dos vocais de Help!; a sonoridade mais dinâmica e trabalhada de Ticket to ride; o toque skiffle de Tell me what you see, que era uma antiga composição de Lennon & McCartney; o bluegrass acelerado de I’ve just seen a face em outro belo arranjo acústico; e a balada imortal Yesterday, que se tornaria a canção da banda mais regravada da história. George Harrison ganha mais espaço como compositor com duas canções: I need you e You like me too much, que não são apenas “exercícios”, mas duas boas faixas, especialmente a primeira. Porém, ainda há dois covers de pouca expressão, com o country Act naturally cantado por Ringo Starr e outra faixa mais pesada para os concertos, com Dizie miss Lizzy. Aliás, este seria o último álbum dos Beatles a trazer canções não-autorais.

Além das inovações no processo de arranjo e gravação – como aquelas já expostas para Ticket to ride e Help! – o álbum procurou realmente expandir alguns horizontes, inclusive, com McCartney tocando a guitarra solo em mais algumas faixas, como na meio inexpressiva Another girl (mas o solo é bom) e, principalmente, o uso de um quarteto de cordas em Yesterday. McCartney compôs uma canção de tons jazzísticos, com uma ótima sequência de acordes e uma linda melodia e boa letra, que tocou ao violão e a banda e o produtor George Martin acharam que não podiam adicionar mais nada, exceto dois violinos, um violoncelo e uma viola. O que também a faz a primeira das faixas dos Beatles a trazer um único de seus membros tocando. E não será a última!

Naqueles tempos, o uso de peças de orquestra só era feito na “música séria” ou na música pop apelativa de teen idols que os Beatles desprezavam. Usar um quarteto de cordas no rock era algo praticamente inédito – à exceção de algumas faixas de Buddy Holly nos anos 1950, que inclusive não foram bem recebidas. Os Beatles usaram o recurso, mas ficaram um pouco inseguros com o resultado, com medo de ser muito meloso. Por isso, Yesterday não foi lançada como single na Inglaterra. Mas o mercado mais sem vergonha dos EUA não se fez de rogado e a lançou, e a canção chegou ao 1º lugar das paradas de lá. E o mesmo ocorreu em outros mercados, como na Bélgica, Noruega ou Holanda.

Falando em compactos, de novo, como era uma trilha sonora, os Beatles quebraram a própria regra e os Lados A dos singles Ticket to ride e Help! estão dentro do disco. Mas não os Lados B.

Ao terminar a audição do disco pode se perceber que por sua grande variação de ritmos e arranjos, os Beatles estivessem procurando algo. O álbum seguinte mostraria o quê…

Help!, portanto, é um passo adiante em relação a Beatles For Sale e se, no conjunto, talvez não seja tão brilhante quanto A Hard Day’s Night, consegue atingir picos altíssimos em um conjunto de faixas, como Help!, Ticket to ride, You got to hide your love away e Yesterday, que estão entre as melhores que já lançaram. Help!, claro, foi o 1º lugar das paradas nos dois lados do Atlântico e pelo mundo inteiro.

  • We can work it out/ Day tripper, dezembro de 1965

Este compacto foi o primeiro Duplo A da história, um single em que os dois lados eram tidos como principais. O riff de Day tripper, de autoria de John Lennon, se tornaria um dos mais famosos da história do rock. Esta canção também é a primeira a trazer referências explícitas ao uso de drogas, já que fica claro que a “viajante diurna” do título não está pegando nenhum trem.

Naquela época, começava a se desenvolver a “cultura das drogas”, com algumas substâncias entendidas como instrumentos de “expansão da mente” e não somente de uso recreativo, o que dava um caráter filosófico e “cósmico” aos efeitos (de chapação ou alucinógenos) de substâncias como a maconha e o LSD. O Ácido Lisérgico, inclusive, crescia naquele 1965, como um psicotrópico bastante popular (ele ainda não era ilegal) na classe média e entre intelectuais, por causa de seus efeitos alucinatórios.

E, em algum momento da primavera de 1965, John Lennon e George Harrison foram jantar na casa do dentista deles, juntos a suas esposas, e o Dr. colocou (sem avisar) tabletes de LSD no chá deles. A conversa estranha que veio depois fez a dupla achar que o cara queria fazer uma orgia, e eles foram embora para um clube assistir a um show da banda de Klaus Voorman, um amigo dos tempos de Hamburgo. Quando as alucinações bateram, Lennon percebeu que era como o que tinha lido sobre o ópio e percebeu que tinham sido “batizados” de LSD sem saber.

Tudo terminou bem, no fim das contas, e Lennon e Harrison passaram a se interessar pelo assunto. Quando estiveram em turnê nos EUA, em agosto de 1965, conseguiram tomar o LSD de modo mais controlado – junto aos membros dos The Byrds e do ator Peter Sellers – e os dois passaram a ser entusiastas da droga, ao contrário de Paul McCartney e Ringo Starr, que não entraram na onda de verdade. A questão das drogas como expansão da mente e a ideia de um “clube” secreto de “entendidos” motivou Lennon a criar as mensagens escondidas na letra de Day tripper, que foi a primeira canção dos Beatles a trazer referências (escondidas) sobre drogas e a primeira também de um artista do mainstream musical, o que faz dele o primeiro número psicodélico. Ainda assim, a letra critica a garota como uma “viajante de um-dia”, num sentido de “hippie de fim de semana” e podia ser parcialmente direcionada a Paul McCartney, que, então, se recusava a usar LSD, ao contrário do resto da banda.

Apesar de Lennon também ter composto o riff clássico da canção, na gravação da faixa, ele deixou Harrison executá-lo, enquanto se dedica a uma guitarra base, com ambos os músicos usando Fenders Stratocasters da cor azul. Os Beatles precisaram de apenas 3 takes para gravar a base, e esse foi o único take completo que tocaram naquela noite. A ponte da faixa tem um crescendo no estilo rave-up (típico da banda The Yardbirds, na qual Eric Clapton saiu para dar lugar a Jeff Beck naquele mesmo ano), quando as notas vão escalonando ao mais agudo para dar um intermédio frenético no meio da canção. Essa ponte meio que serve de solo à canção, também, então, além dos vocais (acompanhando o crescendo), a banda sobrepôs uma guitarra solo de estilo blues, e alguns autores creditam a Lennon essa melodia.

A faixa virou uma grande referência no rock e muitas bandas ou tocaram a faixa em concertos (como o The Jimi Hendrix Experience, em 1967) ou inseriram seu riff no meio de suas canções (caso do John Mayall’s The Bluesbreakers, que tinha Eric Clapton na guitarra, que toca o riff de Day Tripper após um solo de bateria em sua versão de What I say de Ray Charles, em 1966; e o Yes também toca o riff numa retomada de sua versão de outro número de Lennon & McCartney, Every little thing, em seu primeiro álbum, de 1968). A força de seu riff e de sua letra sobre drogas fez de Day tripper uma canção reverenciada na comunidade roqueira até hoje e muito popular.

A banda no clipe de We can work it out.

We can’t work it out é uma das muitas canções da época escritas por Paul McCartney sobre a crise de seu relacionamento com a atriz Jane Asher. Apesar disso, o tom da letra é positivo, com ele dizendo que “podem dar um jeito”, mas Lennon contribuiu com a ponte da canção, e sua letra é mais pessimista: “a vida é muito curta para fuxico e briga”. Na gravação, os Beatles usaram de novo a redução para ter mais espaço para overdubs. A base foi feita com violão, baixo, pandeiro e bateria, e embora seja claro que os dois últimos foram tocados por Harrison e Starr, fica a dúvida se McCartney tocou o violão ou baixo e se foi Lennon quem tocou um ou o outro. Nas sobreposições, além dos vocais, Lennon acrescentou um órgão Harmonium Mannborg, que faz adições melódicas nos versos e, principalmente, na ponte de sua autoria.

Houve uma disputa entre Lennon e McCartney sobre qual das duas canções deveria ser o Lado A do single, então, George Martin e a EMI decidiram lançar o Duplo Lado A, mas no fim das contas, foi We can work it out que se tornou mais popular e tocou mais nas rádios. No Reino Unido, por causa do Duplo A, ambas as faixas foram consideradas como chegando ao 1º lugar das paradas, enquanto nos EUA, que contabilizam os lados separados desde sempre, We can work it out chegou ao 1º lugar, enquanto Day Tripper ficou em 5º lugar. O compacto bateu um recorde, por ser o 11º dos Beatles a chegar ao topo das paradas americanas apenas nos anos de 1964 e 65.

Naquele ponto de suas carreiras, a demanda de shows era muito maior do que a que podia ofertar, então, o grupo e Brian Epstein tiveram a brilhante ideia de gravar vídeos promocionais (promos, em inglês) para representar as canções em programas de televisão, que podiam ser exibidas no mundo todo. Assim, nasciam os videoclipes que conhecemos! Em novembro de 1965, os Beatles foram para o Twickenham Film Studios e, sob a direção de Joe McGrath, gravaram nada menos do que 10 clipes em um único dia! Foram três versões de We can work it out, duas de Day tripper, duas de Help!, duas de I feel fine e uma de Ticket to ride.

Os vídeos rodavam pelo mundo com alguma diversidade e os Beatles se desobrigavam de aparecer na TV em todos os lugares que fossem. Era iniciada a era do videoclipe.

Os Beatles tocaram ambas as faixas do compacto em sua turnê de inverno no Reino Unido em 1965, porém, nas turnês de 1966, apenas Day tripper sobreviveu no repertório.

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RUBBER SOUL – 1965

Como se não bastasse todos os grandes álbuns que a banda lançara até então, com Rubber Soul os Beatles chegam a outro patamar. Isso mesmo! Rubber Soul exibe sofisticação e qualidade desde a bela capa (com efeito alongado) até o desfile de grandes canções e clássicos. Os arranjos vão ainda mais longe e as letras também vão se tornando cada vez mais sérias e profundas: Norwegian wood, Girl e Nowhere man são letras contundentes, verdadeiras obras-primas de John Lennon! Ao mesmo tempo, os Beatles começam a usar o estúdio de gravação como se fosse um instrumento, para produzir efeitos e truques que vencessem os limites tecnológicos da época.

O disco abre com Drive my car, uma canção que tem um estilo de sonoridade da gravadora Motown e traz uma letra na qual é a mulher quem esnoba o eu lírico, dizendo que “baby, você pode dirigir o meu carro/ e talvez eu te ame depois”, o que, claro, cria uma piadinha quase juvenil da metáfora entre o automóvel e o sexo. Na gravação, McCartney toca o piano e Lennon é quem faz a guitarra solo na sua Fender Stratocaster. Depois, entra Norwegian wood (This bird has flown), que traz Lennon no violão de 12 cordas, mas o grande destaque é a cítara indiana tocada por George Harrison (a primeira vez que esse instrumento oriental era usado por artista ocidental), que a faz ir além do folk e lhe dá tons orientais e psicodélicos em um arranjo totalmente acústico. A letra é fantástica, com Lennon narrando um encontro fortuito com uma garota (uma história real!) de modo disfarçado, cheio de mensagens escondidas, e de novo, numa condição que coloca à mulher uma posição de superioridade. O último verso, quando o eu lírico é deixado sozinho na casa dela, ele “acende um fogo”, num jogo dúbio de palavras, que pode significar fumar um cigarro ou incendiar o apartamento!

You won’t see me é outra daquelas canções de desapontamento de McCartney com Jane Asher e é um pouco mais tradicional, embora tenha um arranjo bonito em um bom jogo de bateria de Ringo Starr e do piano com swing do autor, além dos vocais de apoio de estilo Doo-woop de Lennon e Harrison. Então, vem Nowhere man, outra com uma sonoridade tradicional – mas com uma levada de guitarra base muito boa de Lennon e uma guitarra solo estridente que aparece apenas em alguns pontos de Harrison, ambos usando Fenders Stratocasters, e os incríveis vocais em três vozes. Mas seu maior destaque é a letra de Lennon, que narra o sentimento de solidão sendo confortado pelo eu lírico num jogo inteligente de palavras sensacional. A canção foi lançada como compacto nos EUA e chegou ao 3º lugar das paradas, e em outros países também fez sucesso, sendo o 1º lugar no Canadá e na Austrália.

Harrison tem sua primeira chance como compositor no disco na banal Think for yourself, que se destaca pelo baixo distorcido (usando o pedal Fuzz) de McCartney; e The word também é de nível mais baixo, apenas com um órgão interessante e a letra “paz e amor” dando largada aos ideais hippies. A balada Michelle se tornou muito popular, com sua letra melosa e frases em francês e, na verdade, era uma velha canção que os Beatles cantavam desde os tempos de Hamburgo, meio de brincadeira. Ainda assim, foi lançada como compacto em vários países europeus e chegou ao 1º lugar das paradas da Alemanha, Bélgica, Noruega, e também na Nova Zelândia. Outro ponto baixo é What goes on, de acento country para que Ringo Starr a cante, e a primeira (e única) faixa dos Beatles assinada por Lennon & McCartney & Starkey, o que dá ao baterista seu primeiro crédito de compositor. Não o último!

As coisas voltam ao alto nível com Girl, uma canção de sonoridade acústica e uma grande letra de Lennon, sobre seu sonho em encontrar uma garota diferenciada (o que ele terminaria conseguindo com Yoko Ono, alguns anos à frente). A gravação precisou usar alguns truques de estúdio para captar seu suspiro a cada vez que lamentava o refrão. Outra canção de crise no relacionamento, I’m looking through you é amarga e se destaca mais pelo uso da redução para criar a dobradinha das guitarras de Lennon e Harrison ao final dos refrões, quebrando o arranjo acústico da maior parte da faixa.

Então, Lennon entrega outra de suas grandes canções com In my life, que (ao lado de Help! e Nowhere man) marca o início de uma fase existencialista do compositor, aqui, refletindo sobre o passado, seus “amigos e amores”, “alguns vivos, outros mortos”, numa letra muito sensível e bonita. O arranjo também é interessante e minimalista, com guitarras bem discretas e um ótimo ritmo de bateria. Mas a faixa esconde um grande truque de estúdio, que foi uma enorme inovação: Lennon queria um solo de cravo (harpschord) no meio da faixa, mas a EMI não tinha um, então, George Martin teve a ideia de gravar o solo em um piano com a rotação da fita desacelerada, de modo que quando fosse acelerada, o som ficasse mais agudo e parecesse um cravo, o que deu certo e é um bom exemplo de uso inteligente do estúdio.

Wait é apenas para ocupar espaço e uma sobra das sessões do álbum anterior; Harrison entrega (como compositor) a interessante If I needed someone, que se destaca pelo uso ostensivo da Rickenbacker 360/12 de 12 cordas, o que era um tipo de aceno aos The Byrds, que vinham fazendo bastante sucesso copiando aquela sonoridade dos Beatles, então, o quarteto de Liverpool inverte o jogo, e cria um arranjo parecido com o das canções dos americanos. A base dessa faixa foi gravada em um único take tão afiados estavam os Beatles! O álbum encerra com a péssima Run for your life, que a despeito do bom arranjo, tem uma letra horrorosa de cunho machista, mesmo que como paródia, não soa bem.

O título Rubber Soul (“alma de borracha”) fazia piada sobre as críticas de que os roqueiros britânicos faziam “plastic soul” (“alma de plástico”) ao se inspirar na música dos negros americanos, mas era um álbum artístico em todos os sentidos, pelo conteúdo, pela sonoridade, pelas letras e até pela capa. Por isso, seu impacto comercial e artístico foi enorme. Se fez sucesso e chegou ao primeiro lugar das paradas nos dois lados do Atlântico como sempre, por outro lado, foi a primeira vez que os Beatles realmente chegaram à “crítica musical séria”, que começou a mirá-los de modo diferente, percebendo que havia mais do que jovens cabeludos e yeah-yeah-yeah no quarteto de Liverpool. Um dos grande clássicos musicais do século XX.

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Os Beatles ao vivo em 1966.
  • Paperback writer/ Rain, maio de 1966

Cansados da loucura da Beatlemania, os Beatles começaram a frear suas frenéticas atividades e isso envolvia ter mais tempo para gravar seu próximo disco, pois após as experimentações pioneiras de Rubber Soul, a banda queria mergulhar fundo na produção de música no estúdio. Este single foi tirado das sessões de Revolver e atendeu à pressão da EMI para que a banda tivesse um novo compacto nas lojas. Lançado apenas em maio de 1966 (cinco meses após o anterior), abria um espaço temporal inédito na carreira do grupo.

Paperback writer foi escrita mais por McCartney, com Lennon ajudando na letra, e a letra está na forma de uma carta de um aspirante a escritor para um editor ou editora que se disponha a publicar seu livro como uma brochura (livros com capa de papel, geralmente no formato “de bolso”, que é o que paperback quer dizer, destinado a escritores pouco conhecido ou tiragens populares de livros famosos). Era uma maneira de evitar cantar outra canção de amor por parte de McCartney.

Paperback writer pode ser vista como uma estrutura composicional até um pouco aquém do que a banda vinha apresentando nos singles britânicos, porém, sua gravação a tornou uma peça importante. Em primeiro lugar, Lennon e McCartney brincaram com a ideia da música indiana (que é feita apenas em um único acorde) e fazem uma canção inteiramente construída em apenas dois acordes: sol maior nos versos e dó maior na transição para o refrão, repetindo ambos no início e final do refrão. Para compensar a simplicidade, guitarras e baixo foram gravados com alterações.

É importante mencionar que o engenheiro assistente de Abbey Road, Geoff Emerick havia acabado de ser promovido a engenheiro de som, enquanto aquele que trabalhou naquela função na maioria das gravações dos Beatles até ali, Norman Smith, foi promovido à função de produtor (ele seria o “descobridor” do Pink Floyd no ano seguinte!). Cheio de juventude e muitas ideias, Emerick se transformou no parceiro ideal dos Beatles e George Martin naquela fase de busca de experimentações. Quando foram gravar Paperback writer, Lennon questionou Emerick porque o som do baixo dos Beatles era tão “fraco” em comparação com os poderosos baixos gravados na Motown e descobriu que a EMI impunha uma limitação de decibéis ao som do baixo. Lennon disse algo como: “dane-se, vamos fazer como a Motown. Dê um jeito!”. E Emerick criou uma técnica de amplificação do baixo, colocando dois amplificadores um de frente para o outro no estúdio, tornando o som do instrumentos mais potente. E descumpriu as regras da empresa sem ela saber, correndo o risco de ser demitido. Mas com o sucesso dos Beatles…

Também ajudou o fato de que Paul McCartney trouxe um novo instrumento para fazer essa faixa: um baixo Rickenbaker, muito mais eficiente e melódico do que o clássico Hofner em formato de violino que usara até então. Mas durante as gravações, quando a banda ainda não sabia muito bem o que fazer no arranjo, algumas variações foram tentadas: como McCartney fazia a guitarra solo em sua Epiphone, Harrison tocou o baixo num Fender Bassman que adquirira há pouco tempo e Martin chegou a gravar um tack piano (um piano com som metálico), que terminou não usado. No fim, o piano não é ouvido na mixagem final e McCartney regravou o baixo, tirando a contribuição de Harrison. Seu baixo é bastante ativo, melódico, potente e vai até notas bem agudas, fazendo uma virada de página em seu estilo de tocar dali em diante.

A banda também investiu nos backing vocals, amplificando os vocais do mesmo modo que fizeram com o baixo e usando um recurso chamado ADT que criava um curto eco nos microfones, dando mais força às vozes. De brincadeira, enquanto cantam uma versão lenta da frase paperback writer ao longo dos versos, no meio da canção, Lennon e Harrison a trocam por Frère Jacques, uma canção de ninar francesa, que tinha melodia similar.

Embora Paperback writer tenha feito bastante sucesso – com destaque para seus backing vocals amplificados – o maior destaque artístico desse single foi o Lado B com Rain, uma canção lisérgica, com guitarras de efeito, uma bateria transloucada, uma letra onírica, um final falso e o efeito especial de um vocal colocado “de trás para frente” no fim da faixa.

John Lennon em 1966, na gravação do clipe de Rain.

Composição de John Lennon, Rain tem uma letra existencialista sobre o ato banal de chover, relacionando a chuva à melancolia, o que é tocante. Embora sua estrutura de acordes seja derivativa do folk, para a gravação, Lennon queria guitarras sinuosas e uma bateria frenética. Ringo Starr disse à revista Modern Drummer que Lennon lhe mostrou um disco da Motown e disse: “eu quero que você toque desse jeito”, no que ele respondeu, “mas tem dois bateristas nesse disco”, e Lennon replicou, “não interessa, eu quero que você toque desse jeito”. E como Lennon queria os efeitos nas guitarras, a solução de Emerick e Martin foi: tocar a faixa bem rápido e desacelerar a fita (no efeito inverso ao do solo de In my life).

Então, os Beatles tocaram bem rápido e Starr fez uma bateria louca, incrível, com muitas viradas e preenchimentos. Mesmo com a velocidade reduzida, ainda soa uma bateria rápida e movimentada: um dos melhores trabalhos da carreira do baterista! E as guitarras ficaram melosas e sinuosas como o autor queria. Os vocais foram gravados na velocidade normal, mas ao final, Lennon teve a ideia de colocar o último verso tocado numa fita de trás para frente, ao contrário. Então, quando a banda faz o final falso e volta para o outro (a finalização), entra a voz de Lennon ao contrário e quem não é de língua inglesa pode até pensar que ele está cantando novos versos, mas está tudo de trás para frente.

Foi a primeira vez que a backward tapes (gravação ao contrário) foi usada na carreira dos Beatles e na música comercial como um todo e esse se tornaria um recurso muito usado pelo grupo dali em diante.

Com tantas inovações por segundo, o compacto Paperback writer/ Rain se tornou o mais ousado até então na carreira da banda e um abraço apertado na experimentação sonora, ainda que conseguindo uma linguagem acessível ao grande público. O resultado foi sucesso: o single foi o 1º lugar nas paradas do Reino Unido, EUA, muitos países da Europa e da Oceania.

E continuando a prática de fazer videoclipes que haviam inaugurado no single anterior, os Beatles também fizeram promos para este compacto. A banda filmou nada menos do que três vídeos para cada canção do single: uma de cada colorida (para serem exibidas no The Ed Sullivan Show, nos EUA, que passara a ser transmitido em cores no ano anterior) e dois para cada canção em preto e branco para serem transmitidos na TV britânica, que ainda era monocromática (e continuaria sendo até 1968!). Os vídeos rodaram o mundo todo. E ainda assim, os Beatles se apresentaram fazendo a mímica do single no programa Top of the Pops, que apresentava a parada de sucessos por meio de vídeos – como faria a MTV 20 anos depois. Foi a única vez em que a banda foi pessoalmente ao programa e, acreditem, essa filmagem foi apagada pela BBC e o vídeo foi perdido!

  • Yellow submarine/ Eleanor Rigby, agosto de 1966

Sem a desculpa de fazer parte de uma trilha sonora, os Beatles descumprem sua própria regra outra vez, criando um single britânico retirado de dentro do álbum. Neste caso, houve a pressão da gravadora para lançar um compacto de promoção do disco completo, mas não havia outras canções disponíveis… O contrato obrigava isso. A Alternativa seria retirá-las do disco e lançar Revolver apenas com 12 faixas, em vez de 14, mas a banda achou que isso seria pior e iria tirar o efeito do disco tal como pensaram. Então, no início de agosto de 1966 chegou às lojas o single Duplo Lado A de Yellow submarine/ Eleanor Rigby. Bem diferente dos dois rockões do compacto anterior, neste aqui havia uma canção de tom infantil cantada pelo baterista Ringo Starr e uma balada melancólica marcada por instrumentos orquestrais.

Yellow submarine se tornou uma canção bastante popular, por causa de seu apelo infantil. Curiosamente, foi composta inicialmente como uma balada depressiva por John Lennon (a parte dos versos e da melodia principal), enquanto McCartney compôs em separado o refrão. A dupla decidiu unir as duas canções em uma só e criou uma nova letra para fazer par ao refrão, deixando de lado o tom triste da parte de Lennon em prol da história de marinheiro que embarca em um submarino amarelo em busca de um mundo fantástico.

A gravação da faixa foi um desbunde e durou nada menos do que quatro dias, o maior tempo já gasto em uma única canção pela banda até ali: gravaram a base (Lennon no violão, McCartney no baixo, Starr na bateria e Harrison num pandeiro) de novo usando o recurso de tocar acelerado e desacelerar a fita depois para dar um efeito nos instrumentos; no dia seguinte gravaram os vocais (Starr no principal e os outros três nos backings); outro dia reuniram uma trupe de amigos (incluído Patty Boyd, a esposa de George Harrison, o membro dos Rolling Stones, Brian Jones e sua então namorada, a cantora Marianne Faithfull, e os roadies Neil Aspinal e Mal Evans) e fizeram uma festa no estúdio, com o grupo cantando o refrão a plenos pulmões, enquanto Evans tocava um tambor e Jones uma ocarina (uma flauta oriental) e também faziam barulhos com objetos diversos; e no último dia, vários efeitos sonoros para criar a ideia do funcionamento do submarino, dele submergindo e do mar se movendo, Lennon e Starr gritando ordens numa câmera de eco e no fim de um corredor fora do estúdio, Lennon de novo fazendo um contracanto no final com sua voz filtrada através dos amplificadores de guitarra e até os sons de uma banda de sopros tirada da biblioteca de sons da EMI e reeditada para encaixar como uma transição entre o verso e o refrão. Também foi feita uma narração de abertura (criada e narrada por Lennon) dando um “contexto” à história, que no fim das contas, terminou não sendo usada.

Usando a técnica da redução para abrir mais espaço nos canais, Yellow submarine se tornou um clássico psicodélico carregado de efeitos sonoros e alegria. E, claro, a canção inspiraria o desenho animado de mesmo título que chegaria aos cinemas dois anos depois e da qual falaremos mais adiante.

Eleanor Rigby foi criada por McCartney, com a ajuda de Lennon na letra, para uma letra triste sobre a solidão, narrando a história de uma velhinha solitária e o mundo ao seu redor. McCartney sempre insistiu que é uma criação ficcional e que tirou o nome da personagem baseado na sonoridade exótica da atriz Eleanor Brown, que contracenou com eles em Help!, mas é fato que existe um túmulo dedicado a Eleanor Rigby no cemitério da Igreja de São Pedro em Liverpool, aquela mesma em que Lennon e McCartney se conheceram num show dos Quarrymen. Pura coincidência? Memória inconsciente?

É uma canção dotada de muita riqueza musical e sensibilidade. Tal qual Yesterday, George Martin sugeriu gravá-la apenas com instrumentos de cordas, dessa vez um octeto, e apenas McCartney aparece, cantando a canção sem tocar nenhum instrumento. Como a balada do ano anterior tinha chegado ao 1º lugar das paradas dos EUA, os Beatles aceitaram lançá-la como single, daí virar um Duplo Lado A como fora Day tripper/We can work it out.

Yellow submarine/ Eleanor Rigby foi um single de enorme sucesso: chegou ao 1º lugar das paradas no Reino Unido (onde foi o disco mais vendido do ano), na Europa toda e no resto do mundo. Em casa, o compacto foi o 12º single consecutivo dos Beatles a chegar ao número 1.

Mas seu impacto foi ligeiramente menor nos Estados Unidos: quando chegou às lojas, os Beatles estavam em meio à perna final de sua turnê mundial, justamente pelo território dos EUA, mas também no meio da polêmica do “somos mais populares do que Jesus” e do posicionamento da banda contra a Guerra do Vietnã (que também não era vista com bons olhos) e o resultado foi que, na terra do Tio Sam, Yellow submarine chegou apenas ao 2º lugar da Billboard, ao passo que Eleanor Rigby escapuliu do Top10 para chegar ao 11º lugar. Não era um fracasso, claro, mas era a primeira vez que um single britânico dos Beatles (ou seja, daqueles escolhidos pela banda, não as “adições” da Capitol Records) não chegava ao número 1 desde janeiro de 1964!

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REVOLVER – 1966

A escalada de qualidade dos Beatles ainda não tinha chegado no ponto mais alto, mas dá outro grande passo em Revolver, o álbum favorito de muitos dos fãs do grupo e dos críticos, também. Se Rubber Soul pode ser considerado uma guinada a uma música de maior qualidade e profundidade, Revolver é uma acelerada funda neste quesito. É a reta depois da curva!

A banda decidiu mergulhar de cabeça nas experimentações no estúdio e produziu um álbum realmente diferencial: abre logo com Taxman, libelo de George Harrison (pela primeira – e única – vez abrindo um disco da banda) contra a alta taxação dos impostos na Inglaterra, com um rock nervoso e pesado, com a guitarra base cortante de Lennon tilintando nos altos falantes, a bateria nervosa de Starr, Harrison no baixo imitando os arpejos da Motown, e McCartney fazendo a guitarra solo num estilo agudo e distorcido bem ao gosto dos guitar heroes da época! Originalmente, a canção terminava de modo abrupto, mas a banda gostou tanto do solo que decidiu repeti-lo no fim, fazendo uma edição e tocando a gravação do meio de novo fim. A letra ácida de Harrison é outro dos destaques, mas ele teve uma ajuda (não creditada) de Lennon nas palavras e no middle-eight. A canção até poderia ser creditada a Harrison & Lennon, se os Beatles fossem mais flexíveis.

Depois vem o single Eleanor Rigby, com sua letra sobre solidão e seu octeto de cordas, e então, o mergulho na psicodelia com I’m only sleeping: uma canção de Lennon sobre “dormir mais um pouco”, mas que foi gravada rápida e desacelerada na fita para dar um efeito nos instrumentos, o que faz com que o violão do autor e a guitarra de Harrison tenham sons dissonantes. O solo de guitarra de Harrison foi gravado de trás para frente, num efeito hipnótico! E falando nele, o beatle quieto emplaca sua segunda composição no disco com Love you to, construída como se fosse uma canção indiana, levada na cítara e na tabla (instrumento de percussão oriental), mas que ganha uma guitarra distorcida com fuzz de Lennon. A bela balada Here, there and everywhere embala os românticos com sua linda melodia, boa letra, os vocais de estilo Doo-woop e instrumentação minimalista. O Lado A do álbum fechava com o single Yellow submarine, cantada por Ringo Starr.

O disco recomeça com a paulada She said she said, com uma letra impactante (“ela disse, ‘eu sei como é estar morta’/ ‘eu sei como é estar triste’/ e ela me fez sentir como seu eu nunca tivesse nascido”), embalada por guitarras distorcidas de Lennon e Harrison e uma ótima bateria de Starr. O ponto mais baixo vem com o jazz animado de Good day sunshine, levada ao piano, e outro bom rock, com And your bird can sing, que tem uma letra sobre esperança e uma ótima levada nas guitarras: Lennon faz uma base cortante em sua Fender Stratocaster, enquanto Harrison e McCartney tocam o mesmo motivo no solo ao mesmo tempo, o primeiro na Gibson Standart e o segundo na Epiphone Cassino, o que fica sensacional. A belíssima e triste balada de McCartney For no one, praticamente levada só no piano e bateria, quebra corações com sua letra sobre despedidas e tem um incrível solo de trompa, tocada por Alan Civil.

O álbum começa a se encaminhar para o fim com a terceira composição de Harrison, a levada soul I want to tell you, bastante interessante, seguida pela ode à maconha (sim, a letra não fala de uma garota) de McCartney Got to get you into my life, cuja uma base de rock é enterrada na mixagem sob uma espessa camada de metais. A última faixa é a mais revolucionária: Tomorrow never knows, de Lennon, traz uma letra incrível inspirada no Livro Tibetano dos Mortos, é construída em cima de um único acorde (dó maior), como na música indiana, e tem quase toda a sua instrumentação construída apenas com colagens sonoras, loops de fita, efeitos sonoros, o mesmo solo de Taxman, mas tocado ao contrário (de trás para frente), que criam uma paisagem sonora única e inacreditável! Música de vanguarda num disco da banda de rock de maior sucesso do mundo. Algo tão à frente de seu tempo que esse tempo ainda não chegou.

E ainda há a capa, com a bela colagem de fotos e desenhos do artista plástico (e músico) Klaus Voorman, alguém que os Beatles conheciam desde os tempos de Hamburgo. O título do álbum é uma pegadinha de duplo sentido: como no português, Revolver pode se referir à arma de fogo, mas também ao verbo revolver, e é este o sentido que os Beatles cravam ao disco, uma obra que criou um ponto de virada em sua carreira, em que sua criatividade foi à estratosfera e que a banda revolucionou a música popular. De verdade. E não seria a última vez!

Os britânicos têm um amor todo especial por Revolver, que já foi escolhido várias vezes “o melhor álbum de todos os tempos”, em enquetes desse tipo no país. Tanto que quando o disco foi lançado em CD pela primeira vez, em 1987, chegou ao 2º lugar das paradas, 21 anos após seu lançamento original.

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A belíssima capa do compacto Penny Lane/ Strawberry Fields Forever.
  • Penny Lane/ Strawberry Fields forever, fevereiro de 1967

Após três anos de Beatlemania, os Beatles decidiram encerrar um capítulo na própria história e em 29 de agosto de 1966 realizaram o seu último concerto oficial, no Candlestick Park, em San Francisco, encerrando sua terceira turnê mundial. Uma turnê turbulenta, que passou por problemas nas Filipinas (a banda recusou um convite do governo ditatorial de aparecer em um jantar e foram expulsos do país após a realização do show), no Japão (uma onda de protestos por “profanarem” o Buddokan Temple com “música pop”) e nos Estados Unidos (perseguidos pela Ku Klux Klan, com ameaças de morte e rojões disparados no palco em meio à toda a polêmica do “somos mais populares do que Jesus”). A banda decidiu dar um basta e decidiram não fazer mais turnês.

Após longas férias de três meses – coisa que nunca haviam feito – a banda decidiu se reunir renovada em estúdio para a gravação de seu álbum mais ambicioso, indo além nas experimentações desenvolvidas em Revolver. As gravações iniciaram em novembro de 1966 num ritmo lento no sentido de que passaram a dedicar semanas (em vez de horas) na produção de cada canção e, antes do fim do ano, só tinham finalizado três faixas! Mas valeu à pena…

Mas a EMI não estava feliz… pela primeira vez desde 1963, os Beatles não tinham lançado um compacto de Natal (o último foi Day Tripper/ We can work it out, em dezembro de 1965, enquanto Yellow Submarine/ Eleanor Rigby tinha saído em agosto de 1966) – e não lançariam nenhum outro até o fim de sua carreira (mas ninguém sabia disso ainda…). Enquanto a gravadora preencheu o “buraco” com a primeira coletânea oficial da banda – Oldies… But Goldies – a pressão por um compacto era grande. Então, decidiram lançar um novo single no início de 1967 para antecipar o disco que viria e George Martin decidiu por Penny Lane e Strawberry fields forever, as duas melhores que tinham em mãos. Mas isso foi erro.

Lançado como outro Duplo Lado A, era um compacto forte demais, com duas das melhores e mais importantes faixas que os Beatles gravariam em toda a sua carreira! Era muito melhor terem lançado apenas uma das duas com When I’m sixty-four no Lado B, uma canção mais fraca que já estava pronta há época… Isso teria uma implicação comercial, como veremos abaixo…

Penny Lane, de Paul McCartney, narra de modo surreal uma das principais ruas do subúrbio de Liverpool, um local bem próximo das residências dele e Lennon em sua infância e juventude, e uma rua emblemática porque tinha uma rotatória que servia como integração do sistema de ônibus, então, meio que todo mundo passava por ali. A letra é refinada, cheia de figura de linguagens e metáforas, criando um efeito muito inteligente, fruto de um trabalho em colaboração com Lennon nesse parte. A canção é emoldurada por um arranjo de encher os ouvidos, com várias camadas de piano e alguns instrumentos orquestrais. Foi gravada de um modo não muito tradicional: iniciando com McCartney tocando piano acompanhado por Starr na bateria e só depois os outros Beatles inserindo suas contribuições instrumentais.

Strawberry fields forever, de John Lennon, era ainda mais ousada: a mais audaciosa canção dos Beatles até então. Composta como uma balada folk, traz uma letra onírica sobre um lugar especial (um orfanato do Exército da Salvação em Liverpool, há poucos quarteirões de Penny Lane e vizinho à casa de Lennon, onde ele brincava no verão) emoldurada em um arranjo belíssimo e inovador. Ela começa como uma faixa mais ou menos tradicional (com a linda introdução no mellotron, um tipo de teclado, percursor dos sintetizadores, com timbre de sopros) e os versos cantados de forma triste, melancólica, com lânguidas intervenções de guitarra, baixo e bateria até que, no segundo refrão, a coisa muda de figura abruptamente, e entra um arranjo totalmente diferente, com várias camadas de instrumentos orquestrais (violoncelos, harpas e trompetes) criando melodias intercruzadas algo frenéticas. Há ainda uma longa coda instrumental com um final falso emoldurados por uma bateria marcada como uma marcha transloucada.

Um arranjo que mistura beleza e experimentação, tradicional e estranheza na dose certa. Incrível!

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Os Beatles no clipe de Strawberry fields forever.

A gravação de Strawberry fields…, que foi a primeira do novo projeto, rende um livro inteiro: Lennon a trouxe ao estúdio como uma balada folk e a banda iniciou a gravação com um arranjo relativamente minimalista (que corresponde ao início da faixa), com o mellotron e Harrison fazendo uma guitarra slide (que foi apagada no mix final), mas após alguns takes, Lennon achou que queria outra coisa, e gravaram uma segunda versão, mais acelerada e com várias camadas de instrumentos e as inserções orquestrais. No fim das contas, Lennon achou que gostava do começo da primeira e do fim da segunda e pediu a George Martin para uni-las na versão final. Mas como elas foram gravadas em tons diferentes (um tom acima e abaixo), Martin desacelerou a primeira parte (para ela descer meio tom) e acelerou a segunda (para subir meio tom) e uniu uma na outra mais ou menos na marca dos 60 segundos, criando a canção que conhecemos.

O compacto causou um grande impacto, mostrando o direcionamento mais radical e experimentalista dos Beatles. A crítica musical ficou boquiaberta com a beleza e qualidade de ambas as canções, ao passo que o grande público ficou um pouco confuso com a ruptura algo radical em relação aos seus lançamentos anteriores. As duas canções soam refinadas e elegantes, sem o frescor pop mais comum.

Isso se refletiu em seu desempenho comercial: como era um Duplo Lado A, ambas as canções terminaram entrando nas paradas de sucesso, porém, serem contadas distintamente levou ao curioso fato deste ser o primeiro compacto dos Beatles a não chegar ao 1º lugar das paradas de sucesso da Inglaterra desde Love me do, em 1962! Penny Lane ficou em lugar e Strawberry fields… em contadas separadamente, como se fossem dois singles!

Nos EUA, que já destacavam os lados desde sempre, Penny Lane ficou em 1º lugar e Strawberry fields em . As duas no Top10, um resultado excepcional, algo que já ocorrera com a banda três vezes: no lançamento de 1964 de Love me do/ PS I love you (1º e 10º lugares), I feel fine/ She’s a woman (1º e 4º) naquele mesmo ano e We can work it out/ Day tripper (1º e 5º) em 1965.

Então, a despeito da excepcionalidade nas paradas britânicas, o single foi um sucesso absoluto de público e crítica e, historicamente, se tornou o mais importante compacto da carreira da banda, ao ponto dos estudiosos considerá-los como o início da Segunda Fase dos Beatles (1967-1970), o que depois seria expresso nas coletâneas Vermelha e Azul, conforme falaremos adiante. Mas a desvantagem foi que, seguindo a regra autoimposta pela banda, Penny Lane e Strawberry fields forever terminaram de fora do álbum seguinte, Sgt. Peppers, o que é realmente uma pena, pois foram justamente as duas mais fortes canções daquele projeto. Neste ponto, chegamos a lamentar a integridade artística da banda, que se as tivesse no disco o tornaria ainda mais potente do que já foi.

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Capa de Sgt. Peppers, um dos discos mais importantes da história.

SGT. PEPPERS LONELY HEARTS CLUB BAND – 1967

Em primeiro lugar, é preciso dizer: Sgt. Peppers é a obra mais importante dos Beatles. É o álbum mais significativo da história do rock e um dos discos mais importantes da música moderna. Isso significa dizer que é o melhor álbum dos Beatles? Não! Importância (histórica) e qualidade (estética) são coisas diferentes. Sgt. Peppers é um disco sensacional, um marco, um épico, mas o quarteto de Liverpool tem discos melhores (Abbey Road e Revolver, por exemplo). Contudo, Peppers é uma ruptura, é inovação do começo ao fim, é uma obra artística que causou um impacto desmedido no mundo na época de seu lançamento. Por isso, não tem para ninguém em termos de importância.

E porque tudo isso? Porque Peppers sintetizou com perfeição todo o clima cultural dos anos 1960 e, mais especificamente, do Verão do Amor, da aventura psicodélica, da Swing London e de toda aquela movimentação lisérgica-pacifista-bicho-grilo do período. Tudo nele é sensacional: da capa superproduzida de autoria de Peter Blake (com os Beatles fantasiados de banda de circo, cercado por algumas das figuras históricas e culturais mais importantes da história – 160 personagens que vão de Buda e Krishna até Marlon Brando, Chaplin e Aleister Crowell); passando pelo set list de canções famosas maravilhosas; pelos arranjos inovadores e não-ortodoxos; pela tonelada de efeitos sonoros e truques de gravação; pelo conceito que embala todo o álbum (como se os Beatles assumissem a identidade de uma outra banda, a Banda do Sargento Pimenta do Clube dos Corações Solitários) que faz o disco parecer com um concerto (há a introdução, a apresentação da “estrela” [Billy Shears, o vocalista da tal banda], a sequência de faixas falando sobre a infância, os “bons tempos”, reflexões existencialistas sobre o passado, um número final para levantar as cadeiras, e um bis para fechar a noite); e por último, mas não menos importante, até o fato de ser o primeiro álbum de rock da história a trazer a letra das canções encartada em seu interior (aliás, na contracapa).

Sgt. Peppers demorou seis meses para ser gravado (três vezes o tempo normal de uma superprodução daqueles dias) e custou uma fortuna em horas de estúdio, mas o resultado compensa cada centavo. A banda entrou nos estúdios de Abbey Road em novembro de 1966 sem uma data de lançamento planejada e apenas o desejo de se dedicar integralmente à gravação de um disco que fosse sua obra-prima, agora que estavam desobrigados dos compromissos de turnê. E ficaram trabalhando intensamente até maio de 1967. As duas primeiras faixas gravadas foram justamente Strawberry fields forever e Penny Lane, lançadas como single, mas outras canções circularam nas gravações e pelo menos outra – Only a northern song, de George Harrison – foi deixada de fora do material final.

Paul McCartney teve a ideia original do conceito do disco de usar um nome estrambótico para uma banda fictícia, baseado nos nomes das novas bandas da Califórnia, que usavam nomes desse tipo, como Big Brother and the Holding Company (a banda de Janis Joplin) ou The Jimi Hendrix Experience, ali mesmo em Londres. E embora McCartney em certo sentido tenha assumido a frente do empreendimento, o resultado final é um trabalho intenso de parceria dele com Lennon, que construíram os arranjos e testaram muitos truques de estúdio para o resultado final.

Em contrapartida, George Harrison e Ringo Starr tiveram um envolvimento muito menor no projeto. A Starr cabia fazer as bases de bateria, o que era a primeira coisa a ser gravada e isso o deixava por muitos e muitos dias sem ter o que fazer, rodando pelo estúdio, estando presente para o caso de precisarem dele. No documentário do Anthology ele diz que aprendeu a jogar xadrez nas sessões de gravação tamanho o tempo ocioso que tinha. Harrison, por sua vez, estava muito mais interessado na filosofia oriental e na música indiana do que no trabalho com os Beatles e, algo conscientemente, negligenciou as gravações ao ponto de que aparece muito pouco no disco e quase sempre em um papel totalmente secundário. Para compensar, a maioria das guitarras solo do disco são tocadas por McCartney ou Lennon, e Harrison praticamente só faz a guitarra solo de verdade em uma única faixa (Sgt. Pepper Reprise).

O álbum abre com sons de uma feira ou quermesse, com uma música tocando ao fundo (um acordeon) e barulho de pessoas conversando até que uma banda começa a tocar. Influenciados pelo rock mais pesado que surgira no último ano – em especial o Cream de Eric Clapton e o The Jimi Hendrix Experience – a faixa-título Sgt. Peppers começa com uma guitarra muito pesada, distorcida, tocando uma introdução agressiva – trabalho de McCartney, enquanto Lennon faz a guitarra base e Harrison uma outra guitarra em contrapontos. O rockão da faixa é interrompido pela entrada de um naipe de sopros e clima de fanfarra, que alivia o clima antes voltar ao rock pesado no final. Uma grande canção cuja letra – cantada por McCartney em sua voz gritada ao estilo de Long tall Sally com Lennon no apoio – apresenta a Banda do Sargento Peppers.

Os Beatles gravando o álbum Sgt. Peppers.

A coda da faixa muda a batida para 3/4 (valsa) e apresenta o vocalista (e estrela) da tal banda, Billy Shears, o que é apenas um curto interlúdio para a faixa seguinte: With a little help from my friends, cantada por Ringo Starr, dando a entender que Starr é o tal Shears. With a little help é um pouco mais simples, em ritmo de marcha e com uma letra que fala sobre amizade, mas recorre a recursos imagéticos proporcionados pelo uso de LSD por Lennon que ajudou McCartney a escrever a canção e a letra. O destaque são os backing vocals de Lennon e McCartney nos passagens (“Do you need anybody?…”) que são muitos bonitos. Dois anos depois, a canção ganharia uma famosa versão pelo cantor Joe Cocker, cuja interpretação no Festival de Woodstock, em 1969, virou um símbolo não apenas daquela festa, mas de toda a contracultura dos anos 1960.

O desenho de Julian.

Sem dar tempo ao ouvinte respirar, em seguida, vem a incrível Lucy in the sky with diamonds, com suas mudanças de ritmo (os versos são em 3/4 como a valsa e o refrão em 4/4 como na música popular) e uma letra altamente psicodélica, cheia de cores e imagens surreais (táxis feitos de jornal, gravatas de espelho) que narram o encontro do eu lírico com Lucy no céu com os diamantes. Muita gente interpretou a letra da canção de Lennon como uma viagem de LSD, mas apesar de ser um usuário intenso da droga, o autor sempre ficou irritado com essa associação. Não ajuda a inacreditável coincidência das iniciais Lucy in the Sky with Diamonds formar justamente LSD (!), mas Lennon sempre garantiu que isso foi mera coincidência e que a canção foi baseada (e intitulada) a partir de um desenho de seu filho Julian (então com 4 anos) que desenhou uma mulher colorida voando com diamantes baseado em uma coleguinha da pré-escola.

De qualquer modo, é uma das mais belas canções dos Beatles, com destaque à instrumentação gravada em duas camadas, usando o efeito da redução dos 4 canais que vinham desenvolvendo nos últimos anos: na primeira leva, gravaram piano (Lennon), órgão com efeito de distorção (McCartney – que faz a introdução e é o instrumento principal da faixa), violão (Harrison) e congas (Starr), mas depois, decidiram dar mais força à canção, gravando por cima bateria completa (Starr), um baixo muito proeminente (McCartney), a tamboura (instrumento de cordas indiano, parecido com a cítara, por Harrison) e uma guitarra elétrica principal (por Lennon). É como se duas bandas tocassem a canção juntas! Um clássico do grupo.

Em seguida, vem um bloco de canções menos importantes. Getting better é um bom exemplo da dualidade de Lennon & McCartney, com o segundo (principal autor) trazendo uma canção sobre positividade (“Está melhorando o tempo todo”) e tal qual ocorrera em We can work it out, Lennon contribuindo com uma ponte (bridge) mais amarga (“eu costumava ser cruel com minha mulher”). É uma boa canção, levada por guitarras bem marcadas (no estilo de She’s a woman) saindo do espectro grave (Lennon), passando pelo médio (Harrison) ao agudo (McCartney) tudo ao mesmo tempo, mais um piano eletronicamente alterado bem agudo (de novo McCartney) para reforçar no fim. Fixing a hole vem depois, com uma letra algo banal sobre o cotidiano (consertar um buraco no telhado pelo o qual entra a chuva), um estilo de instrumentação que remetia ao som psicodélico dos Rolling Stones (com cravo na base, violão acompanhando e um solo de guitarra distorcida – ainda que com grande compressão – quase certamente tocada por McCartney). A balada She’s leaving home, tal qual Eleanor Rigby, não traz instrumentos de banda, apenas uma orquestra tocando, com McCartney narrando a tocante história da garota de classe média que fugiu de casa para viver um amor, enquanto Lennon faz um contracanto com o ponto de vista dos pais, num efeito sensacional. Se transformou no hino das muitas hippies que iam viver o amor livre na época.

Being for the benefit of Mr. Kite é uma das mais estranhas canções já gravadas pelos até então: um número circense, em ritmo de marcha (2/2) descrevendo as atrações de um circo do século XIX, baseado em um cartaz que Lennon comprou em um antiquário. A faixa praticamente não traz instrumentos tradicionais, com base no piano, baixo e bateria; Lennon e Harrison tocando gaitas para a introdução e outros momentos pontuais; e principalmente a trucagem de seu solo de teclados: Lennon e George Martin gravaram várias melodias diferentes de órgãos e outros teclados; depois, eles cortaram as fitas e as colaram aleatoriamente, colocando-as juntas para “compor” o solo da canção, num efeito impressionante.

A única canção de George Harrison (e único momento em que ele tem destaque no disco) é a interessantíssima Within’ you, without you, inteiramente gravada como se fosse uma peça de música indiana, tocada em uma única nota e majoritariamente com instrumentos indianos, como cítaras e tambouras tocadas por seu autor. George Martin incluiu discretas intervenções de violino e violoncelo, e Harrison também toca um violão discreto, mas em sua maior parte, a faixa é uma canção oriental, num grande efeito. E a letra com a crítica ao materialismo e como ode à filosofia indiana é de altíssimo nível.

O ponto mais baixo do disco vem com When I’m sixty-four, uma balada de estilo jazz sobre o envelhecimento e que soa meio bobinha, talvez, porque fosse uma faixa que McCartney já tocasse desde os tempos do Cavern. Lovely Rita traz a improvável história do eu lírico apaixonado pela guarda de trânsito, embalados em uma faixa levada no piano (McCartney) e violão (Lennon), com vários efeitos sonoros produzidos no estúdio (sons cortantes feitos com pentes de metal e papel higiênico amplificados por meio de microfones!) e um solo de piano no estilo honky tonky (os bares de madeira dos negros dos EUA), tocado por Martin, de novo, usando o estilo de acelerar a gravação já usada em In my life. Good morning, good mornig celebra a infância e o ócio em uma canção com base de rock e um solo de guitarra distorcido e agressivo (de novo McCartney), mas soterrados por efeitos de uma banda de sopro (trompetes) e os sons de muitos animais tirados da biblioteca de sons da EMI, que viram um caos ao fim da faixa.

Brincando com a ideia do concerto sugerida nas duas primeiras faixas, a faixa-título, Sgt. Peppers, ganha uma Reprise no fim, ainda mais acelerada, e com uma pegada bem rock e o som de uma plateia acompanhando, antes da última canção, um dos maiores clássicos da história dos Beatles: A day in the life!

A day in the life traz uma melodia triste sobre os absurdos banais do cotidiano (alguém ganha na loteria, outro morre em um acidente de carro, há buracos demais em uma estrada) numa canção lindíssima, levada pela voz soberba de Lennon se acompanhando no violão e McCartney fazendo solfejos no piano e com um baixo melódico e Starr com uma bateria maravilhosa (Harrison só toca marracas de acompanhamento) até a frase “I love to turn you on” (“eu amaria de deixar ligadona”), uma frase com claras conotações psicodélicas, seguida por um inacreditável efeito orgasmático de uma orquestra de 40 peças (reproduzida em dobro para dar mais força!) saindo do ponto mais grave de seus instrumentos até o mais agudo (algo atonal, por a dinâmica de cada instrumento é diferente) até explodir num “primeiro” finale, entrar uma variação da faixa – em estilo boogie – sobre acordar de manhã e ir trabalhar, mas “acender um” para relaxar (na verdade outra canção, composta por McCartney incluída no meio), voltar à melodia do início (de Lennon) e repetir o orgasmo orquestral até a magistral nota lá maior tocada em quatro pianos (um para cada beatle) e deixar a nota ressoando por nada menos do que um minuto e meio! Que fim para uma canção e um disco!

E na primeira edição em vinil – depois reproduzida nas versões em vinil e no streaming – entrar um zunido muito alto e um looping de risadas e conversa (de trás para frente!) ficar se repetindo eternamente… No LP esse loop ficava gravado no sulco do disco, então, ele ficava repetindo até alguém ir lá tirar a agulha do vinil (ou a vitrola ter um braço automático que fizesse isso ao fim).

O resultado de tudo isso? Uma revolução cultural, um impacto desmedido na cultura do século XX e o álbum de maior sucesso e vendagem dos Beatles até ali, ficando 11 semanas em 1º lugar das paradas do Reino Unido. Quer saber mais? O HQRock tem um post especial sobre o disco. Clique aqui!

Quando foi lançado em CD, Peppers ganhou uma edição diferenciada, com um encarte de 20 páginas com textos e fotos, e claro, todas as letras. Prova de sua força, naquela ocasião, em 1987 – que também celebrava seus 20 anos – chegou ao 3º lugar das paradas de álbuns britânica!

  • All you need is love/ Baby, you’re a rich man, julho de 1967

All you need is love veio na esteira de Peppers e corou o Verão do Amor com um hino sobre o poder do amor. Foi a música certa na hora certa e fez grande sucesso. O mais interessante é que a canção foi gravada em uma apresentação ao vivo na TV na primeira transmissão mundial via satélite dentro do programa especial Our World. Redes de televisão do mundo inteiro se articularam nesse projeto de fazer a primeira transmissão mundial via satélite da história, com cada país apresentando uma performance artística, e claro, à Grã-Bretanha coube mostrar os Beatles!

John Lennon então compôs essa canção sobre “o amor é tudo o que você precisa”, carimbando o lema do “paz e amor” da época, e o grupo preparou um arranjo especial, com acompanhamento de orquestra e até o uso da Marshallesa (o hino da França) como introdução. O curioso é que os Beatles foram a Abbey Road e gravaram a sua parte da faixa: Lennon no harpchord (um teclado, o cravo), McCartney no baixo, Harrison na guitarra e Starr na bateria. O plano era gravar apenas a orquestra ao vivo, mas Lennon bateu o pé e disse que de jeito nenhum iria dublar uma canção na primeira apresentação ao vivo para o mundo inteiro via TV. Os vocais seriam ao vivo, portanto, e o competitivo McCartney logo disse que faria o baixo ao vivo, também, e Harrison não teve escolha senão também tocar sua guitarra ao vivo, embora não quisesse.

Em 25 de junho de 1967, os Beatles entraram ao vivo para o evento e foi tocada uma trilha de base (com a bateria e o harpchord), mas os vocais principais, baixo e guitarra foram gravados ao vivo junto com a orquestra e o coro para o mundo inteiro ouvir. Uma coisa incrível, uma canção dessa importância simplesmente gravada ao vivo para o mundo todo. No coro, além dos Beatles, alguns amigos se sentaram no chão para acompanhá-los, incluindo três membros dos Rolling Stones (Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones), Eric Clapton, Keith Moon (baterista do The Who), Graham Nash (do The Hollies e futuramente do Crosby, Stills and Nash) e alguns outros.

E para aproveitar o momento, foi lançada rapidamente (menos de um mês depois) como single e foi um enorme sucesso, chegando ao 1º lugar das paradas em ambos os lados do Atlântico e pelo mundo todo.

O Lado B foi Baby, you’re a rich man, uma composição que combinava uma canção de Lennon (os versos) com outra de McCartney (o refrão), cuja letra fala sobre os hippies (chamados na época de “beauty people”, pessoas bonitas) e sobre o fato de que você é importante sendo como é. A gravação é interessante, com Lennon tocando piano e uma clavioline (um tipo de sintetizador primitivo), com som de oboé, criando uma textura muito oriental.

  • Hello, goodbye/ I am the walrus, novembro de 1967

Era difícil seguir uma direção após o sucesso de público e crítica de Sgt. Peppers e o ciclo de gravações dos Beatles no resto do ano de 1967 não gerou resultados tão bons, à parte algumas exceções. A banda decidiu lançar outro single para fechar o ano (de novo, com apenas um álbum, ao contrário de tempos quando lançavam dois discos completos por ano), e a escolhida foi Hello, goodbye, porque tinha o maior potencial comercial, ainda que Lennon fosse contrário, por achá-la fraca.

Apesar do autor McCartney defendê-la como uma canção sobre “a dualidade“, e a despeito de ter uma melodia muito boa, de fato, Hello, goodbye é tola e inócua, o que não passou desapercebido pelos críticos. O melhor dela foram os três videoclipes que a banda gravou – um deles com as roupas da capa de Sgt. Peppers – fazendo a performance da canção, um dos quais exibido no The Ed Sullivan Show.

A performance de I am the walrus.

O Lado B, neste caso, é muito mais importante e interessante: I am the walrus, de John Lennon, é uma peça experimental com letra surreal e um arranjo completamente maluco. A mais bizarra das canções famosas dos Beatles. Do meio para o fim, a mixagem inclui exibições randômicas da Rádio BBC (incluindo uma radiopeça de Hamlet, de Shakespeare), um coro alucinado e um arranjo labiríntico de orquestra. Uma peça muito interessante, uma música de vanguarda. E uma boa canção. A faixa terminou ganhando uma também interessante performance de vídeo (que serve como videoclipe) da banda no filme Magical Mystery Tour.

beatles magical mystery tour

MAGICAL MYSTERY TOUR – 1967

Originalmente, Magical Mystery Tour era um EP duplo (compacto duplo, duplo) com a trilha sonora do filme homônimo que os Beatles gravaram como um especial de natal para a TV britânica. Mas tendo em vista que era a época do Acid rock, o longametragem é uma colagem de cenas desconectas, surrealismo, piração lisérgica e algumas bobagens. Não há sequer uma história por trás das cenas! A música é o que se salva. O filminho foi exibido como um especial de Natal da BBC TV e foi muito mal recebido por todos.

Após a inovação de Peppers, o filme foi pensado como um veículo “cabeça” para a música que estavam produzindo, mas a verdade é que – afora o compacto de All you need is love e de I am the walrus – o restante das canções que os Beatles gravaram depois de Peppers, naquele ano de 1967, não eram muito interessantes. Tampouco o filme criado para embalá-las.

Como não havia canções o suficiente, a banda optou por lançar um EP (compacto duplo) com canções inéditas, tal qual haviam feito com Long tall Sally três anos antes, agora com cinco canções. Por isso, tinha dois disquinhos de 12 polegadas, mas o diferencial de sua capa dupla ter um libreto de 24 páginas com fotos e comentários sobre o filme! Mas em 1967, o mercado de EPs já tinha naufragado completamente, e a Capitol Records dos EUA teve a ideia de somar àquelas novas as faixas lançadas nos outros três compactos do ano de 1967. Assim, Magical… virou um álbum completo em sua versão americana. Com o passar do tempo, os Beatles acabaram gostando da ideia e o álbum norteamericano Magical Mystery Tour se tornou oficial, permanecendo assim desde que a discografia oficial do grupo foi relançada unificada em 1976 (com os lançamentos em LP) e em 1987 (com as versões em CD).

Isto tem que ser dito para se entender o que é Magical… ao ouvi-lo. A desconexão do disco é algo perceptível por qualquer ouvinte, o que cria a impressionante impressão de que, apesar de ter faixas espetaculares como a faixa-título, I am the walrus, Penny Lane, Strawberry fields forever e All you need is love, o álbum ainda não soa tão bom. Estranho, né? Talvez, porque a seção que corresponde ao EP original (o Lado A do LP) é muito inferior ao Lado B, que traz os compactos daquele ano.

Mas é difícil de defender… a faixa-título, Magical mystery tour, é vibrante, com seu arranjo acelerado, naipe de sopros e um convite para uma “viagem”, boa canção para abrir um disco; The fool on the hill é uma balada até interessante, com uma construção melódica-harmônica inspirada e boa letra, mas meio sem graça; Flying é o primeiro número instrumental lançado pelos Beatles, mas é meio inócua e não vai a lugar nenhum; Your mother should know é bobinha demais. Após a revolução cultural que foi Peppers, este EP/álbum não é um passo atrás, mas um tombo feio.

  • Lady Madonna/ The inner light, março de 1968

Após a farra experimentalista e psicodélica de 1967, os Beatles voltaram a uma sonoridade mais tradicional em Lady Madonna, uma canção meio boba que fez bastante sucesso, mas é uma peça menor em seu repertório. Não se tem certeza até que ponto isso foi um ato consciente e deliberado, mas o fato é que, quando os Beatles se reuniram em estúdio, em fevereiro de 1968, gravaram apenas canções de abordagem mais rock’n’roll, sem grandes efeitos psicodélicos. A banda gravou um total de cinco faixas, pensando em ter material para “satisfazer o mercado” enquanto iam tirar um retiro de tempo indeterminado para um curso de meditação transcendental na Índia. Dessas canções, Lady Madonna foi escolhida como o single, porque Lennon não conseguiu dar um formato que lhe agradasse na outra candidata, Across the universe, embora fosse uma grande canção.

Lady Madonna foi escrita por McCartney, inicialmente com a Virgem Maria mesmo em mente, mas quando Lennon se sentou com ele para finalizar a letra, eles a transformaram na saga de uma mãe solteira da classe trabalhadora que enfrenta o seu dia a dia de labuta e agruras. Isso dá um componente relevante à faixa, dialogando com as origens católicas de Liverpool (que tem uma grande colônia de descendentes de irlandeses, das quais faziam parte os Beatles) e com a ideia das mulheres trabalhadoras, que remetiam, com certeza, às mães de McCartney (Mary, que trabalhava como parteira/ enfermeira) e Lennon (Julia, que era garçonete), coincidentemente, ambas morreram jovens, na adolescência de seus filhos (Mary teve câncer e Julia foi atropelada).

Para a gravação, os Beatles construíram um arranjo meio jazz para Lady Madonna, inspirada no pianista Humphrey Lytterton, e também em Fats Domino, embora McCartney cante a canção meio imitando o estilo de Elvis Presley. A base foi gravada apenas com o piano (McCartney) e uma caixa com escovinhas (Starr), mas depois, McCartney adicionou o baixo, Starr a bateria completa e Lennon e Harrison gravaram as guitarras, com ambos fazendo o mesmo riff ao mesmo tempo, criando um estilo que a dupla de guitarristas iria recriar várias vezes até o fim da carreira, com Lennon nas cordas graves e Harrison nas agudas. Para dar o toque final, além de Lennon, McCartney e Harrison fazendo backings imitando o som de instrumentos de sopro, o grupo adicionou um arranjo de sax, tocado por um quarteto (dois barítonos, dois tenores), liderado pelo lendário saxofonista Ronnie Scott (que hoje batiza o principal clube de jazz de Londres).

A banda gravou um videoclipe para Lady Madonna, mas curiosamente, no dia das filmagens, decidiram usar o tempo para gravar uma canção nova: Hey Bulldog. Então, as imagens do clipe mostram os Beatles tocando, mas em nenhum momento de modo sincronizado com Lady Madonna, pois não se deram ao trabalho. Mas isso permitiu que, décadas depois, fosse montado um clipe para Hey Bulldog, porque as gravações dela foram efetivamente filmadas.

Há certo destaque ao Lado B, The inner light, pois é a primeira composição de George Harrison a chegar a um single dos Beatles, além de ser uma peça indiana levada na cítara, ao estilo de Within’ you, without you. Dessa vez, a parte instrumental foi gravada na Índia (a EMI tinha estúdios lá!) e Harrison gravou seus vocais em Londres, mas com o diferencial que, agora, Lennon e McCartney contribuíram com backing vocals. Ao brasileiros, a curiosidade de que a introdução tocada na cítara parece muito com a abertura de Asa Branca de Luís Gonzaga (lançada 20 anos antes).

O single fez sucesso, chegando ao 1º lugar no Reino Unido, na Europa e na Oceania, mas não nos EUA, onde atingiu apenas o 4º lugar, o que foi curioso, a primeira vez que a banda não chegava ao “número um” com um compacto desde que Yellow submarine/ Eleanor Rigby chegou ao 2º lugar, um ano e meio antes. Mas em vista que aquele outro single estava contido no álbum Revolver, considerando apenas os compactos originais dos Beatles (fora dos álbuns), era a primeira vez que a banda não chegava ao 1º lugar desde que estouraram nos EUA, em 1964 com I want to hold your hand.

  • Hey Jude/ Revolution, agosto de 1968

As tumultuadas sessões do Álbum Branco (veja abaixo) demoraram nada menos do que cinco meses, então, os Beatles decidiram extrair uma faixa das sessões para movimentar o mercado de verão e mostrar um pouco de antecipação do trabalho que viria. Então, escolheram Hey Jude como Lado A, que se tornou o compacto de maior sucesso da carreira do grupo e uma de suas canções mais famosas.

Ela não estava entre as faixas planejadas para o The White Album, que foram ensaiadas em maio de 1968 em sessões acústicas na casa de George Harrison, porque McCartney a escreveu depois, como um tipo de canção de apoio ao pequeno Julian Lennon (então, com 5 anos), porque seus pais haviam se separado para que Lennon ficasse com Yoko Ono. Daí, o tema de conforto e otimismo da letra. Lennon gostou muito da canção quando a ouviu – a considerou a melhor composição de McCartney – e a entendeu como uma mensagem para ele.

O momento da gravação, contudo, foi bastante tenso, pois o grupo vinha se desentendendo muito fortemente naqueles dias. O grupo ensaiou ostensivamente a canção nos estúdios da EMI no fim de julho de 1968, mas a decidiu gravar em outro estúdio: no Trident, porque lá havia um gravador de 8 canais, o primeiro da Inglaterra. Até ali, desde With the Beatles, o grupo gravava apenas em 4 canais. As sessões no Trident tomaram dois dias e houve uma briga entre McCartney e Harrison, porque o compositor considerou o arranjo de guitarra solo intrusivo demais. Por isso, quando uma equipe de TV apareceu lá para filmar um documentário sobre produção musical, captou apenas McCartney (piano), Lennon (violão) e Starr (bateria) tocando na faixa, enquanto Harrison estava na mesa de controle ao lado de George Martin. Na mixagem final, a guitarra solo de Harrison só aparece uma única vez, na frase de finalização do verso antes da paradinha que marca o recomeço da metade da faixa.

A master foi gravada naquele dia, logo no primeiro take, e uma curiosidade ocorreu: Ringo Starr tocava bateria atrás de um biombo para separar o som de seu instrumento, então, não era visível aos outros músicos. Após a banda fazer um rápido ensaio para calibrar os aparelhos de gravação, McCartney começou o take 1 sem saber que Starr tinha ido ao banheiro, e começou a tocar. Deu certo, porque o arranjo já previa que a bateria só entrasse depois do primeiro estrofe, mas Starr teve que vir correndo para tocar, McCartney viu e continuou, daí, a bateria só entrou no terceiro estrofe e essa foi a versão final.

Os Beatles tocam Hey Jude na TV, em 1968.

Foram gravados overdubs com os vocais principais, o backing vocal de Lennon para dois estrofes que canta em dueto com McCartney e o chorus da coda semi-instrumental na qual Lennon, McCartney e Harrison cantam os na-na-na por mais de 4 minutos! Starr acrescentou um pandeiro (que entra na hora certa, no segundo estrofe!). Noutro dia, gravaram uma orquestra de 36 peças (sopros e cordas) para acompanhar a coda e pagaram em dobro os músicos para que se juntassem ao coro, que também contou com a participação do cantor Jackie Lomax, de Liverpool, contratado pela gravadora Apple.

O Lado B também tem destaque, pois o rock pesado de Revolution, de John Lennon, posiciona a banda em meio aos eventos do Maio de 1968 por meio de uma mensagem pacifista. Lennon a compôs logo após os ocorridos da França e queria lançá-la como compacto, como uma forma dos Beatles “tomarem partido” pela revolução, mas a primeira versão gravada pela banda – a primeira faixa gravada para o The White Album, naquele mesmo mês de maio – era uma versão lenta e o restante do grupo não achou que tivesse força para liderar um single.

Lennon gravou uma série de overdubs para Revolution, adicionando guitarra solo distorcida e até instrumentos orquestrais, por fim, transformando a coda instrumental (que fazia a canção ter mais de 10 minutos de duração) em uma peça de vanguarda, adicionando sobre ela uma série de efeitos sonoros. Mas ainda assim a banda não consentiu. (Lennon editaria essa versão como duas faixas diferentes: a parte lenta, “tradicional” como Revolution 1 e a parte da colagem de efeitos [sem a parte musical] como Revolution 9, e ambas sairiam no The White Album).

beatles revolution video
Os Beatles tocam “Revolution” na TV em 1968.

Então, no início de julho de 1968, Lennon levou uma nova versão de Revolution, agora, como um rock rápido e pesado e assim a banda a gravou de novo, dessa vez, com o próprio Lennon fazendo a guitarra solo com uma grande distorção. Para dar um reforço, contrataram o pianista Nick Hopkins (que tocava com os Rolling Stones e o The Who) para fazer também um solo em segundo plano, o que ficou sensacional. No fim, Revolution terminou como um dos grandes números dos Beatles e um de seus melhores rocks. Mas ainda assim, o grupo não endorsou que fosse lançada como single.

Quando se decidiu que Hey Jude fosse o novo single dos Beatles, Lennon impôs Revolution como Lado B, mas apesar de amar a balada de McCartney, se ressentiu até o fim da vida do fato da banda não ter lançado sua canção de protesto revolucionária e pacifista como um Lado A.

Talvez por isso, a banda fez videoclipes para ambos os lados, gravados no Twickenham Studios dirigidos por Michael Lindsay-Hogg (o mesmo que fizera os de Paperback writer/ Rain). No de Hey Jude, uma pequena plateia se une à banda para cantar a coda. O vídeo da balada foi exibido no Frost on Sunday, o programa de David Frost, que era uma das maiores audiências do Reino Unido. Inclusive, o apresentador apresenta a banda, que tira sarro da cara dele antes de realmente começar a tocar a canção.

Hey Jude/ Revolution foi o primeiro lançamento da Apple Records, a gravadora que os Beatles fundaram em abril de 1968 dentro do conglomerado Apple Corps. para ser gerida por eles próprios. O compacto fazia parte de um pacote com quatro outros singles (incluindo Mary Hopkins e Jackie Lomax) para inaugurar o empreendimento. O compacto dos Beatles foi um sucesso avassalador, o maior de sua carreira até então, chegando ao 1º lugar do Reino Unido e EUA, bem como do resto do mundo todo. Nos EUA, ficou 9 semanas na primeira posição, marcando um recorde nas paradas daquele país de mais semanas no “número 1” que só seria quebrado em 1977. Em três meses, vendeu 6 milhões de cópias!

Hey Jude também foi a canção mais longa a liderar as paradas até então, com seus 7min11seg, dos quais nada menos do que 4 são apenas a coda de “na-na-nas”. Até então, o costume era de que os hits tivessem apenas cerca de 3 min. de duração, inclusive, com muitas rádios ao redor do mundo proibindo a execução de faixas com mais de 3 min.! Hey Jude chutou o balde e acabou com tudo isso.

Nos EUA, que contam os lados separados, Revolution ainda chegou ao 12º lugar.

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THE BEATLES (THE WHITE ALBUM) – 1968

A vida dos Beatles virou de cabeça para baixo depois do sucesso de Sgt. Peppers: o empresário Brian Epstein morreu, em agosto de 1967; John Lennon teve o ego destruído pelo uso abusivo de LSD e se tornou menos ativo; a ausência de shows fez cada membro do grupo se dedicar mais às atividades individuais etc. Por isso, em 1968, a banda passou um tempo em um retiro na Índia, estudando meditação transcendental com o Mararishi Mahesh Yogi; antes de voltar à Inglaterra e lançar a Apple Corps., a empresa do grupo que reunia gravadora, estúdio cinematográfico e outras mídias. The White Album (nome pelo qual o disco com o nome da banda ficou famoso) é resultado direto do período na Índia, onde a banda compôs uma quantidade imensa de canções. Por isso, The Beatles é o único álbum-duplo da carreira do grupo, reunindo 30 faixas. O excesso de canções é o seu maior defeito, já que tamanha quantidade dá espaço para canções fracas, algumas muito ruins, abaixo do padrão esperado do grupo. Se fosse mais concentrado, sem sombra de dúvidas, The White Album seria o melhor disco da carreira do grupo. Ainda assim, traz uma sequência impressionante de pérolas, como Back in the USSR, Dear Prudence, Glass onion, Ob-la-di, ob-la-da, While my guitar gently weeps, Hapiness is a warm gun, Blackbird, Julia, Piggies, Birthday, Mother nacture’s son, Helter skelter, Sexy sadie e Revolution 1.

A banda decidiu adotar um procedimento diferente que fez só uma vez: antes de ir ao estúdio, se reuniu na casa de George Harrison e cada membro tocou e gravou (num gravador caseiro simples) suas novas composições, na base de voz e violão, para que todos tivessem ideia do que o projeto seria. Em estúdio, ficaram nada menos do que cinco meses gravando o disco, mas como desculpa para que tudo ficasse pronto há tempo, adotaram outro procedimento novo: gravavam as bases juntos, como banda, mas depois, cada autor ia para um estúdio diferente (existiam três em Abbey Road) finalizar sua própria faixa, fazendo overdubs, efeitos e mixagens sozinhos. Por isso, mais tarde, John Lennon definiu o Álbum Branco como sendo um disco “solo coletivo”: John mais banda, Paul mais banda e George mais banda.

Os Beatles e George Martin nas sessões do Álbum Branco.

No meio do caminho, as relações ficaram muito tensas e três episódios mostraram que as coisas não estavam normais. Primeiro, você já imaginou uma situação pretérita em que o produtor George Martin tiraria férias no meio das sessões de gravação de um disco dos Beatles? Pois isso aconteceu no The White Album e ele deixou seu assessor (o futuro produtor de sucesso) Chris Thomas em seu lugar. Segundo, no meio das gravações, Ringo Starr se cansou das reclamações de Paul McCartney e se demitiu da banda, indo passar duas semanas em um cruzeiro com o amigo, o famoso ator Peter Sellers. As sessões não pararam e McCartney tocou bateria em Back in the USSR e Dear Prudence até que Starr regressasse após insistentes pedidos dos colegas. Terceiro, o engenheiro de som Geoff Emerick – que como ainda engenheiro assistente esteve presente nas gravações dos Beatles desde o início e, a partir de 1966, se tornou oficialmente o “braço direito” de Martin no estúdio – não aguentou a tensão e a miséria daquelas sessões e se afastou do grupo.

Ainda assim, o resultado do álbum é impressionante! Afastando-se do psicodelismo do ano anterior, The White Album investe no rock mais tradicional, porém, desfila uma miríade de estilos diferentes, como jazz, folk, reggae e até heavy metal. Também se destaca por ter algumas de suas faixas gravadas na tecnologia de 8 canais pela primeira vez. Por isso, no meio das sessões, a banda começou a usar o Trident Studios em vez de Abbey Road, porque lá havia um gravador de 8 canais, até descobrirem que a EMI já tinha um, mas não o estava usando, obrigando a gravadora a instalá-lo e terminar o álbum com o novo recurso. Isso faz diferença na sonoridade da banda, que fica mais encorpada e com os instrumentos mais nítidos.

Destaque no disco aos arranjos das canções, nas quais cada um dos membros dos Beatles se destaca, criando melodias e contrapontos muito interessantes para as canções mais fortes.

O disco duplo abre com as turbinas de avião de Back in the USSR, uma paródia de Back in the USA de Chuck Berry, mas sobre o eu lírico voltando para a União Soviética e ressaltando suas belezas, o que dentro do contexto polarizado da Guerra Fria dos anos 1960, chega a ser hilário. A ideia para a canção nasceu no retiro da Índia, numa conversa com Mike Love, o vocalista e letrista dos Beach Boys, que já tinham feito uma paródia da canção de Berry, Surfin’ in the USA, ressaltando a cultura do surf. Como deferência a essa origem, a canção dos Beatles traz backing vocals ao estilo dos Beach Boys.

A faixa tem o diferencial de não contar com Ringo Starr, que havia se afastado do grupo, portanto, McCartney faz a bateria, com Lennon no baixo e Harrison na guitarra base, embora seja muito provável que a guitarra solo também seja de McCartney. É uma faixa excelente!

Suas turbinas no fade out levam diretamente a Dear Prudence, outra canção com McCartney na bateria, também composta na Índia, sobre a irmã da atriz Mia Farrow, que não saia de seu quarto, obcecada em atingir o nirvana pela meditação, daí, a letra a convidar para sair. Apesar de ser uma canção pouco conhecida do repertório do grupo, é uma das mais bonitas e é um capítulo importante do ponto de vista criativo, pois inaugura o estilo de dedilhado de folk irlandês na guitarra que Lennon usaria na fase final da banda, e que aprendeu na Índia com o cantor e compositor Donovan, bastante popular na época. O arranjo da faixa é construído por etapas, começando só voz e violão em modo tranquilo e ganhando a adesão de cada outro instrumento por vez, o que é um efeito muito interessante, seguindo até um clímax mais frenético.

Outros destaques são Glass onion, em que Lennon faz uma recapitulação de suas letras, citando várias outras obras e brincando com a ideia dos significados por traz delas; a baladinha bobinha Ob-la-di, ob-la-da, na qual McCartney conta a história de um casal e tem ritmo de regaae; a soberba While my guitar gently weeps, de Harrison, com sua letra baseada no I Ching chinês e a participação especial de Eric Clapton (então, no Cream) na guitarra solo, criando um dos ápices da carreira da banda, num arranjo interessante levado ao piano (McCartney), órgão (Harrison) e um baixo distorcido (Lennon). Happiness is a warm gun traz Lennon reunindo vários trechos de canções diferentes, compondo uma canção cheia de variações e com uma boa letra sobre uma mulher poderosa, além de um grande arranjo da banda.

O Lado B do LP traz o poderoso rock lento I’m so tired de Lennon, sobre a depressão que vivia naqueles tempos e outra boa dinâmica de banda; mas a marca do lado são faixas acústicas, como Blackbird, em que McCartney faz uma metáfora sobre os direitos civis dos negros numa belíssima melodia ao violão; a ácida Piggies de Harrison criticando os hábitos da burguesia; a bonitinha e inócua I will de McCartney; e a tocante Julia, sobre a mãe de Lennon e novamente usando a técnica de dedilhado irlandês.

O Lado C é marcado por canções de instrumentação mais forte, abrindo com a brincadeira frenética de Birthday, uma canção de aniversário na qual Lennon e Harrison usam de novo a técnica da guitarra solo dobrada; seguindo Yer blues, um blues rock de Lennon, novamente sobre a depressão e um grande efeito de arranjo; há uma exceção para a acústica Mother nature’s son, um belo hino ecológico de McCartney; o rock frenético Everybody’s got something to hide except me and my monkey, sobre os ensinamentos do Mararishi; que também é citado (numa perspectiva negativa) em Sexy sadie, uma bonita balada em que Lennon comenta as acusações de assédio sexual ao guru, e outra que traz um arranjo incrível de banda; além da poderosa Helter skelter, na qual McCartney produz o rock mais pesado que os Beatles produziram e que antecipa o heavy metal da década seguinte, mas a faixa, infelizmente, seria tomada pelo assassino Charles Manson como uma mensagem de uma “guerra racial” usada como desculpa para sua onda de matanças na Los Angeles de agosto de 1969.

O Lado D é o mais fraco do álbum, e traz Revolution 1 (a versão lenta da faixa lançada em single anteriormente), Cry baby cry e a experimental Revolution 9, que é uma colagem de sons sem música.

Há de se lembrar que, na Inglaterra, The White Album era o sucessor imediato de Sgt. Peppers no quesito álbum completo, e por isso, a ideia era servir como um contraponto, por isso, a capa toda branca em contraste com o colorido do anterior, criada pelo artista pop Richard Hamilton, trazendo apenas o nome da banda em alto relevo (embora as edições posteriores do vinil e também do CD trouxessem o título em cinza claro). O disco também trouxe todas as letras impressas em um encarte solto interno, que abria como um poster, com o outro lado formado por uma colagem de fotos. As primeiras edições também vinham com retratos coloridos de cada um dos Beatles no tamanho de um caderno, tirados por John Kelly, e as cópias do disco traziam um número serial, sendo o n.º 0000001 pertencente a Ringo Starr (e vendido num leilão de 2015 por 790 mil dólares).

A despeito de sua irregularidade e tamanho, The White Album foi um sucesso enorme e chegou ao 1º lugar das paradas no mundo todo, ficando 8 semanas no “número 1” no Reino Unido e 9 semanas nos EUA, onde vendeu 3,3 milhões de cópias em apenas quatro dias de vendas! É o álbum dos Beatles com maior vendagem nos Estados Unidos, sendo certificado com disco de platina 24 vezes.

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YELLOW SUBMARINE – 1969

Este álbum é na verdade um embuste da EMI. Os Beatles ficaram devendo um terceiro filme à United Artists (depois de A Hard Day’s Night e Help!), mas não estavam dispostos a fazer outra coisa parecida, então, a solução foi fazer um desenho animado com eles (com as vozes dubladas por atores). Lançado nos cinemas no verão de 1968, Yellow Submarine é um bom filme, uma animação simpática de visual psicodélico, que transforma a premissa aberta pela canção homônima em uma trama bobinha sobre como a música pode trazer o bem ao mundo. Mas o filme demandava uma trilha sonora, não é mesmo?

Daí, entra a EMI… a trilha sonora do longametragem é montada com canções dos Beatles advindas de 1965 a 1967, mas a UA conseguiu usar quatro faixas inéditas: Only a northern song (de George Harrison), uma sobra de Peppers; It’s all too much (também de Harrison), das sessões de Magical Mystery Tour; e Hey Bulldog e All together now das sessões do single Lady Madonna. A EMI poderia tê-las lançado como um EP, mas como esse mercado estava “morto”, decidiu montar um álbum inteiro: Yellow Submarine, o disco, tem uma bela capa, mas apenas seis canções dos Beatles (o Lado A do LP) e o restante formado por peças orquestrais criadas e conduzidas pelo produtor George Martin. Para piorar, no resultado final, das seis faixas, duas já tinham sido lançadas (a faixa título e All you need is love), restando, por fim, apenas as quatro inéditas já citadas. Por melhor que seja Hey bulldog – um dos grandes rockões da banda – ela sozinha não justifica um álbum inteiro vazio. It’s all too much meio que não vai a lugar nenhum, mas se destaca por um trabalho incrível de guitarra (por Paul McCartney, usando muito feedback e distorção) e um belo arranjo de sopros em algumas partes. E por algum motivo bizarro, o álbum só saiu em fevereiro de 1969, sete meses depois do filme! Vai entender…

Mas ao fim e ao cabo, como um todo, o “álbum” é uma grande enganação para o consumidor e qualquer um que o tenha comprado desavisadamente se sentiu lesado ao ter só meio disco de Beatles e ainda mais com canções repetidas de outros álbuns.

Em 1999, os Beatles lançaram o mais honesto The Yellow Submarine Soundtrack (veja mais abaixo), que traz todas as canções que tocam no filme e, portanto, funciona como uma coletânea da fase psicodélica da banda. E ainda teve uma mixagem diferenciada para algumas faixas, com um ótimo resultado.

Os Beatles no Concerto do Telhado, em janeiro de 1969.
  • Get back/ Don’t let me down, abril de 1969

Os Beatles terminaram as sessões do Álbum Branco muito abalados internamente e Paul McCartney teve uma ideia para injetar ânimo na banda: voltar aos palcos! Mas de uma maneira diferente: com um show de canções inéditas para uma pequena plateia em um clube de Londres ou em uma locação exótica. E filmar tudo: os ensaios e o show. Poderia ter dado certo, mas não deu, porque George Harrison não comprou a ideia em nenhum momento e porque o tempo foi curto demais: num impulso imediatista, o grupo decidiu compor canções novas, ensaiá-las e apresentá-las em apenas três semanas de janeiro de 1969 (apenas três meses depois do fim das sessões do disco anterior).

Vamos falar mais sobre essas sessões de janeiro de 1969 mais à frente, que terminaram chamadas de The Get Back Sessions (por causa da volta aos palcos) e terminaram virando o disco (e o filme) Let it Be, mas resumindo, ao fim de tudo, a banda ficou insatisfeita com o resultado e decidiu engavetar o projeto. Mas quando precisaram lançar um single novo, decidiram colher o que julgavam as melhores faixas daquelas sessões e lançá-las: Get back e Don’t let me down.

Get back é um rock elegante dos Beatles, com uma letra irreverente sobre uma mulher que foge de casa e vai viver suas aventuras, mas um pequeno jogo de palavras dá a entender que ela é um travesti. Paul McCartney a compôs durante os ensaios, mas Lennon ajudou em parte da letra. No dia 10 de janeiro de 1969, Harrison disse aos companheiros que estava fora da banda e foi embora (como Ringo Starr tinha feito no ano anterior), e a banda continuou tocando por alguns dias e foi nesses dias que Get back se desenvolveu, o que resultou em Lennon criando um arranjo de guitarra solo para ela e é ele que o faz na gravação. Harrison voltou após uma negociação e a banda voltou a ensaiar a faixa no dia 23 de janeiro, agora, com a participação do tecladista Billy Preston, um músico americano que os Beatles conheceram ainda em 1962, em Hamburgo, na Alemanha, como parte da banda de apoio de Little Richard. Ele era um dos contratados da Apple Records (como cantor e compositor) e terminou se juntando ao grupo naquela última semana de sessões do projeto. O single foi a única vez em que a banda creditou um acompanhante, pois foi oficialmente creditada a “The Beatles with Billy Preston”.

Foi no dia 27 de janeiro que os Beatles conseguiram tirar o melhor take de Get back, mas justo nele, esqueceram de fazer o retorno da coda após o final falso. Por causa disso, no dia 28, tentaram repetir o êxito, mas não conseguiram. Ainda assim, tocaram a canção no improvisado The Rooftop Concert, no dia 30. Fizeram três takes: um primeiro, apenas como ensaio para testar o equipamento; o segundo “para valer”, abrindo o show; e um terceiro, que terminou interrompido pela polícia, por causa do barulho, o que levou ao assistente Mal Evans a desligar o amplificador das guitarras de Lennon e Harrison, mas este as religou e a banda tocou o take inteiro.

Todas as canções do projeto Get back/Let it be ficaram quase um ano nos arquivos, mas Get back e Don’t let me down foram escolhidas para sair como single. Então, McCartney e o engenheiro Glyn Johns editaram o melhor take do dia 27 mais a coda de um take do dia 28, e passaram a faixa por uma câmera de reverb no Trident Studios, que deu uma sonoridade distinta, como ao vivo, à canção. Essa versão foi lançada no compacto em abril de 1969.

Don’t let me down é uma bela balada de John Lennon, que foi uma das primeiras levadas aos ensaios a partir de 02 de janeiro de 1969, mas a melhor versão foi gravada no dia 28. A faixa tem um diferencial de ter contrapontos melódicos distintos tocados pelo baixo de McCartney e a guitarra solo de Harrison, compondo um efeito muito bonito.

O single foi lançado com um sucesso enorme e foi o 1º lugar em todas as paradas mundo à fora, incluindo, claro, EUA e Reino Unido. Nos EUA, o Lado B chegou ao 35º lugar.

  • The Ballad of John & Yoko/ Old brown shoe – junho de 1969

Os Beatles tinham uma incrível capacidade de reinvenção… A banda podia ter terminado ao fim do The White Album e persistiram, e de novo, podiam ter acabado após as miseráveis sessões de Get back/Let it be (mais a baixo), mas seguiram. Quando Get back/ Don’t let me down explodiu pelo mundo, em abril de 1969, a banda já estava de novo em estúdio, iniciando as sessões daquele que seria seu último álbum. E decidiram extrair outro compacto para marcar o verão!

Por uma coincidência cósmica, tanto John Lennon quanto Paul McCartney casaram com alguns dias de diferença no mês de abril de 1969, o primeiro com Yoko Ono, e o segundo com Linda Eastman. Mas Lennon decidiu transformar a aventura de seu casamento em uma crônica e o resultado foi a interessantíssima The ballad of John & Yoko. Foi uma aventura porque, ao contrário do parceiro de composições, Lennon estava casando pela segunda vez, após um divórcio, e por incrível que isso possa parecer nos dias de hoje, nos anos 1960, o divórcio ainda era visto como um escândalo, mesmo entre os artistas. E como uma forma de afrontar o sistema, o músico ainda reforçou seu comportamento com uma série de ações artísticas de vanguarda – como o Bed-In For Peace (na cama pela paz), na qual passava uma semana na cama, de pijama, recebendo jornalistas para falar sobre a paz – mesmo, na Lua de Mel.

É tudo isso o que narra, em detalhes, a letra fantástica de The ballad of John & Yoko, um grande trabalho de Lennon. O refrão ficou icônico: “Cristo, você sabe como não é fácil/ Você sabe o quanto pesado o fardo pode ser/ Do jeito que as coisas vão/ Eles vão me crucificar”. Jesus foi crucificado pelo sistema. Lennon terminaria assassinado por um louco ordinário 11 anos depois.

Uma curiosidade é que no dia da gravação, Ringo Starr e George Harrison não puderam comparecer, por causa de outros compromissos, então, apenas Lennon e McCartney tocam na faixa, fazendo todos os instrumentos: John canta, faz o violão, as duas guitarras solo e as marracas, enquanto Paul faz os backing vocals, o baixo, o piano e a bateria. Foi um momento de união dos dois.

Old brown shoe é uma boa faixa de George Harrison, outro momento em que ele garante presença no Lado B de um compacto. É um rock rápido, com destaques ao arranjo, em especial aos teclados, baixo e guitarras. Uma boa canção que terminou esquecida no repertório da banda.

O sucesso da antecessora Get back foi tão grande que quando The Ballad of John & Yoko foi lançada, meio que os Beatles disputaram com eles mesmos nas paradas, como nos velhos tempos. Isso ajuda a explicar – afora a aversão dos americanos a Yoko Ono – o porquê do single só ter chegado ao 8º lugar nos EUA, embora tenha sido o 1º lugar no Reino Unido, na Europa e na Oceania. Aliás, The ballad of John & Yoko foi o último “número 1” de um single dos Beatles no Reino Unido. Eles só voltariam a ocupar essa posição 54 anos depois, com Now and then em 2023.

Um detalhe curioso é que The ballad of John & Yoko foi o último compacto dos Beatles a não estar presente em um álbum, mostrando que a era dos singles estava se encerrando, em lugar a uma fase do rock no qual o álbum era o veículo principal, movimento que, em muitos sentidos, foi inaugurado pela própria banda, em particular com Sgt. Peppers.

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ABBEY ROAD – 1969

Na opinião do HQRock, Abbey Road é o melhor álbum dos Beatles (veja o nosso post inteiramente dedicado a ele clicando aqui). Também é o último gravado pela banda: a última vez que John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr se reuniram para gravar um álbum. Gravado totalmente em 8 canais, o álbum mostra a banda em uma execução fantástica, com bons arranjos e todos dando o máximo de si em seus instrumentos respectivos. Muito bem gravado (pelo maior número de canais), o som do disco é muito límpido, permitindo distinguir com clareza cada instrumento, o que faz muito bem aos Beatles. Um disco com uma sonoridade única. O Lado A traz canções mais convencionais, com Come together, Something (o grande clássico de Harrison), Oh! darling, Octopus’s garden (de Ringo Starr) e I want you (she’s so heavy). Lado B também começa assim, com Here comes the sun (também de Harrison) e Because, mas em seguida dá início a um grande medley, no qual as canções vão se emendando uma nas outras em um crescendo maravilhoso, com You never give me your money, Sun king, She comes in throught the bathroom window, Golden slumbers e the End.

Até hoje não é muito claro porquê os Beatles gravaram Abbey Road depois de terminarem o projeto anterior (Get back/ Let it Be) de modo tão melancólico, mas talvez, a banda quisesse garantir um “último trabalho” de maior qualidade. O fato é que a banda se reuniu em abril de 1969 para novas sessões de gravação, e de novo, em uma série de questões complexas: George Martin não participou de todas as gravações, delegando de novo parte do trabalho para Chris Thomas; os problemas financeiros da Apple começavam a minar ainda mais as relações pessoais dos Beatles e surgiu uma disputa sobre quem seria o novo empresário do grupo, pois McCartney advogava a favor de seu sogro, Lee Eastman, um famoso (e rico) advogado de Nova York, ao passo que os outros três membros não queriam, pois achavam que ele iria favorecer o genro em todas as decisões, então, preferiram Alan Klein, também de NY, e empresário dos Rolling Stones. A tensão interna dos Beatles era tão grande que eles não chegaram a um consenso neste tópico e, no fim, McCartney passou a ser representado por Eastman, e Lennon, Harrison e Starr por Klein.

Por causa disso, as sessões de gravação foram interrompidas em maio de 1969 após uma grande briga com McCartney. A banda poderia ter terminado aí. De novo. Mas após uma conversa decidiram dar um tempo e retomar as sessões em julho. Ainda ocorreu o episódio de Lennon sofrer um grave acidente de carro na Escócia e ser hospitalizado com Yoko Ono, e portanto, demorar mais uma semana para retornar às sessões. O álbum foi concluído no fim de agosto e, depois disso, nunca mais os quatro Beatles se reuniram em um estúdio.

As canções se distribuíram em dois tipos, com o Lado A mais rock’n’roll (dominado por Lennon) e o Lado B construindo uma suíte musical de canções interligadas (dominado por McCartney), mas as duas melhores faixas do disco terminaram por ser de George Harrison: Something e Here comes the sun. Vale à pena destacar que Ringo Starr compôs o seu clássico com Beatles nesse disco, também: a formidável Octopus’s garden (que replica alguns dos efeitos submarinos de Yellow submarine). Além do uso integral dos 8 canais (inclusive, usando duas máquinas para explorar uma primitiva distribuição de 16 canais), a banda se destacou pelo uso pioneiro do Mini-Moog, o primeiro sintetizador de verdade, utilizando-o em várias faixas, como I want you, Here comes the sun, Maxwell silver hammer e Because.

Também é importante salientar a coincidência do álbum encerrar com uma faixa chamada The end, que foi uma das últimas gravadas pela banda. Ela traz o diferencial de reunir os três guitarristas (Lennon, McCartney e Harrison) fazendo juntos o solo de guitarra pela única vez na carreira da banda, num efeito sensacional! E também há um solo de bateria (o único da discografia do grupo). Além da bela letra: “E no fim, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá”.

Assim como no final das sessões do The White Album, Abbey Road viu cada um dos Beatles separado em uma sala distinta do estúdio finalizando as próprias canções, fazendo um trabalho maciço de overdubs. Isso rendeu alguns elementos muito interessantes, como o trabalho de guitarras de Lennon em Come together (onde de novo ele faz o solo de guitarra e também o de piano) e em I want you (onde ele e Harrison replicam o efeito da guitarra dupla tocada pelos dois ao mesmo tempo). A banda atinge um ápice em termos de canto coral na bela Because, num arranjo de três vozes de Lennon, McCartney e Harrison.

Abbey Road legou uma sequência de clássicos da discografia dos Beatles, mas vale destacar Something, uma das faixas mais famosas da banda, que colocou Harrison no mesmo patamar de compositor da dupla Lennon & McCartney, além de um belo arranjo de banda. Outro destaque é Come together, um dos maiores rocks da carreira do grupo e a gravação favorita do produtor George Martin, que tem um trabalho incrível de arranjo, com o baixo ativo e pulsante de McCartney, a bateria criativa de Starr e, como já escrito, o trabalho de guitarras e piano de Lennon, autor da canção. A banda reconheceu o valor dessa dupla de canções e as lançou como um single Duplo Lado A junto com o disco (o que fez Harrison ter o seu primeiro Lado A num compacto dos Beatles). O compacto chegou ao 1º lugar das paradas dos EUA, mas no Reino Unido atingiu apenas o 4º lugar. Na Europa e Oceania, Something chegou ao 1º lugar na maioria dos países, ao passo que Come together ficou em 2º ou 3º a depender do lugar. Ou seja, um duplo sucesso mesmo!

Abbey Road trouxe a icônica capa da banda atravessando a faixa de pedestres da rua que dá título ao álbum (e ao estúdio da EMI em que foi gravado) e se transformou em uma das imagens mais fortes do rock.

Abbey Road também foi o disco de maior sucesso dos Beatles, vendendo 4 milhões de cópias em apenas dois meses e ficando 11 semanas no 1º lugar das paradas dos EUA. No Reino Unido, ficou 11 semanas consecutivas em 1º lugar antes de cair para a segunda posição (tirado pelo Let it Bleed dos Rolling Stones), antes de voltar ao número 1 no Natal para mais seis semanas, totalizando nada menos do que 17 semanas no topo do ranking, antes de ser derrubado pelo Led Zeppelin II.

O sucesso atravessa o tempo: quando Abbey Road foi lançado como CD pela primeira vez, em outubro de 1987, chegou de novo ao 1º lugar das paradas britânicas de álbuns.

Os Beatles tocam Let it be nas sessões de janeiro de 1969.
  • Let it be/ You know my name (look up the number), março de 1970

Terminadas as sessões do malfadado projeto de show/disco ao vivo filmado que a banda tentou executar em janeiro de 1969, foi decidido que se iriam selecionar as melhores performances das faixas finalizadas e lançá-las como um disco, e encarregou o engenheiro de som e produtor Glyn Johns (que acompanhou as sessões) de produzir esse disco. Porém, a visão dele nunca casou com a dos Beatles e, após quatro tentativas frustradas, o projeto ficou abandonado até a banda decidir retomá-lo na virada para 1970 dentro do contexto de um novo contrato Apple-EMI. Então, para promover o novo álbum, foi escolhida a balada Let it be para ser o novo single.

Àquela altura, McCartney e George Martin achavam aquelas sessões de quase um ano antes muito “secas” para o lançamento, então, decidiram realizar alguns overdubs para reforçar Let it be e algumas outras, no que ocorreu a última sessão de gravação dos Beatles, em janeiro de 1970, embora Lennon não tenha comparecido. Harrison regravou o solo de guitarra, McCartney reforçou o piano e refez os backing vocals, Starr acrescentou mais passagens de bateria, com Martin adicionando uma pequena peça orquestral de fundo com cordas e sopros, ainda que mixadas discretamente. Let it be (em sua versão do compacto) é uma versão diferente da mesma canção que iria aparecer no álbum homônimo (mais abaixo): as duas têm arranjos distintos e solos de guitarra diferentes.

O Lado B, You know my name (Look up a the number), é na verdade, uma grande brincadeira, uma canção improvisada gravada por mera diversão, ainda no período de Sgt. Peppers, em 1967. É outro número que traz apenas Lennon e McCartney em todos os instrumentos e a faixa tem várias seções distintas, mudando de ritmo e de andamento, como em Happiness is a warm gun ou Why don’t we do it in the road?, e ainda a participação especial do membro dos Rolling Stones, Brian Jones, tocando saxofone. Tragicamente, quando o single foi lançado, Jones já tinha falecido sete meses antes, após se afogar na piscina de casa (provavelmente em consequência do uso de drogas).

Let it be chegou apenas ao 2º lugar nas paradas do Reino Unido, mas foi um enorme sucesso no mundo inteiro, chegando ao 1º lugar nos EUA.

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LET IT BE – 1970

Apesar de ter sido o último álbum lançado pelos Beatles, na verdade, ele foi gravado antes de Abbey Road (em janeiro de 1969) e consistiu apenas de ensaios da banda para um concerto que nunca ocorreu (portanto, não foi gravado como os demais álbuns, com a intenção de fazer uma obra clara). Além disso, Let it be já é um álbum póstumo, pois quando chegou às lojas, a notícia de que os Beatles tinham se separado já era conhecida.

A história de sua gravação, portanto, é a mais dramática dentre todos os seus álbuns: como já adiantado, os Beatles se reuniram no início de janeiro de 1969 para ensaiar novas canções para um “concerto de retorno”, uma volta aos palcos; filmando tudo para montar um documentário para TV mais tarde. Mas no fim das contas, as relações internas do grupo estavam tão ruins que desistiram do show e encerraram o projeto no fim daquele mesmo mês, apenas fazendo um concerto improvisado no telhado do prédio da sede da Apple, no centro de Londres, o famoso The Rooftop Concert, onde tocaram cinco faixas, e em seguida, fazendo um esforço de registrar performances definitivas daquelas que não foram executadas no show.

Para não desperdiçar o esforço, encarregaram o produtor Glyn Johns de montar um disco com esses ensaios, mas nenhuma versão agradava a banda, que foi fazer Abbey Road com outro conjunto de canções. Depois de várias tentativas frustradas, nas quais os Beatles não aprovaram a edição do pretenso álbum criado por Johns (porque ele tinha uma visão diferente do projeto em relação à banda), o projeto foi descartado até ser retomado no início de 1970.

Então, John Lennon contratou o badalado produtor norteamericano Phil Spector para fazer a edição final do álbum. Ele remixou tudo e até acrescentou algumas orquestras e coros. Muita polêmica se constituiu daí, por Spector ter alterado significativamente faixas como The long and winding road (em que quase apagou a performance da banda, substituído por uma intrusiva orquestra) e Across the universe (a mesma gravação de 1968, remixada, com a orquestra e com a fita desacelerada para deixá-la mais lenta).

A faixa título, Let it be – já lançada em single – também foi alterada: Spector fez uma remixagem, na qual amplificou os instrumentos, aumentou a orquestra e o coro, e usou outro solo de guitarra (mais distorcido), ainda repetindo um dos versos do fim, o que ampliou em mais de 10 segundos o tamanho da faixa; de modo que a versão do álbum é significativamente diferente da do single, ainda que sejam basicamente o mesmo take com mixagens distintas.

Além disso, ao contrário das versões do disco elaboradas por Glyn Johns, Spector selecionou três performances do show do telhado para o disco – Dig a pony, I’ve got a feeling e One after 909 – apenas com algumas edições no primeiro caso. O álbum ainda traz outra versão de Get back, que é o mesmo take do single, sem a coda, e remixada.

O álbum também traz a triste (e bela) balada Two of us, de McCartney, que traz o último dueto dele com Lennon, num efeito tocante; e duas faixas de Harrison: For you blue, um número que remete ao blues rural, tem abordagem acústica e Lennon fazendo a guitarra solo num steel lap guitar; e I me mine, que terminou sendo a última canção gravada pelos Beatles, em janeiro de 1970, embora sem a participação de Lennon, porque nenhuma das performances desta canção nas sessões originais de janeiro de 1969 estava satisfatória para lançamento. E temos ainda duas brincadeiras – Dig it (uma improvisação de poucos segundos) e Maggie Mae (uma canção de marinheiro de Liverpool) – que representam um pouco do clima do filme Let it be.

Aliás, o álbum Let it Be foi vendido como a trilha sonora do filme homônimo, que foi dirigido por Michael Lindsay-Hog e documenta (em apenas 90 minutos) as sessões originais e o melhor do show do telhado. A primeira edição do LP vinha com um livro de fotografias e uma capa dupla. O disco ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora e fez bastante sucesso, sendo o 1º lugar das paradas no mundo todo, mas trouxe bastante controvérsia sobre as intervenções de Spector e a insatisfação pública de McCartney quanto ao resultado final (ele foi voto vencido), em especial às orquestras intrusivas.

Mas o trabalho de Spector tem seu mérito, por proporcionar um álbum com uma sonoridade diferente dos demais, mais pesado, mais amplificado e com um grave profundo que adiciona muita qualidade.

Quando Let it Be foi lançado como CD pela primeira vez, em 1987, chegou ao 2º lugar das paradas britânicas de álbuns.

O HQRock tem um Dossiê completíssimo sobre as gravações do Let it Be, veja aqui!

beatles past masters 1 and 2

PAST MASTERS, VOL 1 & 2

Quando a discografia dos Beatles foi oficialmente lançada em CDs em 1987, a EMI produziu estes dois discos reunindo todas as canções da banda que não estão nos álbuns oficiais, lançadas em singles, compactos ou discos especiais, como She loves you, I want to hold your hand, I feel fine, Day tripper, Paperback writer, Hey Jude, Revolution e Don’t let me down. Tê-los é fundamental para entender a carreira do grupo. Quando a coleção dos Beatles foi remasterizada em 2009, os dois discos foram reunidos em um só álbum duplo, que é o formato mais comum de encontrá-lo nas lojas.

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Álbuns Póstumos

Fora da Discografia Oficial da banda, vieram vários lançamentos póstumos. Vamos analisá-los rapidamente.

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A capa do LP em 1977.

THE BEATLES AT THE HOLLYWOOD BOWL (1964-1965) – 1977

A maior lacuna na carreira oficial dos Beatles era a ausência de um álbum ao vivo. O maior obstáculo, desde sempre, era o barulho infernal do público durante os concertos. Mas quando a EMI descobriu que a gravadora Pollydor iria lançar um álbum ao vivo dos Beatles (gravado na Alemanha em 1962), apressou-se em lançar um material para poder concorrer. Assim, resgatou velhos tapes registrados pela Capitol Records (a subsidiária norteamericana da EMI) no Hollywood Bowl de Los Angeles em 23 de agosto de 1964; e 29 e 30 de agosto de 1965. O produtor George Martin recuperou as fitas e fez um esforço hercúleo para diminuir o ruído do público e ressaltar a banda. Com a tecnologia da época, o resultado não é 100%. Por mais que se perceba o vigor da banda tocando ao vivo (uma performance muito boa mesmo!) o barulho do público está lá o tempo todo, como um ruído branco incessante horrível. Talvez esse seja o motivo do disco – que chegou ao 1º lugar das paradas do Reino Unido e 2º lugar da dos EUA – jamais ter sido lançado oficialmente em CD, permanecendo fora de catálogo desde o seu lançamento.

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LIVE AT THE STAR CLUB (1962) – 1977

A onda de discos inéditos dos Beatles ia resultar nisso em algum momento: um álbum apócrifo. Este registro ao vivo foi lançado sem a autorização da banda, o que motivou um processo, do qual foram vencedores. O empresário Ted “Kingsize” Taylor foi um dos responsáveis pelas últimas turnês dos Beatles por Hamburgo, em 1962, e teve a sorte de registrar a banda tocando ao vivo em algumas ocasiões no Star Club. De posse dessas fitas, conseguiu montar esse álbum duplo mostrando os Beatles exatamente no momento anterior à fama, prestes a estourarem na Inglaterra e Europa. São 34 faixas que dão uma boa amostra do repertório do grupo na época, trazendo poucas canções autorais (I saw her standing there e Ask me why) e uma tonelada de covers impressionantes, como I’m talking about you, The hippy hippy shake, Long tall Sally, Besame mucho, I’m gonna sit right down and cry, Be bop a lula, Sweet little sixteen, To know her is to love her, a maioria delas jamais lançadas oficialmente pelo grupo até então. Tendo em vista as condições precárias de gravação, o registro sonoro não é excelente: especialmente os vocais são muito prejudicados e soam baixos, esmagados pelo som da banda. Mas por outro lado, é possível sentir a energia impressionante da banda e o modo como eram fortes ao vivo, antes de terem que competir em barulho contra o público que gritava mais alto do que eles, como seria depois da fama (o que At Hollywood Bowl mostra muito bem…). John Lennon disse em uma célebre entrevista que o melhor trabalho dos Beatles foram os shows em Hamburgo. E, mesmo com a má qualidade de som deste disco, dá para ter uma ideia do que ele está falando ao ouvi-lo e, ignorando as imperfeições técnicas (de registro, não de execução), notar como aquela jovem banda era enérgica e poderosa no palco. Star Club saiu de catálogo ainda nos anos 1970 por causa de um processo movido pelos Beatles, porém, uma lei italiana permitiu que o disco continuasse a ser prensado naquele país. No Brasil, há uma versão editada em CD pelo selo Discobertas.

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LIVE AT BBC – 1994

Isso mesmo, os Beatles ficaram mais de vinte anos sem que material novo fosse lançado. Parte disso se deveu aos problemas com o emaranhado da gravadora Apple Records e as companhias individuais de cada membro, a EMI, a Capitol, e ainda a Apple Computers de Steve Jobs (que usava o mesmo nome!). Somente no fim dos anos 1990 um acordo foi possível, e logo, a Apple foi atrás de o que lançar de material inédito da banda. A primeira fornada foi esta: gravações dos Beatles tocando ao vivo nos estúdios e teatros da Rádio BBC.

Nos anos 1960, a BBC era um monopólio estatal de rádio e tinha uma política de ter a maior parte de sua programação formada por material próprio, como uma forma de reduzir o uso de gravações comerciais. Por isso, a prática comum de todas as bandas britânicas era simplesmente tocar suas músicas ao vivo na rádio e permitir que estas fossem exibidas em programas especiais ou na programação normal. O material de Live at BBC traz registros dos Beatles realizados entre 1963 e 1965 e é uma maratona de mais de 65 faixas. E o melhor: a maior parte é formada por canções que a banda gostava de tocar (covers de outros artistas) e que não puseram nos discos oficiais. Assim, podemos ouvir versões arrebatadoras de I got a woman, Sweet little sixteen, Johnny B. Goode, I just don’t understand, That’s is alright, mama, To known her is to love her, Soldier of love e Sure to fall. Também há algumas canções do repertório oficial da banda, como A hard day’s night, Love me do, Can’t buy me love e muitas outras. O álbum (um CD duplo) veio numa embalagem belíssima, quase luxuosa para a época, com um libreto muito bonito em cor sépia, que detalha as gravações, os programas em que as músicas foram exibida e o contexto da época. O maior “senão” de BBC é a qualidade de áudio nem sempre perfeita, já que muitas gravações estavam armazenadas em fitas em condições precárias (de mofo, poeira e umidade) nos depósitos da rádio. Mesmo com alguns chiados ou problemas de volume, muitos desses registros mostram a potência dos Beatles enquanto banda e a energia que transmitiam ao vivo.

Outro ponto a salientar é que Live at BBC foi um tipo de teste de mercado, para ver a força dos Beatles na era do CD. O resultado foi ótimo, o disco fez um sucesso enorme e chegou ao 1º lugar das paradas britânicas. A Apple ainda destacou uma versão de Baby it’s you como single, que chegou ao 7º lugar, mas foi uma escolha estranha. Uma canção mais forte, como I got a woman, talvez tivesse ido ainda mais longe. Vai entender…

Era apenas a entrada para o prato principal que veio a seguir.

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THE BEATLES ANTHOLOGY, VOL. I – 1995

The Anthology foi um imenso projeto multimídia que consistia em um documentário autobiográfico da banda (10 horas de programa!), primeiramente exibido na TV e, depois, lançado em vídeo doméstico; um livro coletando todas as falas; e uma série de discos. Apesar do nome “antologia”, na verdade, os álbuns trazem gravações inéditas de todos os tipos: demos, out-takes (sobras de estúdio), ao vivo e algumas remixagens.

O Volume I é o mais interessante e o mais importante em termos históricos, pois cobre o período de 1958 (!) a 1964, com o início do sucesso mundial da banda. Aqui há desde uma demo dos Quarrymen (a banda de skiffle fundada por Lennon) gravada em 1958, quando John Lennon, Paul McCartney e George Harrison eram apenas adolescentes; passam por outras demos de 1959 (o único registro do baixista Stu Sutcliffe, que fez parte do grupo antes da fama); por gravações realizadas em Hamburgo (acrescentando My bonnie, Ain’t she’s sweet e Cry for a shadow à discografia oficial do grupo pela primeira vez) em 1961, canções do famoso teste na gravadora Decca em 1962 (na qual foram recusados pela gravadora); seguindo adiante com out-takes e ao vivos com a escalada de sucesso da banda. Além disso tudo, Anthology I traz uma canção verdadeiramente nova dos Beatles: Free as a bird. Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr acrescentaram suas vozes e instrumentos a uma rudimentar gravação de John Lennon (morto em 1980) da canção em uma demo em fita K7 datada de 1977. O resultado final é uma canção bonita e melancólica que realmente parece Beatles. Nada mal.

Os disco foi um grande sucesso e chamou muito a atenção da imprensa e do grande público, inclusive, de uma parcela que não conhecia a banda até então. Chegou ao 1º lugar das paradas de álbuns dos EUA e ao 2º lugar no Reino Unido.

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THE BEATLES ANTHOLOGY, VOL. II – 1996

O Volume II dá prosseguimento à saga sonora dos bastidores dos Beatles, exibindo principalmente out-takes de canções conhecidas. Aqui, o mais interessante é perceber a evolução das canções enquanto são gravadas e versões diferentes das finais. Destaque para versões ao vivo de Help, Ticket to ride e Yesterday; uma versão diferente de And your bird can sing (em que Lennon e McCartney têm um ataque de risos enquanto gravam os vocais); as primeiras versões de Norwegian wood e Tomorrow never knows; uma demo de Strawberry fields forever com Lennon apenas na voz e violão; os takes 01 e 07 dessa mesma canção, já em estúdio; várias faixas de Sgt. Peppers sem as camadas de efeitos sonoros; e uma bela versão acústica de Across de Universe. Vol. II foca no período 1965 e 1968. Assim, como o volume I, este também traz uma canção nova: Real love repete o mesmo processo de Free as a bird (demo de Lennon mais gravações novas de McCartney, Harrison e Starr), mas o resultado não é tão bom. Anos mais tarde, uma outra versão demo somente de Lennon tocando a faixa no piano foi lançada no The John Lennon Anthology, e mostra que a canção é simplesmente belíssima, algo notável mesmo, mas aqui, os Beatles optaram por acelerá-la, o que terminou deixando-a muito pop e sem graça.

Foi outro grande sucesso e chegou ao 1º lugar das paradas dos EUA e do Reino Unido ao mesmo tempo.

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THE BEATLES ANTHOLOGY, VOL. III – 1997

O Volume III traz mais 150 minutos de sobras de estúdios da banda e, honestamente, o processo começa a cansar o ouvinte. Além disso, a escolha de algumas canções é duvidosa: será que não havia uma outra versão de Teddy boy que não fosse esta com uma desafinada horrorosa de Paul McCartney? Ainda mais quando a versão de Anthology é, na verdade, a junção de dois takes distintos? Também chateou os fãs o fato de haver pouco material das sessões do Let it Be, que se sabe haver dezenas de canções inéditas. Em Anthology III, também, há a estranha opção de escolher alguns out-takes muito parecidos com os originais. Qual o propósito disso? Parece que quem selecionou as faixas também cansou do processo. Ainda assim, há alguns highlights: versões acústicas de Happiness is a warm gun, Sexy sadie, While my guitar gently weeps e Something (fantásticas!); a faixa inédita Not guilty (de Harrison) gravada para o White Album, mas não lançada; um ensaio mais solto de Oh! darling; uma versão lenta de She cames on throught the bathroom window (interessantíssima); e algumas jam sessions da banda tocando covers, como Blue suede shoes, Mailman bring me no more blues e Ain’t she’s sweet.

Pela terceira vez consecutiva, o álbum garantiu o 1º lugar das paradas dos EUA, embora tenha atingido “apenas” o 4º lugar no Reino Unido.

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LET IT BE… NAKED – 2003

Poucas coisas foram mais mitificadas na carreira dos Beatles do que as sessões de Get Back/ Let it Be, que renderam dezenas de horas de material inédito jamais lançado. Por isso, quando se anunciou este álbum, os olhos dos fãs brilharam. Mas o resultado foi um dos mais frustrantes possíveis: Naked traz simplesmente uma releitura do álbum Let it Be sem a produção de Phil Spector. Assim, temos uma versão muito bonita de The long and winding road (muito parecida com aquela vista no filme Let it Be) só com a banda tocando, sem orquestra e coro, o que a deixa mais simples e triste. Também há um remix matador de Across the universe, que ganha sua melhor versão dentre todas as que existem. Don’t let me down (que terminou fora do álbum original por já ter sido lançada em compacto) ganha uma versão mais despojada (que mistura a performance do show do telhado com outra em estúdio). Contudo, no mais, o resto é basicamente mais do mesmo, com pouquíssimas mudanças em relação às antigas versões. O que dá ao projeto todo um ar de muito oportunista. E no fim, muitas das versões de Spector ainda são melhores, porque têm aquele “grave profundo” que nenhum outro álbum da banda tem. E se os fãs esperavam que o filme Let it Be finalmente seria lançado em DVD (e com material extra!) estavam enganados. O longametragem permanece inédito em vídeo doméstico até hoje!

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LOVE – 2006

Quando o Cirque du Solei resolveu produzir um espetáculo sobre os Beatles, a Apple achou que era uma boa produzir uma trilha sonora específica. Assim, nasceu a ousada ideia do produtor George Martin e seu filho, Giles Martin, remixarem as canções originais em novas versões. São as grandes canções mexidas na mesa de mixagem, adicionando instrumentos ou tirando-os, combinando trechos de faixas diferentes e coisas do tipo. O resultado final é até bom, com algumas boas sacadas: a versão acústica de While my guitar gently weeps (do Anthology III) ganha uma nova gravação de uma orquestra por trás; todas as versões lançadas de Strawberry fields forever são cominadas em uma só (e funciona!); Lady madonna ganha alguns acréscimos interessantes; e é construída uma belíssima passagem entre Hey, Jude e Sgt. Peppers, como se as duas faixas fossem uma só.

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ON AIR – LIVE AT BBC, VOL. II – 2014

Um pouco de mais do mesmo, uma nova fornada de gravações realizadas na rádio BBC ganha as lojas. O impacto é quase nulo, tendo em vista que se repetem as canções do vol. I em outras versões.

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EIGHT DAYS A WEEK (The Soundtrack of the Motion Picture) – 2016

Lançado para promover o documentário Eight Days a Week, dirigido por Ron Howard (de O Código Da Vinci), este álbum nada mais é do que o velho Live At Hollywood Bowl, porém, totalmente remasterizado! A equipe de som comandada por Giles Martin (o mesmo de Love) trabalhou arduamente para limpar o barulho das fitas originais e permitir que se escute a banda tocando, inclusive usando tecnologias inéditas. O resultado é muito bom! Pela primeira vez temos a combinação desses três shows (23 de agosto de 1964; 29 e 30 de agosto de 1965) com uma qualidade digna da tecnologia atual. A nova versão, inclusive, traz até quatro faixas bônus que não tinham sido lançadas em 1977: You can’t do that, I want to hold your hand, Everybody’s trying to be my baby e Baby’s in black. Para completar o pacote, o álbum ainda conta com o livreto gigantesco de 24 páginas escritas pelo jornalista da Rolling Stone David Fricke.

Coletâneas

Os Beatles já tiveram inúmeras coletâneas. Mas vamos listar apenas as mais importantes, pois aqueles que estão apenas iniciando o conhecimento da banda ou mesmo fãs casuais gostam muito de coletâneas.

A Collection of Beatles Oldies… But Goldies! – 1966

A primeira coletânea oficial dos Beatles foi lançada no Reino Unido no período de Natal de 1966. Vários países do mundo já haviam montado suas próprias coletâneas até então (e continuariam fazendo), mas esta foi a primeira organizada pela gravadora EMI com anuência do empresário Brian Epstein. O fato é que, após lançarem Revolver em agosto, não fazerem a tradicional turnê britânica de fim de ano e nem lançar nenhum single para o mercado natalino, a gravadora estava meio desesperada para ter algum material dos Beatles. Epstein também estava preocupado com essa ausência.

Os Beatles foram contra o lançamento da coletânea, que acharam prematuro, e ao serem votos vencidos, não se envolveram de nenhuma maneira em sua preparação. Coube à EMI, Epstein e George Martin a escolha da track list que trouxe muitos dos Lado A dos singles da banda pela primeira vez em um álbum no Reino Unido, e também com mixagem em estéreo (pois a banda, então, preferia o formato mono). As novas mixagens foram feitas por George Martin e Geoff Emerick. O track list traz majoritariamente os maiores hits advindos dos singles, embora com a exclusão de Love me do e Please please me (algo que foi criticado pela imprensa britânica) e com a inclusão de apenas duas faixas de álbuns Yesterday e Michelle (ambas lançadas como singles em outros países da Europa e chegado ao número 1 das paradas daqueles países) – e uma única canção inédita: o cover de Larry Willlams Bad boy, que a banda gravou para Help! e deixou de fora, mas terminou saindo no disco Beatles VI da discografia dos EUA.

O disco chegou apenas ao 7º lugar das paradas, mas se mostrou suficientemente popular para continuar sendo bem vendido ao longo dos anos, o que o fez reentrar nas paradas britânicas em duas ocasiões: 32º lugar em 1970 e 38º lugar em 1972. Surpreendentemente, a coletânea não foi lançada pela Capitol dos EUA, e saiu de catálogo nos anos 1980 quando a discografia dos Beatles foi padronizada em CD.

The Beatles Again (ou Hey Jude) – 1970

Após Allen Klein ter renegociado o contrato dos Beatles com a EMI e a Capitol em 1969, a gravadora norteamericana impôs uma coletânea e o empresário produziu este álbum – de novo, sem participação nenhuma da banda em sua criação – que terminou por se tornar a primeira coleção de sucessos dos Beatles lançada nos EUA, em fevereiro de 1970, pouco meses antes do lançamento de Let it Be em maio.

O disco iria se chamar The Beatles Again até quase o último momento, mas em cima da hora, Klein decidiu mudar o título para Hey Jude, apostando na atração de vendas do supersucesso que havia saído cerca de um ano e meio antes. Por causa disso, a primeira tiragem da coletânea tinha o título original no selo central do vinil, e o título Hey Jude (ou o nome Beatles) não aparecia nem na capa nem na contracapa, estando presente apenas como um adesivo na embalagem plástica transparente que envolvia o LP. Vários países aproveitaram o embalo e também lançaram o disco (incluindo Europa, Oceania e América Latina) e em quase todos os lugares se manteve o título original The Beatles Again.

O track list da coletânea privilegiava lançamentos mais recentes (como Get back, The Ballad of John & Yoko, juntamente com alguns números mais antigos (como A hard day’s night e I should have know better – porque ambas não estavam dispiníveis em nenhum LP da Capitol nos EUA) e até três Lados B: The inner light, Rain e Old brown shoe. Mas no fim, apesar de serem boas canções, é uma coleção estranha.

O grande mérito do álbum é mesmo suas fabulosas fotografias de capa e contracapa, produzidas por Ethan Russell na última sessão de fotos dos Beatles, na casa de John Lennon, em Ascott, em 22 de agosto de 1969. São belíssimas. A coletânea fez sucesso e chegou ao 2º lugar das paradas nos EUA (e também no Canadá) e primeiro lugar na Austrália, e permaneceu popular ao longo dos anos até sair de catálogo nos anos 1980 quando da padronização em CD. Contudo, com o lançamento da discografia norteamericana em CD em 2014, o álbum foi relançado no formato pela primeira vez.

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BEATLES 1962-1966/ 1967-1970

As coletâneas mais famosas dos Beatles são esses dois álbuns duplos lançados originalmente em 1973, extra oficialmente chamadas de Red Album e Blue Album. Têm a vantagem de reunirem as principais composições da banda em ordem cronológica e com um encarte com todas as letras. Também há as capas, nas quais a banda repete a mesma pose em dois momentos bem distintos: em 1963 e 1969, a primeira das sessões de capa para Please Please Me (o primeiro álbum da banda – mas note, é a mesma fotografia daquela capa) e a segunda foi planejada para ser a capa do álbum Get Back (das sessões de janeiro de 1969), que terminou não vendo a luz do dia e foi feita no mesmo lugar pelo mesmo fotógrafo: Angus McBean.

Tendo em vista que A Collection of Beatles Oldies não foi lançada nos EUA e The Beatles Again não foi lançada no Reino Unido, 1962-1966 e 1967-1970 foram as primeiras coletâneas globais dos Beatles, com lançamento padronizado no mundo inteiro. Ao todo eram 54 canções, todas autorais (a track list evitou covers como Twist and shout, por exemplo), marcando em sua divisão as duas fases da banda. Curiosamente, apesar do título, a coletânea adotou a versão do álbum Please Please Me da faixa Love me do, que foi lançada em 1963, embora gravada em 1962, em vez do lançamento original do single daquele ano.

Os dois álbuns duplos fizeram bastante sucesso, com Blue chegando ao 1º primeiro lugar da parada de álbuns dos EUA e Red ficando em , enquanto no Reino Unido elas ficaram, respectivamente, em 2º e 3º lugar das paradas. Os discos ganharam uma versão remasterizada em LP em 1988 e a primeira versão em CD em 1993, com a vantagem de ter fotos do grupo acrescentadas no encarte. Uma nova edição (novamente remasterizada) saiu em 2009 junto com a discografia da banda.

O relançamento de 2023 ampliou a track list de 54 para 75 faixas, incluindo covers (como Twist and shout e You really got a hold on me) e mais faixas de álbuns (também uma forma de colocar mais canções de George Harrison na lista), e teve como faixa de encerramento o novo lançamento Now and them, canção que fora gravada como uma fita demo por John Lennon em 1978 e que foi complementada pelos demais Beatles em 1995 dentro do contexto do Anthology (mas não lançada) e retomada especialmente para esse lançamento.

Outro diferencial foi a remixagem, liderada por Giles Martin (filho de George Martin), que torna a versão 2023 muito diferente das demais (que foram apenas remasterizadas). Na Red, foi usada a tecnologia de Inteligência Artificial para separar os sons dos instrumentos nas gravações de apenas 2 ou 4 canais e, com isso, conseguir mais nitidez e qualidade, sendo remixado tudo e, em particular, dando mais evidência à bateria de Ringo Starr. No Blue foram usadas as remixagens dos relançamentos de 2017 a 2022, embora foram feitas novas remixagens em 2023 para algumas faixas. O relançamento foi um sucesso e os discos repetiram as posições número 2 e 3 das paradas britânicas!

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THE YELLOW SUBMARINE SOUNDTRACK

Quando o filme Yellow Submarine foi relançado em vídeo em 1999, a EMI reuniu as faixas da trilha sonora em um álbum, que portanto, e a reúne pela primeira vez (já que o Yellow Submarine de 1969 é um embuste). No fim, o álbum funciona como uma boa coletânea da fase psicodélica da banda e traz versões remasterizadas mais fortes (e melhores) de Hey bulldog e It’s all too much.

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O disco 1 original, de 2000.

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Em 2000, a Apple teve a genial ideia de reunir os principais sucessos dos Beatles em um único disco (afinal, discos duplos são sempre mais caros). O título 1 é referência ao fato das 27 faixas terem chegado ao primeiro lugar das paradas do Reino Unido e/ou dos EUA. É a mais compacta (e alguns diriam mais completa) coleção de faixas dos Beatles. E foi um dos maiores fenômenos de vendas de discos do século XXI, vendendo mais de 20 milhões de discos numa época em que eles começavam a ser substituídos por downloads. Se você não conhece Beatles e quer uma introdução, este é o seu disco: She loves you, I want to hold your hand, Help!, Day tripper, Penny Lane, Hey Jude, Get back, Come together, Something, Let it Be… O sucesso foi tão grande que vários outros artistas imitaram a iniciativa e lançaram outros Numbers 01 no mercado, como Elvis Presley e Michael Jackson.

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Os Beatles surgiram em 1962, advindos da cidade britânica de Liverpool, e alçaram sucesso imediato na Inglaterra, que rapidamente se espalhou para a Europa, para os Estados Unidos e daí para o resto do mundo. Formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, foram a banda pioneira do movimento da Invasão Britânica que fundou o rock clássico e criou as bases modernas do gênero. Lançaram 13 álbuns e são recordistas até hoje em canções de sucesso. Encerraram as atividades em 1970, quando cada um dos membros saiu em carreira individual, todos com sucesso em níveis variados.

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