Embora tenha sido um dos maiores criadores de quadrinhos em todos os tempos e tenha tido a oportunidade de ser reconhecido em vida, ao contrário da maioria de seus companheiros de geração, o escritor e editor Stan Lee viveu o que parece ser um terrível pesadelo em seus últimos anos de vida, enquanto galgava a fama de suas criações e participava de eventos especiais. Denunciar os abusos sofridos pelo quadrinista nessa (sofrida) etapa de sua vida é o objetivo do documentário Stan Lee – The Final Chapter (O Último Capítulo, em tradução literal), dirigido por Jon Bolerjack.
Bolerjack trabalhou como assistente e motorista de Lee nos últimos quatro anos de vida do escritor, período no qual o criador dos Vingadores, Homem-Aranha, Hulk, Thor, X-Men, Quarteto Fantástico, Demolidor e muito mais era um dos homens mais famosos do planeta e aproveitava a consagração de sua obra por meio da adaptação de seus personagens ao cinema no MCU do Marvel Studios. Todavia, a aparição de Lee em convenções de quadrinhos e eventos de autógrafos escondia uma série de abusos que exploravam sua fama para que terceiros ganhassem mais dinheiro.

Os abusos sofridos por Lee já haviam sido noticiados por meio de uma série de processos judiciais cruzados revelados mesmo antes da morte do artista, em 2018, aos 95 anos de idade, e foram reforçados no demolidor livro Invencível: A Ascenção e Queda de Stan Lee, de Abraham Riesman, lançado em 2021. Leia um pouco sobre eles aqui, nestes posts do HQRock: aqui e aqui e aqui.
O filme de Bolerjack já tem um trailer divulgado, com depoimentos de alguns artistas de quadrinhos, inclusive, do também escritor e editor Roy Thomas, que foi o braço direito de Lee na Marvel Comics, e também um dos últimos que o viu vivo, dias antes de sua morte. O projeto, contudo, está arrecadando recursos por meio de uma iniciativa de financiamento coletivo, cujas informações são divulgados ao fim do vídeo.
Por mais doloroso que sejam as imagens que mostram um Lee debilitado e meio alheio ao que lhe acontece, parecendo cansado à exaustão e explorado, a finalização e lançamento do filme seriam importantes para o esclarecimento da situação do escritor em seus últimos tempos e o papel que sua equipe e seu empresário tiveram na exploração e abusos que sofreu.

Nascido Stanley Lieber, em Nova York, em 1922, Stan Lee começou a escrever desde muito cedo e foi empregado aos 17 anos de idade na Marvel Comics (ainda se chamando Timely, naqueles tempos), primeiro como office boy e faz-tudo, depois como escritor. Quando o editor-chefe da editora, Joe Simon, foi demitido, em 1942, o dono e publisher da Marvel, Martin Goodman, colocou o jovem Stan como editor-chefe de uma das maiores editoras de HQs dos EUA aos apenas 19 anos de idade, no típico “por enquanto até aparecer alguém melhor”, porém, o rapaz terminou ficando no cargo por 30 anos até 1972, excetuando-se um breve período entre 1943 e 1945 no qual foi recrutado pelo Exército para atuar na II Guerra Mundial (não como combatente, mas como escritor).

Na década de 1950, a Marvel passou por uma crise financeira muito grande e diminuiu como empresa, então, como forma de cortar custos, Martin Goodman passou a demandar que o próprio Stan Lee atuasse como editor-chefe em horário comercial e fosse o principal escritor da casa nas horas livres, porque podia lhe pagar uma taxa menor por páginas escritas, pois já tinha o salário do cargo. Isso levou Lee a criar o Método Marvel, no qual ele desenvolvia apenas uma breve sinopse da história e cabia ao desenhista criar os detalhes da história e seu ritmo, para depois ele voltar e escrever os diálogos, o que funcionou maravilhosamente bem com artistas visionários e criativos, como Jack Kirby, Steve Ditko, John Romita, John Buscema, Gene Colan, Don Heck e vários outros que revolucionaram o mundo das HQs e a cultura pop.
Ainda que o Método tenha gerado questões dúbias sobre a contribuição de cada um desses nomes (e de Lee) na criação e desenvolvimento dos célebres personagens da Marvel, o fato é que, a partir de 1961, ele permitiu o surgimento de todo um panteão de super-heróis que mudou a cultura pop para sempre, como Quarteto Fantástico, Thor, Hulk, Homem-Aranha, Homem de Ferro, Homem-Formiga, Vespa, os Vingadores, os X-Men, Viúva Negra, Gavião Arqueiro, Nick Fury e a SHIELD, Demolidor, Pantera Negra, Surfista Prateado, Falcão e seus respectivos vilões.

Lee foi promovido a publisher e vice-presidente da Marvel em 1972 e legou o cargo de editor-chefe para seu principal assistente, Roy Thomas, e dali em diante, o The Man (“o cara”) se manteve mais distante da criação e mais ocupado no trabalho de divulgação da editora e de conseguir contratos de publicidade e adaptação a outras mídias dos personagens, até se aposentar nos anos 1990. Em reconhecimento à sua contribuição a toda essa criação, Lee foi creditado como “produtor executivo” em todos os filmes e séries de personagens da Marvel até sua morte, e se notabilizou por suas participações especiais em curtas cenas cômicas no meio de cada um dos filmes.

Ele morreu de insuficiência cardíaca e respiratória em um atendimento de emergência em um hospital de Los Angeles, em 12 de novembro de 2018, aos 95 anos.

