O cantor, músico e compositor britânico John Lennon foi o líder e fundador da seminal banda The Beatles, a mais importante da história do rock, e também teve uma carreira solo de sucesso, empreendimentos que o tornaram um dos mais importantes artistas não apenas do século XX, mas de todos os tempos, assim como um dos mais influentes, também. Embora só tenha vivido 40 anos, entre 1940 e 1980, Lennon deixou uma marca duradoura, indelével, na cultura mundial, com suas canções incríveis, melodias inesquecíveis, construções harmônicas interessantes, suas letras cheias de mensagens políticas e pacifistas, mas sem esquecer o amor e a dor, sua voz marcante. Por causa disso, o HQRock traz este post especial com a Discografia Completa da Carreira Solo de Lennon, pois os Beatles já têm o seu próprio post do tipo (veja aqui).
Originalmente, este post foi publicado na semana do aniversário do músico – comemorado em 09 de outubro – do ano de 2014, quando ganhou oficialmente o lançamento de sua discografia solo em streaming pela primeira vez, por meio do Spotify, o maior serviço do tipo no mundo, seguindo, quase imediatamente os demais serviços, como iTunes etc. Nem faz tanto tempo, mas hoje imaginar a vida sem o streaming é quase impossível, não é mesmo? Mas antes dessa data crucial, a discografia de Lennon só era acessível por meio dos álbuns físicos em LP ou CD. Ah, vale lembrar: desde a publicação original, este post foi atualizado!
No Spotify, desde então e ainda hoje, o ouvinte pode acessar os oito álbuns oficiais lançados por Lennon em sua carreira individual, realizada após o fim dos Beatles, e mais algumas coletâneas reunindo os maiores sucessos do músico, que é um dos mais influentes da história da música. Os álbuns oficiais são:
- Plastic Ono Band, 1970
- Imagine, 1971
- Sometime in New York City, 1972
- Mind Games, 1973
- Wall and Bridges, 1974
- Rock and Roll, 1975
- Double Fantasy, 1980
- Milk and Honey, 1983
As coletâneas incluídas no pacote inicial do Spotify em 2014 foram: Gimme Some Truth (box-set com 4 CDs), Signature Box (box-set especial com os oito álbuns de estúdio, 2 CDs de singles, versões diferentes e raridades); Power to The People – The Hits (a coletânea então mais recente), e desde então, também foi adicionada Gimme Some Truth: The Ultimate Mixes (coletânea lançada para celebrar os 80 anos de Lennon e com remixagens lideradas por seu filho Sean Lennon).
Desde então, alguns outros discos foram adicionados ao streaming, notadamente, o álbum ao vivo Live Peace Toronto (1969), creditado à Plastic Ono Band, e até os álbuns experimentais (que não trazem canções, mas experimentos sonoros de vanguarda) do casal Lennon-Ono lançados no fim dos anos 1960. Também foram adicionadas as versões Deluxe, cheias de material extra, dos álbuns da série Ultimates Mixes, com relançamentos dos álbuns oficiais, iniciada em 2018 e ainda em curso.
Alguns materiais ficaram de fora do streaming na época do lançamento (2014) e mesmo hoje em dia só podem ser acessados em suas mídias físicas originais, como o álbum de sobras Menlove Ave (1986), a coletânea/trilha sonora Imagine: John Lennon (1988), a estupenda coleção The John Lennon Anthology (1998 – reunindo sobras de estúdio, faixas ao vivo e material raro) e outras coletâneas tradicionais (The best of…) lançadas nos anos 1980 e 90, mas também algumas coisas mais recentes, como Acoustic (2004). Desde 2014 até 2025 também esteve ausente o álbum ao vivo Live in New York City (1986), que ganhou um box set Ultimate Deluxe com a íntegra dos dois shows (tarde e noite) e uma recriação (remixagem do zero) do álbum Sometime in New York City, que ganhou o título mais curto de New York City.
Como de praxe nessas ocasiões, o HQRock aproveita a oportunidade para contar a história de John Lennon e trazer sua Discografia Completa comentada! Por isso, pegue sua guitarra Epiphone, plugue num amplificador Fender, conecte o pedal Leslie e mande brasa em um rock bem forte!
Herói da Classe Trabalhadora
O HQRock já tem um post especial em que narra a biografia de Lennon em detalhes (leia aqui), mas para não ficarmos no vazio, vamos listar pelo menos alguns pontos importantes de sua vida.
John Winston Lennon nasceu em Liverpool, no norte da Inglaterra, em 09 de outubro de 1940, exatamente no momento em que a cidade sofria um intenso ataque aéreo da Alemanha, em meio a II Guerra Mundial. Filho do casal Alfred Lennon e Julia Spencer, ele marinheiro da marinha mercante, ela garçonete. Como muitos de sua geração, Lennon cresceu em meio à guerra tendo que dividir o tempo entre realizar tarefas domésticas, ir à escola e se esconder no porão em meio às bombas que caíam do céu. Liverpool era o segundo porto mais importante da Grã-Bretanha, por isso, era um alvo privilegiado.
Como também é típico da geração dos baby boomers, Lennon cresceu em um lar desestruturado, desmontando a moral rígida da Era Vitoriana e encarrando a dura realidade do século XX: divórcios. Os pais de Lennon se separaram quando ele tinha apenas 4 anos e – com o pai indo embora sem dar notícias e a mãe casada com outro homem e tendo outra família – coube ao pequeno John ser criado pela tia materna, Mary Spencer, mais conhecida como tia Mimi, irmã de sua mãe. John só retomou o contato com a mãe na adolescência, quando descobriram que tinham muito em comum, inclusive, a paixão pela música: foi Julia quem ensinou o filho a tocar seu primeiro instrumento, um banjo.
Depois, veio a gaita, que aprendeu a tocar sozinho e a usava como distração. O aflorar da adolescência mudou sua personalidade, fazendo a vir à tona toda a raiva reprimida, transformando-o num jovem zangado, durão, encrenqueiro e rebelde, mas que tinha um lado sensível: gostava muito de ler, de escrever, criar histórias e desenhar. Um artista!

Em 1956, o rock and roll vindo dos EUA aportou na Inglaterra e tomou de febre toda a juventude, via pioneiros como Elvis Presley, Little Richard, Chuck Berry e Bill Harley. Cativado pelo som, pela energia e raiva, Lennon se tornou um roqueiro de primeira hora. Isso o fez convencer Mimi a lhe dar um violão barato de presente, com o qual começou a aprender a tocar rock, usando os conhecimentos do banjo de sua mãe.
Ao mesmo tempo, outro gênero musical também fez bastante sucesso no país: o Skiffle, uma versão branca do velho blues rural dos EUA, capitaneado pelo cantor britânico Lonnie Donegan. Apesar de um pouco menos duro do que o original, o Skiffle era rústico, enérgico e carregado de emoção. Também era uma boa alternativa em termos pragmáticos: por ser rústico, podia ser tocado em instrumentos caseiros improvisados. Era a saída possível para aqueles britânicos da classe trabalhadora que não podiam comprar uma guitarra elétrica para tocar rock.
Foi o que Lennon fez. No verão de 1956, reuniu seus colegas da Quarry Bank High School e formou sua primeira banda: The Quarrymen (um trocadilho que significa ao mesmo tempo, “homens de Quarry” e “pedreiros”, mostrando desde já o interesse de Lennon no uso das palavras). Os Quarrymen tinham violões e acordeões misturados com baixo construído com corda de piano e cabo de vassoura e percussão com tábuas de lavar roupa (bem no espírito Skiffle), e combinavam o repertório de rock com o de Skiffle. Rapidamente, a banda ficou até famosa nos bailinhos e festinhas de quermesse na periferia de Liverpool.

Foi numa festinha na paróquia de São Pedro, em 1957, que um amigo comum levou o jovem Paul McCartney, de 15 anos, para assistir aos Quarryman. McCartney terminaria apresentado a John Lennon e conseguiu se exibir tocando violão para ele. Vendo que o rapaz era talentoso – bem mais do que os colegas de escola que o acompanhavam – Lennon convidou McCartney para a banda e este aceitou, nascendo aí a maior dupla da história musical do século XX.

Daí para frente, tudo ocorreu rápido. Os Quarrymen foram adquirindo instrumentos elétricos e se tornando mais profissionais. Já em 1957 mesmo, Lennon deixou a High School e ingressou na Escola de Belas Artes de Liverpool, uma faculdade pública. Suas notas eram péssimas na escola, mas o diretor achou que o talento artístico do rapaz podia direcioná-lo na vida ao estudar propaganda. O fim da escola também esfriou os ânimos dos Quarrymen e vários membros começaram a sair da banda, pois precisavam trabalhar. Por isso, no início de 1958, o colega de escola de McCartney, George Harrison, fez um teste para a banda e entrou como terceiro guitarrista. A ele foi dada a função de fazer os solos, enquanto Lennon e McCartney cuidavam do ritmo. A partir daquele ano, os Quarrymen passaram a se apresentar com a formação totalmente rock and roll de três guitarras, bateria e até um pianista tocava com eles de vez em quando.
Minha Mãe Está Morta
1958 também é o ano de uma grande tragédia particular de John Lennon: sua mãe, Julia, morreu na porta da casa da tia Mimi, atropelada por um policial fora de serviço que dirigia bêbado. O impacto em Lennon foi profundo e ele se tornou ainda mais amargo, rebelde e problemático. A música se tornou sua válvula de escape e o músico passou a canalizar isso por meio da composição. Ele e Paul McCartney começaram a escrever material original e fizeram o pacto de – como estratégia de ganhar mais força – sempre assinarem suas composições como Lennon & McCartney, nascendo a maior dupla de compositores da música moderna.
Em 1959, a banda já usava outros nomes – Johnny and the Moondogs era o mais comum – e dava outro passo decisivo rumo à profissionalização por meio da inclusão de um baixista, na figura de Stuart Sutcliffe, colega de Lennon na Escola de Belas Artes. Sutcliffe não sabia tocar direito, mas pelo menos promovia os tons graves que o rock necessitava. Em 1960, já com Pete Best na bateria, o grupo mudou o nome para The Beatles: um nome criado por Lennon a partir de um trocadilho, beetles (besouros) e beat (batida). Após usarem a alcunha por um tempo, como a moda na época eram nomes longos, mudaram temporariamente para The Silver Beatles. Naquele mesmo ano, fizeram sua primeira temporada em Hamburgo, tocando nos inferninhos da portuária cidade alemã.
Em 1961, Sutcliffe deixou a banda e Paul McCartney assumiu o cargo de baixista do grupo, passando os Beatles virando definitivamente um quarteto a ter apenas duas guitarras, com Lennon no ritmo e Harrison no solo. Naquele mesmo ano, assinaram um contrato com o empresário Brian Epstein e, em 1962, conseguiram ser contratados pela gravadora EMI, a maior da Grã-Bretanha, admitiram o baterista Ringo Starr e conseguiram sucesso logo com seu primeiro compacto.
O resto é história…
Revolução
O que dizer sobre a obra de John Lennon?
O artista que foi a imagem-mor dos Beatles no tempo de sua existência; o rebelde de comentários ácidos; o pacifista… Tudo isso foi potencializado em sua carreira individual. Nos Beatles, sua música molhou os pés em vários direcionamentos, e à solo pôde endurecê-la, despi-la e ampliá-la.
Lennon criou os Beatles. Só isso já lhe garantiria um lugar no panteão da história da música. Mas ele foi além. Foi o motor principal da maior banda de música de todos os tempos. Mesmo que tenha que dividir os créditos e os holofotes com a outra metade da parceria Lennon-McCartney, foram as escolhas e as obras de Lennon que guiaram os Beatles por sua viagem mágica e misteriosa saindo da cinzenta e provinciana Liverpool, no norte da Inglaterra, para conquistar o mundo com sua música, charme e humor.
As canções assinadas por Lennon-McCartney são a trilha sonora essencial dos anos 1960, que foram a década mais importante do século XX, seja por suas transformações culturais, sociais e políticas. Mais do que isso, a banda teve uma atuação direta nas três esferas.
Embora Paul McCartney tenha por diversas vezes assumido as rédeas da carreira dos Beatles, como por exemplo, no conceito do álbum Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, considerado o mais importante da banda, foi a atuação decisiva de Lennon, às vezes nos bastidores, mais discretamente, outras escancaradamente, de modo bombástico e polêmico, que constituíram na profundidade do conteúdo dos Beatles. McCartney pode ter sido o embaixador e porta-voz da banda em vários momentos, mas coube a Lennon liderá-la, porque um líder não é aquele que, necessariamente, aparece mais, porém, um espírito que guia os demais e os influencia. E esse papel, nos Beatles, coube a Lennon e não a McCartney. (Sem querer desmerecer a obra deste último, que também é genial e fabulosa).
O Sonho Acabou
Antes mesmo do fim dos Beatles, John Lennon já iniciava sua carreira solo. Sentido-se aprisionado pela fama, sucesso e cautela do grupo, Lennon começou a extravasar lampejos mais radicais de sua arte fora da banda, tendo como parceiro sua nova esposa, a artista plástica japonesa Yoko Ono. Assim, Lennon foi o primeiro dos Beatles a lançar uma canção solo: o hino à paz Give peace a chance, no verão de 1969, que fez algum sucesso comercial e virou um hino pacifista. Depois, lançou outro single, Cold turkey, falando da crise de abstinência da heroína, cujo vício o atormentava à época.
Lennon formou a banda alternativa Plastic Ono Band em 1969 – que entre os membros chegou a ter o guitarrista Eric Clapton – e lançou um álbum ao vivo com uma performance do grupo no Canadá. Ainda antes do anúncio oficial do fim dos Beatles, Lennon foi o primeiro deles a ter um verdadeiro hit nas paradas de sucesso: Instant karma!, em fevereiro de 1970. Com o anúncio oficial do fim da banda, em abril daquele ano, Lennon só continuou a desenvolver seu trabalho. Foi ele quem taxou a frase “o sonho acabou” como representativa não apenas do fim dos Beatles, mas do fim dos anos 1960 e da utopia que ele carregava.
No início dos anos 1970, Lennon se envolveu cada vez mais com a esquerda radical e se mudou para os EUA, onde teve que lutar por quatro anos contra um processo de deportação, motivada pelo Governo de Richard Nixon, temeroso do poder de influência do compositor na juventude. O FBI passou a segui-lo, disposto a usar qualquer desculpa para prendê-lo e enviá-lo de volta para a Grã-Bretanha. A batalha nos tribunais seguiria até 1975 (após Nixon ser derrubado em um processo de Impeachment), quando o músico conseguiu seu green card.
Em sua carreira solo não fez tanto sucesso quanto com os Beatles, mas entregou sempre um material muito forte, repleto de composições sensacionais, mesmo que por vezes longe das paradas de sucesso. Entre 1973 e 1975, esteve separado de Yoko Ono e produziu ainda mais do que antes, tocando com diversos outros músicos, como Elton John, Mick Jagger, David Bowie e Harry Nilsson. Após se reconciliar com a esposa, conseguiu ter seu segundo filho e decidiu encerrar a carreira temporariamente, passando cinco anos afastado dos holofotes.
Começar de Novo
Quando Sean Lennon estava prestes a completar cinco anos, seu pai achou que era hora de tirar a guitarra da parede e voltar a trabalhar. Lennon produziu furiosamente e compôs mais de duas dezenas de canções novas, fazendo uma leitura dos novos tempos, os anos 1980. Também decidiu fazer um álbum em parceria com a esposa, com faixas de cada um se alternando no disco, algo que nunca havia sido feito.
O álbum Double Fantasy foi lançado em outubro de 1980 e começou a chamar a atenção da crítica e do público. O single (Just like) starting over fez sucesso e começou a subir nas paradas de sucesso, mostrando que o incendiário músico não havia perdido a mão.
Porém, Lennon terminou assassinado por um fã com distúrbios mentais na porta de seu edifício em Nova York, em 08 de dezembro de 1980.
Era o fim de um homem, de uma lenda e de uma era.
Jogos Mentais
Vamos agora à Discografia Completa de John Lennon. Nossa listinha inclui todos os álbuns oficiais do compositor, por isso, vai além daqueles selecionados pela Spotify. Aumente o som!
UNIFINISH MUSIC VOL. 1: TWO VIRGINS, 1968
UNIFINISH MUSIC VOL. 2: LIFE WITH THE LIONS, 1969
THE WEDDING ALBUM, 1969
John Lennon e a esposa Yoko Ono produziram em parceria uma trilogia de álbuns de “música de vanguarda”, ou seja, discos sem música, repletos apenas de sons, ruídos, gritos, efeitos sonoros e outras coisas atordoantes. Não é algo para se ouvir em volume alto. Ou mesmo nem é para se ouvir, se você não quer ouvir outra coisa que não seja música. Mas de qualquer modo, é um esforço artístico. O primeiro desses álbuns chamou muito a atenção do público e da mídia por trazer o casal nu na capa.

- Give peace a chance – julho de 1969
A estreia de Lennon na carreira solo com música de verdade veio por meio deste compacto: gravado no quarto de um hotel em Montreal, no Canadá, onde John & Yoko promoviam um de seus Bed-In, um evento no qual passavam uma semana deitados na cama, recebendo amigos, jornalistas, dando entrevistas e gravando mensagens pela paz mundial, especialmente, contra a Guerra do Vietnã. O casal compôs e gravou essa canção, com Lennon e o comediante Tommy Smothers nos violões, mais Yoko e um time aleatório, com o papa do LSD Timothy Leary, o poeta beat Allen Ginsberg, o DJ Murray the K, o assessor de imprensa dos Beatles, Derek Taylor, a cantora britânica Petula Clark e o engenheiro de som André Perry, com todos cantando e fazendo percussão. O único acabamento foi Perry gravar separadamente três cantores profissionais para melhorar a qualidade sonora da gravação, registrada com um gravador portátil de 4 canais em um quarto sem boa acústica.
O Lado B do compacto foi Remember love de Yoko Ono, com sua típica música experimental, cheia de ruídos, gritos e gemidos. Dali em diante, praticamente todos os singles de Lennon tinham uma canção dela como Lado B.
Lançado em single no verão, Give peace a chance foi um grande sucesso, chegando ao 2º lugar das paradas britânicas e ao 14º dos EUA, com a crítica rendendo muitos elogios. Imediatamente, a canção virou um hino pela paz e já em novembro daquele ano foi cantada por meio milhão de pessoas em um protesto contra a Guerra do Vietnã em Washington, DC, liderado pelo cantor folk Pete Seeger; além de seu refrão ser entoado no meio da letra de Your move da banda de rock progressivo Yes, de 1971. Lennon tocou a canção no concerto ao vivo em Toronto (veja abaixo), e apresentou a faixa na TV, no programa de Jerry Lewis, em 1972, acompanhado pela Elephant’s Memory, fazendo um pequeno canto à capela dela no concerto do Madison Square Garden também em 1972. No dia 04 de março de 2022, 150 emissoras de rádio europeias executaram consecutivamente a canção como um protesto contra a Guerra da Ucrânia, iniciada pela Rússia.

- Cold turkey – outubro de 1969
Durante o ano de 1969, Lennon e Ono tiveram uma experiência com a heroína e ficaram viciados, o que lhes rendeu muitos problemas. Após se livrarem do vício durante as gravações do álbum Abbey Road dos Beatles, o casal experimentou a terrível crise de abstinência, que em inglês é apelidada justamente de “peru gelado”, e isso inspirou o músico a compor essa faixa, abertamente contra as drogas. Lennon chegou a oferecer a faixa para Paul McCartney, sugerindo que os Beatles deviam lançá-la como single, mas seu (ex?)parceiro musical negou veementemente, então, decidiu lançá-la sozinho.

Lennon a tocou pela primeira vez ao vivo no concerto do Rock and Roll Revival Festival, em Toronto, no Canadá, em setembro de 1969 (na mesma semana em que Abbey Road chegava às lojas) e a gravou na volta. Ele tentou usar a mesma banda daquele show, trazendo ele próprio nos vocais e guitarra, Eric Clapton na guitarra solo e Klaus Voorman no baixo, mas o baterista Alan White não estava disponível, então, Lennon convidou seu parceiro de Beatles, Ringo Starr para assumir as baquetas. Entrecortada por guitarras afiadas e com um ritmo seco, Cold turkey é uma boa faixa, um grande rock, ainda que perturbador com os gritos do final fazendo referência ao desespero da crise de abstinência. Aparentemente, contudo, Lennon não ficou muito satisfeito com o trabalho de Clapton, cuja guitarra só é ouvida em alguns trechos da mixagem, no solo do meio e na parte do final.
Cold turkey compreensivelmente não foi tão bem sucedida quanto sua antecessora: chegou ao bom 14º lugar das paradas britânicas e ao 30º lugar nos EUA, onde foi banida das rádios, que pensaram ser uma faixa a favor das drogas.
LIVE PEACE TORONTO – PLASTIC ONO BAND, 1969 (ao vivo)
A Plastic Ono Band fez sua estreia com um show ao vivo no Rock and Roll Revival Festival, em Toronto, no Canadá, em setembro de 1969, com John Lennon (vocais e guitarra), Eric Clapton (guitarra e backing vocais), Klaus Voorman (baixo) e Alan White (bateria), mais participação especial de Yoko Ono nos vocais. Lennon fora convidado para ser o mestre de cerimônias do festival, mas pediu para tocar e montou sua banda na véspera do concerto: ele convidou George Harrison para ir com ele, mas o colega de Beatles recusou e recomendou Clapton, que só foi comunicado no dia do show! Lennon e a banda embarcaram em um voo de Londres para Toronto no mesmo dia do festival, ensaiando com os instrumentos desligados durante o voo e fazendo uma rapidíssima passagem de som no backstage, antes de subirem ao palco. Além da Plastic Ono Band, o festival trouxe apresentações de veteranos do rock’n’roll dos anos 1950, como Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins, além da banda The Doors.

Mesmo com toda a pressa e improviso, o disco ao vio funciona muito bem, com a banda compensando a falta de entrosamento com uma energia cativante, ainda que a qualidade do áudio não seja excelente. As canções de Yoko são intragáveis e repletas de ruídos, gritos e microfonias, e ocupam o Lado B do disco. Este álbum foi o primeiro de Lennon a trazer canções propriamente ditas. A banda toca uma versão elétrica de Give peace a chance, apresenta a ainda inédita Cold turkey (que já havia sido lançada quando o álbum chegou às lojas) e mistura com covers de rock’n’roll, como Blue suede shoes, Money e Dizz miss lizzy e do clássico dos Beatles, Yer blues. Trazendo um som pesado e uma gravação imperfeita, Live Peace Toronto chegou ao incrível 10º lugar das paradas dos EUA, embora não tenha aparecido nas paradas britânicas.

- Instant Karma! – fevereiro de 1970
No dia 27 de janeiro de 1970, John Lennon acordou com essa canção na cabeça, inspirado numa conversa sobre o “karma instantâneo” que tivera numa viagem à Dinamarca com Tony Cox, o ex-marido de Yoko Ono, e pai da filha dela, Kyoko. Convencido de que tinha uma grande canção e hit nas mãos, Lennon chamou o ex-companheiro de Beatles, George Harrison, para a gravarem naquele mesmo dia. Por coincidência, o produtor norte-americano Phil Spector (famosíssimo nos anos 1960 por compor e gravar grandes sucessos de bandas como The Ronettes, The Rightous Brothers e Ike and Tina Turner) estava em Londres e ao saber disso, Lennon (que o conhecia desde 1964) o convidou para ir, o que fez Spector romper sua “aposentadoria” precoce, que tinha estabelecido quatro anos antes.
No estúdio, uma banda improvisada com Lennon nos vocais e violão, George Harrison na guitarra, Klaus Voorman no baixo, Billy Preston no órgão e Alan White na bateria, gravou a base, e depois, Lennon adicionou um grand piano, com Harrison e White tocando notas complementares em um piano de armário e Voorman em um piano elétrico, enquanto Preston e o empresário Allen Klein foram em uma boate em busca de um grupo de pessoas ligeiramente conhecidas para cantar em um coro, que foi feito com dezenas de anônimos, todos os músicos e Klein cantando, enquanto Harrison se ocupou de ensinar aos amadores como e o que cantar. Aplicando as técnicas de sua Wall of Sound (um estilo de produção no qual efeitos de eco e reverb fazem com que o som se torne muito mais potente e poderoso), Spector resultou em Instant Karma ser um rock alto, de sonoridade pesada e um incrível som de bateria, que aparece como instrumento principal ao longo da faixa.

Lançada apenas 10 dias depois de ter sido escrita e gravada, Instant Karma foi um enorme sucesso, aclamada por toda a crítica (por sua qualidade e som) e chegou 3º lugar das paradas dos EUA, 5º lugar na Grã-Bretanha, e estando no Top10 da maioria dos países europeus, sendo o primeiro grande hit de um dos membros dos Beatles em carreira solo e o primeiro deles a chegar a 1 milhão de cópias vendidas. Nos EUA, a faixa competiu com o single de Let it be, que ainda estava nas paradas, e é importante anotar que, naquele momento, Lennon ainda era oficialmente um dos Beatles, pois o fim do grupo só seria anunciado dois meses depois, em 10 de abril. Instant Karma permaneceu uma das principais canções da carreira solo de Lennon, um de seus maiores sucessos e foi tocada na TV no programa Top of the Pops duas vezes, além de aparecer ao vivo no show que o músico realizaria no Madison Square Garden em 1972, reproduzida no disco Live in New York City, de 1986.
PLASTIC ONO BAND, 1970
O primeiro álbum regular (ou seja, de estúdio com canções inéditas) de John Lennon foi lançado já vários meses depois do fim dos Beatles e vai num caminho totalmente distinto da antiga banda. Aqui, Lennon opta por um som essencialmente cru, sem nenhum tipo de adorno, muito direto e seco, o que de certo modo, antecipa a sonoridade punk. As letras, para completar, são pesadíssimas, falando de seus problemas pessoais (especialmente os traumas familiares), a dores de ser uma celebridade, os problemas com as drogas, críticas às religiões e uma leitura pessimista do fim dos anos 1960. É uma álbum sensacional, um dos mais importantes da época e uma grande influência para as gerações futuras. O título do álbum é o mesmo da banda “conceitual” que acompanha o compositor, ou seja, um time de músicos que muda a cada ocasião, mas sempre fantásticos. Neste caso, a banda traz apenas Lennon (vocais e guitarra), Klaus Voorman (baixo) e Ringo Starr (bateria), mais participações especiais de Phil Spector e Billy Preston tocando piano, cada um em uma faixa. Spector também é coprodutor do disco, ao lado de Lennon. Todas as canções são fortes, mas destaques para Mother, I found out, Love, Working class hero, Love e God.
O álbum foi profundamente influenciado pela terapia do grito primal do psicanalista Arthur Janov, muito em voga na época. Após ter tido problemas com a heroína no ano anterior e abalado pelo fim turbulento dos Beatles, Lennon foi convencido por Yoko Ono a procurar ajuda para sua depressão, apatia e ocasionais explosões de raiva. A terapia de Janov consistia em reviver momentos traumáticos da vida e permitir que as emoções “explodissem” por meio de choros e gritos, seguidos por diálogo terapêuticos intensos e profundos. O casal se consultou primeiramente em Londres, a partir de abril de 1970 (na época do anúncio do fim dos Beatles) por um mês, e depois, voou para continuar o tratamento por mais três meses em Los Angeles, nos EUA, até terem que voltar porque não conseguiram renovar o visto de permanência, pois Lennon tinha problemas com a Imigração por causa de sua prisão por porte de maconha em 1968.
A terapia não foi retomada, o que preocupou Janov, mas causou um imenso impacto em Lennon, que aproveitou o contato com seus traumas para compor uma série de canções, falando de suas relações com o pai e a mãe (Mother), da sensação de ter sido abandonado (I found out), das más lembranças do passado que deixam traumas (Remember), da tentativa de seguir adiante (Hold on), além de ilações sobre suas origens na classe trabalhadora (Working class hero), sobre a sensação de isolamento ao lutar contra os males do mundo (Isolation), sua desilusão sobre os mitos dos Anos 60 (God) e uma ode ao amor (Love), trazendo como bônus um lamento pela morte precoce da mãe (My mummy’s dead). Marcou toda uma geração seu lamento em God, no qual lista uma série de mitos descontruídos por meio de versos como “não acredito em Buda, não acredito em Yoga”, mas também “não acredito em Elvis, não acredito em Zimmerman [que é o verdadeiro nome de Bob Dylan], não acredito em Beatles”, fazendo o arremate com a frase que virou lema de uma era: “o sonho acabou”. Embalando letras sérias, ríspidas e sem ornamento, afiadas como facas e pungentes, estava uma sonoridade crua e pesada, de arranjos simples de guitarra, baixo e bateria, e apenas o floreio ocasional de um piano, especialmente em God (por Billy Preston) e Love (por Phil Spector). Por tudo isso, apesar de alguns preferirem o posterior Imagine, Plastic Ono Band emerge como, provavelmente, o mais importante álbum da carreira solo de Lennon.
O disco foi gravado apenas durante um mês, entre 26 de setembro e 27 de outubro, incluindo a mixagem, no Abbey Road Studios, sendo a última vez que Lennon trabalhou de modo intenso no estúdio que foi sua casa nos tempos de Beatles. Além de seu disco, as gravações trouxeram de modo contíguo o álbum Yoko Ono: Plastic Ono Band, que foi lançado na mesma data e quase com a mesma capa. O produtor Phil Spector ganhou o crédito de produção, mas a maior parte do trabalho foi feito pelo casal Lennon-Ono, pois não conseguiam contactar o produtor naqueles tempos sem internet até colocarem um anúncio na revista Billboard. Spector chegou apenas no fim dos trabalhos, e basicamente, auxiliou no reforço de efeitos nas gravações já realizadas (como feedback, eco, distorção) e atuou na mixagem.
O álbum foi muito bem recebido em todos os cantos, fez bastante sucesso, e chegou ao 6º lugar das paradas americanas e ao 8º das paradas britânicas, permanecendo no Top10 em praticamente toda a Europa. No Reino Unido, Lennon não quis diluir o conteúdo forte do álbum através de um single, mas a Capitol Records nos EUA insistiu e lançou Mother como compacto por lá, com o disquinho chegando ao 43º lugar das paradas e chamando bastante a atenção do meio artístico, pois vários outros músicos e compositores já relataram em depoimentos o impacto que esta canção causou, como por exemplo, Lou Reed.

- Power to the people – março de 1971
Livre do peso dos Beatles, John Lennon se sentiu mais livre para se manifestar politicamente, e no início do ano de 1971, ele deu uma entrevista para Tariq Ali (um dos grandes militantes comunistas da época) e Robin Blackburn (historiador britânico) à revista de esquerda Red Mole, e essa conversa o inspirou a compor Power to the people, uma canção na linha de Revolution dos Beatles, mas com uma mensagem ainda mais direta, exigindo o “poder para o povo” e (para não ficar só na retórica) também cobrando coerência dos militantes em suas atitudes, em especial em relação às mulheres, o que é uma sinalização ao feminismo. A faixa foi gravada no estúdio caseiro Ascot Sound Studios, que o músico montou em sua casa nos arredores de Londres, em fevereiro de 1971, e outras faixas gravadas na ocasião terminariam no álbum Imagine.
Power to people é uma canção forte e uma ótima gravação, gravada rapidamente e com bastante fluidez dos músicos, tendo Lennon nos vocais, guitarra e piano, Klaus Voorman no baixo, a adesão do saxofonista Bobby Keys (músico americano famoso por acompanhar os Rolling Stones), que assume a função de instrumento principal, e uma bateria excepcional de Jim Gordon (também americano e um dos melhores bateristas de todos os tempos, então, membro da banda de Eric Clapton), mais um coro com 45 vozes (que também marcharam com os pés no chão para dar o clima de uma passeata), que incluía cantora Doris Troy (que já cantara com os Beatles e também participaria dos álbuns do Pink Floyd), Madelline Bell, Nanette Worksman e Rosetta Hightower, todas as quatro, cantoras e compositoras de carreira própria.
Com sua sonoridade pesada, letra política e arranjo cheio de movimento, Power to the people é um grande êxito de Lennon e fez muito sucesso, chegando ao 7º lugar das paradas britânicas e ao 11º das americanas, e ficando no Top10 ou no Top20 da maioria dos países europeus, incluindo o 3º lugar na Noruega e o 4º na Holanda. Depois da tônica profundamente pessoal de Plastic Ono Band, Power to the people e sua mensagem política apontavam o futuro que Lennon seguiria nos anos seguintes.

IMAGINE, 1971
O álbum de maior sucesso e o mais famoso de Lennon em sua carreira solo foi aquele com a icônica faixa-título Imagine. Dessa vez, Lennon decidiu manter a força do conteúdo do álbum anterior, especialmente nas letras, mas colocá-las sob uma embalagem musical mais elaborada. Por isso, reuniu um grande time de músicos para acompanhá-lo naquele que é seu disco mais completo e sensacional.
Tendo construído um estúdio em sua própria casa, em Berkshire, nos arredores de Londres, para ter mais liberdade, Lennon inaugurou o Ascot Sound Studios em fevereiro de 1971 para gravar o single Power to the people, cujas sessões renderam outras faixas, como It’s so hard, I don’t want to be a soldier e o cover Well (Baby please don’t go), das quais a primeira entrou no disco. Lennon regravou I don’t want to be a soldier quando iniciou a gravação do álbum propriamente no fim de maio agora acompanhado pelo produtor Phil Spector, e seguiu até o fim de junho. Em julho, o casal Lennon-Ono e Spector foram para os EUA e no Record Plant de Nova York fizeram alguns overdubs, especialmente de instrumentos de orquestra, como uma seção de cordas (The Flux Fiddlers, que era parte da New York Philarmonic Orchestra). Entre os clássicos absolutos do disco estão: Imagine, Jealous guy, Gimme some truth, How do you sleep? e How?.

No disco, Lennon continua usando o nome Plastic Ono Band para seus músicos e aqui temos um núcleo base formado por: Lennon (vocais, guitarras, gaita e piano), seu colega de Beatles George Harrison (guitarra solo), Klaus Voorman (baixo), Nick Hopkins (piano) e Alan White (bateria), mais participações especiais de vários outros músicos. Da sessão de fevereiro, o baterista Jim Gordon toca em It’s so hard, enquanto o célebre baterista de estúdio Jim Keltner participa de algumas faixas (como I don’t want to be a soldier e Jealous guy). Bobby Keys tocou saxofone nas sessões de It’s so hard e I don’t want to be a soldier, mas sua performance foi substituída nas sessões em Nova York pela lenda do jazz King Curtis. Para o apoio ao núcleo da Plastic Ono Band, alguns outros músicos se somaram, como Joey Molland e Tom Evans (violões) da banda Badfinger que tocaram no início das gravações, depois, substituídos por Ted Turner, Rod Linton e Andy Davis (três violões para atender ao estilo Wall of Sound de Spector para encorpar o som) e John Tout tocando um piano complementar ao de Hopkins em algumas faixas, mais participações especiais do erudito John Barham no órgão harmonium em Jealous guy e Mike Pinder (da banda Procol Harum) no pandeiro. Além de produzir, Spector faz um dueto com Lennon nos refrões de Oh! Yoko, que traz o compositor tocando gaita como nos velhos tempos dos Beatles, ainda que desta vez, menos no estilo harmônico do passado e mais no estilo solto de Bob Dylan.
Algumas das canções do álbum vinham sendo buriladas há algum tempo… Mesmo Imagine é ouvida por meio de alguns acordes durante as sessões dos Beatles para o álbum Let it Be, em 1969, que foram todas filmadas (veja o documentário The Beatles: Get Back), enquanto os Beatles chegam a ensaiar um esboço de Gimme some truth, cuja versão final traz uma letra contra o governo corrupto e conservador de Richard Nixon nos Estados Unidos, com uma sonoridade rascante, uma voz rouca de Lennon e um solo de guitarra slide maravilhoso de George Harrison. Por sua vez, com outra letra sob o título de Child of nature, Jealous guy foi composta ainda em 1968, durante o retiro na Índia, registrada numa demo acústica famosa e também ensaiada pela banda nas sessões de 1969. Porém, Lennon mudou a letra ecológica existencialista para um pedido de desculpas por ser ciumento e a gravou com a bela moldura do piano de Hopkins. Algumas canções eram novas, como a ríspida How do you sleep?, um ataque direto e não disfarçado ao seu companheiro Paul McCartney, com versos como “a única coisa que você fez foi Yesterday, e desde que se foi você ficou apenas Another Day, Você devia ter aprendido alguma coisa após todos aqueles anos”, que além da boa estrutura de um rock lento, tem os refrões em ritmo de reagge e dois ótimos solos, um de guitarra slide de Harrison, outro de piano de Hopkins.

Imagine (o álbum) tem uma sonoridade maravilhosa, cheia de ótimas passagens instrumentais, como o solo de slide guitar de Harrison em Gimme some truth ou todos os solos de piano de Hopkins, que emolduram canções muito boas e muito fortes, desta vez, misturando o teor confessional e existencialista de Plastic Ono Band com a pegada mais política de Power to the people. O resultado veio: Imagine (a canção) virou um hino em todo o mundo imediatamente, um sucesso global e um dos maiores exemplos da profundidade a qual a cultura pop pode alçar quando bem feita: um hino (algo melancólico – talvez por desesperança?) pela paz mundial, ciente de que o autor era ridicularizado por isso (“você pode dizer que sou um sonhador”) num tempo em que a Guerra do Vietnã dominava as manchetes, mas ainda crendo na força da união (“mas não sou o único” e também “eu espero que você um dia se junte a nós, e um mundo será um só”). Uma linda poesia em uma linda canção.
Lançado em setembro (nos EUA) e outubro (no Reino Unido) de 1971, Imagine (o álbum) foi um sucesso avassalador: chegou ao 1º lugar das paradas da Inglaterra e dos EUA ao mesmo tempo, a única vez em que isso ocorreu durante a vida do artista. Também foi o número 1 na maioria dos países europeus e emplacou no mundo inteiro. Imagine (a canção) foi lançada como single nos EUA, onde chegou ao 3º lugar das paradas, sendo um grande sucesso de vendas, e liderou as paradas do mundo inteiro, embora, de novo, não saiu como compacto no Reino Unido, mantendo a postura de Lennon de não extrair canções dos álbuns como singles para não obrigar os ouvintes a comprarem a mesma canção duas vezes.
Todavia, em 1976, Lennon lançaria sua primeira coletânea, Shaved Fish, e para promovê-la, aceitou que Imagine saísse em compacto no Reino Unido, e para mostrar sua força, a canção chegou ao 6º lugar das paradas, quatro anos após seu lançamento! A faixa retornou às paradas em dezembro de 1980, após a morte do músico, chegando ao 1º lugar das paradas britânicas (e tendo Happy Xmas como 2º lugar!).

- Happy Xmas (War is Over) – dezembro de 1971
Tendo descoberto com Imagine que o caminho era entregar sua mensagem numa embalagem mais “polida” para o sucesso de massas, Lennon decidiu lançar uma canção de Natal como forma de celebrar os dois anos de sua campanha pela paz, iniciada em 1969 após o casamento com Yoko, e que naquela época já trouxe o lançamento do slogan War is over (if you want it) [A guerra acaba se você quiser], que foi espalhada como outdoors pelas grandes cidades do mundo. Happy Xmas, composta por Lennon e Ono, resgata o slogan numa canção de mensagem natalina pacifista.
Tendo acabado de se mudarem para os Estados Unidos – onde Lennon viveria até sua morte – gravaram a canção com uma versão ampliada da Plastic Ono Band, trazendo Lennon (vocais e violões) acompanhado de outros quatro violões (tocados por Hugh McCracken, Teddy Irwin, Chris Osboune e Stuart Scharf) para dar o típico reforço sonoro da Wall of Sound de Phil Spector, que produziu o disco, e promover um ar grandiloquente à peça acústica, mais Klaus Voorman (baixo), Nick Hopkins (piano, sinos e glockenspiel – um tipo de vibrafone), Jim Keltner (bateria e sinos de natal), Yoko Ono (vocais), May Pang (backing vocals) e o The Harlem Community Choir, com 30 crianças do Harlem fazendo o coro. A gravação ocorreu no Record Plant East, em Nova York, que viraria o estúdio favorito de Lennon e onde faria a maior parte de seu material nos anos seguintes.
O lançamento de Happy Xmas, contudo, foi conturbado: a editora Northern Songs, a qual Lennon ainda estava ligado naqueles tempos, se recusou a lançar a canção no Reino Unido por causa do crédito de coautoria a Yoko Ono, e isso atrasou o lançamento. Como solução, o casal Lennon-Ono decidiu lançar a faixa apenas nos EUA, mas a perda de tempo levou ao single sair nas lojas apenas no dia 1º de dezembro de 1971, um pouco tarde para a “temporada de Natal”, o que limitou a radiodifusão da canção. Ainda assim, Happy Xmas chegou ao 3º lugar da parada de Natal da Billboard, mas como a revista separava as canções natalinas do restante do ranking geral, não se sabe em que posição ficou nas vendas em geral nos EUA. Em paradas alternativas do país, como Cash Box e Record World, ligeiramente menos confiáveis do que a Billboard, o disquinho ficou em 36º e 28º lugares, respectivamente, e após a temporada de Natal, o single “entrou” no Hot100 da Billboard em 32º lugar em janeiro de 1972, um mês após seu lançamento.
Na Grã-Bretanha, o single foi lançado apenas um ano depois, em novembro de 1972, e agora, com bom tempo para radiodifusão foi um sucesso esmagador: chegando ao 4º lugar das paradas britânicas. Na Europa, ficou no Top10 em países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Itália, Irlanda e Noruega. Desde então, constantemente, o disquinho volta às paradas em tempos de Natal. Na Billboard, retornou às paradas de Natal nos anos de 1972, 1983, 1984 e 1985, enquanto no Reino Unido, após a morte de Lennon, em 1980, chegou ao 2º lugar das paradas de singles em geral em dezembro daquele ano, atrás justamente de Imagine, que ficou no 1º lugar, com o compositor acumulando os dois primeiros lugares das paradas tal qual nos tempos dos Beatles. Em anos mais recentes, com o acesso à informação de mais países via Globalização, se constatou sucessos nas paradas (inclusive, no Top10) de países como Croácia, Eslováquia e Eslovênia. De vez em quando, ela ainda volta à ribalta, tendo ficado no 38º lugar da Billboard em dezembro de 2022, por exemplo.

Sem dúvidas, Happy Xmas é uma das canções natalinas mais famosas da cultura pop e presença constante em playlists ou álbuns celebrativos sobre o tema, além de ter ganho inúmeras versões diferentes por outros artistas (como Andy Williams, Neil Diamond, Diana Ross, Celine Dion, Miley Cyrus e John Legend). No Brasil, é uma peça obrigatória em todos os Natais, na versão em português lançada pela cantora Simone, Então, é Natal, em 1995.
Happy Xmas foi o último single inédito de John Lennon, ou seja, de uma canção que não aparece nos álbuns regulares. Dali para frente, com o mercado de álbuns em seu apogeu em relação ao rock, Lennon cederia à prática de lançar como compactos os carros-chefe de cada álbum para ajudar a promovê-los.
SOMETIME IN NEW YORK CITY, 1972
Na época do lançamento de Imagine, John Lennon se mudou para a cidade de Nova York, nos EUA, onde descobriu que o Departamento de Imigração o tratava como uma ameaça ao país (por causa de seu posicionamento político e campanha pela paz) e pretendia deportá-lo, então, reagiu com um processo judicial contra eles. As consequências foram grandes: Lennon passou a ser perseguido e monitorado pelo FBI, o que foi gradativamente o deixando paranoico. O músico comentou isso em entrevistas na época e era visto justamente como isso, paranoico, contudo, após sua morte, um historiador usou a Lei da Informação para coletar os arquivos do FBI sobre Lennon e recebeu 10 mil páginas!!!! Os documentos comprovam que Lennon era monitorado 24 horas por dia e seu telefone era grampeado, e que ele permaneceu na mira da agência até sua morte em 1980!
Outra consequência da luta contra a deportação é que o casal Lennon-Ono ficou “preso” nos Estados Unidos. Caso se ausentasse do país era possível que nunca mais lhe fosse permitido entrar, e ao mesmo tempo, como sua situação era indefinida – pois oficialmente não tinha um visto para trabalhar, por exemplo – teve muitas complicações cotidianas e não regressou mais à sua Inglaterra natal em vida.
Ademais, chegando em Nova York, de imediato, o casal se envolveu com a extrema esquerda do país e uma série de movimentos políticos, fazendo sua base no bairro boêmio de Greenwich Village, e se aliando a nomes como os ativistas políticos Jerry Rubin e Abbie Hoffman, e o músico de protesto David Peel. O casal começou a compor canções sobre esse ambiente e a usá-las como forma de protesto direto, aparecendo num concerto pela libertação do escritor John Sinclair (que tinha sido condenado a 10 anos de prisão por portar dois baseados), em dezembro de 1971, em Michigan, onde tocaram quatro faixas (Attica state, The luck of the irish, Sister’O’sisters e John Sinclair – todas novas e inéditas), depois, apareceram no The David Frost Show ao lado de David Peel e também tocaram essas quatro faixas, e em janeiro de 1972, tocaram no Apollo Theatre em favor das vítimas da rebelião da prisão Attica State, onde tocaram três faixas (Imagine, Attica State e Sisters’O’sisters).
Todo esse material ao vivo foi gravado de modo profissional (em áudio e vídeo) e o casal Lennon-Ono pensaram em publicá-lo como um EP (compacto duplo), com o duo indo ao Record Plant de Nova York a partir de janeiro de 1972, para mixar as faixas. Nenhuma dessas gravações viu a luz do dia na época (algumas seriam lançadas no The John Lennon Anthology, em 1999), mas a ideia evoluiu para que o próximo álbum não somente fosse da dupla, mas fosse um disco duplo, com um lado em estúdio e outro ao vivo.

Animado com essa agitação, o casal se reuniu à banda alternativa nova-iorquina Elephant’s Memory e começaram a gravar seu novo álbum, o primeiro (após aqueles experimentais iniciais) a trazer um trabalho realmente conjunto de John e Yoko. A produção coube de novo a Phil Spector, mas depois, o próprio Lennon produziu (para a Apple Records) o primeiro álbum da Elephant’s Memory. O plano inicial era aproveitar o lançamento do álbum (que saiu em junho de 1972) e fazer uma turnê pelos Estados Unidos de tônica política (como parte da campanha contra a reeleição do presidente Richard Nixon) com a banda, porém, a indefinição quanto ao visto e a batalha judicial contra a deportação a tornaram impossível, e o que sobrou, além de algumas aparições na TV com a banda, foi o concerto beneficente para crianças com deficiência mental que realizou no Madison Square Garden, em 29 de agosto de 1972, em duas sessões (tarde e noite), que seria lançado no futuro como o álbum/filme Live in New York City, e se tornou bastante conhecido e importante, pois foi o último concerto completo que Lennon realizou em sua vida.
Já nessa época, Lennon começou a se afastar de seus parças Rubin ou Hoffman, porque o primeiro queria tomar o caminho do ativismo extremo, pegando em armas contra Nixon e os seus, e Lennon preferia a linha pacifista. Também tudo ficou muito pesado quando Nixon foi reeleito e o clima de derrota se abateu sobre todos.

Toda essa intensa vivência política é refletida no álbum, cujas letras trazem comentários e críticas fortes às pautas aos quais se deparavam: uma pesada mensagem feminista em Woman is the nigger of the world; a denúncia aos maus tratos nas prisões em Attica State; a crônica da chegada à cidade e seus personagens, em New York City; o comentário sobre a grave situação da Irlanda (com a guerra entre católicos e protestantes encampada pelo IRA e governo) em The luck of the Irish e Sunday bloody sunday (esta iria inspirar os irlandeses do U2 a comporem uma canção sobre o mesmo tema e com o mesmo título dez anos depois); John Sinclair, com a denúncia à injustiça contra o escritor homônimo; e Angela, na qual o casal denuncia que a prisão da ativista negra Angela Davis era uma prisão política e não criminal. A maior parte das composições do disco (Woman is the nigger of the world, Attica State, The luck of the Irish, Sunday bloody sunday, Angela) são creditadas a Lennon-Ono e o casal divide os vocais nelas à exceção da primeira; com o próprio Lennon assinando apenas New York City e John Sinclair; ao passo que Ono tem uma cota de canções solo, nas quais compõe e canta, com Sisters’O’sisters, Born on a prision e We’re all water.
Essas canções são acompanhadas pela Elephant’s Memory, e o disco é creditado a John & Yoko/ Plastic Ono Band with Elephant’s Memory, e os músicos são: Lennon (vocais, guitarras, dobro, violão), Ono (vocais), Jim Keltner (bateria) e a Elephant’s Memory, com Wayne “Tex” Gabriel (guitarra solo), Gary Van Syoc (baixo), Adam Ippolito (piano, órgão), John La Bosca (piano), Stan Brostein (saxofone, flauta) e Richard Frank Jr. (bateria, percussão).

No disco ao vivo, curiosamente, John e Yoko excluíram todo o material que apresentaram nos meses anteriores (afinal, as faixas ganharam versões em estúdio) e trouxeram gravações mais antigas de duas fontes: primeiro, um enxerto do Peace For Christmas Concert, que o casal organizou no Lyceum Ballroom de Londres em 15 de dezembro de 1969, no qual tocaram com a chamada Plastic Ono Band Supergroup, que consistia nada menos do que a reunião do casal (Lennon, guitarra e vocais, Ono, vocais) e seus músicos (Klaus Voorman no baixo, Alan White na bateria) com o supertime Delanney & Bonnie & Friends (Delanney Bramlett, guitarra, Bonnie Bramlett, vocais e percussão, Carl Randle, baixo, Bobby Whitlock, piano, Jim Gordon, bateria, Bobby Keys, saxofone, Jim Price, trumpete) mais participações de Eric Clapton, George Harrison (guitarras), Billy Preston (órgão) e Keith Moon (do The Who, na bateria). Isso mesmo! Um encontro incrível de alguns dos melhores instrumentistas do rock dos anos 1960, expresso em duas longas faixas com versões improvisadas de Cold turkey (então, ainda recém-lançada) e Don’t worry Kyoko. O que pesa contra essa performance, além da clara falta de ensaio, claro, a gravação em apenas 4 canais de tantos instrumentos, que não dá brilho a ninguém. Quando foi mixar a gravação, Lennon percebeu que o órgão de Preston ficou suprimido pela massa sonora, e já que ele fazia um longo solo em Cold turkey, foi feita uma edição da gravação e Nick Hopkins sobrepôs um solo de piano.
A segunda seção ao vivo veio da participação de John & Yoko em um concerto de Frank Zappa and the Mothers of Invection no Filmore East em 06 de junho de 1971, da época dos overdubs de Imagine. Neste caso, a dupla e o grupo improvisam em cima da canção Well (Baby please don’t go) – a mesma que Lennon gravara de improviso nas sessões de Power to the people (e seria lançada no Anthology) – e, depois, uma longa improvisação em cima de uma canção de Zappa chamada King Kong, além das inéditas Scumbag e Aü. Zappa mais tarde criticou o casal, porque eles adulteraram o copyright para essa versão de King Kong, que aparece no disco como Jamrag creditada a Lennon, Ono e Zappa. O músico americano também não gostou da mixagem e lançou sua própria versão dessa jam session no álbum Playground Psychotics, de 1992.
O grande peso político do álbum de estúdio e o excesso de experimentação (e vanguarda) do disco ao vivo, obviamente, não ajudaram em nada no sucesso comercial de Sometime in New York City. Há de se mencionar que, a despeito da enorme importância das pautas levantadas pelas letras (que são boas, sem dúvidas), exista alguma falta de brilho nas canções em si. Talvez pela urgência, talvez pela pressão daqueles tempos, quem sabe apenas uma pequena entressafra, o fato é que as canções do álbum não possuem a mesma altíssima qualidade dos dois álbuns anteriores. O fato é que Sometime… não foi bem recebido e ganhou críticas demolidoras, com a revista Rolling Stone chamando o álbum de “suicídio artístico”. A leitura das críticas da época (como a do NME na Inglaterra) parece denotar o incômodo das pessoas com aquelas canções abertamente de esquerda e na defesa de ativistas radicais (ainda que não extremos, isso é importante dizer), como Sinclair ou Davis, com a crítica (e possivelmente, também o público) muito mais confortáveis com os hinos pacifistas e a crítica social mais abstrata e não tão direcionada, como Give peace a chance, Imagine ou Revolution, da época dos Beatles.
Assim, apesar do álbum ainda chegar ao excelente 11º lugar das paradas britânicas, nos EUA a Billboard o colocou na 48ª posição – ainda que a alternativa (e menos confiável) Cash Box tenha posicionado o disco vinte posições acima, em 26º.

O casal Lennon-Ono lançou Woman is the nigger of the world como single, com Sisters’O’sister no Lado B, e o disquinho ainda chegou ao 57º lugar, mas recebeu críticas severas pelo uso da palavra nigger, que é considerada uma expressão terrível de insulto racial para se referir aos negros. Sua origem vem do latim niger que deu origem à palavra negro no espanhol e português, ao passo que o uso aceito em inglês é black e nigger virou um termo pejorativo. No contexto da canção, a dupla afirma que “a mulher é o negro do mundo” e “a mulher é a escrava do escravo”, e além do uso da palavra “proibida” (que muitas vezes é citada apenas como the N-word), recebeu críticas do movimento negro por usurpar a condição afrodescendente para a condição feminina, ainda que a faixa tenha sido elogiada pela National Organizations for Women (NOW), a principal organização feminista dos EUA.
MIND GAMES, 1973
Os problemas com a justiça e a perseguição do FBI tornaram a vida do casal Lennon-Ono impossível. Na medida em que o ano de 1973 avançava, era cada vez mais evidente que o duo iria se separar. Chamuscada pela péssima recepção de Sometime in New York City e talvez em busca de seu próprio espaço, Yoko Ono escreveu, gravou e produziu sozinha o álbum Feeling the Space, com uma banda de músicos americanos reunidos pela assistente do casal, May Pang. Lennon acompanhou as gravações de modo casual e toca guitarra apenas em duas faixas, mas gostou bastante da banda e isso o motivou a gravar um novo álbum, reunindo rapidamente um conjunto de novas canções e registrando Mind Games entre julho e agosto daquele ano. Pela primeira vez em três anos, Lennon não contou com a parceria do produtor Phil Spector e produziu sozinho o disco, mostrando que tinha aprendido mesmo o ofício. John e Yoko se separaram ao longo dessas gravações, e após o lançamento do álbum, por insistência de Ono, Lennon se mudou para Los Angeles, acompanhado de May Pang, que virou sua namorada-secretária, ao passo que Yoko ficou com o guitarrista David Spinozza, que trabalhou em ambos os discos.
Mind Games (o álbum) foi um esforço consciente de Lennon em produzir (de novo) um álbum que trouxesse sua mensagem, mas em uma embalagem menos ríspida ou pesada como fora Sometime…, e de fato, o disco se pauta em uma sonoridade mais próxima de Imagine, embora a crítica tenha reclamado da falta de foco, tanto em termos de estilos musicais (baladas folk, gospel, rockabilly, hard rock se misturam nas faixas) quanto tematicamente (há canções de amor, sofrimento pela separação e políticas). Mas a questão que fica é: em qual dos álbuns de Lennon não há essa profusão de diversidades? Tanto nos Beatles quanto solo?

Os músicos do disco são quase todos “novatos” no quesito de o acompanharem e são todos americanos (também pela primeira vez), o que talvez o tenha motivado a batizar o conjunto de Plastic U.F. Ono Band, e trazem alguns dos mais talentosos sessionmen da época. Lennon faz os vocais e toca uma profusão de instrumentos, como violões, guitarras, e vários tipos de teclados distintos; a guitarra principal cabe a David Spinozza, músico que vinha se destacando nas gravações de artistas como Paul Simon, Dr. John e Don McLean (incluindo o clássico American Pie) e tinha tocado no álbum Ram de Paul McCartney (embora Lennon não soubesse disso); Sneaky Pete Kleinow toca o pedal steel guitar em algumas faixas e Lennon o conhecia por seu trabalho com a banda de country rock The Flying Burrito Brothers e o conhecera pessoalmente nas sessões de All Thins Must Pass de George Harrison; o baixo é tocado por Gordon Edwards, dono de um estilo muito melódico e cheio de movimento na linha de Jack Bruce; os teclados (piano e órgão) e arranjos de cordas são do músico de jazz Ken Ascher; e a bateria é feita pelo velho conhecido Jim Keltner, que já tocara em Imagine, Happy Xmas e Sometime…; ganhando ainda as adesões de Arthur Jenkins na percussão; Michael Brecker no sax; e o coro de vozes femininas do Something Different Choir.
Vale a curiosidade de que como Ringo Starr tocou em Plastic Ono Band e George Harrison em Imagine e na seção ao vivo de Sometime in New York City, Mind Games é o primeiro álbum de Lennon a não ter a participação de nenhum de seus ex-companheiros dos Beatles.

O grande destaque do disco, claro, é a faixa-título que era um número que Lennon vinha esboçando há algum tempo. A melodia dos versos vinha de uma canção chamada Make love not war (“faça amor, não faça a guerra”), que Lennon compusera ainda na época das sessões do Let it Be dos Beatles, em 1969, quando esse slogan se tornou bastante popular entre os hippies. Poderia ter sido outro dos hinos pacifistas do autor na época, mas ele não conseguiu desenvolvê-la. Em 1970, Lennon gravou uma demo dessa canção já trazendo a estrutura harmônica de Mind games (com introdução e tudo) e a repetição do slogan. Quase ao mesmo tempo, também compôs uma canção de amor chamada I promise, que trazia muitas semelhanças melódicas e o lindo refrão “‘cause love is the answer” (ambos as demos podem ser ouvidos no Anthology). Em 1973, precisando de material para o disco, Lennon fundiu as duas canções a partir de uma nova letra, inspirada no livro Mind Games: The Guide to the Inner Space do casal Robert Masters e Jean Houston, lançado no ano anterior, no qual esses dois especialistas em comportamento humano defendem uma estratégia de desenvolver estados alterados da mente sem o uso de drogas, após terem sido cobaias em testes sobre os efeitos das drogas, em especial o LSD, na mente das pessoas.
Na letra da canção, Lennon faz um convite ao exercício desses jogos mentais, como um tipo de guerrilha, como um caminho para conseguir a paz e o amor (mantendo a essência da mensagem anterior) e como o refrão dizendo que “o amor é a resposta”. Na gravação, apesar de Lennon construir um arranjo de acordes elegantes através de um clavinet (um teclado de som metálico, parente do cravo), ele sobrepôs um insistente riff simples de três notas criado no mellotron (um teclado do tipo sintetizador que os Beatles usaram em Strawberry Fields forever) imitando o som de uma guitarra, reforçado por uma guitarra slide também tocada por Lennon, o que dá à canção seu mote característico.
Além da faixa-título, o álbum traz destaques no jazz de Aisumasen (I’m sorry), com seu título em japonês e um pedido de desculpas explícito direcionado a Yoko; a lenta One day (at time), que seria regravada por Elton John, mas cuja versão de Lennon se enfraquece pela escolha de cantá-la em falsete (a versão out-take do Anthology, com sua voz natural a torna uma canção estupenda); outro ponto alto do disco com a pacifista Bring on the lucie (Freeda people) na mesma linha de Power to the people e trazendo também um riff baseado em três notas que remete direto à faixa-título, mas dessa vez com o auxílio de Kleinow no steel guitar, com o Lado A fechando com o “protesto” de Nutopian International Anthem, que são apenas três segundos de silêncio e um aceno à brincadeira de 1º de abril que o casal lançara naquele ano, com a fundação de um país fictício no qual todos viveriam em paz.
O Lado B do vinil é mais “romântico”, marcado pelas dolorosas canções que narram a separação com Yoko, com a bela Out the blue fazendo uma ode a esse amor numa balada folk que ganha um ar gospel pela insistente presença do coro feminino soando como um órgão (cujo resultado final é intrusivo, e foi aliviado um pouco no remix de 2024 que o deixou mais baixo); e I know (I know) indo na mesma linha temática, apenas tentando soar esperançosa e sonoridade mais folk e toques country; e a delicada You are here narrando a improvável história de amor de duas pessoas vindas de tão longe (ocidente e oriente) com uma ótima performance da banda, um pouco atrapalhada, de novo, pelo coro forte demais, mas é possível ouvir uma versão mais limpa (e bonita) no Anthology e no Deluxe de 2024 uma versão de 11 minutos.

Apesar da reticência da crítica – traumatizada pela experiência anterior, e que “desceu a lenha” no disco, com a Rolling Stone dizendo que era sua pior obra até então – Mind Games (o álbum) fez sucesso, chegando ao excepcional 9º lugar das paradas da Billboard nos EUA, e ao 13º lugar no Reino Unido, estando no Top20 da maioria dos países europeus. E houve até algumas “boas” críticas, com a Creem dizendo que Lennon dava um passo no rumo certo, ainda que fosse apenas “um passo”. O álbum ganhou a promoção pelo single Mind games, e dessa vez (e dali em diante, sempre) Lennon cedeu e permitiu o lançamento do compacto também no Reino Unido, o que resultou na faixa chegar aos bons 18º lugar nas paradas americanas e 26º lugar nas paradas britânicas.
WALL AND BRIDGES, 1974
Após o lançamento de Mind Games, a vida de John Lennon entrou em um turbilhão incrível na esteira de sua separação de Yoko Ono, o que culminou com o lançamento do álbum Wall and Bridges, um inesperado sucesso que refez as pazes do autor com o público e a crítica. O caminho até aí, contudo, foi tortuoso…
Lançado Mind Games e separado de Yoko, Lennon acatou a sugestão da ex-mulher e foi para Los Angeles, acompanhado da namorada May Pang, no que depois o músico chamou de seu The Lost Weekend (“fim de semana perdido” – alusão ao filme sobre o alcoolismo que no Brasil é chamado de Farrapo Humano) para se reunir a Phil Spector e gravar um disco, porém, como não tinha material novo, decidiu realizar seu sonho de gravar um álbum de covers de rock’n’roll dos anos 1950, o que iniciou no final de 1973, em sessões caóticas, tomadas pelo consumo de álcool e drogas, e no fim, com Spector se apossando das fitas e ficando incomunicável após um acidente lhe deixar em coma. Com o disco inacabado e se metendo em confusões por causa do excesso de álcool com sua turma de amigos famosos, Lennon decidiu regressar para o ambiente mais “calmo” de Nova York, onde de posse de um conjunto de novas composições foi gravar um álbum de inéditas, que ensaiou e gravou entre junho e agosto de 1974 no Record Plant.

Dessa vez, reuniu uma mescla de velhos amigos britânicos com alguns outros bons músicos americanos e montou a Plastic Ono Nuclear Band, a última vez em que usou o nome de sua banda conceitual, numa versão poderosa, desta vez com: Lennon (vocais, guitarras, violão, piano e teclados), Eddie Mottau (violão de apoio), Jesse Ed Davis (guitarra solo), Klaus Voorman (baixo), Nick Hopkins (piano), Ken Ascher (teclados e arranjos de orquestra), Jim Keltner (bateria), Bobby Keys e Frank Vicari (sax tenor), Ron Aprea (sax alto), Howard Johnson (sax barítono), Steve Madaio (trompete), mais cordas e sopros da Philarmonic Orchestrange e com participações especiais de Elton John (vocais e piano) e Harry Nilsson (vocais) em algumas faixas.
Deixando de lado a política que pontuou seus trabalhos anteriores, Lennon voltou-se a temas mais existenciais que refletiam sua dor pela separação, o sentimento de culpa e o desejo de ser uma pessoa melhor, o que resultou em seu álbum mais forte desde Imagine. O disco tem uma sonoridade madura, com arranjos muito bonitos, como a percussão de Going down on love, o clima blues de Bless you, a antecipação da discomusic em What you got, a beleza melancólica de Old dirt road (que tem participação vocal de Harry Nilsson), a crítica ao showbiz com Nobody loves you when you’re down and out e o arranjo complexo de # 9 dream, que traz a enigmática frase “Ah, Bowakawa pousse, pousse”, que traz May Pang nos backing vocals.

Elton John participa cantando em duas faixas do disco, Surprise, surprise (Sweet bird of Paradox) e no carro-chefe Whatever gets you thru the night, o que rendeu um desdobramento interessante. Elton estava convencido de que essa faixa seria um sucesso e fez uma aposta com Lennon, deles cantarem juntos no Madison Square Garden caso chegasse ao 1º lugar das paradas. Porém, até ali, Lennon jamais tivera um número um solo nas paradas e não tinha motivo para crer que esta chegaria e aceitou o desafio. O resultado é que o compacto com Whatever gets you thru the night chegou ao 1º lugar das paradas da Billboad nos EUA (e ao 36º das britânicas) e o compositor precisou pagar a aposta: Lennon se juntou a Elton no show do Dia de Ação de Graças e tocaram juntos três faixas: este single, o cover de Lucy in the sky with diamonds e uma interpretação de I saw her standing there, que Elton gravou e lançaria como um EP anos mais tarde. Foi nos bastidores dessa performance que John e Yoko se reencontraram pela primeira vez desde mais de um ano de meio de separação, e onde começaram sua reconciliação.
O sucesso do álbum foi tanto que rendeu ainda um segundo single com # 9 dream chegando ao 9º lugar das paradas nos EUA e 23º lugar nas britânicas. Wall and Bridges em si chegou também ao 1º lugar das paradas dos EUA e ao 6º lugar das britânicas.
Entre as sessões de Los Angeles (que falaremos mais abaixo) e essas de Nova York, o The Lost Weekend (e o relacionamento com May Pang, precisamos dizer) fizeram muito bem a Lennon: além desse grande sucesso com sua própria obra, ele coescreveu com David Bowie a canção Fame, que foi 1º lugar das paradas nos EUA (o primeiro hit de Bowie por lá) e ainda tocou violão no cover dele de Across the universe; produziu o álbum Pussy Cats de Harry Nilsson, que era um cantor de bastante sucesso na época; e participou das sessões do álbum Caribou de Elton John, tocando nas versões dele para Lucy in the sky with diamonds e One day at time, que foram lançadas como single e chegou ao 1º lugar das paradas em novembro de 1974.
ROCK AND ROLL, 1975
Lançado Mind Games, Lennon chegou a Los Angeles disposto a gravar um álbum de covers de rock’n’roll com Phil Spector. Além de não ter nenhuma canção nova e precisar de um motivo para estar ocupado, foi instigado a realizar seu sonho de fazer um disco com suas canções favoritas a partir de um processo judicial: em 1969, o editor musical Morris Levy processou Lennon, acusando-o de plágio por Come together, dos Beatles ter algumas similaridades com You can’t catch me, de Chuck Berry, da qual Levy era o proprietário dos direitos autorais por meio da Big Seven Music. Naquele mesmo ano de 1973, Lennon fez um acordo com Levy: o de gravar três canções do selo dele (incluindo You can’t catch me) em seu próximo disco. Unindo o útil ao agradável, o músico embarcou na aventura de revisitar os clássicos do passado, um desejo que acalentava desde as sessões de Get back/ Let it be dos Beatles, quando a banda tocou várias dessas velhas canções.

De novo unido a Spector, o produtor reuniu um time estrelar de músicos e as gravações iniciaram em outubro de 1973, contudo, quando a notícia de que Lennon estava gravando na cidade, todos os artistas famosos quiseram participar e o resultado é que as sessões se transformaram em uma grande festa, regada a álcool, cocaína e outras drogas. Não bastasse toda a confusão, a festa se prolongava aos bares e boates na qual era acompanhado por gente como Ringo Starr, Keith Moon, Alice Cooper, Harry Nilsson, Mick Jagger e quem mais tivesse fôlego para segui-los. Muitas histórias narram aventuras surreais desse momento, com Cooper garantindo que eles chamavam a si mesmos de The Hollywood Vampires e pensaram em montar uma banda com esse nome, e a cantora Cher diz que precisou fazer um tour pela Mansão da Playboy com Lennon e Nilsson nus. Houve um episódio no qual Lennon e Nilsson foram postos para fora do Troubadour Night Club após tumultuarem a apresentação dos The Smothers Brothers (do qual Tommy tinha tocado violão em Give peace a chance).

Quanto ao disco em si, é curioso que antes e depois deste episódio, Lennon sempre foi o mais responsável e profissional dos artistas e levava as gravações muito a sério, nunca bebendo ou usando drogas nesse ambiente, mas a condução caótica de Spector – que também estava loucaço naqueles tempos – e dos demais amigos, resultou num resultado musical complexo. Paul McCartney chegou a reencontrar John pela primeira vez desde o fim dos Beatles e até foram juntos ao estúdio, com McCartney tocando bateria em uma sessão de Stand by me, mas todos tão bêbados que o resultado é péssimo. Em determinado momento daquela temporada, alguém derrubou uma garrafa de whiskey na mesa de som e o A&M Studios proibiu que as gravações prosseguissem ali, e no fim das contas, Spector “sumiu” com as fitas das gravações. O produtor estava tão perturbado que se negava a entregar as fitas a Lennon até o ponto em que sofreu um grave acidente de carro e ficou em coma.
Sem poder terminar o álbum, Lennon e Pang regressaram a Nova York e embarcaram nas gravações de Wall and Bridges. Lennon até incluiu a canção Ya-ya (numa versão de poucos segundos, como uma vinheta) naquele disco como maneira de acalentar Morris Levy, mas o empresário o ameaçou de outro processo por descumprir o acordo, mas Lennon o convenceu do contrário ao narrar o infortúnio do “roubo” das fitas por Spector e que o material dos covers seria lançado em breve.
Durante as gravações de Wall and Bridges, a Capitol Records conseguiu reaver as fitas das sessões de Los Angeles, mas quando as escutou, Lennon desgostou imensamente do material, com os músicos tocando mal por causa do excesso de bebidas da ocasião, e as achou inutilizáveis. Então, decidiu terminar Wall and Bridges, e logo em seguida, usou os mesmos músicos para refazer o álbum de covers numa sessão de quatro dias em outubro de 1974. No produto final, das 13 faixas, apenas 4 vieram das sessões com Phil Spector, enquanto Lennon produziu sozinho as demais.

Mas os problemas não acabaram aí… Morris Levy exigiu uma cópia da master para verificar se o acordo fora cumprindo, e Lennon o deu, então, o empresário simplesmente lançou um álbum pirata chamado John Lennon: Roots a partir de sua cópia. Agora, foi Lennon quem processou Levy e ganhou o processo. Roots foi recolhido das lojas.
A versão final de Rock’n’Roll alterna versões nas quais mantém proximidade com os arranjos originais com outras nas quais adotou outros bastante diferentes e o resultado é desigual, com alguns momentos interessantes, outros nem tanto. Também não se ateve somente a hits óbvios, e optou por alguns números mais obscuros dos quais gostava. Dentre os destaques, Stand by me (de Ben E. King) foi o grande sucesso do disco, lançada em compacto e chegou ao 20º lugar das paradas dos EUA e ao 30º do Reino Unido. Ademais, há Do you wanna dance? (que fora sucesso com Beach Boys e seria gravada pelos Ramones); Sweet little sixteen (de Chuck Berry) que ganha um arranjo bem diferente, com cordas; Bep-bop-a-lula (de Gene Vincent), uma canção que Lennon cantava desde os tempos de Quarrymen; um medley com Bring on home to me e Send me some lovin’ (de Sam Cooke) que traz backing vocals de Klaus Voorman; e Slippin’ and slidin’ (de Little Richard), que foi outro potencial single.
A lista dos músicos é imprecisa e é o único trabalho de Lennon no qual isso acontece. É sabido que há, nas faixas de 1974, a mesma banda do álbum anterior, com Lennon (vocais, guitarras, violão), Eddie Mottau (violão de apoio), Jesse Ed Davis (guitarra solo), Klaus Voorman (baixo), Ken Ascher (piano, teclados e arranjos de orquestra), Jim Keltner (bateria), Bobby Keys e Frank Vicari (sax tenor), Ron Aprea (sax alto), Howard Johnson (sax barítono), Steve Madaio (trompete), ao passo que as sessões de Los Angeles não ficaram registrados os músicos, mas se sabe que passaram nomes como Steve Crooper na guitarra, Leon Russell nos teclados, Hal Blaine e Jim Gordon na bateria, Nino Tempo no saxofone, e possível participação de Stevie Wonder nos teclados, mas não se sabe com certeza quem toca ou quê e quando.
A capa do álbum traz uma foto de Lennon em 1960, em Hamburgo na Alemanha, registrada pelo amigo existencialista Jurgen Vollmer, no tempo em que os Beatles faziam sua primeira residência por lá e as três pessoas borradas em movimento à sua frente são Paul McCartney, George Harrison e Stuart Sutcliffe. O álbum foi muito bem e fez bastante sucesso, mantendo a boa fase de Lennon, e chegou ao 6º lugar das paradas tanto nos EUA quanto no Reino Unido. Por causa disso, Lennon apareceu tocando ao vivo no programa de TV Old Grey Whistle Test, Stand by me e Slippin’ and slidin’, e depois, apareceu no show Salud to Sir Lew, no qual tocou de novo aquelas duas faixas mais Imagine, no que foi sua última performance ao vivo em vida.
Seguindo ao lançamento desse disco, Lennon se reconciliou com Yoko Ono, finalmente ganhou o green card (com o fim do processo de deportação) após quatro anos de batalhas judiciais e viu seu segundo filho nascer, Sean Ono Lennon, e passaria cinco anos afastado do showbiz.
SHAVED FISH, 1975 (coletânea)
Durante a promoção de Rock’n’Roll, Lennon disse em entrevistas que já estava planejando o próximo álbum, que poderia se chamar Between the Lines… mas o fato é que esse disco nunca veio. O nascimento de seu filho Sean, como Yoko, no dia de seu 35º aniversário, em 09 de outubro de 1975, deu início a um exílio autoimposto de 5 anos afastado do showbiz, para se dedicar à criação do filho de um modo que não fez com seu garoto mais velho, Julian, nascido no meio da beatlemania. Todavia, apesar de realmente só lançar um novo disco em 1980, não foi um período realmente de inatividade.
O fato é que Lennon pensava, num primeiro momento, em prosseguir a carreira, mas com a dissolução da Apple e o fim de seu contrato com a EMI/ Capitol Records, o músico tentou uma renovação e achou a proposta da companhia aquém de seu valor. Sem um contrato, foi deixando as coisas acontecerem… mas ele participou das gravações do álbum Retrogravure de Ringo Starr, em 1976, e em 1977, começou a escrever um musical para a Broadway, chamado The Ballad of John & Yoko, que nunca terminou, mas gerou várias canções, dentre as quais, Free as a bird, Real love e Now and then (elas lhe soam familiar?).
No meio disso, alguém teve a ideia de lançar um “the best of…” de Lennon e o músico aceitou pela oportunidade de resgatar os master tapes de seus singles, que estavam espalhados nos arquivos da EMI, Capitol ou Abbey Road sem destinação certa. Baseando seu título em uma comida japonesa, Shaved Fish é a primeira coletânea da carreira solo de Lennon, a única lançada em sua vida, e lista seus grandes êxitos até o momento, copilando alguns singles (Give peace a chance, Cold turkey, Instant karma, Happy Xmas e Power to the people) ao formato LP pela primeira vez.
A coleção tem 11 faixas e traz todas as canções lançadas como singles nos EUA, à exceção de Stand by me, porque era um lançamento muito recente e não era de autoria de Lennon. Além daquelas já citadas, o álbum trazia Mother, Woman is the nigger of the world, Imagine, Whatever gets you throught the night, Mind games e # 9 dream, e algumas curiosidades: Give peace a change aparece em uma edição de apenas 57 segundos (ao contrário dos mais de 4 minutos do mantra original) abrindo o Lado A, e recebe uma reprise no fim do Lado B, numa versão ao vivo do One to One Concert de 1972, emendada ao final de Happy Xmas; enquanto Mother aparece em uma versão exclusiva, uma nova edição da original, maior do que a versão-single e menor do que a versão-álbum, mas incluindo os sinos extraídos do compacto.
Com sua capa formada de 11 cartões desenhados (um para cada canção) por Michael Bryan, Shaved Fish foi muito bem: chegando ao 8º lugar das paradas no Reino Unido e ao 12º lugar nos EUA, enquanto a faixa Imagine foi relançada como single para promover o disco (sendo a primeira vez que a canção saía neste formato na Inglaterra) e chegou ao excelente 6º lugar no Reino Unido. Após a morte de Lennon, a coletânea reentraria nas paradas americanas, chegando ao 11º lugar em janeiro de 1981.
DOUBLE FANTASY, 1980
Após 5 anos de hiato, John Lennon volta com todo o gás para abrir os anos 1980 com um novo álbum muito forte, que abria um novo caminho a seguir, que obviamente, nunca se completou. De novo deixando a política de lado, o foco é na chegada da meia-idade, no casamento feliz, na criação dos filhos… e numa visão retrospectiva da vida, buscando algum otimismo. Era a obra de uma recém-descoberta maturidade.
Embora não gostasse de dar ênfase nisso, Lennon não passou 5 anos distante da música, apenas do showbiz. O músico continuou compondo (as dezenas de fitas demos que deixou comprovam isso) e criando, mas não se mobilizou para a finalização de nada nem para retomar a carreira num sentido estrito. Ao contrário, aproveitou seu visto permanente para viajar pelo mundo de modo anônimo, especialmente ao Japão, reforçando seus laços com o país e os avós de Sean. Mas durante uma viagem de férias às ilhas das Bermudas, no Caribe, no verão de 1980, Lennon enfrentou uma intensa tempestade e precisou, ele próprio, lutar contra o manche do barco por cinco horas, lembrando de seu pai marinheiro, cantando canções “do mar” e gritando aos céus que os deuses não iriam afundar aquele barco. São e salvo, sentiu uma epifania e compôs uma dúzia de novas canções e decidiu retomar a carreira, estimulado também pelo movimento da new age, subproduto do punk, no qual achava que artistas como B-52s tinham uma sonoridade similar a que Yoko Ono desenvolvia em seu próprio trabalho musical.

Ficou decidido, então, que o disco seria compartilhado entre o casal, com alternância de faixas deles, como havia sido Sometime in New York City, e decididos a “começar de novo” como dizia a canção que pensava ser o carro-chefe do disco, o casal Lennon-Ono contratou Alan Douglas, que havia trabalhado com eles como engenheiro de som, mas desde então, se transformara em um importante produtor musical, de artistas como Kiss e Aerosmith, além de ser o depositário da carreira póstuma de Jimi Hendrix. O casal também quis um novo grupo de músicos, escolhidos entre os melhores dos melhores, e Douglas montou a banda, que primeiro ensaiou as faixas sem a presença do casal e sem saberem de quem era aquele material. Quando revelaram que eram do casal Lennon-Ono, os músicos ficaram surpreendidos, e após um ensaio geral, gravaram o álbum em sessões secretas entre agosto e outubro no Hit Factory Studios de Nova York.

A nova banda tinha: Lennon (vocais, guitarra, violão, piano), Earl Slick (guitarra), Hugh McCracken (guitarra), Tony Levin (baixo), George Small (teclados), Andy Newmark (bateria) e Arthur Jenkins (percussão). Na verdade, McCracken já tinha tocado com Lennon em Happy Xmas e Jenkins participou tanto de Wall and Bridges quanto de Rock’n’Roll, mas os demais eram “novatos” e alguns dos melhores músicos de estúdio do mundo, com Slick vindo da banda de David Bowie e Levin ficaria mais tarde famoso por seu trabalho com o King Crimson. Quando a notícia de que o casal estava gravando um disco, todas as grandes gravadoras correram atrás deles, afinal, Lennon estava sem contrato musical há cinco anos, mas eles surpreenderam ao assinar com a recém-inaugurada Geffen Records, criada por David Geffen, que já havia sido sócio da Asylum Records. Dentre os destaques do álbum estão (Just like) starting over, Watching the wheels, Woman e Beautiful boy.
Quando o álbum foi lançado, em novembro de 1980, a crítica não perdoou o casal, considerando as canções demasiadamente idílicas, indulgentes e simplistas, mas a recepção comercial não foi ruim: antecipado, o single com (Just like) Starting over chegou ao 8º lugar das paradas britânicas e ao 10º lugar das paradas americanas, enquanto Double Fantasy chegou ao 14º lugar no Reino Unido e 11º nos EUA.
Tudo mudou, claro, depois de 08 de dezembro de 1980. Lennon e Ono decidiram não parar o trabalho das gravações e seguiram fazendo sessões com Douglas e a banda para novas canções que pensavam em lançar na sequência de Double Fantasy, para então, sair em turnê com os dois discos nas costas, no que seria a primeira excursão solo de Lennon. E foi no regresso de uma sessão noturna naquele dia que Lennon levou cinco tiros de um revólver .38 das mãos do fã com distúrbios mentais Mark David Chapman, morrendo ao dar entrada na emergência do hospital. O impacto da morte de um ex-Beatles foi imenso e chocou o mundo, ainda mais pela ironia de um lutador pela paz morrer de modo tão violento na porta de sua casa.

A morte de Lennon deu início imediatamente a uma nova beatlemania que varreu o mundo, e carregou sua carreira solo junto. Nas paradas de natal daquele ano, o single (Just like) Starting over chegou ao 1º lugar das paradas tanto do Reino Unido quanto dos EUA, e o álbum Double Fantasy também chegou ao 1º lugar em ambos os lados do Atlântico, e ao número 1 dos países europeus e do mundo todo. Logo em seguida, Imagine voltou às paradas e chegou ao 1º lugar da Billboard, enquanto Happy Xmas ficou em 2º lugar! E o álbum fez tanto sucesso que ainda rendeu outros dois singles: Woman saiu em janeiro de 1981 e chegou ao 1º lugar das paradas britânicas e ao 2º lugar das americanas da Billboard (embora a Cashbox a tenha colocado em 1º lugar), e Watching the wheels, em março de 1981, chegou ao 10º lugar do Reino Unido e ao 30º dos EUA.
O álbum ganhou sua versão em CD em 1986 e em 1989 teve seus direitos comprados pela EMI, fazendo Lennon regressar àquela que sempre foi sua casa desde os tempos dos Beatles.
THE JOHN LENNON COLLECTION, 1982 (coletânea)
O grande sucesso causado pela morte de Lennon trouxe uma grande demanda por suas gravações e se tornou mandatório criar uma coletânea para capitanear o novo momento, pois Shaved Fish não tinha as faixas mais recentes. Yoko Ono planejou o lançamento para a temporada de Natal de 1981, para marcar um ano de ausência do marido, porém, não conseguiu lançar o disco há tempo, por causa do conflito dos direitos autorais, distribuídos metade à EMI e à Geffen Records (que detinha os direitos do material de Double Fantasy), então, o álbum só chegou às lojas em novembro de 1982.
The John Lennon Collection se tornou bastante famosa nos anos 1980, no rescaldo da morte do compositor, e cobria toda a sua carreira solo, embora com apenas 17 faixas. Desta vez, Give peace a change aparece inteira (sendo a primeira vez que a canção ganha sua versão completa em um álbum); se incluem a maioria dos hits (Imagine, Instant karma, Happy Xmas, Mind games); algumas faixas dos álbuns (Love, Jealous guy); enquanto Whatever gets you tru the night e #9 dream aparecem não nas versões-singles (que são mais curtas), mas em suas versões originais dos álbuns. Todavia, chamou a atenção o excesso de canções de Double Fantasy, com boa parte do Lado B do vinil, ao ponto em que aparecem todas as canções de Lennon naquele disco, à exceção de uma. No entanto, nos EUA, Collection foi lançada com apenas 15 faixas (excluindo Stand by me e Happy Xmas, que só apareciam como “bônus” nas versões em Fita K7).
Collection ganhou sua primeira versão em CD, em 1989, e incluiu mais duas faixas: Move over Mrs. L (uma sobra de Mind Games que fora o Lado B do compacto de Stand by me e era inédita em álbum) e Cold turkey, um importante hit excluído da versão original. Com o lançamento em CD, os EUA finalmente adotaram a versão britânica, incluindo os bônus. Por fim, vale mencionar a bela capa de Collection: apesar de simples não deixa de ser poética a fotografia de Annie Liebovitz, trazendo Lennon com o olhar vagamente triste direcionado à câmera, registrada exatamente no dia de seu assassinato.
Collection fez um grande sucesso no mundo inteiro, chegando ao 1º lugar das paradas do Reino Unido e ao 33º lugar nos EUA,
MILK AND HONEY, 1984
Este disco póstumo é a sequência direta de Double Fantasy, montado a partir das canções que o casal Lennon-Ono preparava para a sequência, e no caso de Lennon, não ficaram terminadas. Contudo, na retomada dos trabalhos, três anos após a morte do músico, as relações de Yoko Ono com o produtor Jack Douglas (que processou a viúva por falta de pagamentos de direitos autorais) e com a David Geffen Records tinham se deteriorado completamente. Por isso, Milk and Honey foi lançado originalmente pela Polydor.
O álbum mimetiza Double Fantasy em tudo, desde a repetição da capa (uma nova pose, em cores, uma péssima escolha) e a alternância de faixas entre o casal. Todavia, há um descompasso pelo fato de Yoko ter resolvido trabalhar outro conjunto de suas faixas e com outro produtor e outro conjunto de músicos, o que torna o material do casal bastante distinto entre si, ao contrário da outra vez. No que cabe a Lennon, o setlist inclui petardos como Nobody told me, I stepping out, I don’t wanna face it e Borrowed time, embora é preciso considerar que todas em estágio embrionário, como esboços, e não havia nenhuma garantia de que qualquer uma delas realmente chegaria ao resultado final. Como bônus, o disco traz uma gravação demo em fita K7 de Grow old with me, que teria sido o último registro gravado de Lennon, a proposta de uma nova canção, tocada ao piano. No todo, infelizmente, o trabalho de pós-produção de Yoko Ono não consegue disfarçar a cara de “disco não acabado” de Milk and Honey e sua consequente falta de brilho.
Ainda assim, em sua época, Milk and Honey se saiu bem, chegando ao 3º lugar das paradas britânicas e ao 11º lugar nos EUA, o que mobilizou nada menos do que o lançamento de três singles: Nobody told me (uma canção que Lennon pensou em dar de presente para Ringo Starr gravar) chegou ao ótimo 6º lugar das paradas britânicas e ao 5º nos EUA; Borrowed time ficou em 32º e 108º, respectivamente; e I’m stepping out em 88º e 55º, respectivamente.
LIVE IN NEW YORK CITY, 1986 (ao vivo)
Este álbum ao vivo traz o show que Lennon realizou no Madison Square Garden em agosto de 1972, chamado à época de One to One Concert, realizado em benefício de uma escola para crianças deficientes mentais na época do lançamento do álbum Sometime in New York City, acompanhado da banda Elephant’s Memory. O lançamento do álbum cumpriu um papel importante por ser o momento em que Yoko Ono renegociou o contrato de Lennon com a gravadora EMI, trazendo-o de volta à sua velha casa. Infelizmente, apesar dos dois concertos (tarde e noite) terem sido gravados em 16 canais e filmados profissionalmente, houve alguma falha nos equipamentos que comprometeu a qualidade do áudio, especialmente, no show da noite, que teve um alto grau de volume de ruído. Yoko usou toda a tecnologia da época para minorar a perda, mas ainda assim, precisou usar muito mais material do show da tarde do que da noite, e isso gerou críticas – inclusive dos músicos – porque o primeiro show trouxe a banda muito nervosa e cometendo erros, ao passo que o segundo foi muito superior em termos de performance.
Ainda assim, apesar de tudo, é um concerto memorável e o melhor registro ao vivo do compositor em sua carreira solo. Entre as canções: New York City, Imagine, Mother, Well, well, well, Woman is the nigger of the world e até um rápido retorno ao passado com Come together. Vale anotar que Mother ganha aqui talvez sua versão mais forte. Live… também foi lançado em CD e em vídeo VHS, embora nunca em DVD.
O álbum não fez tanto sucesso na época, chegando apenas ao 41º lugar das paradas dos EUA e ao 55º lugar no Reino Unido. Ainda assim, exibido como vídeo na TV, se tornou bastante conhecido e popular, reprisado diversas vezes. As críticas ao material devem ter causado alguma impressão em Yoko, pois este álbum ao vivo simplesmente desapareceu do catálogo do músico após seu lançamento, não estando disponível, por exemplo, na discografia do músico que foi alocada nos streamings a partir de 2014.
MENLOVE AVE, 1986
É difícil entender qual era o plano de Yoko Ono, mas em 1986, no mesmo ano em que lançou Live in New York City, foi lançado o álbum Menlove Ave, nomeado a partir do endereço em que Lennon cresceu em Liverpool. A despeito da belíssima capa, com uma ilustração de Andy Warhol, é uma estranha coleção, algo despropositada de out-takes dos discos Wall and Bridges e Rock’n’Roll, o que soa, à princípio, totalmente oportunista.
No material sonoro, destaque para Lennon tocando versões mais enxutas e relaxadas de algumas canções, o que rende momentos de grande beleza, como é o caso da versão de Nobady loves you when you down and out, num ensaio com os músicos. O álbum traz apenas duas faixas inéditas: Here you go again (única composição de Lennon escrita em parceria com o produtor Phil Spector), gravada durante as sessões da primeira (e abortada) versão do Rock’n’Roll; e Rock’n’roll people, composição de Lennon (aqui, gravada durante as sessões de Mind games), originalmente lançada pelo bluesman Johnny Winter. São duas faixas interessantes, mas não justificam um álbum inteiro de sobras desconexas de dois álbuns distintos. O resultado é notório: o disco não vendeu bem e não entrou nas paradas.
IMAGINE: JOHN LENNON, 1988 (coletânea)
Esta coletânea lançada em álbum duplo é na verdade a trilha sonora do documentário Imagine – John Lennon, dirigido por Andrew Solt, que exibe a biografia do compositor montada a partir da narração em primeira pessoa (em áudio e vídeo) dele próprio. Apesar da curta duração (típica dos documentários) e de muita informação para pouco tempo, é um bom filme, trazendo um grande volume de faixas da carreira de Lennon. Mas repetir o título de seu álbum de maior sucesso é, sem sombra de dúvidas, um equívoco.
Lançado como um CD Duplo, o álbum mistura hits dos Beatles cantados e/ou compostos por Lennon (Twist and shout, Help!, In my life, Strawberry fields forever, Revolution, Julia, Don’t let me down) no Lado A; com faixas da carreira solo no Lado B (uma versão compacta de Collection), o grande destaque deste álbum duplo são duas gravações inéditas: um ensaio acústico (voz e piano) de Imagine e a balada Real love (voz e violão), esta tirada de uma gravação demo em fita k7, parte do material que compôs no Dakota durante os últimos cinco anos de sua vida. Esta faixa ganharia outras versões importantes no anos seguintes. O documentário se tornou bastante popular – e chegou até a ser exibido (dublado!) na TV brasileira, no SBT – e o disco vendeu bem, chegando até ao 31º lugar das paradas dos EUA, e ao 64º lugar no Reino Unido.
LENNON LEGEND: THE VERY BEST OF JOHN LENNON, 1997 (coletânea)
No crepúsculo da Era do CD, a EMI lançou esta boa coletânea de Lennon, bem mais abrangente do que The John Lennon Collection, trazendo as canções mais conhecidas da carreira solo do compositor em 20 faixas e tendo o destaque de trazer faixas de Milk and Honey pela primeira vez neste tipo de lançamento (pois não estiveram em Imagine, por exemplo). Esta coleção foi um grande sucesso e chegou ao 4º lugar das paradas da Inglaterra na época do lançamento, retornando às paradas em 2007 outra vez, agora, no 30º lugar (o que é muito para um disco com 10 anos de idade!). Legend também ganhou uma versão em DVD com os videoclipes além de mixagens em Dolby 5.1. Infelizmente, Yoko Ono mexeu nos vídeos para acrescentar mais imagens dela própria (!).
THE JOHN LENNON ANTHOLOGY, 1998 (box-set)
Na esteira do Anthology dos Beatles, John Lennon ganha um material do mesmo tipo: uma enorme coleção (4 CDs) de gravações inéditas, com ensaios, demos, out-takes e canções ao vivo. É um material fabuloso que permite conhecer não somente o processo de composição de Lennon (várias canções aparecem em estágios bem iniciais de trabalho), mas principalmente ouvir tentativas diferentes que resultam em versões absolutamente primorosas de algumas canções: Jealous guy, One day (at time), Bring on the lucie e You are here ganham versões mais simples e mais bonitas do que as originais; outras como Mother e God ganham novos takes impressionantes; enquanto algumas versões demos tem uma força devastadora, como I know (I know), Watching the wheels e uma nova (e belíssima!) versão de Real love (desta vez ao piano e mais parecida com a versão que os Beatles usaram no Anthology deles). Também há algumas canções inéditas, como Serve yourself e My life (esta uma versão primordial de (Just like) starting over, com outra letra e tema). Merece elogios a embalagem do lançamento, muito bonita em todos os seus aspectos. O libreto traz as letras das canções de autoria de Lennon (e exclui os covers) e detalhes dos músicos que tocaram em cada sessão. Um lançamento fabuloso para se aprofundar no making of de sua obra.
WONSAPONATIME, 1999 (coletânea)
Este disco é uma coletânea com o melhor do material de The John Lennon Anthology. Vale por cada minuto e vem em uma embalagem belíssima.
ACOUSTIC, 2004 (coletânea)
Esta coletânea foca no material acústico de Lennon, misturando faixas já lançadas em Anthology com algumas outras peças inéditas. Por oportunista que seja, é encantador ouvir o compositor tão exposto quanto nessas gravações, onde se percebe a força de suas composições mesmo nas formas mais simples.
WORKING CLASS HERO: THE DEFINITIVE LENNON, 2005 (coletânea)
Uma outra versão (ampliada) de Lennon Legend, sendo, por isso mesmo, a mais completa coletânea de Lennon que não seja um box-set. Combina todos os grandes hits, com canções menos conhecidas, Lados B e até material ao vivo (Come together do Live in New York City) e dos out-takes e demos de Anthology. São 38 faixas com um resumo completo de sua carreira. Se você quer um playlist não tão extenso de Lennon, mas ainda assim, fundamental, esta é a sua pedida.
GIMME SOME TRUTH, 2010 (coletânea)
Box-set de 4 CDs com o melhor da obra do músico dividido por temas. O disco Working Class Hero traz as canções políticas de Lennon; Woman coleta as canções de amor; Borrowed time aquelas sobre sua época; e Roots traz canções que remetem ao rock and roll dos anos 1950 que serviram de inspiração para sua carreira, sejam covers (a maioria neste caso) e algumas composições originais. Assim como The Definitive… reúne material de todo o catálogo do músico, à exceção da fase com os Beatles. Novamente, uma embalagem primorosa. Agora, precisava ter a Yoko Ono na capa? O disco é do marido dela…
POWER TO THE PEOPLE: THE HITS, 2010 (coletânea)
Para quê parar de explorar o mercado, não é? The Hits… é o resumo de Gimme Some Truth e, também, uma nova versão de Lennon Legend, tentando sintetizar o melhor da obra do músico em um único CD com seus hits principais. O melhor do álbum é sua embalagem, no típico estilo bonito e ousado adotado desde Anthology. Foi lançada uma versão dupla com o CD e um DVD com os clipes das canções.
THE JOHN LENNON SIGNATURE BOX, 2012 (box-set)
Outro box set, agora reunindo todos os oito álbuns oficiais de John Lennon em sua carreira solo (Plastic Ono Band, Imagine, Sometime in New York City, Mind Games, Wall and Bridges, Rock and Roll, Double Fantasy e Milk and Honey), acompanhado de dois CDs extras, um com as faixas lançadas apenas em singles; e outro com home takes, ou seja, gravações caseiras inéditas, trazendo versões despojadas (mas impactantes) de canções como Mother e outras totalmente inéditas como India, India. Todas as faixas foram remasterizadas e o lançamento ocorreu virtualmente, também, via iTunes. É a coleção oficial da discografia de Lennon que foi lançada no pacote de streaming do Spotify na primeira vez que isso ocorreu, em 2014.

GIMME SOME TRUTH: THE ULTIMATES MIXES
A partir de 2018, o músico e produtor e filho Sean Lennon assumiu o comando do controle artístico do espólio de seu pai, ao passo que sua mãe passou a um cargo mais “consultivo”. O rapaz (já com seus 43 anos de idade, mais do que o pai viveu) inaugurou o novo momento com o relançamento dos principais álbuns de Lennon (o pai), começando com Imagine (2018), seguindo com Plastic Ono Band (2021) e Mind Games (2024), numa série chamada de Ultimate Mixes, no qual Sean e o engenheiro de som Simon Hilton fizeram uma remasterização e remixagem completa das faixas do pai, a partir das fitas masters originais. O resultado são novas mixagens de sonoridade mais nítida, mais forte e com os vocais reposicionados e com mais destaque, um trabalho muito bom.
O relançamento do álbum Imagine talvez tenha sido um teste (que deu muito certo), porque Sean Lennon antecipou o trabalho que estava realizando para os álbuns seguintes com uma nova coletânea chamada Gimme Some Truth: The Ultimates MIxes, trazendo mais uma compilação do material de seu pai em CD duplo em 36 faixas, guardando proximidades com as coletâneas anteriores, como Legend e Power to the People, mas, por seu tamanho, principalmente com Work Class Hero, de 15 anos antes. Na era do streaming, além da versão online, também foi lançada uma versão mais simples, em CD único e somente 19 faixas (o que a deixa bem similar àquelas outras duas coletâneas). Também foram lançadas versões com 4 LPs e os pacotes foram acompanhados por um livro informativo de 124 páginas (exceto a versão simples de 1 CD).

Além do som novo, nítido e mais potente, as maiores novidades são a inclusão de algumas faixas de álbuns não tão presentes nesses lançamentos, como Isolation (de Plastic Ono Band) ou Angela (a homenagem a Angela Davis de Sometime in New York City), além do que podem ser consideradas como raridades (pela dificuldade de acesso aos que não possuem os discos originais), como Angel baby (uma sobra de Rock’n’Roll lançada em Menlove Ave, de 1986), a versão ao vivo de Come together do One to One Concert (extraída de Live in New York City e Anthology) e a versão de Lennon para Every man has a woman who loves him, canção de autoria de Yoko Ono que o músico gravou com sua voz na época das sessões de Double Fantasy/ Milk and Honey e que fora lançada em um álbum dos anos 1980 com canções de Ono interpretada por vários artistas. O único “senão” é que essas novidades tiraram o espaço de canções importantes, como Mother e Woman is the nigger of the world, que estão ausentes.
Lançada em plena pandemia de Covid-19, Gimme Some Truth causou barulho na imprensa, que elogiou a qualidade de áudio do remaster, e fez bastante sucesso: ficou em 3º lugar das paradas britânicas e 40º lugar nos EUA, chegando ao 5º lugar da Top Rock Albuns, a parada específica de discos de rock da Billboard.
Amor Verdadeiro
Em seus oito álbuns solo, Lennon imprimiu a voz de seu tempo. Seus hinos pacifistas, suas canções de amor tão rascantes, seu discurso político, ora crítico, ora panfletário, ora virulento… são algumas das impressões (em letra e música) mais fortes produzidas nos últimos tempos. Embora sua obra nos Beatles seja mais conhecida, ela é marcada por um lirismo e uma forma melódica mais acentuada e tende mais aos temas filosóficos e surrealistas.
Em sua carreira solo, Lennon se livrou das amarras e falou o que quis do jeito que quis. E com isso, nos legou uma das obras mais fortes e corajosas que um artista já produziu, mas que ao mesmo tempo tem um irresistível apelo ao grande público.
Lennon não precisa concorrer com os Beatles – ele é parte fundamental da banda – mas sua carreira individual é boa o suficiente para lhe dar “pernas próprias”, um mérito conquistado por si só de modo que talvez nenhum outro membro da banda conseguiu. Talvez Paul McCartney tenha feito mais sucesso, mas sua obra não tem nada da força, da coragem e da qualidade transbordante da carreira solo de John Lennon.
Portanto, seu legado é duplo. Os Beatles podem ter sido a maior criação de Lennon, mas também sem eles, o artista alcançou um grau destacado no panorama da música mundial.





































Muitas coisas novas e interessantes encontrei nesse artigo, bastante completo. Discordo de que ele tenha álbuns melhores que o de Paul, me identifico mais com o tipo de sonoridade deste, mas é claro que John foi uma pessoa que teve sempre muita coragem para se expor e expor sua arte tb.
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Olá, Isadora,
Que bom que você gostou do post. Um abraço cheio de música!
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