A série de TV Smallville foi um enorme sucesso nos anos 2000 e deixou um grande legado na adaptação de super-heróis ao live action, ao contar ao longo de 10 temporadas a jornada de Clark Kent de um adolescente com estranhos poderes até se tornar o Superman. E um dos destaques do programa era a personagem Chloe Sullivan, interpretada por Allison Mack. A vida da atriz, contudo, virou de cabeça para baixo quando ela foi acusada de ser uma das líderes de uma seita de escravas sexuais e terminou presa, julgada e condenada a dois anos de prisão. Ainda sob condicional, Mack participou a algumas semanas de um podcast na qual se discute sua participação na seita NXIVM (se pronuncia “nexium”) e, esta semana, ela participou do podcast Inside of You, comandado por seu ex-colega de elenco em Smallville, Michael Rosenbaum, que viveu Lex Luthor na série. Mack contou seu lado da história e disse que tenta entender como pôde participar da série de eventos, sobre culpa e arrependimento, sobre não ser uma má pessoa e chega a dizer que sofreu lavagem cerebral.

Mack como Chloe Sullivan em Smallville.

Tendo emplacado apenas alguns papeis desde que saiu de Smallville na 7ª temporada, Rosenbaum vem ganhando destaque nos últimos anos com seu podcast Inside of You, no qual entrevista atores e diretores de Hollywood em entrevistas muito boas, de qualidade realmente diferenciada em relação à vasta concorrência. O programa já gerou até um spin-off, chamado Talkville, no qual ele e o ator Tom Welling (o protagonista de Smallville) comentam cada um dos episódio daquela série.

Chloe e Clark em cena da 8ª temporada de Smallville.

Allison Mack é filha de um cantor de ópera e começou cedo na carreira artística aos 4 anos de idade, conseguindo alguns bons papeis em séries de TV na adolescência e estreando em Smallville em 2001, aos 18 anos de idade, fazendo a melhor amiga de Clark Kent, e secretamente apaixonada por ele, sendo a responsável por levá-lo no caminho do jornalismo. A rivalidade-amizade dela com Lana Lang, vivida por Kristin Kreuk, foi um dos tópicos das primeiras temporadas do programa, e mais tarde, foi revelado que Chloe Sullivan era prima de Lois Lane, que foi interpretada por Erica Durance a partir da 4ª temporada. Chloe foi uma personagem fixa do programa até a 9ª temporada (a penúltima) e apareceu em alguns episódios da 10ª temporada, inclusive, no finale.

Lana e Chloe em Smallville.

Com o fim do programa, em 2011, Mack se envolveu principalmente com o teatro e as atividades da NXIVM, que se vendia como um grupo de autoajuda para o empoderamento de mulheres, liderado pelo filósofo Keith Raniere. Aparentemente, Mack se envolveu nas atividades do grupo em 2006 a convite de sua grande amiga Kristin Kreuk, mas algum tempo depois, Kreuk se desligou da organização, e Mack permaneceu, crescendo na hierarquia e até convidando a colega Erica Durance para participar, o que ela recusou. No Inside of You, Mack diz que ficou 12 anos no NXIVM e que as atividades ilegais e moralmente condenáveis só começaram no 8º ou 9º ano, mas o fato é que denúncias sobre a perseguição e chantagem a ex-membros começaram por volta de 2015 e, em novembro de 2017, Mack foi acusada de ser a “segunda em comando” na organização, atrás apenas de Raniere, e que entre suas atividades estava aliciar novas mulheres para o culto, que eram escravizadas e abusadas sexualmente, inclusive, sendo marcadas com ferro em brasa na região próxima à virilha com um símbolo com as iniciais do filósofo.

PFX01. NUEVA YORK (ESTADOS UNIDOS), 24/04/2018.- La actriz Allison Mack abandona el Tribunal Federal hoy, martes 24 de abril de 2018, en Brooklyn, Nueva York (EE.UU.). Las autoridades de Nueva York arrestaron la pasada semana a la actriz Allison Mack, conocida por su papel en la serie “Smallville”, acusada de tráfico sexual por su presunta implicación en la secta Nxivm. Mack, de 35 años, es presuntamente responsable de tráfico sexual y de conspirar para obligar a personas a realizar trabajos forzados. EFE/PETER FOLEY

As acusações por fim viraram um caso no FBI e a cúpula da organização, que tinha algumas milionárias como financiadoras, se refugiaram no México, onde Keith Raniere terminou preso, no fim de março de 2018. Mack foi presa no mês seguinte, em Nova York, e sofreu a acusação de abuso sexual, tráfico de mulheres, conspiração e outros crimes e encarou a possibilidade de receber uma pena de 16 a 22 anos de prisão. Ela pagou fiança para responder em liberdade e, inicialmente, se declarou inocente no julgamento de agosto de 2018, todavia, posteriormente, Mack concordou em colaborar com a Justiça e depor contra Raniere, o que baixou sua pena: ela passou três anos e meio em prisão domiciliar enquanto ocorria o julgamento e foi condenada, em 2021, a dois anos de reclusão fechada, sendo libertada em condicional em 2023.

Os horrores do NXIVM foram denunciados de modo chocante na série documental The Vow, lançada pela HBO Max em 2020, na qual os crimes da seita são detalhados, inclusive, que Raniere transformou o que inicialmente era um discurso de empoderamento feminino em um culto a si mesmo, fazendo com que a seita se encarregasse de recrutar belas mulheres para lhe servirem de escravas sexuais, ao qual Allison Mack tinha um papel protagonista, ao mesmo tempo em que acumulavam imagens de nudez e informações sigilosas para pressionar e chantagear quem quer que tentasse sair da organização. As mulheres que “ascendiam” à hierarquia se tornavam “acompanhantes” de Raniere, eram marcadas em ferro em brasa, dedicavam 100% de seu tempo e de sua vida ao culto e eram obrigadas a viver sob uma dieta de apenas 500 calorias diárias para se manterem magras.

Rosenbaum e Mack no podcast.

Durante aproximadamente uma hora, o depoimento de Allison Mack a Michael Rosenbaum é chocante. Ele pergunta como as coisas escalonaram a esse ponto, e Mack disse que o processo ocorreu tal qual em uma relação abusiva, na qual a vítima encontra “justificativas” para aquilo que não é aceitável e as coisas vão ficando cada vez piores, quando essas práticas abusivas são normalizadas. Ela também chega a afirmar que sofreu lavagem cerebral e que viver com uma dieta restritiva auxiliou no processo. “Mas isso aconteceu de modo gradual, ao longo do tempo, e você não nota”, ela disse. A atriz revelou:

Uma das coisas que eu preciso definitivamente lidar cotidianamente é, tipo, “como eu objetifiquei pessoas ao ponto onde eu pensei que era normal tirar a autonomia delas?”. (…) “Como eu cheguei no ponto em que eu pensava que era normal sentir o poder sobre as pessoas?”.

Mack também fala sobre o poder em si:

Eu não estava, tipo, em busca de poder, mas eu não vou mentir e dizer que o poder não te faz se sentir bem. (…) Sabe, quando você está em prisão domiciliar por três anos e meio e na prisão por dois anos, você gasta um monte de tempo pensando sobre o que aconteceu, e como você chegou até ali, e o que você fez.

Eu fiz essa dança de ida e volta sobre responsabilidade e justificativa, e confusão, até finalmente chegar ao ponto de dizer: “ok, eu sou um ser humano que tem sombras e luzes. Eu fui pega nessa situação realmente confusa com pessoas realmente poderosas que tinham incríveis estratégias de manipulação de pessoas ao longo de algum tempo. E “o que eu fiz que eu preciso sentar com minha consciência pelo resto da minha vida e não fazer isso de novo? E eu fiz o que fiz, e como posso me perdoar por isso?” E então, com esse conhecimento, você segue adiante, eu espero, com sabedoria, e tenta fazer melhor do outro lado.

Parte significativa da fala de Mack é sobre a classificação das pessoas em “boas” ou “más” e sobre pagar por seus crimes e busca de redenção.

Eu sei que eu fiz coisas realmente más, e eu não acredito que eu seja uma má pessoa.

Mack agora trabalha com aprisionados e faz um mestrado em Serviço Social, se dedicando a ajudar pessoas que cometeram crimes a se reabilitar. Ela está casada com um ex-detento também, um homem que teve envolvimento com o movimento neonazista, mas depois se arrependeu e, hoje, se identifica como Judeu e trabalha em prol do povo judeu e prega a tolerância entre as pessoas.

Mack coloca a questão do que fazer com as pessoas que cometem crimes depois que pagam na justiça por esses crimes.

A entrevista é chocante e tocante e Rosenbaum conduz muito bem a conversa, com sensibilidade.

Os eventos em torno do NXIVM são inacreditáveis e é difícil de entender como pessoas se envolvem em práticas desse tipo, em como se é possível explorar os outros e abusá-los, e como se justificam tais atitudes. O relato de Allison Mack não exime sua culpa, mas permite adentrar na cabeça do agressor – e da vítima, pois podemos pensar, a partir de seu relato, que ela também foi vítima ao ser manipulada por “pessoas poderosas”, e se colocar, então, no papel de também agressora de outras mulheres.

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